24 de Julho de 2020, Sexta-feira: A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta (v. 23).

16ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Jr 3,14-17

Jeremias é conhecido como o profeta que anunciou a invasão dos babilônios e a destruição de Jerusalém, mas a leitura de hoje já trata da restauração de Israel e Judá (como os caps. 30-33) e supõe a perda da arca acontecido na destruição de 587.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 964) comenta: Trata-se de um oráculo de restauração messiânica, acrescentado no tempo pós-exílico. Símbolo da presença de Deus no meio do povo, a arca, apropriada por Davi (cf. 2Sm 6,1-19) e aprisionada no Templo (cf. 1Rs 8,1-9), possivelmente foi queimada durante a destruição de Jerusalém em 587 a.C. Ainda assim, o redator deuteronomista, vinculado à casa davídica, insiste na restauração de governantes, na centralidade da Jerusalém futura como “trono de Javé” e na unidade do reino (Judá e Judá). Teologia igual a essa é encontrada em Ez 37,15-28.

A Bíblia do Peregrino (p. 1853) comenta: As promessas acumulam os grandes temas de uma futura restauração e supõem a catástrofe consumada: reunião dos dispersos, governo de estilo davídico, nova escolha de Sião e Jerusalém, reunificação dos dois reinos. Três notas temporais de futuro indefinido (16a.17a.18a) podem servir para unificar ou diferenciar. No seu lugar atual as promessas soam condicionadas à conversão dos apóstatas; por sua relação com outras passagens do livro, soam como promessa taxativa.

Convertei-vos, filhos, que vos tendes afastado de mim, diz o Senhor, pois eu sou vosso Senhor; vou tomar-vos, um de uma cidade e dois de uma família, e vos reconduzirei a Sião (v. 14).

O mesmo apelo nos vv. 14 e 22: “Convertei, filhos, que vos tendes afastado de mim” ou “Voltai-vos, filhos rebeldes”; são os apóstatas de Israel e Judá (cf. vv. 11s).

Eu sou vosso Senhor”, aqui não é tradução de Javé, mas do hebraico Baal, não o ídolo, mas o significado “dono” ou “marido”, pois Baal significa as duas coisas. Como dono, Javé reunirá o que é seu, como marido acolherá a esposa, seu povo com que fez aliança (cf. Os 2,18). À luz de textos como Am 9,9 ou Is 27,12, “um e dois” podem indicar o cuidado particular, uma seleção, mais que sugerir a ideia de um resto minúsculo.

Eu vos darei pastores segundo o meu coração, que vos apascentarão com clarividência e sabedoria (v. 15).

“Segundo o meu coração” ou “que me agradem” é expressão davídica (1Sm 13,14) e também a imagem pastoril (Sl 78,71s). O tema é desenvolvido em 23,1-8, onde promete novos pastores que substituem os anteriores, que descuidavam das ovelhas, anuncia o messias e a paz par os dois reinos: “Dar-lhes-ei pastores que cuidam delas … farei nascer um descendente de Davi; reinara como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra … Judá será salvo, e Israel viverá tranquilo” (23,4-6).

Em 1992, o papa João Paulo II escreveu uma exortação apostólica pós-sinodal que trata da formação de futuros sacerdotes e tem o título em latim “Pastores dabo vobis”, citação de Jr 3,15; 23,4)

Quando vos tiverdes multiplicado e crescerdes na terra, naqueles dias, diz o Senhor, não se falará mais da “arca da aliança do Senhor”; ela não virá à memória de ninguém, não se lembrarão dela, não a procurarão nem fabricarão outra (v. 16).

“Quando vos tiverdes multiplicado e crescerdes na terra”, o povo crescerá, de acordo com as bênçãos patriarcais. A arca continha o protocolo da aliança (as tábuas com os 10 mandamentos), estava coberta com o “propiciatório” (Ex 25,10-22) e era o trono da Glória do Senhor (Sl 80,2). Davi a tinha trasladado para a sua nova capital de Jerusalém (2Sm 6) e Salomão lhe havia construído um templo (1Rs 8,1-9). Agora, templo e arca pereceram, provavelmente foi queimada pelos caldeus em 587.

Não importa, diz o profeta, porque não faltará a presença do Senhor (cf. Ez 48,35).

Não sabemos a data exta do desaparecimento da arca. O Templo foi saqueado várias vezes por invasores: o faraó Sesac em 926 (1Rs 14,26), Joás de Israel por volta de 790 (2Rs 14,14), Nabucodonosor em 598 (2Rs 24,13) e em 587 (25,9.13-17; Jr 52,13.17-23). Há uma lenda relatada em 2Mc 2,5, segunda a qual Jeremias teria escondido a arca e o material do culto num lugar desconhecido. O mistério da arca desaparecida desperta especulações na arqueologia e até em filmes de Hollywood.

A Igreja copta na Etiópia diz que está com a posse da arca, porém, não a mostra. Menelik I, filho de Salomão e da rainha de Sabá (cf. 1Rs 10,1-13), teria sido roubada a Arca da Aliança e substituída por uma réplica, levando a original à Etiópia onde está guardada numa capela ao lado da Igreja de Santa Maria de Sião de Axum. Só o monge guardião pode vê-la, para procissões usa-se réplicas.

Naquele tempo, chamarão Jerusalém “Trono do Senhor”, em torno dela se reunirão, em nome do Senhor, todos os povos; eles não se deixarão mais levar pelas inclinações de um coração mau (v. 17). 

A perda da arca não importa, porque a Jerusalém futura será toda ela o “trono de Iahweh”, como o era a Arca (1Sm 4,4; 2Sm 6,7).

“Em torno dela se reunirão, em nome do Senhor, todos os povos”. A confluência ou romaria das nações pagãs é como a de Is 2,2-5; Zc 8,23. Na tradição do Dt em Jr está, o Senhor impõe o seu nome ao templo; segundo Is 62, o marido dá nome à esposa. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 720) comenta: Ao tomar posse de seu templo em Sião, o Senhor ali fez morar o seu nome (7,10; Dt 12,5.11.21, etc.). Podemos também traduzir: … para ela: “Pelo Nome do Senhor! A Jerusalém!”. Seria pois o grito de convocação dos peregrinos.

“Inclinações de um coração mau”; a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 720) comenta: Dependendo da raiz à qual foi relacionado, o termo hebraico pode indicar a agressividade (aram), as visões fúteis, a obstinação, o atrativo ou os projetos. Encontramos a expressão em: 7,24; 9,13; 11,8; 13,10; 16,12; 18,12; 23,17; Dt 29,18; Sl 81,13.

  1. 18 (omitido hoje) promete ainda a reunião dos dois reinos divididos (Israel e Judá).

 

Evangelho: Mt 13,18-23

O evangelho de hoje explica a parábola do semeador (vv. 1-9; cf. evangelho de 4ª-feira passada). Mt copia tudo isso de Mc 4,13-20, com leves modificações.

Ouvi a parábola do semeador: (v. 18)

Depois da bem-aventurança dos discípulos (vv. 16-17), o texto volta ao chão da realidade retomando a parábola do semeador. Mc 4,13 era uma bronca aos discípulos incompreensíveis: “Se não compreendeis esta parábola, como podereis entender todas a parábolas?”. Mt e Lc atenuaram independentemente ou talvez já antes deles um redator de Mc (Deutero-Marcos como modelo para Mt e Lc) tenha tirado tantas incompreensões dos discípulos do evangelho de Mc.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1883) comenta: Antes que proporcionar uma aplicação moral (Mc, Lc), Mt reitera, sob forma de interpretação, a proclamação do acontecido que a parábola anuncia em linguagem simbólica e que os discípulos estão vivendo (13,16-17): releitura teológica e ética do texto.

Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho (v. 19).

Para Mc, semente era apenas a Palavra, Mt e Lc especificam: “palavra do Reino” (v. 19; cf. 4,23; 9,35; 24,14), “palavra de Deus” (Lc 8,11). Ambos também acrescentam o “coração” (Mt: semeado em seu coração; Lc: arrebata-lhes a palavra do coração). É possível, que Deuteromarcos já tenha feito estas mudanças. Só Mt, porém, acrescenta “e não a compreende” (cf. v. 23). Para Mt, os discípulos não devem apenas ouvir superficialmente como as multidões (cf. v. 13s), mas aprender pelo ensino de Jesus e serem capazes de entender (cf. vv. 36-52; 15,10.12-20; 16,5-17,13). Para isso, Jesus explica as metáforas desta parábola, como era costume entre os rabinos (cf. Ne 8,6) e no gênero apocalíptico (explicar visões e sonhos, cf. Dn 2,26ss etc.).

A metáfora “semear a palavra” já era comum entre os gregos e em parte entre os judeus (cf. Os 10,12; cf. Is 55,11). Em Mc (e Lc) não há clareza, porque “a semente é a palavra” (Mc 4,14; Lc 8,11), e depois identifica a planta com as pessoas que ouviram a palavra (Mc 4,16). Mt evita a identificação em v. 19. Para ele, a semente são as pessoas, como em v. 38, aludindo a outra metáfora judaica: Deus semeia/planta seu povo no mundo (cf. Jr 31,27s).

O “Maligno” (cf. 6,13; 13,38; diferente em 5,39) é o diabo (frequente em 1Jo; cf. Ef 6,16), apresentado como pássaro que se aproxima a recém-convertidos (1Tm 3,6; cf. 1Pd 5,8).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1883) comenta: Este versículo não descreve duas atividades sucessivas, mas explica a primeira (ouvir e não compreender) pela segunda (a do Maligno).

A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo (vv. 20-21).

Também a segunda metáfora é conhecida. Na literatura sapiencial, o sábio é como árvore plantada na beira do riacho tendo raízes firmes, mas o ímpio é como árvore sem raízes que logo seca (positivo: Jr 17,8; Ez 31,2-5; Sl 1,3; cf. Jó 14,8s; negativo: Eclo 40,15; Sb 4,3s; cf. Is 40,24; Eclo 23,25).

Uns recém-convertidos acolhem a palavra “com alegria” (cf. 1Ts 1,6), mas vivem ainda com os valores terrenos (2Cor 4,18; Cl 3,2s). Mt mencionará novamente o “sofrimento” (lit. tribulação) no discurso escatológico (24,9.21.29) incluindo a inimizade dos pagãos. A “perseguição” é uma experiência constante da comunidade de Mt, principalmente por parte dos judeus (5,10-12; 10,23; 23,34). A desistência dos homens terrenos é sinal dos últimos tempos (24,10); “ele desiste logo”, lit. fica escandalizado (cai).

A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto (v. 22).

A imagem dos espinhos e cardos é associada ao mal (cf. Gn 3,18; Jr 12,13). Os leitores de Mt se lembram do trecho no sermão da montanha, onde Jesus falava da riqueza e logo em seguida das preocupações (6,19-34); para Mt é uma advertência central (cf. 10,9s; 19,16-30). As preocupações do (ou pelo) mundo são o aspecto subjetivo. A “ilusão” (sedução; Vulgata: falácia) representa o aspecto objetivo do perigo que a riqueza representa; pode significar também prazer, como traduz Lc 8,14. Também não dá frutos.

A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta (v. 23).

Depois dos exemplos negativos, finalmente o final positivo. Há também seres humanos em que a semente cai em terra boa. “É aquele que ouve a palavra e a compreende”. Os discípulos chegam a compreensão apenas por Jesus (15,10; 16,12; 17,13). Primeiramente compreender é coisa de cabeça, mas não só: ouvir, compreender e fazer (praticar) pertencem juntos, para Mt como para o judaísmo (cf. 7,24,26; fazer e produzir frutos: 3,8.10; 7,17-19; 13,26; 21,43).

Apenas este último tipo de pessoas “compreende” (cf. v. 19). Os leitores devem compreender que o significado desta parábola são eles mesmos (cf. 2Sm 12,7). Os frutos podem ter tamanhos diferentes (100, 60, 30; Mt inverte a sequência de Mc), como na parábola dos talentos (25,20.22).

A parábola é um espelho para a comunidade cristã, não se trata apenas dos problemas dos recém-convertidos, mas cada um se deve perguntar sobre seus próprios frutos. Mt vê na comunidade pessoas que não se tocam com a palavra do reino e outros em que a palavra é sufocada e não produz. Não se deve aplicar os três tipos falidos apenas aos outros (aos judeus, crentes protestantes ou católicos não praticantes), mas avaliar sem autossuficiência e praticar uma autocrítica (cf. a parábola do joio, vv. 36-43, e a do convidado sem traje de festa, 22,11-14; cf. a perspectiva de 24,37-25,46).

O site da CNBB comenta: Todos nós falamos muito em felicidade e todas as pessoas desejam ser felizes. Em nome da felicidade as pessoas fazem as maiores proezas e correm os maiores riscos. A felicidade está sempre naquilo que nós mais valorizamos na nossa vida. É justamente aqui que nós encontramos o elemento de análise principal para encontrarmos a causa de tanto sofrimento e tanta dor que estão presentes no mundo de hoje. Deus é o valor absoluto e somente a partir dele pode haver felicidade verdadeira. Qualquer felicidade que encontre o seu fundamento fora de Deus, coloca o seu fundamento em um falso valor, de modo que é na verdade uma falsa felicidade, que só pode trazer dor e sofrimento.

Voltar