25 de Julho de 2020, Sábado – São Tiago Apóstolo: Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (v. 28).

São Tiago Maior, Apóstolo e S. Cristóvão

 Embora São Cristóvão seja mais popular, a liturgia oficial de hoje é de São Tiago Maior, porque é um apóstolo registrado na Bíblia várias vezes. De S. Cristóvão sabemos muito pouco, sua história é mais uma lenda. Mas pelo fato de dirigir um veículo não é mais o privilégio ou a profissão de alguns como antigamente, são inúmeras pessoas que invocam a proteção deste santo, cujo nome significa “aquele que carrega o Cristo” (em grego: Christóforos), cf. a lenda: Cristóvão transportava pessoas para outro lado do rio carregando-as com sua força extraordinária. Quando carregou uma criança, esta se tornou tal pesada de modo que ele percebeu que era o próprio Cristo que estava carregando no seu ombro, aquele que carregava os pecados do mundo. Todo batizado deve carregar Cristo consigo e levá-lo ao mundo.

Tiago Maior era filho de Zebedeu e foi chamado junto com seu irmão João (cf. Mc 1,19-20p). Junto com Pedro, era um dos apóstolos mais íntimos (cf. Mc 5,37; 9,2; 13,3; 10,35.41; 14,33). Foi o primeiro apóstolo que morreu por sua fé: Herodes mandou matá-lo à espada (At 12,2). Pela lenda, seus ossos foram encontrados na Espanha, num campo que uma estrela indicou (“Campo-estrela”). Este lugar, “Santiago de Compostela”, tornou-se um dos maiores centros de peregrinação cristã. Nos países hispânicos, S. Tiago foi retratado num cavalo como protetor contra os mouros (inimigos dos espanhóis), e nas Américas contra os índios. Aliás, Santiago quer dizer São Tiago (“San Tiago” em espanhol). “Tiago” é o mesmo nome que “Jacó” (Gn 25,26), do hebraico iacob; o T inicial de Tiago vem de sanTo: SanT´iaco(b).

Não se deve confundir Tiago Maior com Tiago Menor, filho (ou irmão) de Alfeu, outro apóstolo (Mc 3,18), que se associa à família de Jesus (“irmão”; cf. Mc 6,3) e ao autor da carta de Tiago.

Leitura: 2Cor 4,7-15

A segunda carta do apóstolo Paulo aos Coríntios é uma defesa aos ataques vindos de seus adversários. Para acreditar-se junto à comunidade, enumera os seus sofrimentos no ministério apostólico. A vida de Paulo parece frustração e fracasso diante do êxito que seus rivais em Corinto conseguem. Sinal de Evangelho autêntico, porém, não é prestígio fácil. O evangelho provoca sempre conflitos e perseguições, assim a testemunha participa do caminho de Jesus em direção à morte e à ressurreição. Um primeiro aspecto dessa ressurreição já se pode perceber no testemunho vivo da comunidade, que foi gerada pelo testemunho do apóstolo, cuja fraqueza humana se torna instrumento do poder de Deus.

A leitura de hoje apresenta uma nova seção da carta sobre a vida e a missão do apostolo como prolongamento do mistério da paixão e ressurreição de Cristo (cf. Cl 1,24).

Trazemos esse tesouro em vasos de barro, para que todos reconheçam que este poder extraordinário vem de Deus e não de nós (v. 7).

A glória de Cristo que o apóstolo proclama (cf. 3,38; 4,4.6) é seu “tesouro”, é presença da ressurreição. A paixão se baseia na fraqueza humana e se intensifica com o ministério. A paixão não o aniquila, graças à força da ressurreição. Os sofrimentos do apóstolo são participação, prolongamento e manifestação contínua da paixão de Cristo. Por isso as dores do apóstolo redundam em vida para sua comunidade. Essa eficácia presente confirma a esperança da ressurreição futura, gera confiança (“fé”, v. 13) e impulsiona a pregar.

Os “vasos de barro” recordam a criação do homem do barro da terra (Gn 2,7; Sl 103,14) e também Jeremias na oficina do oleiro (Jr 18,1-17). A “força de Deus” excede a capacidade da vasilha, ou seja, do ser humano, e transborda demonstrando sua ação, “para que todos reconheçam que este poder extraordinário vem de Deus e não de nós”. É tema caro a Paulo (cf. vv. 7-12; 2,16; 3,5-6; 10,1.8; 12,5.9-10; 13,3-4; cf. 1Cor 1,26-2,5; 4,13; Fl 4,13) e já presente no Antigo Testamento (Jz 7,2; 1 Sm 14,6; 17, 47; 1 Mc 3,19 etc.).

Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos entre os maiores apuros, mas sem perder a esperança; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados (vv. 8-9).

As palavras de Paulo nos vv. 8-9 são tiradas em parte do vocabulário das lutas atléticas; quatro oposições mostram o paradoxo de um sofrimento confinado a um limite: “afligidos, não vencidos… derrubados, mas não aniquilados”

Por toda parte e sempre levamos em nós mesmos os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifestada em nossos corpos. De fato, nós, os vivos, somos continuamente entregues à morte, por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifestada em nossa natureza mortal (vv. 10-11; cf. Sl 44,23).

O paradoxo humano comparado a lutas atléticas é explicado agora por outro paradoxo superior, a morte e a vida de Jesus. Paulo não cede ao temor de ver-se esmagado (Ez 2,6), nem pede o milagre de ver-se isento (Jr 45): seria negar a parte essencial do mistério pascal de Jesus.

Assim, a morte age em nós, enquanto a vida age em vós (v. 12).

É uma estranha fecundidade da dor mortal que gera vida (como Raquel parturiente em Gn 35,16-20; cf. Gl 4,19). Em Jo 16,21, Jesus compara seu sofrimento com o parto de uma mulher (cf. Rm 8,18-21).

Mas, sustentados pelo mesmo espírito de fé, conforme o que está escrito: “Eu creio e, por isso, falei”, nós também cremos e, por isso, falamos, certos de que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também com Jesus e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco (vv. 13-14).

O batismo é sinal da “fé”, nele recebemos o “Espírito”, que nos faz filhos de Deus (cf. Rm 8,14s; Gl 3,25-27). “Eu creio e, por isso, falei”; a citação é de Sl 116,10 (desligada ao contexto e segundo a versão grega). Com a fé batismal se recebia o Espírito, e uma de suas manifestações clássicas era “falar” em línguas misteriosas (cf. At 10,44-46; 1Cor 14); aqui o “Espírito” presente pela “fé” impulsiona a falar e proclamar em língua inteligível (cf. 1Cor 14,9.19).

É a proclamação de uma esperança. É o Espírito de Deus que nos ressuscitará (Rm 6,4-5; 8,11) e colocará ao lado do Senhor (cf. Mt 19,28; Cl 3,1-3).

E tudo isso é por causa de vós, para que a abundância da graça em um número maior de pessoas faça crescer a ação de graças para a glória de Deus (v. 15).

O trabalho sofrido dos apóstolos resulta em crescimento da Igreja. Como de costume, tudo se concluirá no louvor a Deus, numa “ação de graças para a glória de Deus” numa multiplicação de fieis pela graça divina. A palavra grega eucaristia significa “ação de graças” e é usada depois para a missa (o primeiro termo era “partir o pão”; At 2,42; 20,7; cf. Lc 24,30.35).

Evangelho: Mt 20,20-28

No evangelho, Jesus acabou de anunciar pela terceira vez sua paixão em Jerusalém (16,21-23p; 17,22-23p; 20,17-19). Aos três anúncios da paixão, Mc opôs cada vez a incompreensão dos discípulos. Mt e Lc atenuaram esta incapacidade, porque no tempo deles (80 a 90 d.C.), os apóstolos falecidos já ganharam o status de santos veneráveis.

A mãe dos filhos de Zebedeu aproximou-se de Jesus com seus filhos e ajoelhou-se com a intenção de fazer um pedido. Jesus perguntou: “O que tu queres?” Ela respondeu: “Manda que estes meus dois filhos se sentem, no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda” (vv. 20-21).

Em Mc 10,35-37, foram os próprios apóstolos, Tiago e João, “filhos de Zebedeu”, que fizeram o pedido direto e ambicioso de se sentarem a direita e a esquerda de Jesus na sua “glória” (Mt: “no teu Reino”). Lc omite esta pretensão, enquanto em Mt 20,20-21 é a “mãe” deles que vem com devoção, “aproximou-se de Jesus com seus filhos e ajoelhou-se”.

O pedido da mãe pode recordar as manobras de Betsabeia em favor do seu filho Salomão (1 Rs 1,15-21) e se une com a promessa dos doze tronos no reino (19,28). Entre os doze apóstolos haverá mais íntimos, os imediatos do rei. De fato, Jesus já tinha mostrado preferência por eles, junto com Pedro (cf. 4,21; 17,1). Pretendem os irmãos (e a mãe deles) superar ou antecipar-se a Pedro, passar de segundos a primeiros? (cf. 16,18-19; Mc 9,33-35). Os apóstolos esperam uma manifestação gloriosa e imediata do reino (v. 21), mas está pertence antes à segunda vinda de Cristo (cf. 4,17; At 1,6).

A mãe está preocupada em garantir uma posição de prestígio para seus filhos. Jesus estava pensando em se entregar, servir e dar a vida. Os discípulos estavam pensando nos próprios interesses.

Jesus, então, respondeu-lhes: “Não sabeis o que estais pedindo. Por acaso podeis beber cálice que eu vou beber?” Eles responderam: “Podemos” (v. 22).

Como em Mc, Jesus responde aos apóstolos (não a mãe). E eles responderam ao desafio: “Podemos”. O cálice é o da paixão (26,27-28), a taça amarga da ira do Senhor (cf. Sl 75,9; Is 51,17-23; Jr 25,15-29; 49,12; 51,17; Lm 4,21; Ez 23,32-34; Hb 2,15-16; Ab 16; Zc 12,2).

Em Mc 10,38s, Jesus associou ainda o batismo à sua morte e ressurreição (cf. Rm 6,3s), “podeis… ser batizados com o batismo com que serei batizado?” Mt omitiu esta passagem, talvez por não desvalorizar o batismo por João Batista destacado por Mt em 3,14s.

Então Jesus lhes disse: “De fato, vós bebereis do meu cálice, mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. Meu Pai é quem dará esses lugares àqueles para os quais ele os preparou” (v. 23).

“Bebereis do meu cálice”. Aqui temos outro exemplo que nem tudo o que se pede é concedido da maneira como se imagina; “ainda que não saibamos pedir como é devido” (Rm 8,26; cf. Mt 7,7-11).

“Não depende de mim conceder o lugar,…” (v. 23b). Jesus não foi enviado para distribuir favores, cargos e recompensas aos homens, mas para salva-los através da sua cruz (cf. Jo 3,17; 12,32.47).

De fato, a mãe de Tiago e João assistirá a paixão de Cristo de perto (26,55s) e talvez ainda de seus filhos. Quando Mc e Mt escreveram (70 e 80 d.C.), Tiago já sofrera o martírio no ano 44 (At 12,2). O primeiro mártir cristão foi o diácono Estevão (cf. At 6-7), mas Tiago foi o primeiro apóstolo que morreu por sua fé em Jesus Cristo. De João, não sabemos se sofreu o martírio, mas existe também paixão sem chegar ao martírio.

Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram irritados contra os dois irmãos. Jesus, porém, chamou-os, e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações têm poder sobre elas e os grandes as oprimem. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor; quem quiser ser o primeiro, seja vosso servo (vv. 24-27).

A todos os apóstolos, Jesus fala que ambição e abuso do poder não podem ser modelo para os cristãos. “Entre vós não deve ser assim” (v. 26a). Na Igreja haverá autoridade, porém, deve ser exercida sem ostentação de poder e com espírito de serviço (cf. Jo 13; 1Pd 5,1-4). “Quem quiser ser o primeiro seja o vosso servo“ (cf. 23,11; Mc 9,35; Lc 9,48).

Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (v. 28).

A frase serviu como lema da CF 2015 sobre Igreja e sociedade: “Eu vim para servir”

Jesus é o exemplo supremo de autoridade-serviço, do rei-servo-escravo (cf. Jo 13; Fl 2,5-8) que nos salva, “resgata” pela entrega da sua vida. Os pecados são uma dívida dos homens para com a justiça divina, a pena de morte é exigida pela lei (cf. 1Cor 15,56; 2Cor 3,7,9; Gl 3,13; Rm 8,3-4). A fim de libertá-los, Jesus pagará o “resgate” e quitará a dívida com o preço de seu sangue (1Cor 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5), morrendo “em lugar” ou “em favor” do povo culpado, como o Segundo Isaías profetizou sobre o “Servo de Javé” (Is 53,11s; cf. o “resgate” ou a “libertação” em Rm 3,24; 1Cor 1,30; Ef 1,7.14; 1Tm 2,6; Sl 49,8-10).

A expressão “em favor de muitos” (cf. 26,28; Is 53,11-12) opõe o grande número de redimidos ao redentor “único”, sem sugerir que esse número seja limitado (Rm 5,6-21). Por isso, na Oração Eucarística se pronuncia sobre o cálice: “meu sangue derramado por vós e por todos.” Bento XVI queria que a tradução fosse mais fiel (literal) a Mt 26,28 e Mc 14,24 (“por muitos”), mas ele admite que a intenção de Jesus era morrer “por todos” (cf. Jo 6,51), no entanto nem todos aceitam este serviço de resgate que Jesus prestou a humanidade.

Naquele tempo, como também hoje, os que tinham o poder não tinham muito interesse pelas pessoas. A política do império romano era cobrar impostos e concentrar as riquezas, sem interesse pela vida real dos mais pobres. Jesus insiste em afirmar a atitude de serviço. Quando o império se destruir pelos seus problemas internos, a comunidade cristã poderá oferecer um modelo alternativo de vida e solidariedade como eixo principal.

“Não teremos nenhuma comunhão com Jesus, se não nos abaixarmos para acompanhar o seu abaixamento, se não nos entregarmos com ele” (S. Kierkegaard).

O site da CNBB comenta: Estamos vivendo em uma época que é marcada pela diferença vista não pelo critério da complementariedade, mas pelo critério da oposição e da hierarquia. Este fato faz com que vivamos em uma sociedade marcada pelo conflito e pela disputa constante de supremacia sobre os demais, de modo que o outro é sempre um concorrente, não é nunca irmão ou irmã, companheiro de caminhada na construção do Reino de Deus. O Evangelho de hoje nos mostra que esses valores que fundamentam a vida das pessoas não vêm de Deus e nem conduzem para Deus. Somente a fraternidade, a justiça e o amor vão possibilitar um mundo marcado pela convivência pacífica entre os seres humanos.

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