24 de Janeiro de 2021, 3º Domingo do Tempo Comum: Jesus lhes disse: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”

3º Domingo do Tempo Comum

 1ª Leitura: Jn 3,1-5.10

A 1ª leitura foi escolhida em vista da pregação da conversão no evangelho de hoje (Mc 1,14s).

O livro do profeta Jonas é atípico; está entre os livros proféticos, porém, seu conteúdo é mais sapiencial e cômico; prova que humor e religião podem combinar. O protagonista (cf. 2Rs 14,25) é um profeta atípico: desobediente a Deus, fraco na fé e teimoso, mas humano e mais perto de nós do que alguns dos seus colegas de profissão. Ele devia anunciar a destruição à cidade pagã de Nínive, capital da temida Assíria. Com medo, Jonas embarcou em direção oposta, mas através de uma tempestade e uma baleia, Deus o traz de volta (caps. 1-2). O cap. 3 trabalha por paralelismo: Jonas, o hebreu que crê, e os ninivitas, pagãos idólatras; os ninivitas convertidos e os marinheiros bons (1,5-15). Jonas antes em oração solitária (cap. 2), agora prega a multidões (cap. 3).

A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, pela segunda vez: (v. 1)

Tudo recomeça com a palavra do Senhor (cf. 1,1), só que mudou o destinatário: agora Jonas sabe que é inútil tentar escapar de Deus (cf. Sl 139). Se escapou, foi da morte. Desta vez, o profeta vai obedecer e anunciar.

“Levanta-te e põe-te a caminho da grande cidade de anuncia-lhe a mensagem que eu te vou confiar”. Jonas pôs-se a caminho de Nínive, conforme a ordem do Senhor. Ora, Nínive era uma cidade muito grande; eram necessários três dias para ser travessada (vv. 2-3).

Sendo representante do mundo pagão, a cidade de Nínive é gigantesca (lit. “grande em relação a Deus”, a expressão mais forte de superlativo em hebraico), como a baleia; e engole o profeta por “três dias”, como a baleia (2,1); outro exagero para acentuar as dimensões desta metrópole.

Jonas entrou na cidade, percorrendo o caminho de um dia; pregava ao povo, dizendo: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (v. 4).

Jonas percorreu a cidade só por um dia, pronunciando apenas quatro palavras em hebraico: “Ainda 40 dias, e Nínive será destruída” (v. 4; cf. Na 3,7). Em hebraico é um verbo ambíguo, que significa arrasar, subverter e converter. A Tradução Ecumênica da Bíblia traduz: Nínive ficará de pernas para o ar. É o verbo das cidades malditas (Gn 19,21.25.29; Is 1,7; Jr 20,16 etc.) e o verbo da mudança radical de atitude ou situação (Dt 29,22; Os 11,8; Sl 105,25 etc.).

“Quarenta dias” (uma “quaresma”) lembram os 40 dias do dilúvio e os 40 anos do deserto no êxodo (cf. Elias em 1Rs 19,8); são um prazo, não para antecipar a angústia diante do inevitável, mas para provocar uma reação que o evite.

Os ninivitas acreditaram em Deus; aceitaram fazer jejum, e vestiram sacos, desde o superior ao inferior (v. 5).

A reação é sensacional: é Nínive, a arqui-inimiga de Israel, modelo de agressão e crueldade (cf. Na 3,1.4) se converte a partir da única frase do profeta Jonas. Creram “em Deus”; não diz: em Yhwh (Javé – Senhor; cf. os marinheiros em 1,16), mas tampouco menciona seus deuses pagãos que são “ídolos vazios”. O que creem então? – Que o grito do estrangeiro é palavra de Deus; creem na ameaça merecida e no prazo para penitência.

Cumprem os ritos de penitência e de luto, pelo quais demostram diante de Deus a sua conversão: fazer jejum, vestir sacos, usar cinzas (vv. 5-8; Sl 35,13; Jr 36,9; Jl 1,14; Ez 27,30s; Est 4,1), “desde o superior ao inferior”, das elites (pessoas do alto escalão, de nível superior) até à massa popular (gente simples, sem instrução).

Nossa liturgia omite os vv. 6-9 que apresentam detalhes desta penitência, como a conversão do rei que conclamou à conversão dos maus caminhos e decretou o jejum de todos os seres humanos e dos animais, sem comer nem beber água. A reação dos ninivitas e do seu rei é o contrário da reação negativa da elite de Jerusalém à profecia de Jeremias (cf. Jr 36).

Vendo Deus as suas obras de conversão e que os ninivitas se afastavam do mau caminho, compadeceu-se e suspendeu o mal, que tinha ameaçado fazer-lhes, e não o fez (v. 10).

A mensagem se concretiza no verbo hebraico da “conversão” (repetido quatro vezes nos vv. 8-10, duas para os homens e duas para Deus). Deus está disposto a mudar, se o homem mudar. O que Deus quer é a conversão, e a missão do profeta, portanto, atinge perfeitamente seu objetivo. Só para o próprio Jonas vai custar a compreender esta misericórdia de Deus (Jn 4).

No cap. 4, Jonas se zanga por Deus não cumprir sua ameaça de destruição, mas aprende que Javé não é um Deus nacional, mas o Deus de toda a humanidade. Ele quer que todos se convertam, para que tenham a vida, porque é um “Deus compassivo e clemente, lento para ira e cheio de amor” (4,2; cf. Ex 34,6).

O que é oferecido aos israelitas (Ex 32,14; Jr 26,13; 36,7) vale também para os pagãos, representados por Nínive e seu rei; é o princípio formulado por Jeremias: “Ora, eu falo sobre uma nação ou contra um reino, para arrancar, para arrasar, para destruir, mas se esta nação, contra quem eu falei, se converte de sua perversidade, então eu me arrependo do mal que jurara fazer-lhe” (Jr 18,7-8). Esta conversão exemplar dos ninivitas será lembrada por Jesus em Mt 12,41; Lc 11,30.32.

Vemos aqui em Nínive o que nenhum profeta conseguiu em Israel: os pagãos se arrependeram e se converteram participando da penitência inclusive os animais. Como é que Deus poderia negar o perdão a essa gente mais sensata que o povo de Israel? O Deus dos judeus é também o Deus dos pagãos (Rm 3,29). O livro de Jonas é um livro ecumênico, ou seja, nos convida a superar preconceitos e reconhecer o bem nas religiões diferentes, valorizando mais o que nos une do que nos separa.

A data do livro pode ser o tempo do pós-exílio, entre 400 e 350 a.C., quando o povo judeu estava se fechando num nacionalismo exclusivista (cf. Esd 4,1-3; 9-10; Ne 13,3), bem refletido na mesquinhez do “justo” Jonas. Todavia os caminhos de Deus são diferentes dos caminhos dos homens (cf. Is 55,8s). Nínive, capital da Assíria, foi destruída pelos exércitos dos babilônios e medos em 612 a. C., não era mais de uma lembrança longínqua, mas tornou-se modelo de crueldade e opressão contra o povo de Israel. Deus, porém, quer salvar também os inimigos, os pagãos (cf. Mt 5,43-48). Não quer que suas criaturas se percam (cf. Sb 1,12ss); para ele, ninguém está irremediavelmente perdido (cf. Ez 18,23.32; Lc 15). Com este universalismo, o livro aponta para o Novo Testamento (cf. evangelho de hoje).

 

2ª leitura: 1Cor 7,29-31

A 2ª leitura continua com as respostas de Paulo na primeira carta aos cristãos em Corinto, cidade considerada devassa. No domingo passado, o apóstolo declarou o corpo humano “santuário do Espírito Santo” e não objeto de fornicação (6,12-20). Hoje e no próximo domingo, ouvimos trechos do cap. 7, em que Paulo responde à pergunta, “não é bom ao homem tocar em mulher?” (7,1). O apóstolo declara válido o casamento, com prazer (heteros)sexual e indissolúvel, conforme a palavra do Senhor, “o que Deus uniu, o homem não separa” (Mc 10,1-10), mas para si prefere o celibato (ficar solteiro pelo reino de Deus, cf. Mt 19,12). O celibato não é mandamento divino, mas conselho evangélico (v. 25).

A virgindade é frequentemente mencionada a propósito do casamento e vice versa. Paulo assim sugere a complementaridade desses dois estados, ambos são um dom: “Cada uma recebeu de Deus o seu dom (carisma) particular; um, deste modo, outro, daquele modo” (v. 7).

Paulo fala sucessivamente das pessoas casadas (o casal cristão, vv. 1-11; o casamento entre cristãos e pagãos, vv. 12-16) e das pessoas não casadas (as virgens, vv. 25-35; os noivos, vv. 36-38; as viúvas, vv. 39-40). O princípio geral de solução para as questões abordadas é apresentado nos versículos anteriores da nossa leitura (vv. 17.20.24): “Cada um permaneça na condição em que se encontrava quando foi chamado”.

Eu digo, irmãos: o tempo está abreviado. Então, que, doravante, os que têm mulher vivam como se não tivessem mulher; e os que choram, como se não chorassem, e os que estão alegres, como se não estivessem alegres, e os que fazem compras, como se não possuíssem coisa alguma; e os que usam do mundo, como se dele não estivessem gozando. Pois a figura deste mundo passa (vv. 29-31).

Há uma razão para não mudar seu estado civil: a parusia (volta do Senhor). Sua proximidade iminente relativiza todos os valores e atividades do cristão (sobre a iminência ou a demora da parusia, pode se comparar 1 e 2Ts). Aquilo que Lc 14,26s diz em termos de preferências, aqui é traduzido em termos temporais.

Temos que levar em conta que Paulo esperava ver a vinda de Cristo ainda em vida (cf. 15,51s; 1Ts 4,15). Os escritores depois dele, evangelistas e cartas posteriores, tinham que explicar a “demora” da parusia (agora já faz 2000 anos), por ex.: Mt 24-25; Lc 12,35-46; 2Pd 3.

O que Paulo aqui diz, não é um desprezo desdenhoso do mundo e desta vida com seus sofrimentos e alegrias (como pregavam os filósofos estoicos). É a consciência de que a temporalidade humana é vista aqui à luz da iminência escatológica. Comparam-se as categorias de pessoas com a escatologia de Is 24,1s (cf. Mc 13,15-20p). Paulo convida menos à indiferença com as realidades profanas do que à vigilância, para evitar se atolar nessas preocupações quando as realidades essenciais estão alhures (em outro lugar, no reino de Deus; cf. Mt 6,25-36). Não se deve esquecer o caráter relativo das coisas em face de Cristo e do reino vindouro.

“O tempo está abreviado”, imagem expressiva e termo técnico da navegação (lit.: o tempo cerrou as suas velas). Qualquer que seja o intervalo entre o momento presente e a parusia (volta de Cristo no fim do mundo; cf. 1,7s; 15,51s; 1Ts 5,1; Mc 13,24-32p; etc.), ele perde de importância, pois de qualquer forma, o mundo futuro já está presente no Cristo ressuscitado. “Pois a figura deste mundo passa”; termina a figura (grego: esquema) do grande teatro do mundo, ou então a representação e aspecto presentes, para dar lugar a outro (cf. Ap 21,5). Sl 102,27 diz “como roupa que se muda”.

Do seu ponto de vista, Paulo teme que o casado tenha que se preocupar demais das coisas do mundo e agradar a sua esposa em vez de dedicar toda sua energia para o serviço do Senhor (vv. 32-35, leitura no próximo domingo). Só entenderá o celibato quem está consciente da transitoriedade do mundo com todas as suas necessidades (incluído o casamento).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1394) resume: A virgindade é proposta como livre escolha; aliás, a mesma motivação com que Jesus propôs o celibato (Mt 19,10-12). As motivações para essa escolha são três: as tribulações da carne (v. 28), a brevidade do tempo (v. 29) e a transitoriedade deste mundo (v. 31). Diante da expectativa do fim iminente, não valia a pena tomar novas iniciativas. As pessoas começavam a preparar-se para essa vinda do Senhor (2 Cor 6,2).

 

Evangelho: Mc 1,14-20

No Ano B, se lê o evangelho de Mc. Este evangelho é o mais antigo e o mais curto (apenas 16 caps.). Não narra nada da infância de Jesus, mas apresenta logo no início o batismo de Jesus por João Batista (cf. o evangelho há 15 dias), e depois a vitória de Jesus sobre a tentação no deserto (evangelho do 1º domingo da Quaresma); em seguida, no evangelho de hoje, o início da sua pregação e o chamado dos primeiros discípulos.

No domingo passado, ouvimos a vocação dos primeiros discípulos na versão do evangelho mais novo, o de Jo (Jo não tem um ano próprio na liturgia dominical, mas é lido nos tempos especiais da Quaresma e da Páscoa e completa Mc no Tempo comum).

Em Jo 1, os discípulos conheceram e seguiram Jesus a partir da indicação de outras pessoas (João Batista, parentes e outros discípulos). Em Mc, o próprio Jesus toma iniciativa, ele os chama enquanto exercem sua profissão (cf. 2,14), mas o seguem imediatamente deixando tudo.

Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (vv. 14-15).

Como a tentação é narrada em apenas dois versículos, nossa liturgia prefere acrescentar mais dois que já ouvimos há um mês atrás (3º Domingo do Tempo Comum), mas pelo tema quaresmal da “conversão” caem muito bem aqui.

O evangelista separa o tempo e o espaço de Jesus e do Batista. Mesmo comprovada sua missão como messias no batismo e na tentação, Jesus não começou pregar, enquanto João ainda atuava na beira do rio Jordão. Será por coincidência ou por respeito? Em Jo 1, Jesus, Pedro e André já eram discípulos no âmbito de João Batista. Quando o Batista foi “preso” (lit: entregue, cf. 9,31; 10,33; 14,41), o grupo se desintegrou e voltou à sua pátria “Galileia” (cf. 1,9; Jo 1,43s). Como o menino Jesus obedeceu a seus pais (Lc 2,51), Jesus poderia ter respeitado seu mestre João (apesar de ser superior a ele, cf. Mt 3,14s; Jo 1,30), antes de começar sua própria pregação. A menção da prisão do Batista traz a expectativa de que Jesus anuncie uma mensagem de esperança e libertação. Mc resume a pregação de Jesus em poucas palavras: Jesus não anuncia a si mesmo (cf. 1,1: “evangelho de Jesus”), mas o “evangelho de Deus”, ou seja, o “Reino de Deus”.

“Anunciar o evangelho de Deus” corresponde à linguagem da missão helenista (1Ts 2,9; cf. Gl 2,2), enquanto “anunciar o Reino de Deus” à tradição da Palestina (Mt 10,7; Lc 10,9).

Jesus aparece ao arauto de Is 52,7: “Como são belos os pés dos mensageiro que anuncia a paz, do que proclama a boa nova (evangelho, cf. Is 61,1) e anuncia a salvação, do que diz a Sião: ‘O teu Deus reina’”.

No Antigo Oriente não havia estados democráticos, apenas monarquias (um rei ou imperador com todo poder em suas mãos). De maneira análoga no AT (Antigo Testamento), Deus é visto como “rei”, sentado no trono e cercado de uma corte celeste (anjos), governando toda a terra, a criação e as nações (cf. Sl 24; 145 etc.). De maneira especial, Deus é rei de Israel, seu povo escolhido. Atendendo ao pedido do povo, Deus concedeu um rei (monarca) para governar as doze tribos de Israel, mas não sem crítica e submetendo o rei à lei de Deus (cf. 1Sm 8). Ao segundo rei, Davi (cerca de 1000 a.C.), prometeu um descendente que governaria para sempre, o “messias” (rei “ungido”, 2Sm 7). Nos tempos difíceis, os profetas continuavam alimentando esta esperança por um messias salvador (Is 9,5s; 11,1-5; Jr 23,5-6 etc.). O termo e conceito próprio do “Reino de Deus” aparece pela primeira vez nas visões apocalípticas de Dn 2,44 e 7,14.

“O tempo já se completou” (v. 15); tem duas palavras gregas por tempo: chronos (duração, cf. Gl 4,4) e kairós (momento definido, certo); Mc usa o kairos que se completou, expressão apocalíptica para designar os momentos definidos por Deus (cf. Dn 7,22; Ez 7,12; 9,1; Lm 4,18; Ap 1,3; 1Pd 1,11). Deus fixou o tempo certo para a chegada de Jesus, é uma mudança de época, a grande virada do tempo, o “Reino de Deus está próximo”, mas em que sentido? É a parusia (vinda) triunfal do Filho do Homem no final dos tempos com raios, anjos, trombetas etc. (13,24-27)? Aqui ainda não, mas o Reino de Deus está presente já, a partir de agora começa se manifestar e crescer (cf. as parábolas do cap. 4) até a vida eterna (9,47).

Jesus é o “Filho do homem” (Mc 2,10.28 etc.) a quem Deus entregará este reino (cf. Dn 7,13s). Com ele, o reino “está próximo”; ele é o rei (Cristo=Messias) que representa este reino. Isto é o que a Igreja vai anunciar após a sua morte e ressurreição. Para Paulo, o centro da pregação já é o próprio Cristo, não mais o reino (cf. 1Cor 1,22-24; Gl 2,20 etc.).

Na história da Igreja, com o passar do tempo e a demora da parusia, o termo “reino de Deus” torna-se um termo da eclesiologia, ou seja, identifica-se mais e mais o reino com a Igreja, com a comunidade, onde Cristo se faz presente (aspecto presente do reino). No séc. 20, resgata-se o significado escatológico do reino (aspecto futuro). De fato, o termo Reino de Deus tem os dois significados, presente (desde já) e futuro (ainda não), e permanece um símbolo crítico contra absolutismo eclesial e mundano.

Como João Batista (v. 4), Jesus também anuncia a “conversão” (mudar de mentalidade, voltar-se a Deus), mas não com ameaças proféticas, sim com a “boa nova”. Os apóstolos continuarão esta pregação de conversão (6,12). A palavra grega “evangelho” (euaggelion) significa “boa mensagem” (cf. Is 40,9; 52,7), por ex. na ocasião de uma vitória ou do nascimento de um herdeiro, cf. Lc 2,10s). A pregação apostólica é a boa nova de Jesus Cristo (messias) morto e ressuscitado (cf. Rm 1,3s.9; 1Cor 15,2). Devemos “crer” (confiar) neste evangelho, nesta pessoa. Assim Mc entendeu a sua obra (cf. o título em 1,1), que se torna depois o protótipo de um novo gênero literário “Evangelho segundo …”, parecido à uma biografia, mas não quer passar informações neutras, sim convidar para fé: “Convertei-vos e crede no evangelho!”.

E, passando à beira do mar da Galileia, Jesus viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus lhes disse: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”. E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus (vv. 16-17).

Um rei não faz as coisas sozinho, mas tem seus ministros. Também um profeta e um rabino têm seus discípulos. Então o messias Jesus chama os primeiros discípulos como colaboradores. No “mar da Galileia” (o lago de Genesaré com 15 km de extensão) havia muitos pescadores; era uma profissão para os que não possuíam terras na Galileia, região de muitos latifúndios. Jesus chama dois irmãos, Simão (chamado depois de “Pedro” em 3,16; Mt 16,18; Jo 1,42: “Cefas” em aramaico; cf. 1Cor 9,4; 15,5; Gl 1,18; 2,7-14) e André para outra pesca, a “de homens” (cf. Lc 5,1-11; Jo 21) formando uma rede de evangelizadores. A boa notícia (evangelho) do reino atrairá multidões.

Simão Pedro e André deixaram “imediatamente as redes”, mas não logo a família e a casa em Cafarnaum onde Jesus curará a sogra de Pedro (cf. 1,21.29-31). Esta casa servirá como ponto de acolhida para Jesus (cf. 2,1; 3,20.31). Jesus usará também a barca de Pedro para as travessias no lago (3,9; 4,1.36 etc.; cf. Lc 5,3).

Caminhando mais um pouco, viu também Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca, consertando as redes; e logo os chamou. Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus (vv. 19-20).

Novamente Jesus chama dois irmãos, Tiago e João, filhos de Zebedeu (apelidados “filhos do trovão”, cf. 3,17). Impressionante como deixam imediatamente tudo, a barca e ainda o pai com os “empregados” (funcionários da microempresa? ou quer dizer que o pai não vai ficar desamparado) e seguem Jesus (cf. 2,14; 9,34s; 10,28-30.35-40.52; Lc 9,57-62p).

Para Mc, a palavra de Jesus tem poder e autoridade, é diferente daquela dos escribas e maior do que a dos profetas (cf. 1,22.27; 8,27-29; Lc 9,57-62p; 1Rs 19,19-21). É “palavra de rei (messias)” que deve ser atendida e “seguida” logo, imediatamente. É Palavra eficaz de Deus (Deus falou e assim se fez, cf. Gn 1; Hb 4,12s). A palavra euchtys (“logo, imediatamente”) é preferência de Mc.

Quando a palavra (vontade) de Deus é obedecida, o Reino de Deus começa realizar-se (cf. os pedidos na oração do Pai-Nosso em Mt 6,10).

Para refletir: o que responder a críticas modernas que dizem: “Jesus não queria fundar uma igreja” e “Jesus anunciou a vinda do reino de Deus, mas o que veio? A Igreja!” Fato é que Jesus chamou colaboradores para anunciar o reino de Deus. A Igreja continua fazendo isso.

O site da CNBB comenta: A pregação inicial de Jesus é um grande convite à mudança, e esta mudança tem como consequência o discipulado, o seguimento de Jesus. De fato, quem se converte verdadeiramente faz com que Jesus se torne o centro da sua própria vida e a razão da sua existência, e o discipulado é a grande manifestação dessa centralidade de Jesus, que pode acontecer tanto por meio das vocações de especial consagração, como a sacerdotal ou religiosa, como através da vocação laical, que leva o cristão a testemunhar a presença de Jesus em todos os meios em que vive e a ser fermento, sal e luz no meio da sociedade.

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