26 de Julho 2019, Sexta-feira – Festa de São Joaquim e Sant’Ana: Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem (v. 16).

Festa de São Joaquim e Sant’Ana

 Não encontramos a história de Joaquim e Ana na Bíblia, mas num evangelho apócrifo, chamado “Proto-evangelho de Tiago”. Os “apócrifos” são escritos antigos que não foram acolhidos oficialmente no cânone (régua, norma) da Bíblia, geralmente devido às diferenças de doutrina. No Novo Testamento foram escolhidos somente 27 escritos, considerados autênticos, conforme à tradição e doutrina dos apóstolos, e inspirados pelo Espírito Santo. O “Proto-evangelho de Tiago” não tem uma doutrina diferente, mas uma narrativa exagerada, às vezes parecendo-se com um conto de fadas, por ex.: quando Jesus nasceu, os pássaros pararam no meio do vôo, toda natureza ficava parada por um momento (cap. 18); depois a parteira contou à outra mulher a respeito da virgindade de Maria, mas esta duvidou (como Tomé em Jo 20) e colocou seu dedo em Maria. Sua mão ficou atingida pelo fogo, mas à ordem do anjo do Senhor ela tomou o menino no braço e ficou curada (cap. 19-20).

Convém lembrar que o nome “Proto-Evangelho” é usado também para as palavras de Deus em Éden contra a serpente, primeiro anúncio da salvação (Gn 3,15; cf. 1ª leitura de 08 de dezembro). Mas o “Proto-Evangelho de Tiago” é chamado “proto-“ (primeiro, antes), porque apresenta o que aconteceu “antes” dos Evangelhos canônicos, ou seja, antes do anúncio da Boa Nova por Jesus adulto: começa com a história do nascimento de Maria e termina com o assassinato de Zacarias (cf. Lc 11,51), pai de João Batista, pelos soldados de Herodes que estavam procurando o messias recém-nascido. Seu cargo de sacerdote foi substituído pelo velho Simeão (Lc 2,25). Apesar dos exageros narrativos, este evangelho apócrifo sempre foi apreciado, porque a ele se deve o conhecimento dos nomes dos pais de Maria, das circunstâncias do nascimento de Maria (festa em 08 de setembro), da apresentação da menina no templo (festa em 21 de novembro), do nascimento de Jesus numa “gruta”. Valiosas realizações artísticas na pintura (imagens de Natal) se inspiraram neste livro.

O autor é desconhecido, provavelmente um judeu-cristão em Alexandria no final do século II. Por ficção literária e certamente para valorizar o conteúdo, adotou o nome de Tiago. Como havia dois apóstolos do mesmo nome, a atribuição é feita a Tiago menor, (filho ou irmão) de Alfeu (Mc 3,18p), que às vezes é identificado com Tiago, “irmão” de Jesus (Mc 6,3p), personagem tal importante da Igreja de Jerusalém (cf. Gl 1,19; 2,9.12; At 12,17; 15,13-21; 21,18-25; cf. Tg 1,1; Jd 1). O livro foi escrito em grego, aceito pelas Igrejas ortodoxas e orientais, e foi redescoberto no ocidente somente no século XVI. Um dos motivos da rejeição deve ter sido o fato de apresentar José como viúvo e pai de diversos filhos (daí a imagem dele em idade avançada). Os “irmãos de Jesus” nos evangelhos (Mc 3,31p; 6,3p) seriam os filhos do casamento anterior de José. Esta opinião foi bem recebida na antiguidade (ex. por Orígenes e Clemente de Alexandria, Ambrósio e Agostinho). No ocidente foi superada pela explicação de São Jerônimo: a palavra “irmãos”, de acordo com o correspondente hebraico-aramaico, abrange não só os irmãos de sangue, filhos dos mesmos pais, como também os parentes ligados por laços mais ou menos estritos da consanguinidade ou afinidade. Assim também a Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 1882) afirma na roda-pé de Mt 12,46: “Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra irmãos pode designar tanto os filhos da mesma mãe, com os parentes próximos (cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22).”

O proto-evangelho de Tiago nos apresenta Joaquim como homem rico, generoso e piedoso, mas triste por não ter descendência, e Ana, sua mulher, chorando sua esterilidade. O episódio tem semelhança com Abraão e Sara (Gn 11,27-21,7), e mais ainda com outra Ana, mãe de Samuel: a humilhação por causa da esterilidade, a súplica ao Senhor, a promessa da consagração, o atendimento pelo Senhor e o cântico de ação de graças, considerado uma das fontes do canto de Maria, o Magnificat (1Sm 1-2; cf. Lc 1-2).

Joaquim fez um retiro de quarenta dias no deserto (1,4). Um anjo do Senhor apareceu a Ana dizendo: “Ana, Ana,… conceberás e darás á luz, e em toda a terra se falará da tua descendência.“ (4,1). Completaram-se para Ana os meses de gestação. No nono mês deu à luz uma menina que recebeu o nome de Maria (5,2).

 

Leitura: Eclo 44,1.10-15

O livro de Eclesiástico é uma coleção de provérbios e conselhos a respeito de mais diversos temas e no final destaca a glória de Deus na natureza (42,15-43,33) e na história (44,1-50,29). O livro é chamado de “eclesiástico” porque foi aprovado pela Igreja (Católica), mas não pelos judeus (nem pelos protestantes). Seu autor, Jesus Ben Sirac (50,27; 51,30), é um escriba sábio, que escreveu em hebraico e foi traduzido por seu neto para o grego em 132 a.C. (cf. prólogo). Como educador, Ben Sirac valoriza o exemplo dos antepassados e grandes figuras na Bíblia.

Vamos fazer o elogio dos homens famosos, nossos antepassados através das gerações (v. 1).

Este elogio mostra como Ben Sirac, um judeu piedoso do século II a.C. compreendia a história de Israel (cf. o testamento de Mataias em 1Mc 2,51-64).

“Homens famosos”, hebraico: “homens de bem” (cf. v. 10). O termo “de bem”, aqui traduzido por “famosos”, é o clássico hésed: homens que receberam de Deus a bondade (ou misericórdia), e a praticam com os outros. Isso já significa uma seleção na mente do autor: benfeitores.

Trata-se dos homens piedosos (hasidim, cf. 43,33; cf. “hassideus”, 1Mc 2,42; 7,13), homem de piedade (hésed), que deu origem ao termo “assideus” (Hasidîm: cf. 1Mc 2,42; 7,13), aqueles judeus que na época da revolta dos macabeus (166-162 a.C.) se distinguiam por sua fidelidade a Deus e à Lei e resistiam à dominação grega. Se o tradutor grego de Eclo não traduziu com exatidão a expressão, é talvez porque ele a julgava, em sua época, carregada de um sentido por demais preciso.

O emprego desta expressão para designar os homens devotados à Lei situa o autor Ben Sirac entre esses predecessores longínquos dos fariseus e dos essênios. Além disso os considera na sua categoria de “antepassados”, com forte expressão de continuidade e pertença, quase tradição biológica (o texto grego diz: “e de nossos pais pela geração”).

Estes, são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos (v. 10)

Os “homens de misericórdia” de v. 10 são os mesmos de v. 1 (“famosos”), onde se encontra no hebraico a mesma expressão hesed: “homens de piedade (misericórdia, graça)”.

“Seus gestos de bondade não serão esquecidos”; O texto hebraico tem: “Sua esperança não terminará”; leitura que parece exprimir uma esperança de imortalidade que não aparece no grego.

Eles permanecem com seus descendentes; seus próprios netos são a sua melhor herança. A descendência deles mantém-se fiel às alianças, e, graças a eles, também os seus filhos. Sua descendência permanece para sempre, e sua glória jamais se apagará. Seus corpos serão sepultados na paz e seu nome dura através das gerações. Os povos proclamarão a sua sabedoria, e a assembléia vai celebrar o seu louvor (vv. 11-15).

Os vv. 10-15 repetem a fórmula do primeiro verso. A tradição de Israel é formada pela continuidade das gerações e da memória. A memória torna presentes e atuais os antepassados, como os descendentes tornam presentes uma estirpe. “Eles permanecem com seus descendentes; seus próprios netos são sua melhor herança” (v. 11). De fato, o neto de Joaquim e Ana é Jesus, é sua melhor herança.

A memória está ligada a caridade, conforme a convicção do autor, Eclo 40,17; Sl 112: a prática da misericórdia (hesed) encabeça o fragmento. Mas segundo ele, o homem não sobrevive, só sua fama perdura (cf. Eclo 39,9-11). Não se firmou ainda a fé na ressurreição no Antigo Testamento, mas “sua descendência permanecerá para sempre” (v. 13b).

Evangelho: Mt 13,16-17

O evangelho nos apresenta uma bem-aventurança que Mt inseriu no discurso de parábolas.

Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem (v. 16).

Depois de citar Is 6,9s para explicar a rejeição de Israel a respeito de Jesus (vv. 13-15), Mt muda o tom e pronuncia uma bem-aventurança (cf. 5,3-12). Em vez da cegueira e surdez de Israel (Is 6,9s), elogiam-se agora os olhos e os ouvidos dos discípulos. O que estes veem? Lembrando a pergunta de João Batista e a resposta de Jesus em 11,2-6, eles veem as curas milagrosas e ouvem o evangelho anunciado aos pobres.

De uma fonte comum com Lucas, Q (uma coleção de palavras de Jesus que se perdeu na história, mas preservou-se em Mt e Lc), Mt tirou esta bem-aventurança (Lc 10,23s) e a inseriu aqui no discurso. Lit. “Mas vós sois felizes por verdes com vossos olhos e ouvirdes com vossos ouvidos”.

Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram (v. 17).

Mt substituiu os “reis” da sua fonte Q (Lc 10,24) por “justos”, porque os judeu-cristãos da comunidade de Mt não são reis, sim profetas e justos (10,41; 23,34.cf. 23,37).

Ver o Messias e ouvir sua mensagem era a ânsia oculta dos antigos. “Muitos profetas e justos”, os da aliança antiga (23,29; cf. 10,41, “desejaram ver o que vedes, e não viram…”. Compara-se Is 42,20 “Muito olhavas e nada entendias” com 52,8 “vêem face a face o Senhor voltando a Sião” e 62,11 “Vê o teu Salvador chegando”.

Os homens e mulheres piedosos do Antigo Testamento correspondem à comunidade que tem o privilégio de participar do tempo da salvação através dos discípulos. Os discípulos são testemunhas privilegiadas dessa revelação de Jesus (através do seu ensino), que se estenderá a todos os cristãos (cf. Eclo 48,11 referindo-se à volta de Elias: “Feliz quem te vir antes de morrer”; e o velho Simeão, “justo e piedoso”, em Lc 2,25.29-30: “meus olhos viram tua salvação”).

Na pessoa de Jesus presente na historia já se realiza o reinado de Deus. Esse é o grande “mistério do reinado de Deus” (v. 11p) que se dá a conhecer aos que acolhem Jesus como o Messias desejado e esperado. São Paulo insistiu sobre o longo silêncio em que foi envolvido o “mistério” (Rm 16,25; Ef 3,4-5; Cl 1,26; cf. 1Pd 1,11-12) e cuja revelação aos pagãos é teor da pregação do apóstolo das nações.

O site da CNBB comenta: Todos nós falamos muito em felicidade e todas as pessoas desejam ser felizes. Em nome da felicidade as pessoas fazem as maiores proezas e correm os maiores riscos. A felicidade está sempre naquilo que nós mais valorizamos na nossa vida. É justamente aqui que nós encontramos o elemento de análise principal para encontrarmos a causa de tanto sofrimento e tanta dor que estão presentes no mundo de hoje. Deus é o valor absoluto e somente a partir dele pode haver felicidade verdadeira. Qualquer felicidade que encontre o seu fundamento fora de Deus, coloca o seu fundamento em um falso valor, de modo que é na verdade uma falsa felicidade, que só pode trazer dor e sofrimento.

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