3 de Maio de 2020, 4º Domingo da Páscoa: “Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas”.

4º Domingo do Tempo Pascal  

Leitura: At 2,14a.36-41

Ouvimos a conclusão da pregação de Pedro no dia de Pentecostes e a reação dos ouvintes peregrinos.

No dia de Pentecostes, Pedro, de pé, no meio dos Onze apóstolos, levantou a voz e falou à multidão: “Que todo o povo de Israel reconheça com plena certeza: Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes” (v. 14a.36).

Pedro conclui sua destemida pregação com uma frase que tem um impacto muito profundo  e chocante: “Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes” (v. 36). Quer dizer que mataram não só um homem da Galileia, mas o próprio Deus manifestado em Jesus.

Com a palavra “Senhor” traduziu-se o nome santo de Deus Yhwh (Javé), é “o Nome que é sobre todo o nome … Jesus Cristo é o Senhor” (Fl 2,9-11; cf. Is 45,23; Jo 20,18; Rm 10,9; 1Cor 12,3; Cl 2,6; Ap 19,16). Jesus não era um impostor, um falso profeta como as autoridades acharam e assim o condenaram (cf. Dt 13; Mc 14,64s), mas o Filho de Deus, o Messias (“Cristo”, o Rei ungido).

Quando ouviram isso, eles ficaram com o coração aflito, e perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: “Irmãos, o que devemos fazer?” (v. 37).

Os judeus peregrinos “ficaram com o coração aflito” e dirigem-se a Pedro “e aos outros apóstolos” (o autor Lucas gosta de incluir mais apóstolos, discípulos e discípulas, cf. Lc 8,10; 24,9s; 9,1ss; 10,1ss), com a mesma pergunta que povo já fazia a João Batista: “O que devemos fazer?” (Lc 3,10.12.14), usando o tratamento familiar “irmãos” (cf. v. 29). Diante da ressurreição, se deram conta da injustiça cometida na condenação e na morte de Jesus. Muitos ficaram profundamente arrependidos.

Pedro respondeu: “Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vós e vossos filhos, e para todos aqueles que estão longe, todos aqueles que o Senhor nosso Deus chamar para si” (vv. 38-39).

Como João Batista e Jesus (Mt 3,1; 4,17p), Pedro proclama “Convertei-vos” (cf. 3,19; 8,22; 17,30; 26,20) e oferece o batismo como remédio “para o perdão dos vossos pecados” (cf. Lc 3,3; Mt 26,28). Mas este batismo não é igual ao do Batista (cf. Lc 3,16; At 1,5; 19,1-6), agora é “em nome de Jesus Cristo” (cf. v. 21 e Lc 24,47; At 4,18; 5,28.40; 8,16; 10,48; 19,5), quer dizer professando a fé que Jesus é o Messias-Cristo, o Senhor (cf. Rm 10,9-13) e ainda receberão o “dom” do Espírito Santo (cf. 10,45; também 8,20; 11,17). Como Pedro fala, arrependimento (conversão) e batismo são a condição para receber o Espírito. Esta é a regra comum entre os cristãos; só em casos especiais, batismo e recebimento do Espírito podem estar não conjugados (8,16; 10,44; 19,2-6).

Na profecia de Joel da qual Pedro citava (cf. vv. 6-21), a promessa de receber o Espírito era somente para os ouvintes judeus (Jo 3,5b: “no Monte Sião haverá salvação”). Agora, o alcance se amplia imensamente: “Pois a promessa é para vós e para vossos filhos, e para todos aqueles que estão longe, todos aqueles que o Senhor chamou para si” (v. 39). Os dons da páscoa chegam às futuras gerações e aos que moram longe (judeus na diaspóra, e talvez outros povos pagãos), chegam até nós e chegarão aos nossos filhos e netos que virão depois. Cristo ultrapassa os tempos e os lugares. Como Jesus chamou os apóstolos entre os judeus, agora, nos Atos, chama pela Igreja os pagãos, “aqueles que estão longe” (cf. 22,21; Eclo 24,32; Mc 8,3; Ef 2,17). Os apóstolos serão as testemunhas de Jesus “até os confins da terra” (1,8). A iniciativa é de Deus: a promessa é para “todos”, mas só para “todos aqueles” que o “Deus, nosso Senhor” (cf. Lc 1,68) chama.

Com muitas outras palavras, Pedro lhes dava testemunho, e os exortava, dizendo: “Salvai-vos dessa gente corrompida!” Os que aceitaram as palavras de Pedro receberam o batismo. Naquele dia, mais ou menos três mil pessoas, se uniram a eles (vv. 40-41).

Uma noticia sumária (cf. Lc 3,18) entende o discurso de Pedro em Pentecostes como “testemunho” (cf. 8,25; 10,42; 18,5; 20,21.23s; 23,11; 28,23). A exortação resumida pede repetidamente aos ouvintes de se “salvar” (cf. v. 21 citando Jl 3,5a) “dessa gente corrompida” (cf. Dt 32,5; Sl 78,8; Fl 2,15), desta geração que acabou de crucificar seu próprio messias.

“Aceitar a palavra” dos missionários (cf. Lc 8,13; At 11,1; 17,11) é condição para receber o batismo. Não se diz que todos os ouvintes foram batizados, mas fala de um grande número, “mais ou menos três mil almas (pessoas)” que se juntaram ao núcleo inicial da comunidade de 120 pessoas (1,15). Dificilmente é imaginar que todos estes 3000 fossem batizados num rio. Em Jerusalém só tem riachos. Os Atos já indicam o batismo posterior fora dos rios e de crianças também (cf. o batismo da família do carcereiro em 16,29-33).

2ª Leitura: 1Pd 2,20b-25

Continuamos com a primeira carta de Pedro, escrito por Silvano (5,12) em Roma (Babilônia). O objetivo desta carta é fortalecer a fé das comunidades nas regiões da atual Turquia (1,1) no meio das provações e perseguições. Para isso o autor recorre ao exemplo de Cristo e cita o cântico do Servo sofredor de Is 53.

A Bíblia do Peregrino (p. 2908) comenta: Até aqui pensou em cristãos que vivem em paz entre os pagãos. Agora pensa em outra situação, de hostilidade, perseguição e injustiça. Para tais circunstancias vale o ensinamento de Jesus (Mt 5,11-12 par.) e seu exemplo (Jo 13,15; Mt 16,24), evocado por Pedro e corroborado com citações e alusões do AT. Cita uns vv. do quarto cântico do Servo (Is 53,9.3-4.6) alude ao Sl 7,9 e dá a Cristo o título de pastor (segundo Ez 34,5-6).

(Caríssimos:) Se suportais com paciência aquilo que sofreis por ter feito o bem, isto vos torna agradáveis diante de Deus (v. 20b).

Como Cristo “fazendo o bem” (cf. Jo 10,32; At 10,38) sofreu, assim acontece com os cristãos.

“Vos torna agradáveis diante de Deus”, ou: é uma graça diante de Deus; ou: merece o favor de Deus (cf. v. 19).

A Tradução Ecumêmica da Bíblia (p. 2387) comenta: A palavra grega “Kháris” (graça) adquire em 1Pd um sentido conglobante: vontade de Deus de conceder a vida aos homens (3,7), a graça se concretiza na participação na vida de Cristo sofredor e glorioso (1,10.13).  Sob este ponto de vista, os escravos tratados injustamente por causa da sua fé, são mais particularmente englobados neste plano paradoxal da graça.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2273) comenta: A “graça” de suportar a injustiça (vv. 19-20) apoia-se no exemplo de Cristo (cf. Jo 13,15; 1Cor 11,1; Fl 2,5; 2Ts 3,7). Os vv. 21-25, com as suas reminiscências de Is 53, podem vir de um hino. Os cristãos, ao serem maltratados, devem lembrar-se de Jesus crucificado pelos nossos pecados (3,18; At 2,23; etc.), inocente e paciente (Lc 23,41; Jo 8,46; 2Cor 5,21; Hb 4,15).

De fato, para isto fostes chamados. Também Cristo sofreu por vós deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos (v. 21).

Cristo chamou para o seguimento que inclui o sofrimento (a cruz, cf. Mc 8,34); ele mesmo nos deixou o “exemplo” (cf. Jo 13,15) e “sofreu” (variante: morreu (cf. 3,18) por vós”

Ele não cometeu pecado algum, mentira nenhuma foi encontrada em sua boca (v. 22).

A Tradução Ecumêmica da Bíblia (p. 2387) comenta: Os vv. 22-25 inspiram-se muito livremente em Is 53,4-9.12. Talvez se encontre aqui um hino da Igreja primitiva, que reduziu sobre formas variadas o temo do “servo sofredor” (At 8,32; Rm 4,25 etc.). Cristo mesmo se valeu desta passagem de Isaías para anunciar o sentido de sua morte (Mc 10,45 e par.).

Jesus “não cometeu pecado algum” e só falou a verdade, “mentira nenhuma” (cf. Jo 8,46; Is 53,9b).

Quando injuriado, não retribuía as injúrias; atormentado, não ameaçava; antes, colocava a sua causa nas mãos daquele que julga com justiça (v. 23).

Como o Servo de Deus (Is 50,4-9; 53,7), os cristãos não devem retribuir os maus tratos, como Jesus recomendou no sermão da montanha (Mt 5,38-48), mas confiar na justiçã divina.

A Bíblia do Peregrino (p. 2908) comenta: “Aquele que julga com justiça” é Deus (não Pilatos). Consciente da sua inocência, Jesus põe sua causa nas mãos do Pai. Como faz o inocente acusado, em vários salmos (7; 17; 43 etc.)

Sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Por suas feridas fostes curados (v. 24).

“Carregou nossos pecados” (continua citando Is 53,3-6.12) “sobre o madeiro”; O “madeiro” em vez de “cruz” não é raro no NT, por alusão a Dt 21,22s (cf. Gl 3,13), e talves a Isaac carregando a lenha para seu próprio sacrifício (Gn 22,6-10).

“Mortos para os pecados, vivamos para a justiça”. A Bíblia do Peregrino (p. 2908) comenta: A morte ao pecado é um fato pontual que deve encerrar uma etapa; a vida para a justiça é um estado que deve permanecer (cf. Rm 6,2.11).

Andáveis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes ao pastor e guarda de vossas vidas (v. 25).

Para as “ovelhas extraviadas” (por causa dos maus pastores, cf. Ez 34,5-6), “desgarradas” (Is 53,5; cf. Mt 18,12-14p) que não têm pastor (Mt 9,36), Cristo é “pastor supremo” (5,4; cf. Jo 10) e “guarda” (grego epíscopos, daí o termo “bispo”, cf. 1Tm 3,1-10; Tt 1,7-9; At 20,28) de “vossas vidas” (lit. almas, cf. 1,9).

Nos vv. precedentes (vv. 18-19), o autor se dirigiu aos servos (escravos) exortando para bom comportamento também diante das injustiças. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1490) comenta o contexto:

Em geral, a leitura dessa passagem salientou o conformismo diante da injustiça que é a escravidão. Mas o que o autor destaca é outra coisa: a identificação dos sofrimentos injustos vividos pelos escravos com aqueles experimentados por Jesus, o servo de Deus. O texto não tem no horizonte a libertação dos escravos, certamente porque isso não lhe parecia possível no momento, e tendo em vista as expectativas do iminente fim do mundo; por isso, o autor insiste na prática do bem, qualquer que seja a situação. A retidão do comportamento em qualquer circunstância é também uma forma de resistência às injustiças sofridas: foi assim que Cristo viveu, e ele é o modelo. A carta não se dirige a senhores de escravos, que provavelmente não participavam das comunidades, mas as olhava com suspeita.

Evangelho: Jo 10,1-10

Do 4º até o 6º Domingo do Tempo Pascal, a leitura do evangelho volta a João, o quarto evangelho que não tem um ano litúrgico próprio, mas é lido sobretudo nos tempos da Quaresma (preparando a paixão) e da Páscoa (preparando a despedida de Jesus e a vinda do Espírito em Pentecostes). No 4º Domingo, o evangelho é tirado do discurso sobre o Bom Pastor (Jo 10). É dia mundial da oração pelas vocações.

(Naquele tempo, disse Jesus:)

Na verdade, o discurso começa sem introdução, parece como continuação da resposta aos ouvintes fariseus (“eles”, v. 6) que criticaram a cura do cego no capítulo anterior (9,40s).

Neste discurso, Jesus apresenta a si mesmo como “bom pastor”, indiretamento em v. 2 e depois explicitamente nos vv. 11.14. Na sociedade rural de Israel, pastores e agricultures desempenhavam um papel na economia do país. Devida à seca, não havia muita pecuária, mas criacão de cabras e ovelhas. Enquanto os cabritos se pode deixar mais a sós, as ovelhas precisam de um pastor.

Pensando na metáfora do pastor que designa o rei (Davi era pastor, cf. 1Sm 16) ou qualquer liderança, podemos aplicar esta parábola aos políticos ou pastores também na religião (cf. os maus pastrores em Ez 34). Há muitos corruptos que só pensam em roubar (desviar verbas públicas para si) e há outros (talvez poucos) que se doam e sacrificam de verdade para o bem comum do povo (abundância para as ovelhas).

Neste ano A ouvimos o início do discurso em que Jesus fala da diferença na intenção e na atuação de  ladrões e do pastor verdadeiro (ele mesmo, cf. v. 2), só este último tem acesso legítimo às ovelhas de modo que se pode apresentar como “porta” (vv. 7.9) para as ovelhas.

“Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.“ Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que ele queria dizer. Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas. Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem. O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (vv. 1-10).

A Bíblia do Peregrino (p. 2583) comenta alguns detalhes deste trecho:

A figura do “porteiro” (v. 3): designa alguém ou é simples recheio descritivo? O AT nos fala de porteiros do palácio e do templo, responsáveis pela segurança. A parábola dá a entender que o porteiro não deixa os ladrões entrar, mas abre sem mais ao pastor. Pode conter uma explicação da futura função dos apóstolos em relação ao pastor que é Jesus (cf. a função tradicional de S. Pedro como porteiro do céu). E pode conter uma crítica aos porteiros que não se comportam bem (cf. Is 56,10).

Só se fala de “conduzir para fora”, “fazer sair as ovelhas”  e de “caminhar à sua frente” (vv. 3-4), não fala de reconduzi-las ao redil. Provavelmente se sugere a primeira libertação em suas duas fases de “saída” (êxodo = saída) do Egito  e “caminhada” pelo deserto guiados por Deus (Sl 80,2). Primeira libertação que prefigura a presente, na qual Jesus vai levar para fora e guiar, e não vai reconduzir ao velho redil (cf. Jo 6,1-4).

O terceiro detalhe é a relação pessoal do pastor com cada ovelha: conhece-as pelo nome, elas reconhecem sua voz. Adão dava nomes aos animais (Gn 2,19-20), nome de espécie; o pastor de João dá nomes individuais, pessoais: “Chamei-te por teu nome, tu és meu” (Is 43,1; cf. 43,25). “Ouvir sua voz” soa nas duas vertentes, de imagem e de realidade: “Todo aquele que está com a verdade, ouve a minha voz” (18,37).

Podemos imaginar um costume na Palestina do tempo de Jesus: De noite, para proteger as ovelhas, os pastores conduziam-nas num recinto comum, sob a responsabilidade de um vigia noturno. De manhã cedinho, cada pastor aparecia e chamava, por nome, a cada uma das ovelhas. Mesmo se elas, durante a noite se misturassem, reconheciam a voz do pastor e seguiam! “Quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas” (vv. 1-2). Normalmente os ladrões quando vão roubar uma casa, não entram pela porta principal. Eles arrombam alguma parte da casa, descobrem telhados, encontram alguma pequena brecha.

Esses ladrões e assaltantes podem ser falsos messias ou mestres abusivos. As ovelhas que reconhecem a voz são os fiéis que pela fé sintonizam com a voz. “Todos aqueles que vieram antes de mim, são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram” (v. 8; cf. Ex 34,1-10…). A frase é muito dura pelo seu alcance geral: Será que todos antes de Jesus, como Moisés, Davi, ou outras religiões (ex. Buda, Lao Tse, Gandhi) não têm nada de bom, são todos ladrões e assaltantes? Talvez se refira a autoridades da época do próprio evangelista (quando os rabinos excluíram os cristãos da sinagoga; cf. 9,22) e se quer dizer numa comunidade isolada e ameacada: “Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, espalha” (Mt 12,30p; diferente: Mc 9,40). Só Jesus tráz vida plena (v. 10), os outros não conseguem (cf. o vinho melhor em 2,10). Pode ser uma alusão a falsos líderes que se declararam messias (Mc 13,21-22; cf. At 5,36-37: Teudas e Judas, o galileu; em 132 d.C.: Bar Kochba). Ou se dá valor hiperbólico à generalização (como p. ex. no Sl 14,1: “não há quem pratique o bem”).

Jesus diz: “Eu sou a porta” (v. 7). Não é a parede que separa, ele é a porta, é a passagem, abertura. Ele diz que é a porta para indicar um destino, um caminho, uma meta para as suas ovelhas. O uso metafórico da porta é original. Sabemos como era guardada a porta exterior do templo e as interiores, permitindo o acesso unicamente aos autorizados (cf. Sl 118,20). Também Jerusalém tem sua porta de acesso. Um texto escatológico anuncia: “Abri as portas para que entre um povo justo” (Is 26,2). Jesus é o único acesso (como a escada de Jacó em 1,51) à casa de Deus, ao reino de Deus, ao Pai (único caminho: 14,6).

“Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagens” (v. 9). Os verbos usados são “entrar”, “sair” e “encontrar”. Jesus assegura a suas ovelhas a liberdade de movimentos e o sustento apropriado (cf. Sl 23). Jesus é pastor de liberdade, conduz para fora porque ele vai à frente, toma a dianteira, abre caminhos e inventa novas estradas. Ele está sempre na frente, não atrás.

A vida que Jesus tráz é “vida plena” e pérpetua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso veio, pois o ser humano com suas forças não pode alcançá-la. “Plenitude” “abundância” (v. 10; cf. 1,16; Cl 1,19; 2,9; Ef 3,19) são atributos divinos (também na filosofia estóica), “nada faltará” (Sl 23,1). É uma frase que demonstra que Jesus não quer a miséria nem o consumo meramente materialista, mas quer para nós a vida em abundância. É só com ele que nada faltará.

Outra interpretação (Schenke) vê nesse texto um enigma (v. 6) que Jesus contou aos fariseus (9,40s):

O “redil das ovelhas” é a casa de Israel, protegida pelo muro das instituições religiosas. O “porteiro” abre ao único pastor legítimo, que vem para salvar (vv. 1s.9). Pode ser João Batista que preparou o povo para a vinda do messias. Os “ladrões” são os que querem explorar o povo, os fariseus e sumos sacerdotes. Eles só querem “roubar e matar” (vv. 1.8; de fato, a aliança dos sacerdotes com os zelotas pela insurreição contra os romanos causou a derrota em 70 d.C.). O pastor legitímo chama todas ovelhas que são “as suas” (há outras também) pelo nome e as conduz “para fora”. Não fala em retornar ao velho redil, à casa de Israel, mas de conduzir suas ovelhas para fora de Israel (cf. 6,1-4), para a pastagem. O único acesso verdadeiro é por Jesus, porta e pastor ao mesmo tempo. Lá fora, as ovelhas encontrarão outros perigos: Os estranhos (v. 5), mas as ovelhas não seguirão àquelas vozes e fogem, e os mercenários (que aparecem nos vv. 12s) que são legítimos, mas não são donos e abrem espaço para o inimigo que quer devorar o rebanho (os lobos, v. 12). Jesus, porém, é o dono que se importa com suas ovelhas e dará sua própria vida (cf. a continuação deste discurso). Por sua sacrifício na cruz, suas ovelhas encontrarão “vida em abundância”, porque “o bom pastor dá sua vida pela ovelhas” (vv. 10s). Pela sua doação de vida, o ressuscitado caminha a frente do rebanho e encontra fora do redil de Israel “outras ovelhas” (outros povos e nações na missão pós-pascal) que também precisa conduzir e formar um rebanho único (Igreja católica, ou seja, para todos os povos) sob o único pastor legítimo (v. 16).

Por esta tendência à unidade, uns peritos consideram este discurso escrito pela redação final (“eclesial”) que acrescentou os caps. 15-17 (cf. “permanecer” e não se separar em 15,1-8; cf. 17,20-23) e o cap. 21 destacando Pedro com pastor legítimo da Igreja (apesar do seu fracasso na paixão, é chamado novamente em 21,15-17 três vezes: “Cuida das minhas ovelhas”). A comunidade fundada e orientada pelo “discípulo amado” (ele está na origem deste evangelho, cf. 21,20-24; chamado João pela tradição) viveu inicialmente isolada (talvez na Transjordânia) e hostilizada pelos fariseus que queriam dominar o rebanho/povo (cf. 9,22; 12,42; 16,2), mas depois tinha que migrar (talvez a Éfeso) e se integrar na Igreja de Pedro (dar preferência; cf. a corrida em 20,3-10), manter a união em vez de se dispersar e separar (cf. 1Jo 2,19).

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