24 de Julho 2019, Quarta-feira: Quem tem ouvidos, ouça!” (v. 9).

16ª Semana do Tempo Comum

Leitura: Ex 16,1-5.9-15

Ouvimos hoje sobre o maná, alimento milagroso com que o Senhor assegurou a vida do povo no deserto após a libertação da escravidão.

A redação sacerdotal do Pentateuco deu a entender que a festa da Páscoa foi instituída na ocasião da libertação da escravidão do Egito (cf. 12,1-4; na verdade já era uma festa mais antiga de pastores que se associa com a libertação; cf. comentário de sexta-feira passada). Em Ex 16, a mesma redação fala sobre a instituição do sábado na ocasião do milagre do maná. Ela já mencionou o sábado como descanso de Deus no relato próprio da criação (Gn 2,2-3), mas agora o sábado torna-se um distintivo do povo israelita. O relato sacerdotal, que baseia aqui a lei do repouso sabático sobre o dom do maná, deve ter recebido acréscimos de tipo litúrgico e integrado alguns elementos mais antigos (vv. 4-5; 13b-15; 21b; 27-30; 35b) que veem no maná uma “prova” (v. 4), anunciada em 15,25 e ligada a lei do sábado (cf. v. 30).

Uma narrativa paralela encontra-se em Nm 11,4-9 que pode ser mais antiga por não ser relacionada ao sábado (cf. leitura e comentário de 2ª feira da 18ª semana).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 92) comenta: Narrativas como aves migratórias esgotadas que são levadas pelo vento ao deserto (Nm 11,31-35), e sobre a palavra “maná” associada ao hebraico man-hu (“o que é isso?”; cf. vv. 15-31; Nm 11,7-8): são dois artifícios para apoiar a construção pós-exílica da história de Israel como povo numeroso que sai do Egito e, após 40 anos no deserto, entra em Canaã. Emoldurado pelo ensino sobre o sábado (vv. 1-4 e 21-30), há no núcleo uma ética contra o acúmulo (vv. 16-20), que pode ter orientado a partilha dos alimentos nas vilas camponesas. Ética semelhante aparece em Mc 6,30-44; 8,1-9; Jo 6; At 2,44-45; 4,32-35.

Toda a comunidade dos filhos de Israel partiu de Alim e chegou ao deserto de Sin, entre Elim e o Sinai, no dia quinze do segundo mês da saída do Egito (v. 1).

Atribui-se ao autor sacerdotal a preocupação pela topografia e pela cronologia. O povo saiu do Egito há exatamente um mês (cf. 12,6) e está caminhando pelo deserto. Os alimentos trazidos do Egito devem ter acabado (cf. 12,39). A questão da água já provocou o primeiro murmurar do povo contra Moisés em 15,22-27. O deserto de Sin é uma estação na caminhada do deserto (cf. Nm 33,11s).

A comunidade dos filhos de Israel pôs-se a murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto, dizendo: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos juntos às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?” (vv. 2-3).

A “murmuração” mostra que o povo ainda não assumiu a condição de povo livre, prefere voltar à dependência da escravidão a passar fome no deserto. Na reflexão religiosa de Israel, o deserto aparece como lugar privilegiado da prova e das murmurações (14,11; 15,24; 16,3.7-8; 17,1-7; 32; Nm 11,1-4; 12,1; 14,1-4; 16,3.14; 20,2-5; 21,5), de onde se pode sair vitorioso somente pela fé e pela esperança (cf. Sl 78; Hb 3,7-19).

Na linha de Oseias (Os 2,16-17) e de Jeremias (Jr 2,2), o cântico de Dt 32 pensa, ao contrário, que uma civilização de abundâncias é uma provação mais perigosa para a fé do povo de Deus (cf. também a passagem de Jesus pelo deserto, Mt 4,1-11p). Com suas murmurações (cf. 15,24), Israel rejeita a difícil aventura da saída do Egito, o projeto de libertação, e lhe distorce o sentido, dizendo: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito!”

O protesto pertence a um esquema que se repete com variações. O primeiro elemento é um juízo comparativo: Era melhor a escravidão no Egito, inclusive com a morte repentina. O segundo elemento é uma acusação que deforma, inverte o sentido de saída, afirmando que é para morrer.

O Senhor disse a Moisés: “Eu farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à prova, para ver se anda ou não na minha lei (v. 4).

O termo “pão”, porém, pode designar toda espécie de alimento. Supõe-se uma súplica precedente de Moisés, a qual o oráculo do Senhor responde. O oráculo tem algo de resumo programático: o fato em seu aspecto transcendente “chove do céu”, a sua função como “provação do povo”, a modalidade relacionada com o sábado. Não menciona as codornizes (aves migratórias; cf. v. 12; Nm 11,31s).

No sexto dia, quando prepararem o que tiverem trazido, terão o dobro do que recolhem diariamente” (v. 5).

Nossa liturgia cortou boa parte do cap. 16 que narra depois a colheita dos dias da semana e o dobro na sexta-feira, porque não haverá maná no sábado. Percebe-se outra vez a mão da tradição sacerdotal na rigorosa regulamentação da colheita do maná, submetida a exigências do sábado (cf. vv. 22-30). A colheita do maná deve obedecer a distribuição igualitária: todos têm o mesmo direito aos bens, de modo que não faltem e não sobrem para ninguém (v. 18). É proibido acumular qualquer excedente (v. 19), que produziria o senso de posse e desigualdade.

O sábado marca a passagem de uma vida escrava (trabalho forçado de segunda a segunda) para uma vida livre: todos têm o direito ao descanso. O sétimo dia é o dia em que o homem se refaz dentro do projeto de liberdade e vida (cf. Ex 20,8-11; Dt 5,12-15; cf. a leitura da próxima 6ª-feira com comentário mais detalhado sobre o sábado).

E Moisés disse a Aarão: “Dize a toda a comunidade dos filhos de Israel: ‘Apresentai-vos diante do Senhor, pois ele ouviu a vossa murmuração. ’“ Enquanto Aarão falava a toda a comunidade dos filhos de Israel, voltando os olhos para o deserto, eles viram aparecer na nuvem a glória do Senhor (v. 9).

Nos vv. 9-12 se percebe mais a desordem do relato. Os versículos 9-10 são litúrgicos: aproximar-se diante do Senhor, como entrar no templo e aproximar-se do santuário. Aparição da “glória” do Senhor como elemento culminante, na “nuvem” (no culto, a fumaça do incenso; cf. Lv 16,2.13). A nuvem lembra a coluna de fogo e nuvem na passagem do mar Vermelho (13,21s; 14,19s.24) e antecipa a manifestação da presença divina no monte Sinai, a nuvem associada a “glória” em 24,15s; 33,18; 34,5) e depois na Tenda da Reunião (33,9s; 40,34-38).

A nuvem é sinal da vinda de Deus, velada, mas atuante (cf. a coluna de nuvem e fogo ou a nuvem luminosa da glória em 13,21; 14,19.24; 19,9.16; 24,15-18; 40,34-38; 1Rs 8,10; Sl 18,10; 97,2). Em Lv 16,2.13 esta densa nuvem se confunde com as fumaças do incenso que, no culto, simbolizam a presença oculta de Deus. No evangelho, na transfiguração, a mesma nuvem indica a presença de Deus-Pai em Jesus (17,5p; cf. At 1,9). A “glória” de Deus é a sua manifestação com majestade e poder, um espécie de presença invisível (33,18.22) ou visível em símbolos ou em ação. Enche a terra (Is 6,3) e está sobre o céu (Sl 113,4) e também no templo (cf. 1Rs 8,10s; Is 24,23).

O Senhor falou, então, a Moisés, dizendo: “Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel. Dize-lhes, pois: ‘Ao anoitecer, comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus. ’“ Com efeito, à tarde, veio um bando de codornizes e cobriu o acampamento; e, pela manhã, formou-se uma camada de orvalho ao redor do acampamento (vv. 11-13).

O relato sacerdotal mesclou numa só narração a passagem das codornizes e o dom do maná. Uma tradição mais antiga anotou a chegada das codornizes em Nm 11. O Maná e as codornizes reunidos na mesma narrativa colocam um problema. O maná é devido a secreção de insetos que vivem em certas tamareiras, mas somente na região central do Sinai: ele é colhido em maio-junho. As codornizes, cansadas pela travessia do mar mediterrâneo na volta da sua migração para a Europa, morrem em setembro em grande quantidade sobre a costa, ao norte da península, levadas pelo vento (cf. Nm 11,31). Esta narrativa pode combinar a lembrança de dois grupos que deixaram separadamente o Egito e cujos itinerários naturais servem para ilustrar a providência especial de Deus pelo seu povo.

Quando se evaporou o orvalho que caíra, apareceu na superfície do deserto uma coisa miúda, em forma de grãos, fina como a geada sobre a terra (v. 14).

Ou então “arredondada” ou “coagulada”; a geada era considerada orvalho congelado que caia do céu (cf. Sl 147,16; Eclo 43,19).  

Vendo aquilo, os filhos de Israel disseram entre si: “Que é isto?” Porque não sabiam o que era. Moisés respondeu-lhes: “Isto é o pão que o Senhor vos deu como alimento” (v. 15).

É um trocadilho para explicar o nome Maná. Em hebraico, “Que é isso” = man hû, etimologia popular do termo maná, cuja significação exata é desconhecida. A seiva de um arbusto do deserto que ressuda e se solidifica, pode servir de alimento complementar. A reflexão de Israel interpretou esse fato de várias maneiras. Para Nm 11,4-6; 21,5, o maná é apenas um alimento desprezível, uma simples guloseima para enganar a fome. Para textos mais tardios (Sl 105,40; 78,24s; Ne 9,15.20; Sb 16,20-21), o maná aparece como um alimento maravilhoso, sinal da solicitude de Deus. Para Ex 16 (como para Dt 8,3), é “pão do céu”, provém de Deus, mas como uma “prova”; é na verdade, uma comida misteriosa e frágil (vv. 15 e 21) através da qual se passa a exigir a obediência à lei do sábado (vv. 27-30).

Quando terminar o tempo do deserto, tempo de prova, o maná dará lugar aos produtos da terra prometida (v. 35; cf. Js 5,12). Celebrado nos Salmos e na Sabedoria, o alimento do maná torna-se para a tradição cristã (cf. Jo 6,26-58), a figura da eucaristia, alimento espiritual da Igreja, o verdadeiro Israel, durante seu êxodo terreno (sobre o maná no NT, cf. Jo 6,32; 1Cor 10,3; Mc 6,30-44p).

Evangelho: Mt 13,1-9

Chegamos ao terceiro grande discurso de Jesus no evangelho de Mt. Depois da ética do sermão da montanha (caps. 5-7) e das recomendações para missão (cap. 10), Jesus fala sobre o reino de Deus (cf. 4,17.23; 9,35; 10,7) em várias parábolas. Este discurso, Mt já encontrou em Mc 4 e o ampliou com outras fontes (de Q, cf. Lc 13,20s.23s; talvez de outra edição de Mc, e fontes próprias). Já explicamos a parábola de Mc 4,1-9 (Tempo Comum, 3ª semana 4ª feira).

Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galileia (v. 1).

Mt mudou a introdução: Jesus “saiu de casa”. A casa não foi mencionada explicitamente no final do cap. 12, quando seus familiares “ficaram fora” (12,46-50p). A cena no lago de Genesaré (“mar da Galileia”) lembra o chamado dos discípulos (4,18p) e as exigências do seguimento (8,24-27). Jesus “se senta” para ensinar (cf. vv. 1-2; 5,1; 15,29; 23,2; 24,3). Na antiguidade, o mestre ficava sentado ao ensinar.

Uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia. E disse-lhes muitas coisas em parábolas: (vv. 2-3).

Desde 12,23 as multidões estavam ausentes. Agora se reúnem de novo ao ar livre em volta dele. Jesus começa se distanciar do povo como antes de seus familiares e entra num barco (junto com os discípulos? cf. v. 10; 8,23-27). Mt evita o verbo “ensinar” (Mc 4,2), porque lembra seus leitores judeu-cristãos do ensino da lei nas sinagogas. Jesus, porém, “disse-lhes” muitas coisas em parábolas.

Nossa “Palavra” em português vem do grego Parábola. O que significa “parábola”?  Em grego: comparação, equação; em hebraico (mashal): metáfora, sentença, fábula, provérbio, enigma. Mt ainda não usou este termo e o usará só quando Jesus fala em público ao povo todo (cf. vv. 10-13.34).

As parábolas ou comparações são meio de instrução sapiencial (Sl 49,5;78,2; Eclo 39,2-3). Em Mc, a primeira parábola é quase uma metalinguagem: a palavra acerca da palavra (4,14; cf. Is 55,10-11). Mt explica que se trata da “palavra do Reino” (v. 19; cf. 4,23; 9.35; 24,14).

“O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram. Outras sementes caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra. As sementes logo brotaram, porque a terra não era profunda. Mas, quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz. Outras sementes caíram no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram e sufocaram as plantas. Outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente (vv. 3b-8).

Protagonista é a semente, essa pequenez prodigiosa que se deixa tomar e espalhar e imediatamente inicia sua atividade. O desenvolvimento da parábola se parece a de alguns provérbios do tipo: três mais um quarto (cf. Pr 30,15-33); são três fracassos e um êxito destacado.

Opõem-se as causas externas de fracasso vindas de fora e a extraordinária fecundidade da semente quando cai em terra boa. A parábola exprime a confiança de Jesus. Ele semeia a palavra e apesar de perdas, indiferenças e resistências, garanta-se uma boa colheita, um bom fim (cf. Jo 12,24). Por outro lado, é também um apelo aos ouvintes para acolherem bem a palavra no coração (“na terra boa”, v. 8) e a procurarem “entender” (vv. 19.23).

Para Mt, é importante refletir sobre a situação da comunidade e do indivíduo, perguntar sobre seus frutos. Existem na comunidade pessoas que nem foram atingidas pela palavra ou não a praticam (cf. 22,11-14; 24,37-25,46)? A parábola com sua explicação (vv. 18-23) quer incentivar a reflexão e a autocrítica.

Quem tem ouvidos, ouça!” (v. 9).

A frase final é um apelo necessário para perceber o alcance de um e ensinamento figurado (cf. Mc 4,9.23; 7,16; Dt 29,3; Sl 115,6). A parábola deve levar o ouvinte a refletir e, naquele momento, está a realizar-se nele.

Em Mt e Lc, esta parábola de Mc é interpretada mais em vista do crescimento da Igreja: Mt destaca a formação dos discípulos em 13,23 (quem ouve a palavra “e a entende”; seguem-se as parábolas do joio, tesouro e perola) e Lc a mensagem da misericórdia e “perseverança” em Lc 8,15 (quem ouve “com coração nobre e generoso”; no contexto, depois da acolhida da pecadora e da lista das discípulas, cf. Lc 7,36-8,3).

O site da CNBB comenta: Jesus começa a ensinar por meio de parábolas. Então perguntamos: o que de fato é necessário para que possamos entender as parábolas de Jesus? Para respondermos a esta pergunta, precisamos fazer outra: Por que Jesus ensina em parábolas? Respondendo a esta pergunta entendemos o significado da ação de Jesus em ensinar em parábolas. A parábola parte de uma situação da vida para mostrar os valores do Evangelho e isso nos mostra que os valores evangélicos são para serem vividos e não simplesmente entendidos. Portanto, não é quem teoriza a fé que entende as parábolas, mas quem vive a fé. O que é necessário para entender as parábolas de Jesus? A resposta é: unir a fé à vida.

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