26 de maio de 2017 – Sexta-feira, Páscoa 6ª semana

 

Leitura: At 18,9-18

Estando Paulo em Corinto, tem outra visão (cf. 16,9s) que confirma o sucesso nesta cidade grega onde se convertem-se nada menos que o chefe da sinagoga, Crispo (1Cor 1,14,16) e muitos pagãos (cf. vv. 1-8; leitura de ontem).

(Estando Paulo em Corinto), uma noite, o Senhor disse-lhe em visão: “Não tenhas medo; continua a falar e não te cales, porque eu estou contigo. Ninguém te porá a mão para fazer mal. Nesta cidade há um povo numeroso que me pertence” (vv. 9-10).

Com o recurso de uma visão noturna (cf. 16,9s; 23,11; 27,24), Lucas nos oferece o sentido da nova atuação. Vários elementos pertencem a relatos proféticos, vocação ou encargo concreto de Deus. Entre eles as fórmulas clássicas “não temas, eu estou contigo” (Is 41,10.13; 43,5; Jr 1,8.19) e o encargo de “falar e não se calar” (Jr 1,6s.9.17; Is 41,11; 49,2). A motivação é que em Corinto o Senhor escolheu e quer formar para sim um povo (cf. 1Pd 2,9).

Assim Paulo ficou um ano e meio entre eles, ensinando-lhes a Palavra de Deus (v. 11).

Pela primeira vez, os incansáveis viajantes podem fazer uma parada longa, de “um ano e meio”, dedicados ao “ensino” (cf. 11,26; 15,35; 20,20). Depois da evangelização, essa atividade se poderia chamar catequese. Assim, Corinto torna-se a terceira cidade significativa da Igreja nascente, depois de Jerusalém e Antioquia. Éfeso será a quarta.

Na época em que Galião era procônsul na Acaia, os judeus insurgiram-se em massa contra Paulo e levaram-no diante do tribunal, dizendo: “Este homem induz o povo a adorar a Deus de modo contrário à Lei” (vv. 12-13).

Governador (procônsul) da província romana da Acaia (Grécia) era Galião, irmão do filósofo Sêneca que educava o futuro César Nero (mais tarde, os dois irmãos serão forçados por Nero a cometerem suicídio). Uma inscrição de Delfos situa o proconsulado de Galião no ano 52. O comparecimento de Paulo perante Galião deve ter-se verificado pelo fim (v. 18) de sua permanência de dezoito meses (v. 11) em Corinto, provavelmente na primavera de 52.

Durante esta primeira estadia em Corinto, Paulo escreveu aos tessalonicenses, portanto podemos datar 1Ts entre 50 a 52 d.C. e considerá-la como o documento mais antigo do Novo Testamento (NT). A coincidência dos fatos relacionados ao edito de Claudio (ano 49 ou 50; cf. v. 2) e do proconsulado de Galião (ano 52) dá um ponto seguro de reconstruir toda cronologia do cristianismo primitivo.

Passado certo tempo, os judeus contra-atacam. Ao convertido Crispo sucedeu Sóstenes como chefe da sinagoga. Os judeus conduzem Paulo ante o tribunal do governador que se encontra na ágora (praça pública). A acusação é bastante vaga: ele prega um culto “contrário à lei”, termo equívoco que designa tanto a lei romana (cf. 16,21; 17,7) quanto a lei judaica reconhecida e amparada pelos romanos.

Paulo ia tomar a palavra, quando Galião falou aos judeus, dizendo: “Judeus, se fosse por causa de um delito ou de uma ação criminosa, seria justo que eu atendesse a vossa queixa. Mas, como é questão de palavras, de nomes e da vossa Lei, tratai disso vós mesmos. Eu não quero ser juiz nessas coisas” (vv. 14-15).

Galião não quer ver nesta acusação (v. 15) senão uma questão de interpretação da Lei judaica e declina qualquer competência. Paulo não violou nenhuma lei romana; e se trata da legislação judaica e suas interpretações, os judeus desfrutam de autonomia para resolverem entre eles estes pleitos.

A Bíblia do Peregrino comenta: Para o romano, o que separa Paulo dos outros judeus são questões verbais sem substância. Para Paulo e os judeus, a diferença é radical. Galião pensa que Roma está acima de semelhantes distinções, e que a mensagem de Paulo não afeta o Império. Não quer empenhar a autoridade de Roma em assuntos internos ao judaísmo, quando precisamente Paulo quer atingir todo o mundo com sua mensagem universal.

E Galião mandou-os sair do tribunal. Então todos agarraram Sóstenes, o chefe da sinagoga, e espancaram-no diante do tribunal. E Galião nem se incomodou com isso (vv. 16-17).

Galião ficou neutro e não favoreceu a Paulo que nem podia falar e também tinha que sair do tribunal. Mas a promessa do sonho de Paulo, “ninguém te porá a mão para fazer mal” (v. 10), se cumpriu. Paulo sai ileso e inocentado enquanto os inimigos espancam seu próprio líder. “Cavaram um buraco na minha frente, e foram eles que caíram” (Sl 57,6). Em 1Cor 1,1, Paulo escreve aos coríntios junto com “Sóstenes, o irmão”. Será que é o mesmo de At 18,16?  É possível que Sóstenes se tenha convertido (como Crispo, cf. v. 8) depois de ser espancado pelos próprios irmãos judeus.

Nas palavras do governador e no final da cena percebemos um pouco do antijudaísmo da época. Pode ser que “todos” não são os judeus, mas a multidão na praça que espanca o chefe da sinagoga, deixando-se levar pelo antissemitismo.

Paulo permaneceu ainda vários dias em Corinto. Despedindo-se dos irmãos, embarcou para a Síria, em companhia de Priscila e Áquila (v. 18ab).

O casal Priscila e Áquila (agora a mulher é mencionado primeiro, antes do nome do marido; cf. v. 2) torna um excelente colaborador na missão de Paulo, primeiro em Corinto e Éfeso (vv. 2s.26; 1Cor 16,19), depois em Roma (Rm 16,3; cf. 2Tm 4,19). Embarcaram com ele “para Síria”, i. é. Antioquia do rio Orontes, que permanece o ponto de referência para Paulo (cf. v. 22; 11,25s; 13,1-3; 14,26-28; 15,35).

Em Cencreia, (Paulo) rapou a cabeça, pois tinha feito uma promessa (v. 18c).

Cencreia é um dos dois portos de Corinto onde vivia a diaconisa Febe (provavelmente a portadora da carta aos romanos, cf. Rm 16,1). O texto aqui é obscuro. Parece ter sido Paulo quem fez a promessa, não é Áquila. Quem emitia um voto, isto é, fazia promessa, tornava-se nazir (cf. Nm 6,1-21) enquanto perdurava o tempo de seu voto (geralmente trinta dias); devia, entre outras obrigações, não cortar o cabelo durante esse tempo. Não se sabe se Paulo emitiu o voto em Cencreia ou se lá o terminou (cf. At 21,21-27, onde Paulo realiza com quatro outros judeus os ritos finais de um voto).

 

Evangelho: Jo 16,20-23a

Os discípulos (e por meio deles, a comunidade cristã) se perguntaram o que significava o anúncio de Jesus: “Pouco tempo e já não me vereis, e outra vez pouco tempo e me vereis?” (vv. 16-19). Jesus dá uma reposta que se pode referir num primeiro momento ao “pouco tempo” da sua partida (morte) e ressurreição, e depois também à parusia (volta no fim dos tempos).

Em verdade, em verdade vos digo: Vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria (v. 20).

Começa uma nova resposta (vv. 20-23a), introduzida por “Amém, Amém” (traduzido “em verdade…). Jesus fala das dores e da tristeza já anunciadas em 15,18-16,4a.6; mas a novidade agora que a “tristeza se transformará em alegria”, tristeza da paixão, alegria de rever o Cristo ressuscitado (cf. 20,20).

A mulher, quando deve dar à luz, fica angustiada porque chegou a sua hora; mas, depois que a criança nasceu, ela já não se lembra dos sofrimentos, por causa da alegria de um homem ter vindo ao mundo. Também vós agora sentis tristeza, mas eu hei de ver-vos novamente e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria (vv. 21-22).

Numa metáfora de mulher parturiente, Jesus declara que a tristeza e a angustia dos discípulos são passageiras e serão superadas pela alegria depois. “Chegar a sua hora”, esta expressão foi relacionada com o sofrimento de Jesus, que é ao mesmo tempo sua glorificação (cf. 2,4; 7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 16,32; 17,1). Aqui se refere à angustia dos discípulos (cf. 16,2) que por sua dor fazem Jesus aparecer. Quando ele os verá, a tristeza deles se transformará numa alegria eterna que “ninguém poderá tirar”. Em v. 16 eram os discípulos que verão Jesus em breve, agora é Jesus que os verá. Ele também tem saudade e quer vê-los de novo (cf. 14,3)

A Bíblia do Peregrino (pag. 2604) comenta: A imagem da mulher na expectativa de dar à luz está carregada de ressonâncias históricas e proféticas: desde o grito triunfal da Eva em sua primeira maternidade (Gn 4,1) até as figuras escatológicas do livro de Isaias (26,14-19; 66,7-14), e como contraste violento Jr 4,31; no NT Ap 12. Is 66 fala do parto maravilhoso de todo um povo (em contraste com o lento e trabalhoso dos doze patriarcas), e menciona a alegria da festa. Is 26 é mais audaz, fala da terra mãe que dá à luz mortos vivificados. Na especulação judaica se falava das dores do parto que abriram a porta para a era messiânica.

No contexto imediato da ceia, a imagem fala da fecundidade da paixão e morte de Jesus, da dor partilhada dos discípulos e da próxima alegria que o ressuscitado trará. No contexto mais amplo da Igreja, enuncia uma condição permanente: o sacrifício por amor e a alegria da sua fecundidade. O mundo não arrebata com suas perseguições a alegria que o Espírito infunde (cf. Sl 4,8; Is 35,10).

Naquele dia, não me perguntareis mais nada (v. 23a).

“Naquele dia” pode-se referir ao rever o ressuscitado (21,12), mas é expressão frequente que introduz anúncios escatológicos (dos últimos tempos ou após a morte etc.); pode identificar-se com o “dia do Senhor” (cf. como exemplo típico a série de Zc 12-14). Jo usa esta forma para indicar o dia escatológico que chega com a glorificação de Jesus. “Será um dia único, escolhido pelo Senhor” (Zc 14,7) e que se prolonga na história.

Acabar-se-ão as perguntas de agora, os pedidos serão escutados (v. 23b-24; perguntar e pedir são parentes, já que perguntar é pedir uma resposta). Reinará a claridade, a luz, e não mais as trevas (cf. 8,12). Os discípulos “não perguntarão mais nada” (cf. vv. 5.19), porque conhecerão a “verdade plena” (v. 13) pelo Espírito que revelará o sentido da morte e ressurreição de Jesus (sua partida para o Pai) e com isso também o sentido da nossa vida (de onde viemos, para onde vamos). Naquele dia escatológico, a mediação do Espírito não será mais necessária (por isso nem é mencionado aqui), quando olharmos Jesus na sua plena glória (cf. Ap 21,22s; 22,4s). Não perguntar mais é sinal de prefeita sintonia e comunhão (cf. 21,12).

O site da CNBB comenta: Nós hoje sentimos uma série de tristezas, que são causadas por causa dos acontecimentos do nosso tempo que se constituem em negação dos valores do Reino de Deus e que, além de trazer muito sofrimento para a humanidade, principalmente para os mais pobres e desvalidos, exigem de nós um testemunho corajoso de Jesus e do seu Evangelho, o que nem sempre é fácil porque na verdade somos fracos na fé. Mas devemos nos consolar e encontrar forças para esse testemunho a partir da promessa que nos é feita por Jesus no Evangelho de hoje, pois veremos Jesus e isso nos encherá de uma alegria que não nos pode ser tirada e nos levará ao pleno conhecimento da verdade.

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