26 de Junho de 2020, Sexta-feira:  “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar” (vv. 1-2).

12ª Semana do Tempo  Comum

 Leitura: 2Rs 25,1-12

Chegamos ao fim da história deuternonomista (Js, Jz, 1-2Sm, 1-2Rs) que atribuiu as desgraças do povo às suas infidelidade ao Deus da aliança, Javé. O final do reino do Sul (Judá) em 586 a.C. é semelhante ao do reino do Norte (Israel) em 722 a.C. (2Rs 17): a invasão do exército estrangeiro e o desterro. Os inimigos não são mais os assírios, mas os (neo)babilônios que levam boa parte do povo ao exílio, porém, não misturam a população com assentados como aconteceu no reino do Norte (Samaria).

O relato paralelo de 2Cr 36,14-16.19-23 é lido no Tempo da Quaresma no 4º Domingo do Ano B. Ainda temos outro relato em Jr 52 (quase idêntico com 2Rs 24,18-25,21), um apêndice que mostra a realização das profecias de Jeremias (cf. Dt 18,18.21s; Jr 28,9).

No nono ano do reinado (de Sedecias), no dia dez do décimo mês, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio atacar Jerusalém com todo o seu exército. Puseram-lhe um cerco e construíram torres de assalto ao seu redor. A cidade ficou sitiada e rodeada de valas até ao décimo primeiro ano do reinado de Sedecias (vv. 1-2).

O “nono ano do seu reinado” se refere ao reinado de Sedecias, fim de dezembro de 589.

O rei Nabucodonosor (Nabu-kudur-uçur) organizou o império neobabilônico ou caldeu, que sucedeu ao império assírio. Ele reinou de 605 a 562. Sua primeira expedição a Palestina aconteceu em 604 e submeteu o rei de Jerusalém, Joaquim. Seu filho Joaquim (Jeconias, cf. 1Cr 3,16s; Jr 22,24), reinou apenas três meses, porque Nabucodonor voltou em 597 e deportou Joaquin com 10.000 pessoas da elite (entre eles Ezequiel) para Babilônia. No lugar de Joaquin, constituiu rei de Judá seu tio Matanias, cujo nome mudou para Sedecias (cf. 2Rs 24; leitura de ontem).

Nove anos depois da primeira deportação, Sedecias, instigado pelo Egito, também se rebela contra a Babilônia. Então Nabucodonosor volta a sitiar Jerusalém em fins de dezembro de 589 a.C.

A Bíblia do Peregrino (p. 714) comenta: Começa o cerco da cidade (587). Jerusalém, ajudada por suas defesas naturais e artificiais, e animadas pelo patriotismo, resistiu ao invasor. Durante o cerco, Hofra saiu do Egito e avançou ameaçador, obrigando os sitiadores a levantar o cerco. É a libertação – pensam os ministros -, o Senhor protege seu templo e cidade, fracassam as profecias de Jeremias. Mas este repete um oraculo terrível: “Os caldeus voltarão”. Não é que queira ter razão a todo custo; dói-lhe na alma a desgraça do seu povo, mas tem de anunciá-la. Efetivamente, o exército babilônico volta e aperta mais e mais o cerco.

No dia nove do quarto mês, quando a fome se agravava na cidade e a população não tinha mais o que comer, abriram uma brecha na muralha da cidade. Então o rei fugiu de noite, com todos os guerreiros, pela porta entre os dois muros, perto do jardim real, se bem que os caldeus cercavam a cidade, e seguiram pela estrada que conduz à Arabá (vv. 3-4).

“No quarto mês” (Jr 52,6; omitido pelo hebraico). Para a Bíblia do Peregrino, o “dia nove do quarto mês” era o dia 18 de julho de 586. Mas a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 586) comenta: Jr 39,2 e 52,6 indicam com precisão que esse fato ocorreu “no decimo primeiro ano, no quarto mês, do reinado de Sedecias”, isto é, em fins de junho de 587 a.C.

“A fome se agravava”, há descrições desta nas Lamentações (cf. leitura de amanhã). “Então o rei fugiu” (grego luc.; omitido pelo hebraico) em direção ao Jordão, talvez para se refugiar em território moabita. Jr 52,7 precisa: “e saíram da cidade” (cf. também Jr 39,4).

A “porta entre os dois muros” deve situar-se perto do reservatório do mesmo nome (cf. Is 22,11); essa porta abria-se para o “jardim real”, que se achava na parte sudeste da cidade (cf. Ne 3,15). A Bíblia de Jerusalém (p. 592) comenta: Os “dois muros”: sem dúvida um muro anterior, datando dos começos da monarquia, e um muro exterior, construído no tempo de Ezequias. O jardim do rei ficava do lado de fora, no vale do Cedron.

A “Arabá” é o vale desolado no lado ocidental do Jordão (cf. Dt 11,30 e Js 8,14).

Mas o exército dos caldeus perseguiu o rei e alcançou-o na planície de Jericó, enquanto todo o seu exército se dispersou e o abandonou. Os caldeus prenderam o rei e levaram-no a Rebla, à presença do rei da Babilônia, que pronunciou sentença contra ele. Matou os filhos de Sedecias, na sua presença, vasou-lhe os olhos e, preso com uma corrente de bronze, levou-o para a Babilônia (vv. 5-7).

O rei da Babilônia havia instalado seu quartel general em “Rebla” (cf. 23,33) que fica no vale do Oronte no território de Emat (cf. Jr 39,5s; 52,9s.26). Foi lá que Sedecias com sua família foi julgado pela sua rebeldia como um vassalo traidor.

“Pronunciou sentença … Matou…” O hebraico traz o plural (lit. “anunciaram-lhe … degolaram…”). Em Jr 52,9 o rei da Babilônia é quem anuncia a sentença a Sedecias (a expressão é característica de Jeremias, cf. Jr 1,16; 4,12; 39,5; 52,9). Jr 52,10 atribui a ação de matar explicitamente ao rei da Babilônia e acrescenta: “ele degolou também, em Rebla, todos os chefes de Judá”). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 586) comenta: Baixos-relevos assírios mostram o rei da Assíria vazando pessoalmente com a lança os olhos dos prisioneiros; cf. Jz 16,21, onde Sansão é condenado ao mesmo castigo.

“Levou-o para a Babilônia”; Jr 52,11 acrescenta: “onde ele o deixou no cárcere e até o dia de sua morte”. Desde então, dois reis de Judá viviam na prisão de Babilônia: Joaquin (Jeconias), que se tinha rendido em 597, e Sedecias, que se tinha rebelado.

No dia sete do quinto mês, data que corresponde ao ano dezenove do reinado de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Nabuzardã, comandante da guarda e oficial do rei da Babilônia, fez a sua entrada em Jerusalém. Ele incendiou o templo do Senhor e o palácio do rei e entregou às chamas todas as casas e os edifícios de Jerusalém (vv. 8-9). 

A data da destruição seria ainda no 11º ano de Sedecias (v. 2), em fim de julho de 587 a.C. Em Jr 52,12 é o “dia dez do mês” ao invés de sete. Em lugar de “ano dezenove”, Jr 52,29 traz: “dezoito”.

Nabuzardã é igualmente conhecido através de documentos babilônicos onde encabeça uma lista de funcionários reais, com o nome de Nabuzeridinâm. No final do v. 9, o texto acrescenta: “ele queimou toda casa de gente importante” (glosa).

A Bíblia do Peregrino (p. 715) comenta: Assim se cumpriram as profecias de Ezequiel. Numa visão, o profeta do desterro tinha contemplado os pecados de idolatria de anos e até de séculos: um panorama histórico de crimes. E tinha escutado uma ordem que mandava incendiar e matar. O tempo entre a ocupação e o incêndio foi dedicado ao saque sistemático da cidade e do templo.

Todo o exército dos caldeus, que acompanhava o comandante da guarda, destruiu as muralhas que rodeavam Jerusalém. Nabuzardã, comandante da guarda, exilou o resto da população que tinha ficado na cidade, os desertores que se tinham passado ao rei da Babilônia e o resto do povo. E, dos pobres do país, o comandante da guarda deixou uma parte, como vinhateiros e agricultores (vv. 10-12).

Quanto à sorte reservada aos “desertores”, cf. o oráculo de Jr 21,9. Uma parte da população pobre foi deixada para trabalhar a terra. Assim quebrou a resistência urbana, sem entregar o pais à desolação.

A cidade é destruída, o palácio e o Templo incendiados, e a população deportada. Somente o povo pobre da terra é deixado em Judá (cf. Jr 39,1-10; 52; 2Cr 36,11-20), fato que vai criar alguns problemas no futuro, na volta dos exilados que se consideram o verdadeiro Israel e donos da terra (cf. Esd 4).

 

Evangelho: Mt 8,1-4

Depois do primeiro dos cinco discursos no Evangelho, chamado sermão de montanha (Mt 5-7), segue-se uma sequência de narrativa (Mt 8-9) até o próximo discurso sobre a missão dos apóstolos (Mt 10). Mt continua com esta alternância de palavra/discurso (sermão) e ação/prática (narrativa) até o fim do evangelho (paixão e ressurreição: Mt 26-28)

Tendo Jesus descido do monte, numerosas multidões o seguiam. Eis que um leproso se aproximou e se ajoelhou diante dele, dizendo: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar” (vv. 1-2).

Jesus desce da montanha como antigamente Moisés (Ex 19,14; 32,1; 34,29). O sermão não se dirigia somente aos discípulos, mas ao povo em geral. No meio destas multidões que “o seguiam” como discípulos em potencial, de repente um leproso! Não devia estar aqui, devia ficar afastado do convívio humano, marginalizado da vida social (Lv 13,45s), devia advertir os outros com um chocalho gritando “impuro” para ninguém se aproximar e contaminar. Mas Jesus não o repreende, ao contrário, reconhece a expressão da fé do doente que se ajoelhou e apela ao poder e a boa vontade de Jesus. Ele o chama “Senhor”, expressão que Mt já usou em 7,21s a respeito do juízo final; só os discípulos (8,25; 14,28.30; 16,22; 17,4; 18,21) e os doentes (8,2.6.; 9,28; 15,22.25.27; 17,15; 20,30s.33) usam o este título em Mt.

Hoje a lepra é chamada “hanseníase” segundo o médico Hansen que em 1837 descobriu sua causa (infecção de nervos que afeta a pele e a carne) e o remédio para sua cura (hoje comprimidos). Ela se transmite via gotículas da respiração ou saliva, mas não pelo toque da pele. Naquela época, porém, era a doença incurável e mais temida (como a aids hoje), vista como castigo de Deus. Sua cura era considerada tal difícil como ressuscitar um morto. Mas o doente excluído diz que sua cura só depende da vontade de Jesus.

Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero, fica limpo.” No mesmo instante, o homem ficou curado da lepra (v. 3).

Jesus não evita o contato físico, não tem medo de tocar neste homem impuro. Só quatro palavras e um pequeno toque para curá-lo! Estender a mão é um gesto comum em histórias de milagres (cf. Moisés em Ex 14,21); em Mt é sinal de proteção sobre os discípulos (cf. 12,49; 14,31).

Então Jesus lhe disse: “Olha, não digas nada a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote, e faze a oferta que Moisés ordenou, para servir de testemunho para eles” (v. 4).

Depois da cura física ainda persiste o problema da exclusão da sociedade, é preciso reintegrar o homem na comunidade (Lv 14). Os sacerdotes eram encarregados de fazer o diagnóstico (Lv 13) e declarar a doença com a sentença da exclusão ou, em casos raros de cura ou erros de diagnóstico, declarar a cura com a inclusão.

Mt copiou esta cura de Mc 1,40-45 e deu destaque especial como primeiro milagre que Jesus realiza. Em Mc, o primeiro milagre foi o exorcismo na sinagoga de Cafarnaum (Mc 1,21-28), Mt o suprimiu (talvez porque um espírito impuro dentro de uma sinagoga pudesse ser interpretado como falta de respeito para seus leitores judeu-cristãos). Mas a atitude de Jesus de tocar no leproso é para Mt um exemplo excelente para demonstrar o que significa “praticar” (cf. 7,12-27) uma “justiça maior do que os mestres da lei” (5,20). Jesus cumpre a lei de Israel mandando o leproso após a cura ao sacerdote para o sacrifício (cf. 5,17-19), e pratica a vontade do Pai que quer o bem de todos os seus filhos (cf. 5,45). O maior cumprimento da Lei, portanto, não é declarar quem é puro ou impuro, mas fazer com que a pessoa fique purificada e recuperada para convivência (cf. 7,12).

A proibição de publicar “não o digas a ninguém” não faz muito sentido em Mt que descreve a cura no meio da multidão. Mas Mt é fiel copiador de Mc que descreveu a cura num lugar mais deserto. É característica em Mc, o evangelho mais velho, esta proibição de publicar, o chamado “segredo do messias”, para não confundir Jesus com um messias guerreiro durante a guerra judaica contra os romanos (66-70 d.C.); mas no tempo de Mt (cerca de 80 d.C.), a guerra já passou (os judeus perderam).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra coisas muito interessantes. Inicialmente, Jesus desce do monte, o que nos mostra que devemos subir ao monte para conversar sobre coisas importantes, mas não podemos ficar lá para sempre, precisamos descer. As multidões o seguiam, porque o discurso do Evangelho convence, faz com que as pessoas deem sua adesão a Jesus e à causa do Reino. Por fim, nos mostra que as verdades refletidas sobre o monte devem ser vividas, pois Jesus faz isso, vendo a necessidade de quem dele se aproxima e fazendo o que está ao seu alcance para que o mal seja vencido e todas as pessoas possam ter uma vida digna de filhos e filhas de Deus.

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