24 de setembro de 2017 – 25º Domingo Ano A

As leituras de hoje exortam-nos a tomar cuidado para não reduzir Deus aos critérios humanos, por melhor que eles sejam. Deus ultrapassa tudo o que se pode pensar ou dizer sobre ele. Muitas vezes seus planos se tornam incompreensíveis ao ser humano. Quando isso acontece, resta-nos perseverar na fidelidade sem mudar de caminho, a exemplo de Jesus, que disse: “Pai, afasta de mim este cálice, contudo não se faça a minha vontade, mas, sim, a tua” (cf. Mt 26,39).

1ª Leitura: Is 55,6-9

A 1ª leitura, sempre escolhida em vista do evangelho do domingo, é do capítulo final de Deutero-Isaias (Segundo Isaías, caps. 40-55), que anuncia a volta do exílio como um novo êxodo.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 690) comenta: O cap. 55 prolonga o cap. 54 no sentido de que, depois de se haver dirigido a Jerusalém, o profeta se volta agora aos fiéis que se preparam para repovoá-la, a fim de indicar-lhes a natureza e as condições da felicidade deles. Em relação ao conjunto da obra do Segundo Isaías, o cap. 55 constitui o seu epílogo: como o prólogo (40,1-11), este cap. volta a insistir na transcendência de Deus, na eficácia da sua Palavra e no brilho do novo êxodo. Deus, pela voz do seu profeta e um pouco no estilo deuteronômico de 1Rs 8: a) propõe o alimento sólido do seu ensinamento, que proporciona a vida em plenitude (vv. 1-3 a); b) promete restituir aos fiéis o que foi outrora o brilho de Davi (vv. 3b-5); c) insta os obstinados a se converter, a confiar no seu perdão, pois a sua visão ultrapassa a deles e a sua Palavra nunca decepciona (vv. 6-11); d) renova enfim a promessa de uma libertação tal que o eco dela repercutirá para sempre (vv. 12-13).

A leitura de hoje é do trecho do meio, quando Deus fala “Meus pensamentos não são como vossos pensamentos, …” (v. 8). É um convite de não pensar pequeno ou mesquinho de Deus.

Apesar das culpas do povo que o levou ao exílio, Deus está disposto a perdoar e mudar o destino do povo. A Bíblia do Peregrino (p. 1811) comenta: O arauto pronunciou muitas palavras, tão magnificas que chegam a ser incríveis; além do mais, algumas eram tão estranhas. Serão verdade? Sim, porque o Senhor que as pronunciou as cumprirá. O que acontece é que Deus tem outro estilo ou modo de planejar e agir (40,14s).

Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto. Abandone o ímpio seu caminho, e o homem injusto, suas maquinações; volte para o Senhor, que terá piedade dele, volte para nosso Deus, que é generoso no perdão (vv. 6-7).

O texto da nossa leitura é uma oferta de perdão, de paz e de felicidade para os pecadores. Em primeiro lugar, assegura que as orações e o arrependimento serão acolhidos por Deus (v. 6-7): “Buscai o Senhor … invocai-o … abandone o ímpio seu caminho… volte para o Senhor, que terá piedade dele, …  Deus é generoso no perdão” (cf. Ex 34,9; 1Rs 8,30.34.36.39.50). Procurar e voltar para Javé (tema profético bem conhecido, cf. 31,1; Jr 29,13s; Os 10,12; Am 5,4-6), “enquanto ele está perto”, ou “porque está perto” (sentido causal da conjunção, como em 50,1; 53,5; 57,17). “É generoso no perdão”, lit. em perdoar: verbo duplamente importante porque apareceu só uma vez em Is e é sempre empregado tendo Deus como sujeito.

Meus pensamentos não são como os vosso pensamentos, e vossos cominhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus cominhos tão acima dos vosso caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos quanto está o céu acima da terra (vv. 8-9).

Deus não é como o ser humano, seus pensamentos são totalmente diferentes. Deus é infinitamente fiel: não desiste de seus filhos, não cessa de ofertar-lhes sua misericórdia sem limites. Ao contrário, o ser humano desiste de Deus, trilha outros caminhos bem diferentes daqueles que são propostos pelo Senhor.

Em primeiro lugar, arrepender-se é mudar de caminho, de atitudes, é tomar outros tipos de decisões, fazer outras escolhas. Mas não é só isso: há que mudar também os pensamentos, ou seja, transformar-se internamente, mudando de mentalidade em relação ao mundo, às pessoas e às situações; mudar de ideia a respeito de si mesmo, mudar até mesmo as concepções sobre Deus e sobre seus caminhos, porque o Senhor sempre estará muito além do que se pode dizer e pensar a respeito dele. Converter-se é mudar de mente e voltar aos caminhos do Senhor. Mas voltar a ele não porque houve total compreensão do seu projeto, e sim porque ele é soberano e misericordioso. A vida humana só tem sentido no relacionamento com Deus, e, quando seus caminhos são difíceis de entender e de trilhar, resta, acima de tudo, perseverar na fidelidade.

A Bíblia do Peregrino (p. 1811) comenta: O homem tem de superar sua perspectiva pequena para remontar à perspectiva celeste e compreender o acerto do “caminho” de Deus. Em transposição ética: o povo tomará logo o caminho de volta, mas esse caminho passa pela volta ao Senhor (Ex 19,4). Pelo pecado desterrados, pela conversão repatriados.

2ª Leitura: Fl 1,20b-27

Começamos hoje ler como 2ª leitura a carta de Paulo aos filipenses, uma das cartas escritas na prisão (vv. 7.13s.17; cf. Fm; Ef; Cl; 2Tm). A Bíblia Pastoral a introduz:

Filipos foi a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem cristã (At 16,6-40). Paulo aí chegou na primavera do ano 50 durante a segunda viagem missionária. O primeiro núcleo da comunidade por ele fundada formou-se através de reuniões na casa de Lídia, uma negociante de púrpura, que acolhera Paulo por ocasião de sua visita. O Apóstolo voltou a Filipos outras vezes, durante suas várias passagens pela Macedônia. Os cristãos de Filipos foram sempre os mais ligados ao Apóstolo e diversas vezes o socorreram com auxílio material (Fl 4,16; 2Cor 11,9).

A carta aos Filipenses foi escrita na prisão, provavelmente em Éfeso, entre os anos 55-57 (At 19). Paulo está incerto sobre o rumo que sua situação tornará: poderá ser morto ou posto em liberdade. Mas ele tem grande confiança de que será solto e que poderá visitar de novo, pessoalmente, a comunidade de Filipos.

A carta foi escrita por Paulo e Timóteo aos cristãos (“santos”) de Filipos (“com seus bispos e diáconos”, v. 1). Depois da saudação comum, Paulo expressa agradecimento, saudade e esperança (vv. 2-11). Nesta carta não há marcas de tristeza, mesmo estando no ambiente da prisão. Paulo tem saudades e lembra a ternura de Jesus. Agradece a sua comunidade preferida, não só porque acatou o evangelho, mas também porque colaborou na evangelização “desde o primeiro dia” (v. 5; cf. At 16,12-40).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1434s) comenta nossa leitura no contexto dos vv. anteriores: Paulo se manifesta feliz por estar preso por causa de Jesus Cristo. Mais ainda. É um presente que lhe permite tornar Jesus Cristo ainda mais conhecido. É tática sua aproveitar qualquer situação e auditório para difundir o evangelho, que se afirma nas prisões (v. 7). De fato, devido a elas, Jesus tornou-se conhecido no pretório (v. 13) e elas encorajam outros irmãos a proclamarem a palavra com liberdade (v. 14). Apesar das prisões (v. 17), Paulo se alegra, pois, o que importa é que Cristo seja proclamado (Ef 3,1). Esse júbilo permite ao Apóstolo até certa ironia diante do sofrimento e ameaça de morte, quando conclui: “Para mim viver é Cristo e o morrer é lucro” (v. 21). Contudo, o dilema é real: entre o interesse da comunidade e a morte “para estar com Cristo”, o Apóstolo prefere o primeiro, por ser mais importante que o seu interesse pessoal (2Cor 5,6-9).

(Irmãos,) Cristo vai ser glorificado no meu corpo, seja pela minha vida, seja pela minha morte (v. 20b).

Paulo se abre-se a qualquer eventualidade, “seja pela minha vida, seja pela minha morte”; cf. a fórmula lapidar de Rm 14,8 (2ª leitura do domingo passado): “Se vivemos, é para o Senhor que vivemos, e se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2206) comenta: O cristão, unido fisicamente a Cristo pelo batismo e pela eucaristia, pertence-lhe pelo seu próprio corpo (cf. 1Cor 6,15; 10,17; 12,12s.27, Gl 2,20; Ef 5,30). Por isso a vida desse corpo, os seus sofrimentos e até a sua morte tornam-se misticamente de Cristo, que nele habita e que disso tira a sua glória (cf. 1Cor 6,20; Rm 14,8). Essa união é particularmente estreita no caso de um apóstolo como Paulo (cf. Cl 1,24; 2Cor 4,10s).

Pois para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne significa que meu trabalho será frutuoso, neste caso, não sei o que escolher. Sinto-me atraído para os dois lados: tenho o desejo de partir, para estar com Cristo – o que para mim seria de longe o melhor – mas para vós é mais necessário que eu continue minha vida neste mundo (vv. 21-24).

A Bíblia do Peregrino (p. 2818) comenta: Discernimento entre dois bens, o seu pessoal e o proveito de seus fiéis (2Cor 5,8). À vida e morte corporais, da pessoa em seu estado corpóreo presente, corruptível, se opõe a vida transformada ou salva pela presença e ação do Senhor glorificado. Vida que já começou no batismo e que continua em plenitude para além da morte corporal ou biológica. Paulo não está avalizando aqui uma concepção filosófica grega da alma separada, mas pensa em sua pessoa concreta, como na promessa ao bom ladrão (Lc 23,43). Esse “estar com” é vislumbrado por alguns orantes do AT (Sl 16,11; 73,23-25).

“Minha vida neste mundo” (v. 24), em grego a mesma expressão de v. 21: “Viver na carne”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2281) comenta: Não sabendo se sairá vivo ou morto da prisão, Paulo é levado a uma reflexão sobre a vida em Cristo. Em seu pensamento, a vida e a morte corporais estão sempre associadas ao mistério do Cristo (1Cor 6,12-20): por isso é associado tanto aos sofrimentos e à morte de Cristo como à sua ressurreição… Paulo sente um “desejo” ardente (termo muito forte que se traduz muitas vezes por “avidez”) por ser unido a Cristo (com ele: 1Ts 4,17; 5,10; 2Ts 2,1; Rm 14,8) imediatamente após a morte, mas não precisa sob que forma encara essa união. O mesmo desejo se exprime em 2Cor 5,6-9. Em todas as outras passagens, ele fala de uma ressurreição final dos mortos (1Ts 4,13-18) após um juízo universal: 1Cor 15,12-23; Rm 14,10.

Também a Bíblia de Jerusalém (p. 2206) comenta o “estar com Cristo”: A morte, assim como a vida, é uma maneira de estar “com” Cristo (cf.  1Ts 5,10; Rm 14,8; Cl 3,3; etc.). Paulo não explica como ele concebe esse “lucro” (v. 21), essa solução que é “muito melhor” (v. 23), numa existência com Cristo, que sucede diretamente à morte, sem esperar a ressurreição de todos (cf. 2Cor 5,8).

Como é necessário a vida de Paulo para a comunidade, ele tem certeza que vai sair vivo da prisão e continuar evangelizando (cf. vv. 25-26 omitidos pela nossa liturgia). Os filipenses e muitos outros saem ganhando; ele sai perdendo por ora, para sair ganhando no final.

Só uma coisa importa: vivei à altura de evangelho de Cristo (v. 27).

“Vivei à altura de evangelho de Cristo”, lit. vivei vida digna. A Bíblia de Jerusalém (p. 2206) comenta: O termo grego significa, em seu sentido primeiro, “levar a vida de cidadão”, segundo as leis de uma cidade. A Cidade nova do Reino de Deus tem Cristo como rei, o evangelho como lei e o cristão como cidadão (cf. 23,20; Ef 2,19).

É a graça que permitirá viver de maneira digna, isto é, conforme a este Evangelho (1Ts 2,12;2 Ts 1,11; Ef 4,1; Cl 1,10).

Por coincidência (a 2ª leitura não tem vínculo direto com as outras no Tempo Comum), é um exemplo de como o pensamento cristão de Paulo já é diferente do mundo.
O cristão não deve desanimar nunca, mesmo se, depois de repetidos esforços, sentir-se fracassado ou mesmo perseguido, como o apóstolo Paulo. É necessário confiar somente em Deus, pois só ele pode dar eficácia à atividade humana. Mesmo sem entender o que acontece consigo, o cristão deve viver de modo digno do evangelho (v. 27). Paulo é um grande exemplo de perseverança, sabe que o cristão vive unicamente para Deus, não em função de recompensas por méritos pessoais.

 

Evangelho: Mt 20,1-16

O evangelho de hoje é outra parábola que se encontra somente em Mt. No cap. anterior (copiado de Mc 10), depois da vocação fracassada do jovem rico que não queria deixar seus bens, Pedro perguntou a Jesus: “Nós deixamos tudo e te seguimos. O que haveremos de receber?” (19,27). A estrutura lembra 18,21-35 (evangelho do domingo passado): pergunta de Pedro, resposta direta de Jesus (19,28-30) e uma parábola em seguida para aprofundar o assunto (20,1-16). A resposta direta de Jesus terminou com a frase que será repetida também no final da parábola: “Muitos que agora são os primeiros serão os últimos. E muitos que agora são os últimos serão os primeiros” (19,30; cf. 20,16).

(Naquele tempo, Jesus contou esta parábola a seus discípulos). O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha (v. 1).

Mt começa uma série de três parábolas sobre a vinha (cf. 21,28-32.33-46). Vinha ou videira é a imagem tradicional de Israel (Is 5; Sl 80 etc.) e se aplica depois à Igreja (Jo 15). O texto situa-se no “sermão sobre a comunidade”, começado no cap. 18. Jesus continua instruindo seus seguidores sobre o comportamento no mundo.

Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha. Às nove horas da manhã, o patrão saiu de novo, viu outros que estavam na praça, desocupados, e lhes disse: “Ide também vós para a minha vinha! E eu vos pagarei o que for justo”. E eles foram. O patrão saiu de novo ao meio-dia e às três horas da tarde e fez a mesma coisa (vv. 2-5).

O Reino dos Céus é comparado aqui ao proprietário que contratou vários trabalhadores para sua vinha, em horários diferentes. A jornada costumava ser de sol a sol e pagava-se diariamente. Um denário, ou seja, “uma moeda de prata” era a diária comum.

Saindo outra vez pelas cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam na praça, e lhes disse: “Por que estais aí o dia inteiro desocupados?” Eles responderam: “Porque ninguém nos contratou”. O patrão lhes disse: “Ide vós também para a minha vinha” (vv. 6-7).

Os últimos são contratados ainda às cinco horas da tarde; estavam desempregados, sentados na praça “o dia inteiro” aguardando por um contrato de serviço.

Quando chegou à tarde, o patrão disse ao administrador: “Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros!” Vieram os que tinham sido contratados às cinco da tarde e cada um recebeu uma moeda de prata (vv. 8-9).

Segundo o preceito bíblico de não atrasar o salário do trabalhador (Lv 19,13; Dt 24,15; Jó 7,2), o patrão paga no final do dia, mas invertendo a ordem (recurso necessário da narrativa para falar depois do ciúme dos primeiros). Ele paga a todos igualmente, começando pelos últimos, contratados à tardinha, até os primeiros, contratados de manhã, a mesma diária.

Em seguida vieram os que foram contratados primeiro, e pensavam que iam receber mais. Porém, cada um deles também recebeu uma moeda de prata. Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: “Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro”. Então o patrão disse a um deles: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. (vv. 10-14).

Aos primeiros que ficaram com inveja (cf. a sutil instrução de Eclo 14,3-10), ele diz: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata?”. A justiça é feita, mas o patrão é mais do que justo: ele é bondoso, sabe que os últimos também precisam alimentar suas famílias.

Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (v. 15).

O direito do trabalhador é receber o salário combinado, o direito do proprietário é fazer com seu dinheiro o que quer (respeitando as obrigações sociais e ambientais).

Aqui terminava provavelmente a parábola original que, talvez, se endereçasse aos fariseus, (como as parábolas de Lc 15). Jesus queria mostrar-lhes que a bondade de Deus ultrapassa os critérios humanos na retribuição concebida como um salário devido, sem, contudo, descambar na arbitrariedade, que não leva em conta a justiça. Ele convida a não se mostrar invejoso perante a liberalidade do amor de Deus.

Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (v. 16a).

A sentença final é aberta e se encontra também em outro lugar e outro contexto (19,30). Aqui, provavelmente foi acrescentada à parábola original (vv. 1-15) e sublinha a ordem da distribuição dos salários (v. 8). Corresponde a uma nova situação, a da igreja de Mt, onde judeu-cristãos e pagão-cristãos se misturam. Os que foram chamados primeiro são os judeus (cf. 10,5s), mas os pagãos e pecadores convertidos que foram chamados posteriormente, chegarão ao reino antes dos judeus (cf. 21,31)? Aplica-se dentro da Igreja em diversas circunstâncias, p. ex. cargos confiados na Igreja a ex-pagãos em vez de dar preferência aos judeu-cristãos. Os primeiros (judeus) refugiam-se em suas prestações de serviço, os últimos (pagãos) na generosidade de Deus (cf. Rm 9-11).

A maneira como este patrão trata seus operários nos chama a atenção para a gratuidade com que Deus nos acolhe em seu reino. Não é segundo os critérios humanos que Deus age em favor da humanidade. A estranheza das palavras de Jesus nessa parábola deve nos chamar a atenção para nossa maneira de julgar a Deus ou de atribuir-lhe atitudes especificamente humanas.

Geralmente o ser humano quer recompensa por suas boas ações (em vez de alimentar privilégios, a meritocracia recompensa e motiva os que trabalham bem, não favorece os preguiçosos). E, quando não se sente recompensado, acha que Deus é injusto, não o ama ou se esqueceu dele. Costuma-se até dizer: “Por que Deus não atende às minhas preces? Sou tão dedicado, tenho tanta fé!” Mas a maneira de Deus agir não se iguala à nossa (cf. 1ª leitura: Is 55,8s). Ele é absolutamente livre para agir como quiser. E essa liberdade é pontuada por seu amor incondicional e sua generosidade inestimável. Deus nos ama e deu-nos mais do que ousamos pedir. Deu-nos a vida. Deu-nos a si mesmo no seu Filho. Deu-nos a eternidade ao seu lado.

Por isso, o reino dos céus não se apresenta como recompensa por nossos méritos pessoais. É puro dom de Deus, que nos chama gratuitamente a participar da vida plena. Cabe a nós acolhê-lo como dom e não ficar numa atitude mesquinha de sempre esperar recompensas por méritos prévios. Isso não é cristianismo, não é gratuidade. Isso não é resposta amorosa a Deus.

No Reino não existem marginalizados. Todos têm o mesmo direito de participar da bondade e misericórdia divinas que superam tudo quanto os homens consideram como justiça. No Reino, não há lugar para o ciúme. Aqueles que julgam possuir mais méritos do que os outros devem aprender que o Reino é dom gratuito.

A maior parte da Bíblia é o Antigo Testamento, que é a Sagrada Escritura dos judeus (Bíblia Hebraica). Eles são aqueles trabalhadores das primeiras horas. Os hebreus foram os primeiros a responder “sim” ao apelo do dono da vinha (cf. Gn 15,6; Ex 19,8; 24,3 etc.). As demais nações herdaram desse povo as alianças, as promessas, a história e principalmente o Messias (Rm 9,3-5). Sejamos gratos a Deus por nossa vocação tardia, mas sejamos gratos também aos judeus, nossos irmãos mais velhos, fatigados pelo dia inteiro de trabalho.

O site da CNBB comenta: Nós estamos acostumados com a forma de justiça que foi estabelecida pelos homens e, por causa disso, encontramos dificuldades para compreender a justiça divina, principalmente porque os principais critérios da justiça dos homens são a diferença entre as pessoas e a troca entre os valores enquanto que os principais critérios da justiça divina são a igualdade entre as pessoas e a gratuidade dos valores. Isso nos mostra que a lógica divina é totalmente diferente da lógica dos homens e que nós vivemos reivindicando valores que, na verdade, são valores humanos e que não nos conduzem a Deus. Também nos mostra o quanto todos nós somos comprometidos com os valores humanos e deixamos de lado os valores do Reino.

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