27 de Agosto de 2018, Segunda-feira: Que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação. Que ele, por seu poder, realize todo o bem que desejais e torne ativa a vossa fé (v. 11b).

Leitura: 2Ts 1,1-5.11b-12

Nas próximas quatro semanas deixamos o AT (Antigo Testamento) e 1ª leitura será do NT (Novo Testamento), das cartas de Paulo, 2Ts e 1Cor (a partir de quinta-feira).

Tessalônica é uma grande cidade comercial no norte da Grécia; era ponto de encontro para muitos pensadores e pregadores das mais diversas filosofias e religiões. Paulo anunciou o evangelho e formou aí um pequeno grupo. Perseguido, ele teve que fugir (cf. At 17,1-10), mas continuou a comunicação através de cartas.

A segunda carta aos Tessalonicenses tem a mesma estrutura do que a primeira. A primeira foi escrita por Paulo em 51 ou 52 d.C. em Corinto; é o documento mais antigo do Novo Testamento (NT) e, portanto, do cristianismo. A segunda carta, porém, corrige algumas expectativas exageradas naquela comunidade a respeito da parusia (segunda vinda de Cristo, no fim dos tempos). Por isso, alguns peritos pensam num discípulo do apóstolo como autor desta carta, usando o nome de Paulo para mostrar sua fidelidade ao mestre.

Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses reunida em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo: a vós, graça e paz da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo (vv. 1-2).

A saudação é igual à da carta precedente (1Ts 1,1), apenas acrescenta em v. 2 “da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo”. A paternidade de Deus e o senhorio de Jesus Cristo (que são marca da vida cristã) perpassarão toda a carta.

A saudação segue os costumes da época: N. a N. deseja X; depois acrescente uma oração, ação de graças e/ou súplica. O esquema convencional se enche de conteúdo novo, cristão.

Os três nomes dos remetentes são conhecidos: Paulo (como em 1Ts 1,1 não menciona aqui o título apóstolo) e seus companheiros Silvano (2Ts 2,1; 2Cor 1,19; 1Pd 5,12; idêntico com Silas, cf. At 15,22.40-18,5) e Timóteo (At 16,1-3; 17,14s; 18,5; 19,22; 20,4; 1Ts 3,2.6; 1Cor 4,17; 16,10; 2Cor 1,19; Rm 16,21; 1 e 2Tm).

Destinatário é a “igreja dos tessalonicenses (reunida) em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo”. A igreja é a comunidade cristã local formada pelas pessoas que acreditam em Deus e se comprometem com o testemunho de Jesus Cristo. “Igreja” vem da palavra grega ekklésia que designa o grupo de dirigentes nas cidades gregas. Mas corresponde ao hebraico qahal, “assembleia” de Javé Deus (Javé – Senhor), que é o povo (Nm 16,3 contraposto à autoridade; Dt 23,4; Mq 2,5; 1Cr 28,8 título de Israel). Mas para Paulo, o lugar de Deus ou Javé é ocupado igualmente por Deus e Senhor, o Pai, e o próprio Jesus Cristo (cf. Jo 8,24.27.58; 10,30).

“Graça” (charis – benevolência) é a uma saudação grega; em chave cristã é o favor de Deus, agora concedido por meio do seu Filho. “Paz” é a saudação hebraica (shalom); em concreto, os peregrinos saúdam Jerusalém com a paz (cf. Sl 122,6-8); o contexto cristão enriquece o conteúdo da palavra (cf. Mt 5,9; 10,12s; Lc 10,5-6; Jo 14,27; 20,19.21.26).

Devemos agradecer sempre por vós, irmãos, com toda justiça, porque progredis sempre mais na fé e porque aumenta a caridade que tendes uns para com os outros. Assim, nos gloriamos nas igrejas de Deus por causa da vossa perseverança e da vossa fé em todas as perseguições e sofrimentos que suportais. Estes constituem um sinal do justo juízo de Deus, pois servem para serdes julgados dignos do reino de Deus, pelo qual também estais sofrendo (vv. 3-5).

Conforme o costume nas cartas de Paulo, segue uma ação de graças pelo progresso da comunidade. Na primeira carta recordava o passado, agora se fixa no presente. Aqui se encontram os grandes temas – fé, amor, perseverança – que já inspiravam a primeira carta (visando na primeira, a conversão e na segunda, o crescimento). Menciona a “fé” e “caridade”, mas no lugar da esperança fala da “perseverança”

Com frequência, Paulo destacava as três virtudes teologais ”fé, amor, esperança” (1Cor 13,13; Rm 5,2-5; Gl 5,5-6; Cl 1,4-5; 1Ts 5,3; cf. Hb 6,10-12; 1Pd 1,21-22). A “fé” é aceitar a vida e ação de Jesus e continuá-las de maneira viva e ativa em obras de caridade (Gl 5,6): a “caridade” (amor, em grego agape) é o amor fraterno que implica solidariedade, partilha, esforço e disposição ao sacrifício (cf. Jo 15,12s); a “esperança” no Reino de Deus e na vinda de Jesus (v. 10) torna a comunidade paciente e perseverante.

A fé como fundamento dá sustentação à luta em meio às perseguições. O amor se manifesta abertamente a todos. A perseverança substitui aqui a esperança, porque o contexto é de sofrimento e tribulação. Não menciona a alegria nas tribulações, mas sim a paciência animada pela fé.

Os sofrimentos pelo “reino de Deus” valem aos que os suportam uma sentença favorável no dia do julgamento de Deus (cf. Mt 5,10) que, ao mesmo tempo, punirá os perseguidores (cf. Fl 1,28). Os vv. seguintes devolvem esta doutrina.

Nos vv. 6-11a (omitidos em nossa liturgia), o autor da carta deseja alívio aos sofredores e vingança. Como em alguns salmos que são um apelo a Deus como juiz, invocando a lei do talião (cf. Ex 21,23-25; Lv 24,19s; Dt 19,21), mas renunciando a fazer justiça com as próprias mãos, é um apelo dos oprimidos à justiça divina contra os opressores. Justiça aqui é vista como mudança de situação, reviravolta final ou inversão escatológica no dia do Senhor. Na primeira carta, imaginava a parusia como vinda triunfal e gloriosa de Cristo que satisfaria a “esperança” e a expectativa dos fiéis (cf. 1Ts 1,10; 4,13-17: a ressurreição). Na segunda, se apresenta como julgamento de prêmio e castigo e parece ignorar a misericórdia e o perdão.

Que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação. Que ele, por seu poder, realize todo o bem que desejais e torne ativa a vossa fé (v. 11b).

Lit. “que ele satisfaça todo desejo de bem e a obra da fé, em poder”. O termo aqui traduzido por “desejo” evoca uma disposição interior dirigida para o bem que é muitas vezes atribuída a Deus; o termo toma então o sentido de benevolência divina, ou seja, vontade de salvação.

A linguagem dos vv. 6-10 (omitidos) foi dura, no estilo apocalíptico, em cena de julgamento, com prêmio e castigo. Por isso, tem como critério do julgamento a “fé ativa”, manifestada na prática da justiça.

Assim o nome de nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós nele, em virtude da graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo (v. 12).

Os vv. 11-12 são uma breve súplica, como é costume no estilo epistolar. Destino do cristão é contemplar e refletir a glória de Deus (Jo 17,10).

 

Evangelho: Mt 23,13-22

Continuamos no discurso contra os fariseus e mestres da lei que se estende por todo o cap. 23 de Mt (cf. início e introdução no sábado passado).

A crítica dura de Mt se explica pela situação histórica do autor e da sua comunidade, não é objetiva e não concorda com a descrição dos letrados fariseus por outras fontes. Por outro lado, é possível e conveniente tomar o texto como descrição de tipos (p. ex. o hipócrita) que podemos encontrar em outros grupos religiosos, inclusive na nossa própria Igreja e nas comunidades. O relacionamento com os judeus é bem diferente hoje do que no tempo de Mt. Hoje devemos interpretar este texto mais como uma autocrítica, já que este discurso tem como destinatários os próprios discípulos e as multidões (cf. v. 1)!

Podemos dividir este discurso num retrato de escribas e fariseus com recomendações para a comunidade (vv. 1-12), sete lamentações (“Ai…”; vv. 13-31), duas invectivas (vv. 32-33) e um anúncio terrível do julgamento (vv. 34-36).

Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós fechais o Reino dos Céus aos homens. Vós, porém não entrais, nem deixais entrar aqueles que o desejam (v. 13).

Primeiro de sete ais, gênero que já se encontra em série em textos proféticos (Is 5,8-23; 10,1; Hab 2,7-20; Os 7,13; em Mt, cf. 11,21; 18,7; 24,19; 26,24). Mt já encontrou parte destas lamentações na fonte Q (palavras de Jesus) que partilha com Lc 11,37-52 (duas vezes três ais). O número 7 parece intencional e próprio de Mt (cf. sete preces do Pai Nosso em 6,9-13) como também o endereço repetido “mestres (doutores) da Lei e fariseus hipócritas” (em Lc é mais variado). Mas Jesus não está falando diretamente a eles, mas “às multidões e a seus discípulos” (v. 1).

Na versão dos ais de Mt, predominam a contradição da conduta e hipocrisia com grande afã proselitista, mas resistência ativa contra o Reino, os contrastes entre ser e aparecer, o periférico e o central, o pequeno e o grande, o interior e o exterior, a agressão em vida e a honra após a morte. No contexto do evangelho de Mt, os sete ais contrastam com as bem-aventuranças (5,3-12), com as quais têm estrutura parecida em Lc 6,20-26.

O primeiro Ai se refere às exigências da casuística rabínica que tornavam impossível a observância da lei (cf. v. 4). A imagem de “fechar o Reino dos Céus” supõe que os fariseus e doutores da lei obtêm a chave para isso, quer dizer, sua doutrina determina quem entra e com quais condições (cf. a “alfândega” na expressão de Papa Francisco); no v. 2 destacou-se sua autoridade. Em 16,19, porém, Jesus, o Filho de Deus e representante deste reino, entregou as chaves do reino a Simão Pedro. Este e os outros apóstolos vão enfrentar a hostilidade do judaísmo contra a pregação libertadora do evangelho do reino, documentada em vários episódios dos Atos dos Apóstolos.

“Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações. Por isso, vocês vão receber uma condenação mais severa“ (v. 14). Este versículo é só um acréscimo em alguns manuscritos (omitido na liturgia de hoje e na maioria das Bíblias), tomado a Mc 12,40 e Lc 20,47, elevando a oito o número de sete maldiçoes.

Aí de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós percorreis o mar e a terra para converter alguém, e quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes pior do que vós (v. 15).

“Converter alguém”, lit. “fazer um prosélito”, quer dizer um pagão convertido ao judaísmo e circuncidado (cf. At 2,11; 13,43), enquanto os “tementes a Deus” (At 10,2.22.35; 13.16.26) ou os “adoradores de Deus” (At 13,43.50; 16,14; 17,4.17; 18,7) eram só simpatizantes do judaísmo e frequentavam a sinagoga sem circuncidar-se. A propaganda judaica no mundo greco-romano era muito ativa (cf. At 2,11; 6,5; 13,43). Com a circuncisão, o prosélito obriga-se a cumprir toda a lei e se expõe ao castigo do descumprimento. “Merecedores do inferno”, literalmente “filhos da Geena” (13,42) em oposição a “filhos do reino” (13,34). Hoje, o termo “proselitismo” é usado para caracterizar o zelo e a propaganda agressiva para conseguir alguém para aderir uma determinada religião.

Ai de vós, guias cegos! Vós dizeis: “Se alguém jura pelo Templo, não vale; mas, se alguém jura pelo ouro do Templo, então vale!” Insensatos e cegos! O que vale mais: o ouro ou o Templo que santifica o ouro? Vós dizeis também: “Se alguém jura pelo altar, não vale; mas, se alguém jura pela oferta que está sobre o altar, então vale!” Cegos! O que vale mais: a oferta, ou o altar que santifica a oferta? Com efeito, quem jura pelo altar, jura por ele e por tudo o que está sobre ele. E quem jura pelo Templo, jura por ele e por Deus que habita no Templo. E quem jura pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado (vv. 16-22).

O terceiro Ai é mais extenso e diferente dos outros por ter como destinatário “guias cegos” (cf. v. 24; 15,14; 26,17 cf. Is 49,6; “guia dos cegos” parece ter sido um termo de honra na missão dos pagãos, cf. Rm 2,19) em vez de “doutores da Lei e fariseus hipócritas”, mas é o mesmo grupo.

Mt ridiculariza a interpretação casuística sobre o juramento; aqui não condena o juramento em si (como já fez em 5,35-37), mas seu abuso. A explicação detalhada nos vv. 20-22 mostra que o juramento estava em uso na comunidade de Mt. Jurar significa tomar Deus como testemunha.

Normalmente o juramento era feito por Deus; mas por respeito a seu santo nome e para não pronunciá-lo em vão (cf. Ex 20,7; Dt 5,11), foi substituído: invoca-se o céu ou o templo ou o altar. A fim de desobrigar aqueles que tinham contraído votos imprudentemente, os rabinos recorriam a argúcias sutis. Não ficou esclarecido se o ouro se refere à decoração do templo, seus vasos sagrados ou seu tesouro. O altar e o templo, porém, valem mais por sua consagração (cf. Ex 29,37) que santifica as outras coisas (ofertas, ouro etc.). O templo e o céu pertencem a Deus, são sua morada, seu trono (cf. 1Rs 8,13; Sl 26,8; Is 66,1; Mt 5,34).

O site da CNBB comenta: Muitas vezes, temos dificuldades de ver a religião na sua totalidade e, com isso, a reduzimos a alguns aspectos que julgamos mais importantes, mas que são frutos na nossa subjetividade. O problema é que, na maioria das vezes, nos prendemos ao que é acidental no plano da fé, como, por exemplo, sinais externos ou formas de espiritualidade e nos esquecemos dos valores que de fato são essenciais à nossa fé, seja no plano das verdades, seja no campo da espiritualidade, seja no campo da moral ou da virtude, de modo que a nossa religiosidade fica sendo superficial e unilateral, a religião que nós queremos viver e não a religião que Deus quer que nós vivamos.

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