25 de maio de 2016 – 8ª semana 4ª feira

1ª Leitura: 1Pd 1,18-25

Já no v. 13 começaram as exortações, que vão até o fim da carta. Mas o conteúdo ultrapassa o esquema e toma a forma de confissão ou profissão. Depois da santidade de Deus Pai (vv. 15s) o autor coloca nova motivação: a libertação pelo sangue do filho. Nesta seção (vv. 13-21), podem-se notar os ecos de uma catequese ou mesmo de uma liturgia batismal. A condição de gente marginalizada fora da própria terra (cf. 1,1; 5,13) não é empecilho para viver de acordo com os desígnios divinos. Por outro lado, a nova prática que a comunidade cristã assumem vai colocá-la sob suspeita e desconfiança diante das pessoas de fora, dos pagãos.

Sabeis que fostes resgatados da vida fútil herdada de vossos pais, não por meio de coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha nem defeito. Antes da criação do mundo, ele foi destinado para isso, e neste final dos tempos, ele apareceu, por amor de vós. Por ele é que alcançastes a fé em Deus. Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória, e assim, a vossa fé e esperança estão em Deus (vv. 18-21).

Um novo estilo de vida deve ser a marca dos que “sabem” que foram “resgatados… pelo precioso sangue de Cristo”. O autor acentua a diferença entre a condição de vida pagã que sua gente levava “herdada de vossos pais”, ou seja, antes de se integrar às comunidades, e a condição após: uma “vida fútil”, vã, que afinal não conduz a nada, em contraposição ao dom da vida eterna.

O autor (Pedro ou mais provável, um discípulo que queria manter viva a tradição do apostolo) escreve de Babilônia, ou seja de Roma (5,13; cf. Ap 17,9), capital de um império cuja economia se baseia na escravatura. Numa sociedade, onde se considera o ser humano como mercadoria que pode ser comprada e vendida, o resgate (ou: libertação redenção) de um escravo tem significado especial. Para Paulo, a libertação consiste em troca de senhores: fomos libertados da escravidão do pecado e da morte por um preço muito alto, pelo sangue de Cristo, portanto pertencemos agora a ele, não mais para viver no pecado, mas na justiça e santidade (Rm 3,24s; 6,15-23).

A libertação pode se exprimir em termos cultuais (expiação, Rm 3,24s), mas lembra aqui a páscoa, a memória da libertação da escravidão do Egito: “Pelo sangue precioso de Cristo, como de (ou: esse) cordeiro sem mancha nem defeito”; qualidade exigidas do cordeiro pascal (Ex 12,5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2907) comenta: Do resgate-redenção passa ao resgatador-redentor. Resgatar é o ato pelo qual se recupera uma propriedade familiar alienada ou se devolve a liberdade ao escravo indevidamente retido. Costuma incluir um pagamento ou compensação pecuniária: Lv 25,23-28.47-48; Jr 32; Rt 3-4.

Com seu sangue (ou sua vida) Cristo paga a liberdade do escravo. Seu sangue é sacrifical, do “cordeiro” (cf. Is 53), e por isso o resgate é também expiação. A confissão sobre Jesus Cristo sintetiza-se em três tempos: predestinado desde sempre, manifestado nesta última etapa, morto e ressuscitado (antes falou da sua vinda final).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2123) comenta: Iahweh [Javé] tinha “resgatado” Israel, libertando-o do cativeiro do Egito para fazer dele um povo que lhe pertencesse como sua herança (Dt 7,6). Anunciando a “redenção” do cativeiro da Babilônia (Is 41,14), os profetas tinham deixado entrever uma libertação mais profunda e mais universal através do perdão dos pecados (Is 44,22; cf. Sl 130,8; 49,8-9). Esta redenção messiânica realizou-se em Cristo (1Cor 1,30; cf. Lc 1,68; 2,38). Deus Pai, através de Cristo, ou o próprio Cristo “libertou” o novo Israel da escravidão da lei (Gl 3,13; 4,5) e do pecado (Cl 1,14; Ef 1,7; Hb 9,15), adquirindo-o para si (At 20,28), tornando-o seu (Tt 2,14), comprando-o (Gl 3,13; 4,5; 1Cor 6,20; 7,23; cf. 2Pd 2,1). O preço desse resgate e desta aquisição foi o sangue de Cristo (At 20,28; Ef 1,7; Hb 9,12; 1Pd 1,18s; Ap 1,5,9).

“Antes da criação do mundo, ele foi destinado para isso,” a expressão marca a continuidade do plano de Deus (cf. Jo 17,24; Ef 1,4).

Pela obediência à verdade, purificastes as vossas almas, para praticar um amor fraterno sem fingimento. Amai-vos, pois, uns aos outros, de coração e com ardor. Nascestes de novo, não de uma semente corruptível, mas incorruptível, mediante a palavra de Deus, viva e permanente. Com efeito, “toda carne é como erva, e toda a sua glória como a flor da erva; secou-se a erva, cai a sua flor. Mas a palavra do Senhor permanece para sempre.” Ora, esta palavra é a que vos foi anunciada no Evangelho (vv. 22-25).

Não só pelo batismo, mas pela “obediência à verdade, purificastes as vossas almas”. Alma no sentido bíblico designa o ser vivo, o homem total (cf. 1,9). Alguns manuscritos acrescentam: “pelo Espírito”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2385) comenta: A palavra “verdade” não deve ser tomada no sentido filosófico do termo, mas segundo um uso bem atestado no NT, no sentido de mensagem revelada por Deus. A fé supõe adesão da inteligência e submissão ao plano divino (cf. Rm 1,5; 16,26).

A Bíblia do Peregrino (p. 2907) comenta: Novo conselho com motivação solene. A purificação se realiza aceitando o u submetendo-se à “verdade” do evangelho: “estais limpos pela palavra que vos disse” (Jo 15,3). No plano teológico, o evangelho aceito como fé e selado com o batismo traz o perdão dos pecados, a purificação radical (3,21); no plano psicológico, a verdade do evangelho descobre nossas impurezas e permite eliminá-las. Sobre o amor fraterno, Jo 13,34. O motivo é a regeneração ou novo nascimento. Há um nascimento para a corrupção, que dá vida a um homem caduco (de carne), como erva (Is 40,6-7). E há um nascimento produzido pela “palavra perdurável de Deus”. Essa palavra é o evangelho anunciado. O novo nascimento gera irmãos e fundamenta o amor fraterno.

“A palavra de Deus, viva e permanente” (ou: “a Palavra do Deus vivo e eterno”). A Bíblia de Jerusalém (p. 2271) comenta: Germe de vida, a Palavra de Deus constitui o ponto de partida do nosso renascimento divino e nos dá a possibilidade de agirmos de acordo com a vontade de Deus (1,22-25; Tg 1,18; Jo 1,12s; 1Jo 3,9; cf. 2,13s; 5,18), porque ela está dotada de poder (1Cor 1,18; 1Ts 2,13; Hb 4,12).

A equivalência entre a “palavra de Deus” e uma “semente” recorda a parábola do semeador (Mt 13,3-9 par.). Para Tiago, a Palavra é ainda a Lei mosaica (Tg 1,23-25); para João, é o Filho de Deus em pessoa (Jo 1,1.14). Paulo vê no Espírito o princípio que nos transforma em filhos de Deus (Rm 8,14-16; Gl 4,6), pois o Espírito é dinamismo da Palavra.

Os vv. 24-25a são citação de Is 40,6-8. Para compreender a aplicação da passagem citada que é feita no v. 25b, é preciso levar em conta a sequência do texto de Isaías, que concerne ao mensageiro da boa nova (Is 40,9), ou seja do “Evangelho”. Em 2010, Bento XVI escreveu uma exortação apostólica com o título Verbum Domini, cujas primeira palavras citam 1Pd 1,25a: “A palavra do Senhor permanece para sempre.”

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1489) comenta: A Palavra de Deus é viva, e os frutos mais importantes que produz são as comunidades. À medida que o testemunho do amor vai fortalecendo os vínculos entre os membros, se perceberá o quanto efetivamente a Palavra foi acolhida. 

 

Evangelho: Mc 10,32-45

No texto de hoje, Jesus anuncia pela terceira vez sua paixão em Jerusalém (cf. 8,31; 9,31), desta vez, a predição favorece pormenores mais precisos.

Os discípulos estavam a caminho subindo para Jerusalém. Jesus ia na frente. Os discípulos estavam espantados, e aqueles que iam atrás estavam com medo. Jesus chamou de novo os Doze à parte e começou a dizer-lhes o que estava para acontecer com ele: ”Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão zombar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo. E depois de três dias ele ressuscitará” (vv. 32-34).

A sentença vem das autoridades judaicas (v. 33: “sumos sacerdotes e doutores da lei”), a execução cabe aos “pagãos” (romanos), os escárnios, flagelação e crucificação. “Mas no terceiro dia ressuscitará” (v. 35).

Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir.” Ele perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” Eles responderam: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” (vv. 35-37).

Aos três anúncios da paixão, Mc opus a incompreensão dos discípulos. Mt e Lc atenuaram esta incapacidade, porque no tempo deles (80 a 90 d.C.), os apóstolos falecidos já ganharam a veneração de santos. Em Mc 10,35-37, dois apóstolos, Tiago e João, filhos de Zebedeu, fizeram um pedido direto e ambicioso, de se sentarem a direita e a esquerda de Jesus na sua “glória”. Lc omite esta pretensão, enquanto em Mt 20,20-21 é a mãe dos apóstolos que faz o pedido.

Jesus já tinha mostrado preferência por eles, junto com Pedro (cf. 4,21; 17,1). Pretendem os irmãos superar ou antecipar-se a Pedro, passar de segundos a primeiros? (cf. 9,33-35)? Os apóstolos esperam uma manifestação gloriosa e imediata do reino (v. 37), mas esta pertence antes à segunda vinda de Cristo (cf. At 1,6).

Jesus então lhes disse: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” Eles responderam: “Podemos.” E ele lhes disse: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado” (vv. 38-40).

Jesus responde constatando a incompreensão dos apóstolos e em seguida com duas perguntas: “Podeis beber o cálice que vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” (v. 38). Como eles responderam “podemos” (v. 39), Jesus declara que vão ter parte do seu cálice e do seu batismo. Mas é preciso esclarecer estas duas coisas:

Beber o cálice de Jesus é não é simplesmente beber uma taça de vinho, mas é o cálice da paixão (14,36; cf. 14,23s), a taça amarga que Jesus vai engolir (sofrer) é o acúmulo dos pecados que provocam a ira do Senhor (cf. Sl 75,9; Is 51,17-23; Jr 25,15-29; 49,12; 51,17; Lm 4,21; Ez 23,32-34; Hb 2,15-16; Ab 16; Zc 12,2).

Estranha-nos que Jesus precisa ser batizado de novo. Já foi batizado por João Batista (1,9-10), mas aqui se trata do batismo da sua morte, um significado diferente, não é o batismo de conversão por João, mas o batismo cristão, expresso em Rm 6,3: “É na sua morte que fomos batizados”. Para evitar confusão, Mt e Lc omitem esta alusão a um novo batismo de Jesus (cf. Ef 4,5: “Há um só batismo”).

Tiago já sofrerá o martírio no ano 44 (At 12,2). O primeiro mártir cristão foi o diácono Estevão (cf. At 6-7), mas Tiago é o primeiro apóstolo que morre por sua fé em Jesus Cristo. A lenda conta que seus restos mortais foram traslados para Santiago de Compostela na Espanha, até hoje lugar de uma das maiores peregrinações. De João, não sabemos se sofreu o martírio, mas existe também paixão sem chegar ao martírio.

Aqui temos outro exemplo que nem tudo o que se pede é concedido da maneira que pensamos: “ainda que não saibamos pedir como é devido” (Rm 8,26). Jesus responde: “Não depende de mim conceder o lugar” (v. 40). Ele não foi enviado para distribuir favores, cargos e recompensas aos homens, mas para salva-los através da sua cruz (cf. Jo 3,17; 12,32.47).

Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João. Jesus os chamou e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (vv. 41-45).

Os outros apóstolos se indignaram (cf. a discussão pelo primeiro lugar em 9,33s, à qual Jesus respondeu também com o serviço, cf. 9,35-37). A todos eles Jesus fala: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam” (v. 42). Ambição e abuso do poder não podem ser modelo para os cristãos. “Mas entre vós não deve ser assim” (v. 43a). Na Igreja haverá autoridade, mais deve ser exercida sem ostentação de poder, mas com espírito de serviço (cf. Jo 13; 1 Pd 5,1-4). “Quem quiser ser grande, seja vosso servo e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos“ (vv. 26-27; cf. 9,35; Mt 23,11; Lc 9,48).

Jesus é o exemplo supremo de autoridade e serviço (cf. o gesto do lava-pés em Jo 13; cf. Lc 22,27): “Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate para muitos” (v. 28). Os pecados são uma dívida dos homens para com a justiça divina, a pena de morte exigida pela lei (cf. 1 Cor 15,56; 2 Cor 3,7,9; Gl 3,13; Rm 8,3-4). A fim de libertá-los, Jesus pagará o “resgate” e quitará a dívida com o preço de seu sangue (1 Cor 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5), morrendo “em lugar”, “para” ou “em favor”, do povo culpado, como Is 53 profetizou sobre o Servo de Javé (Is 53,11-12; cf. o “resgate” ou a “libertação” em Rm 3,24; 1 Cor 1,30; Ef 1,7.14; 1 Tm 2,6; Sl 49,8-10).

A expressão “para muitos” (v. 45; cf. Mt 26,28; Is 53,11-12), opõe o grande número de redimidos ao redentor “único”, sem sugerir que esse número seja limitado (Rm 5,6-21). Por isso, na Eucaristia se pronuncia sobre o cálice, “meu sangue derramado por vós e por todos.” Bento XVI queria que a tradução fosse mais fiel (literal) a Mt 26,28 e Mc 14,24 (“muitos”), mas admite que a intenção de Jesus era morrer “por todos” (cf. Jo 6,51 etc.), no entanto nem todos os seres humanos aceitam este serviço de resgate que Jesus prestou a humanidade.

O site da CNBB comenta: Todas as pessoas querem, e muito, participar da glória de Deus, mas poucas pessoas querem assumir um compromisso maior com o reino de Deus. O evangelho de hoje nos mostra um pouco isso quando Jesus anuncia o mistério da cruz, mas os discípulos estão mais interessados na sua participação na sua glória. Assim, nos dias de hoje nós vemos muitas pessoas exaltando o amor de Deus, cantando os seus louvores, mas sem o menor compromisso com o serviço ao Reino de Deus, principalmente no que se refere à questão dos pobres, dos sofredores, dos marginalizados e dos excluídos. Todos querem ser os maiores, mas poucos estão dispostos a servir.

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