26 de setembro de 2017 – Terça-feira, 25ª semana

Leitura: Esd 6,7-8.12b.14-20

Ontem se leu o início do Livro de Esdras com o decreto do rei persa Ciro II que conquistou a Babilônia e editou num decreto que os judeus exilados pudessem voltar e reconstruir seu templo em Jerusalém. Ouvimos hoje mais uma vez um decreto, agora de outro rei persa (Dario). Depois de Ciro II, seu filho Cambises (530-522) tornou-se rei da Pérsia e conquistou ainda o Egito. Enquanto isso, os trabalhos para reconstruir o templo em Jerusalém pararam por causa da resistência da população local, dos samaritanos (2Rs 17,24-41) e demais povos vizinhos que se estabeleceram em Judá e temiam perder seus direitos (cf. Esd 3-4). A nova tentativa dos samaritanos para impedir a obra acaba por surtir o efeito contrário: o Templo é reconstruído e o grupo de repatriados celebra em 515 a.C. a festa da dedicação, religando-se assim à tradição do passado.

O primeiro edito por Ciro II em 538 a.C. (cf. leitura de ontem) era proclamação feita em hebraico, por arautos oficiais, aos judeus exilados, e sem dúvidas redigido pelos funcionários judeus da chancelaria persa, convocando os judeus exilados para voltarem a Israel e reconstruírem o templo. A leitura de hoje reproduz um memorando do novo rei Dario (521-486) para uso dos funcionários persas na língua diplomática da época, aramaico.

O rei Dario escreveu ao governador do território da outra margem do rio Eufrates: ”Deixa que prossigam os trabalhos no templo de Deus. Que o governador de Judá e os anciãos dos judeus edifiquem a casa de Deus no seu lugar. Também ordenei como se deve proceder com aqueles anciãos dos judeus que constroem aquela casa de Deus: com os bens do rei, deveis reembolsar religiosamente e sem interrupção aqueles homens por tudo o que gastarem. Eu, Dario, dei esta ordem. Que ela seja pontualmente executada!” (vv. 7-8.12b)

Depois de encontrar nos arquivos um documento de Ciro II (vv. 1-6), o rei Dario ordena que os trabalhos no templo prossigam e até sejam financiados à custa da coroa como Ciro havia garantido. Com esta disposição, a coroa não desembolsa fundos próprios; quando muito renuncia a uma parte dos impostos, encaminhando-o diretamente para os interessados. Tudo ficava dentro dos confins do “território da outra margem do rio Eufrates” ou seja, Transeufratênia, região ocidental do rio Eufrates (vv. 7.8b).

E os anciãos dos judeus continuaram a construir, com êxito, de acordo com a profecia de Ageu, o profeta, e de Zacarias, filho de Ado, e puderam terminar a construção conforme a ordem do Deus de Israel e as ordens de Ciro, de Dario e de Artaxerxes, reis da Pérsia. Esta casa de Deus foi concluída no terceiro dia do mês de Adar, no sexto ano do reinado de Dario (vv. 14-15).

A região de Judá com a capital Jerusalém já tinha administração própria, com um governador e um senado (“anciãos dos judeus”); segundo outros dados, o governador era Zorobabel. O senado era formado por alguns chefes de família ou clã (e talvez alguns sacerdotes). Encorajados pelos profetas os judeus recomeçam a construção. A atividade do profeta Ageu situa-se por voltado ano 520 (Ag 1,1); a de Zacarias continuaria até 518, no mínimo (Zc 1,1 e 7,1).

Com grande entusiasmo e colaboração do povo (cf. 3,9-13), em apenas cinco anos concluíram-se os trabalhos no templo, “no sexto ano do reinado de Dario”, dia 1º de abril (ou 12 de março) de 515. Este Templo será usado por 585 anos, ampliado magnificamente por Herodes Magno (cf. Jo 2,20) e destruído pelo general romano Tito em 70 d.C.

O reinado de Artaxerxes (465-425) é bem posterior à reconstrução do Templo (520-515). O autor aramaico inseriu o nome desse rei persa (do qual foi contemporâneo?) para lembrar sua ação no tocante aos muros da cidade e do Templo (cf. Ne 3,9-31; a transposição cronológica dos vv. 4,6-23).

Os filhos de Israel, os sacerdotes, os levitas e o resto dos repatriados, celebraram com alegria a dedicação desta casa de Deus. Ofereceram, para a inauguração desta casa de Deus, cem touros, duzentos carneiros, quatrocentos cordeiros e, como sacrifício pelo pecado de todo o Israel, doze bodes, segundo o número das tribos de Israel. Estabeleceram também os sacerdotes, segundo suas categorias, e os levitas, segundo suas classes, para o serviço de Deus, em Jerusalém, como está escrito no livro de Moisés (vv. 16-18).

A dedicação do templo é realizada por uma legítima comunidade, definida como sacerdotes, levitas e outros judeus. Esta “dedicação” (consagração, cf. 2Cr 7,5) do templo não deve ser confundida com a festa posterior da Dedicação (Hanukká) instituída por Judas Macabeus no ano de 165, após ter recuperado e purificado o templo da abominação feita por Antíoco IV (cf. 1Mc 4,59; 2Mc 10,8; Jo 10,22).

Para o cronista, estes versículos devem ser lidos tendo presentes os capítulos sobre a primeira construção do templo e organização do culto por Salomão (2Cr 3-7). Comparados aos sacrifícios para dedicação do templo de Salomão (Rs 8,5.23), as oferendas dos repatriados são modestas e refletem a pobreza da comunidade que enfrentava dificuldades.

O cronista atribui ao rei Davi a instituição das “categorias” e “classes” de sacerdotes e de levitas (cf. 1Cr 23,6-23; 24,3-31); o “livro de Moisés” (Torá, Pentateuco) menciona somente a instituição dos sacerdotes e dos levitas (cf. Ex 29; Lv 8; Nm 3 e 8; 1Cr 23-24).

É uma festa dos “deportados”, segundo a legislação tradicional e representando “as doze tribos” (sobre a legislação aludida, cf. Nm 7; e quanto aos sacrifícios pelo pecado, cf. Lv 4,5; Ez 40,39; 45,19-20.23). Os repatriados são agora o verdadeiro Israel das promessas. Criaram um espaço para Deus. O templo é símbolo da presença de Deus no meio do povo e da paz (cf. Ag 2,9). Aqui termina o documento aramaico (em v. 19 retoma-se a língua hebraica).

Os deportados celebraram a Páscoa no dia catorze do primeiro mês. Como todos os levitas se haviam purificado, juntamente com os sacerdotes, estavam puros; e, assim, imolaram a Páscoa para todos os filhos do cativeiro, para os sacerdotes seus irmãos e para eles próprios (vv. 19-20).

O próprio cronista escreveu os vv. 19-22. Se a dedicação do templo aconteceu no “mês de Adar”, i. é, o decimo segundo mês, a próxima festa é a da Páscoa no dia quatorze do mês dei Nisan, i. é. o “primeiro mês” (cf. Ex 12,1-6; Lv 23,5).

Os levitas imolam a Páscoa, segundo as ideias do cronista (cf. 2Cr 35,6.11), enquanto em Dt 16,2 e Ex 12,6 era permitido que todos os fiéis degolassem suas vítimas. A celebração da Páscoa, segundo o Êxodo, marcava o nascimento do povo de Javé e a abertura do tempo da liberdade. O cronista pode aludir à festa da Páscoa que os israelitas celebraram ao entrar na terra prometida (Js 5,10-12). A volta dos repatriados era visto como segundo êxodo (cf. Is 40-55) pelo mesmo caminho (vale de Jordão).

A celebração da Páscoa em 515 a.C. marca um novo início na história desse povo. Depois de cinquenta anos de exílio e vinte anos de dificuldades com a população local, os judeus repatriados agora têm assegurado um novo ponto de coesão: o Templo, que começa a atrair e reconstruir a unidade nacional. Ao mesmo tempo, é colocado um critério para pertencer à comunidade, e isso provocará sérias consequências. A dedicação e a páscoa foram celebradas apenas pelos repatriados, os filhos do cativeiro” são o verdadeiro Israel. Os que não foram deportados devem se adaptar, purificar e romper relações com os pagãos.

A Bíblia do Peregrino (p. 825) comenta: Com o templo reconstruído e com o correr do calendário litúrgico, começa uma etapa de silêncio histórico que dura quase setenta anos (515-448). É a época das guerras com a Grécia. A Dário sucede Xerxes, o Assuero do livro de Ester, e a este segue Artaxerxes. Diversos oráculos recolhidos na seção de Isaías 56-66 situam=se provavelmente nessa época. Também nessas época aconteceria um intercâmbio cultural dos judeus com ideias do parsismo.

 

Evangelho: Lc 8,19-21

No evangelho de hoje, Lc apresenta-nos a família espiritual de Jesus. Depois da escolha dos dozes (6,12-16) e a incorporação de mulheres ao grupo (8,2-3), cabe agora à família?

Mc e Mt colocam este episódio antes do discurso em parábolas (Mc 3,31-35; Mt 12,46-50). Lc o desloca porque o considerou próprio para conclusão de seu pequeno conjunto sobre o ensinamento parabólico de Jesus (cf. vv. 15 e 21). Lc particulariza, na linha do discurso precedente, que é preciso “ouvir a palavra” com fé para “pôr em prática” (v. 21; cf. 6,47). Ele voltará a este ponto a respeito da mãe de Jesus (cf. 11,28).

A mãe e os irmãos de Jesus aproximaram-se, mas não podiam chegar perto dele, por causa da multidão. Então anunciaram a Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver” (vv. 19-20).

Lc já dedicou a Maria um lugar predominante na etapa da infância; agora ela aparece em público. Os “irmãos de Jesus” são mencionados aqui e em At 1,14. Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra “irmãos” pode designar tanto os filhos da mesma mãe (interpretação protestante), como os parentes próximos (interpretação católica; cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22). Parece que os parentes só querem vê-lo, saudá-lo. Lc não diz que os familiares de Jesus vêm com a intenção de se apoderar dele (Mc 3,21).

Jesus respondeu: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática” (v. 21).

A Bíblia do Peregrino (p. 2480s) comenta: Ora, com perfis ásperos, o vínculo familiar é usado como símbolo para expressar o mistério da nova família que Jesus está fundando, na qual se sublimam as relações naturais. A palavra de Deus contém e comunica fecundidade, maternidade. Foi a palavra plenamente aceita que tornou Maria mãe. Ao crescer na família, a palavra cria e mantém o espírito de fraternidade. Jesus suspendeu o vínculo paterno humano para atender à casa ou as coisas do Pai (cf. 2,41-49). Seguindo seu exemplo, é possível fazer parte da nova casa do Pai. Toda comunidade cristã deve ser materna e fraterna.

Jesus constitui, com seus discípulos, uma família espiritual, cuja origem única é o Pai celeste que comunica a Palavra. Importante também o papel do Espírito, que inspira a Palavra, fecunda Maria e inicia a pregação dos apóstolos em Pentecostes (At 2). Paulo salienta que somos filhos adotivos de Deus através do Espírito (que clama em nós “Abba”) e não através da carne (cf. Rm 8,13-17; Gl 4,4-7).

Na exortação apostólica Verbum Domini (VD 27-28.66.124) de Bento XVI, Maria é chamada “Mãe da Palavra” (que é Cristo; cf. Jo 1) e “Mãe da Fé” (nossa resposta à palavra), além de Mãe do Silêncio (guardar a palavra no coração; cf. Lc 2,19.51) e Mãe da Alegria (cf. Lc 1,46-47).

O site da CNBB comenta: Existem muitas pessoas que querem demonstrar-se religiosas, mostrar a todos que participam da vida da Igreja e têm amizade com o clero e até usam dos cargos e funções sociais para conseguir isso. Porém, essas pessoas querem apenas se promover, não querem nenhum compromisso com o Evangelho e com o Reino de Deus. A atitude de Jesus nos mostra quem é importante para ele: aquele que ouve a Palavra de Deus e a coloca em prática, aquele que é capaz de amar, perdoar, partilhar, acolher, socorrer, consolar, compreender, ensinar, comprometer-se, doar-se, reunir, celebrar, orar, ser feliz com os que são felizes, chorar com os que choram, são empáticos, solidários, vivem o amor de Deus.

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