24 de janeiro de 2018 – Quarta-feira, 3ª semana

Leitura: 2Sm 7,4-17

Ouvimos hoje a promessa do Messias ao rei Davi que acabou de conquistar a cidade de Jerusalém por volta de 1000 a.C. e queria construir um templo na sua nova capital. Escavações arqueológicas mostram, porém, que Jerusalém ainda era cidade insignificante com pouco mais de 1000 habitantes que ganhou importância só depois da queda de Samaria (722 a.C.).

Nos caps. 5-8 podemos distinguir três níveis redacionais, um antigo, outro da época do rei Josias (640-609 a.C.), outro do pós-exílio. A Nova Bíblia Pastoral comenta o texto de hoje: Duas tradições se misturam em dois projetos opostos. Uma é contrária à construção do templo (vv. 4-7; cf. 1Rs 8,27; Is 66,1-2; Mt 5,34-35; At 7,48-50); a outra, com acréscimos (v. 13), é a favor (vv. 1-3.11c-16). O primeiro projeto se caracteriza pela “tenda” (vv. 2c.6b) e é próprio da vida tribal, onde Javé é livre e errante com seu povo (v. 6). O segundo se caracteriza pela “casa” (vv. 6ª.7b.11c.13.16) e é próprio da cidade e da monarquia, onde Javé fica preso ao templo. Aqui (vv. 13-17) nasce a ideologia que identifica o rei como filho de Javé (cf. Sl 2,7; 89,27-28) e que irá culminar mais tarde no messianismo (Is 11,1; Ez 34,23-24; Zc 12,7-8).

Para fazer de Jerusalém a capital política e religiosa, Davi trouxe para ela a arca da aliança, o móvel sagrado onde se guardava as tábuas da lei (os dez mandamentos) e sobre a qual Javé se faz presente (cf. 2Sm 5-6; Ex 25,8-22). Davi está no auge do seu poder, já construiu um palácio de cedro (5,11), agora pensa em construir uma “casa” mais digna (templo de cedro; cf. 1Rs 5,20) para a arca abrigada numa “tenda” de lona.

O profeta Natã responde a este anseio de Davi numa antítese: não será Davi que fará uma casa (templo) a Javé (v. 5), será Javé que fará uma casa (dinastia) a Davi (v. 11). A promessa concerne essencialmente à permanência de linhagem davídica sobre o trono de Israel (vv. 12-16). É assim que ela é compreendida por Davi (vv. 19.25.27.29; cf. 23,5) e pelos Sl 80,30-38; 132,11-12. É o texto da “aliança de Javé com Davi” e sua dinastia.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 460) afirma: “7,1-17 é construída sobre uma dupla antítese: 1º, não é Davi quem construirá uma casa (o templo) para o Senhor (vv. 5-7), mas o Senhor é quem fará uma casa (uma dinastia) para Davi (vv.11b-12); 2º, não é Davi quem construirá o Templo, mas seu filho Salomão (v.13). A primeira antítese exprime uma ideia religiosa. Ela destaca a instituição da dinastia da obra do Templo para mostrar a gratuidade de favor divino concedido a Davi: ao fazer dele o fundador de uma linhagem real, o Senhor corou os seus benefícios, recordados nos vv. 8.9.11. A segunda antítese corresponde a uma realidade histórica: apesar de seus êxitos, Davi não teve tempo de realizar a intenção que o v. 2 lhe atribui, nem de empreender a construção, longa e onerosa, que será realizada por seu filho (1 Rs 6). Ainda que sua justaposição pareça resultado de composição secundaria, essas duas afirmações podem remontar a época de Salomão e revelar a opinião dos escribas da corte, ligados à dinastia e ao Templo. A redação deuteronomista do discurso de Natã, claramente perceptível (cf. de modo particular vv. 1.10.13) não apagou a ideia mestra mais antiga. Posta na juntura da história da ascensão de David (cf. 1Sm 16,1) e da história de sua sucessão (cf. 9,1), a “profecia de Natã” é o ponto culminante dos livros de Samuel. Ao deixar clara a eleição da dinastia de David, ela é uma das fontes da ideia messiânica.

A palavra do Senhor foi dirigida a Natã nestes termos: ”Vai dizer ao meu servo Davi: Assim fala o Senhor: Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (vv. 4-5).

O profeta da corte, Natã (cf. Eclo 47,1), concordou primeiro com os planos de Davi (vv. 2-3). Mas um verdadeiro profeta não é um bajulador do rei, sim o questiona quando a conduta do rei não é conforme os planos de Deus (cf. 2Sm 12, depois do adultério com Betsabeia). Natã será o articulador a ascensão de Salomão (1Rs 1). A tradição fez de Natã um dos historiadores de David (cf. 1Cr 29,29).

Pois eu nunca morei numa casa, desde que tirei do Egito os filhos de Israel, até ao dia de hoje, mas tenho vagueado em tendas e abrigos. Por todos os lugares onde andei com os filhos de Israel, disse, porventura, a algum dos chefes de Israel, que encarreguei de apascentar o meu povo: “Por que não me edificastes uma casa de cedro?” (vv. 6-7).

Procurou-se nos vv. 6-7 a primeira expressão de uma corrente hostil ao Templo, que se exprime efetivamente em 1Rs 8,27; Is 66,1-2; At 7,48. De fato, Natã é favorável à manutenção da velha tradição representada pela arca, e contrário à novidade de um templo à moda de Canaã. O problema foi resolvido pela instalação da Arca no Templo construído por Salomão (1Rs 8,1.10-12).

O Deus de Abraão, Isaac, Jacó (Israel) e dos hebreus guiados por Moisés no deserto é um Deus livre, nômade, não sedentário (cf. v. 7; Ex 25-31; 35-40; Nm 10,11-36; e o livro dos Juízes). “Residir, habitar, morar” (lit. sentar-se; vv. 1.2.5-6.18) é uma das palavras-chaves do capítulo. As interrogações de vv. 5-7 podem ser entendidas como protestos contra a construção, feita por um homem, de uma morada destinada a Deus. Percebe-se aí uma fonte da polêmica de At 7,48 contra o Templo: “O Altíssimo não habita em obras de mãos humanas” (cf. At 17,24). É possível que uma declaração do oráculo primitivo, referente a Davi, tenha sido ampliada no momento de sua redação, num tempo em que a ruína de Jerusalém tinha motivado certo desinteresse em relação ao templo (cf. 1Rs 8,27; Is 66,1-2).

Dirás pois, agora, ao meu servo Davi: Assim fala o Senhor Todo-poderoso: Fui eu que te tirei do pastoreio, do meio das ovelhas, para que fosses o chefe do meu povo, Israel. Estive contigo em toda parte por onde andaste, e exterminei diante de ti todos os teus inimigos, fazendo o teu nome tão célebre como o dos homens mais famosos da terra. Vou preparar um lugar para o meu povo, Israel: eu o implantarei, de modo que possa morar lá sem jamais ser inquietado. Os homens violentos não tornarão a oprimi-lo como outrora, no tempo em que eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. Concedo-te uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos (vv. 8-11b).

Os vv. 6-11b resumem a história de Davi como a do povo de Israel. Depois de tirar os israelitas da escravidão no Egito, Deus conduziu o povo pelo deserto a caminho da terra prometida (vv. 6-7), mas nesta terra precisava guerrear contra os povos cananeus e filisteus. Então, Deus “estabeleceu juízes” para defender o povo contra estes “homens violentos” (v. 11).

O último dos juízes, Samuel, ungiu o primeiro rei, Saul, mas este não obedecia à palavra de Deus (1Sm 8-15). Então Samuel ungiu outro, Davi, um pastor de Belém (v. 8b; 1Sm 16; Sl 78,70s) para ser “chefe do povo” (cf. este título militar e político em 2Sm 5,2-3; 6,21; 1Rs 1,35; 14,7; 16,2). Mais bem sucedido e popular do que o próprio rei, Davi acabou sendo perseguido por Saul (1Sm 18-30). Depois da morte de Saul, Davi foi aclamado rei por todas as tribos de Israel e escolheu Jerusalém como capital (2Sm 5-6).

Agora, estabelecido “instalado e livre dos inimigos (cf. v. 1 e as mesmas expressões agrupadas em Dt 12,10; Js 21,44; 1Sm 12,11), Davi quer construir uma casa para Deus. Mas Deus não é doméstico, caseiro. Desde o tempo dos patriarcas, Javé se revelou ao seu povo e a Davi sempre em movimento: “tirando, guiando, conduzindo”. O Deus de Israel é exatamente aquele que não se deixa fixar num lugar específico, é superior aos deuses pagãos locais. O Deus do universo não precisa de comida nem de bebida, nem de moradia (cf. Is 66,1s). Aquele que não tem casa nem onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9,58p) é aquele que deu a Israel uma terra e a Davi uma capital com seu palácio e dará mais ainda.

E o Senhor te anuncia que te fará uma casa. Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, então, suscitarei, depois de ti, um filho teu, e confirmarei a sua realeza (vv. 11c-12).

Antes o Senhor questionou: “Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (v. 5) e continua aqui respondendo “E o Senhor te anuncia que fará uma casa para ti” (v. 11c). É um jogo de palavras com os significados bíblicos de “casa”: no sentido comum significa a construção com material fixo, lar que acolhe e protege sendo centro de convergência (cf. Gn 4,17; 11,4 etc.). Aqui, em sentido metafórico, a casa são as pessoas da casa: família, dinastia, servos (cf. Gn 16,2; At 10,2; 11,14; 16,15.31; 18,8; 1Cor 1,16; a “casa de Israel” em 2Sm 6,15 etc.). A família se constrói com filhos e sucessores. Deus promete outra estabilidade a Davi, não local, mas temporal, pela história: uma dinastia, uma permanência de linhagem davídica sobre o trono de Israel.

Quando Davi “completar seus dias e repousar com seus pais” (mesma expressão em Gn 47,30; Dt 31,16; muito frequente nos livros dos Reis, cf. 1Rs 1,21; 2,10 etc.), Deus firmará a realeza para seu “descendente” (nossa liturgia traduz “filho”; lit. “aquele que sairá de tuas entranhas” (cf. Gn 16,11; Gn 15,4). Este esclarecimento constitui uma transição entre o coletivo “descendência”, que designa a linhagem davídica (cf. 22,51; Sl 89,5.30.37 e Jo 7,42; Rm 1,3; 2Tm 2,8), e o “descendente/filho” imediato (cf. Gn 4,25 ) do qual fala o v. 13, isto é, Salomão. Ao invés, a promessa se refere à descendência, como a promessa feita a Abraão (Gn 12,7; 15,18; 17,7-10) que se individualiza em Gn 21,13 (Isaac).

No paralelo posterior 1Cr 28, Davi relata: “Deus me disse: ’Não construas casa para meu nome, pois foste homem de guerra e derramaste sangue… É teu filho Salomão que construirá minha casa e meus átrios, pois foi a ele que escolhi como filho e serei para ele um pai’” (1Cr 28,3.6).

Será ele que construirá uma casa para o meu nome, e eu firmarei para sempre o seu trono real (v. 13).

Davi não vai construir o templo, seu filho Salomão será este construtor (1Rs 5,15-6,37; 7,13-8,66). Este v. 13, que se refere evidentemente a Salomão, é geralmente considerado como uma adição ao oráculo original a Davi.

A referência ao “Nome” é um traço teológico deuteronomista (cf. Dt 12,5.11.21; 14,23-24; 16,2 6.11; 26,2; 1Rs 3,2; 5,17.19; 8.17.18.19.20.44.48; 9,3.7; 11,36; 14,21; 2Rs 21,4.7). “Estabelecer, (con)firmar” é ainda uma palavra-chave do capítulo (cf. vv. 12.13.16.24.26 e 1Sm 13,13; 2Sm 5,12; 1Rs 2,24). Mas a promessa vai para além de Salomão; o fim do v. 13 garante o trono à sua dinastia “para sempre”.

Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho (v. 14a).

É uma fórmula de adoção, como em Sl 2,7; 89,27; 110,3 (grego), mas é também a primeira expressão do messianismo real: cada rei da linhagem davídica será uma imagem (embora imperfeita, cf. o final do v. e Sl 89,31-34) do rei ideal do futuro. Os reis de Israel e do Antigo Oriente se consideravam adotados por Deus na hora da sua posse (consagração, unção, coroação; cf. Sl 2; 110). Em vez de Davi dar estabilidade a Deus (com a construção do templo), Deus dará estabilidade à dinastia de Davi, não só a Salomão, mas a toda sua descendência “para sempre” (vv. 13.16; Is 9,6; Lc 1,32, cf. a promessa feita a Abraão em Gn 12,2-3.7; 15,18; 17,7-10). A fórmula é aplicada, no NT, à entronização messiânica de Jesus (cf. Mc 1,11p; Lc 1,35; At 13,33; Rm 1,3s; Hb 1,5; 5,5).

Se ele proceder mal, eu o castigarei com vara de homens e com golpes dos filhos dos homens. Mas não retirarei dele a minha graça, como a retirei de Saul, a quem expulsei da minha presença (vv. 14b-15).

Aplicando-a ao Messias, o paralelo 1Cr 17,13 suprimiu a segunda parte do v. 14: “Se ele falhar, eu o corrigirei como varas e golpes, como costumam os homens…”. O rei em Israel não está acima das leis, suas faltas pessoais serão castigadas (cf. 2Sm 12,9-12), mas, contrariamente ao princípio de Ex 20,5; 34,7; Nm 14,18; Dt 5,9, sua descendência nada sofrerá por causa delas e continua segura de reinar para sempre (cf. v. 15). Encontra-se aí o essencial daquilo que 23,5 (e Sl 89,29; Is 55,3) chamam de “aliança (eterna)” do Senhor com Davi.

Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para sempre”. Natã comunicou a Davi todas essas palavra se toda essa revelação (vv. 16-17).

Os reis depois de Salomão não seguiram mais os caminhos do Senhor, mas os profetas (cf. Is 9,6) alimentaram a esperança por um “messias” (= rei ungido) no povo judeu (que espera até hoje).

Esse texto fundou a concepção messiânica, elaborada tanto no Antigo como no Novo Testamento. Com o fracasso da realeza em Jerusalém, o Messias (rei descendente de Davi) torna-se o rei ideal que libertará o povo e o fará viver conforme a justiça e o direto (cf. Is 11,1-9). O Novo Testamento (NT) vê a pessoa de Jesus como a realização da promessa do Messias (“Cristo”=Ungido=Messias). Paulo declara Jesus “nascido da estirpe de Davi” (Rm 1,3). Em Mc, Jesus é chamado “filho de Davi” (Mc 10,47s; cf. 11,10; 12,35-37). Mt começa a genealogia de Jesus iniciando com Abraão passando por Davi e terminando com “José, esposo de Maria, de que nasceu Jesus, que é chamado o Cristo” (Messias; Mt 1,1.6.16s). Em Lc 1,32s, o anjo anuncia a Maria que seu Filho “será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó (=Israel), e o seu reino não terá fim.”

Vivendo por volta de 1000 a.C., Davi foi visto na história posterior como rei ideal e da sua “casa” (família, dinastia, descendência) sairia o messias. Esta promessa do messias (= ungido, Cristo=crismado), anunciada e reforçada pelos profetas (Is 7,14; 9,5s; 11,1-5; 42,1; Jr 23,5s; Mq 4,14; Ag 2,23), alimentou a esperança do povo de Deus por 1000 anos até a chegada de Jesus e continua ainda: muitos judeus de hoje ainda esperam pelo messias e consideram Jerusalém como capital inegociável. O que une cristãos e judeus hoje é apostar num futuro melhor que será a vinda do messias (ou, para os cristãos, a volta dele), contra a falta de esperança e perspectiva no mundo atual.

Evangelho: Mc 4,1-20

O evangelho de Mc é uma narração mais de ações (milagres, paixão) e menos de discursos, com exceção dos caps. 4 e 13 (discurso de parábolas e o discurso escatológico). Hoje ouvimos o início do primeiro discurso com uma série de parábolas como exemplo característico do ensinamento de Jesus (cf. 1,21-22.27).

Jesus começou a ensinar de novo às margens do mar da Galileia. Uma multidão muito grande se reuniu em volta dele, de modo que Jesus entrou numa barca e se sentou, enquanto a multidão permanecia junto às margens, na praia. Jesus ensinava-lhes muitas coisas em parábolas. E, em seu ensinamento, dizia-lhes: ”Escutai! O semeador saiu a semear (vv. 1-3).

Apreciamos o gosto de Mc pela descrição do cenário (vv. 1-2): a barca serve de púlpito (cf. 3,9; Lc 5,3); da praia, o povo contempla Jesus como vindo das águas, por contraste, escutam uma linguagem agrícola. As parábolas ou comparações são meios de instrução sapiencial (cf. Sl 49,5; 78,2; Eclo 39,2-3). A primeira é quase uma metalinguagem: a palavra acerca da palavra (v. 14, cf. Is 55,10-11). Protagonista é a semente, essa pequenez prodigiosa que se deixa tomar e espalhar e imediatamente inicia sua atividade. O desenvolvimento da parábola se parece a de alguns provérbios do tipo: três mais um quarto (cf. Pr 30,15-33). São três fracassos e um êxito destacado.

Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho; vieram os pássaros e a comeram. Outra parte caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; brotou logo, porque a terra não era profunda, mas, quando saiu o sol, ela foi queimada; e, como não tinha raiz, secou. Outra parte caiu no meio dos espinhos; os espinhos cresceram, a sufocaram, e ela não deu fruto. Outra parte caiu em terra boa e deu fruto, que foi crescendo e aumentando, chegando a render trinta, sessenta e até cem por um” (vv. 4-8).

As causas externas de fracasso vindas de fora opõem-se à extraordinária fecundidade da semente quando cai em terra boa. A parábola pode exprimir a confiança de Jesus. Ele semeia a palavra e, apesar de perdas, indiferenças e resistências, haverá um “bom fim”, uma boa colheita (cf. Jo 12,24). Por outro lado, pode ser também um apelo aos ouvintes para acolherem bem a palavra no coração (“na terra boa”, vv. 8.20).

E Jesus dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (v. 9).

A frase “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” reforça o convite inicial (v. 3), é um apelo necessário para perceber o alcance de um ensinamento figurado (cf. 4,23; 7,16). A parábola deve levar os outros para refletirem e, naquele momento, está a realizar-se neles.

Quando ficou sozinho, os que estavam com ele, junto com os Doze, perguntaram sobre as parábolas. Jesus lhes disse: “A vós, foi dado o mistério do Reino de Deus; para os que estão fora, tudo acontece em parábolas, para que olhem mas não enxerguem, escutem mas não compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados” (vv. 10-12).

Numa brusca inversão de cena, Jesus fica “sozinho” (a multidão de v. 1 reaparece em v. 36) e responde aos doze apóstolos e outros “que estavam com ele” (v. 10). A eles caberá explicar as parábolas do mestre, entretanto seu segredo não é conquista humana, mas dom celeste. O tema das parábolas (e do ensinamento de Jesus, cf. 1,15) é “o mistério do reino de Deus” (cf. Sb 2,22; 6,22; Rm 16,25-27; Ef 1,9; 3,9; 6,19; Cl 1,26-27; 2,2; 4,3). “Os que estão fora” são os não estão com Jesus, não entendem ou não querem entender, neles se cumpre o destino fatal anunciado em Is 6,9-10 (cf. 44,18-19): “para que olhem, mas não enxerguem, escutem, mas não compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados.” No tempo de Jesus, a frase alude à resistência das autoridades, no tempo da Igreja, aporta para a rejeição e para ruptura consumada. O fato de que a maioria dos judeus não se converteu está no plano misterioso de Deus (cf. Rm 11,7-16.29-32).

E lhes disse: “Vós não compreendeis esta parábola? Então, como compreendereis todas as outras parábolas? O semeador semeia a Palavra. Os que estão à beira do caminho são aqueles nos quais a Palavra foi semeada; logo que a escutam, chega Satanás e tira a Palavra que neles foi semeada. Do mesmo modo, os que receberam a semente em terreno pedregoso, são aqueles que ouvem a Palavra e logo a recebem com alegria, mas não têm raiz em si mesmos, são inconstantes; quando chega uma tribulação ou perseguição, por causa da Palavra, logo desistem. Outros recebem a semente entre os espinhos: são aqueles que ouvem a Palavra; mas quando surgem as preocupações do mundo, a ilusão da riqueza e todos os outros desejos, sufocam a Palavra, e ela não produz fruto. Por fim, aqueles que recebem a semente em terreno bom, são os que ouvem a Palavra, a recebem e dão fruto; um dá trinta, outro sessenta e outro cem por um” (vv. 13-20).

Os próprios discípulos têm dificuldade de entender, como muitas vezes em Mc (v. 13; 6,52; 8,17-18.21.33; 9,10; 10,38). Mc acrescenta uma explicação da parábola do semeador (vv. 14-20) que traz o cunho de sua utilização na Igreja primitiva. A comunidade se reconhece na parábola e formula alguns perigos e ameaças entre os quais lhe cabe viver e agir: perseguições e tribulações, entusiasmo sem perseverança, inconstância, preocupações materiais. O interesse que na parábola estava na fecundidade da semente e esperança da colheita, se transforma na explicação para as disposições dos ouvintes.

O site da CNBB resume: Entre as diversas formas muito utilizadas por Jesus para nos mostrar as realidades eternas, encontramos as parábolas. A partir das experiências do dia a dia das pessoas, Jesus vai mostrando as verdades do Reino. Hoje o evangelho nos mostra a parábola do semeador, pregada e explicada por Jesus, para mostrar a necessidade de acolhermos a sua mensagem de tal modo que ela produza muitos frutos para nós e para toda a Igreja. As parábolas nos mostram a necessidade de olharmos a vida e tudo o que nos cerca com os olhos da fé, a fim de que possamos tirar da realidade lições de vida que nos aproximem cada vez mais de Deus e nos ajudem a descobrir e realizar a sua vontade.

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