27 de dezembro de 2016 – Terça-feira, São João, apóstolo e evangelista

Dois dias depois de Natal, a Igreja comemora hoje São João, apóstolo e evangelista. Antigamente havia mais festas de apóstolos logo após o Natal. Jesus chamou como apóstolo João, filho do pescador Zebedeu e irmão de Tiago maior (cf. Mc 1,19-20p; 3,17p; 10,35p). Junto com seu irmão e Pedro participou de momentos mais íntimos da vida pública de Jesus: na ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,37p), na transfiguração (Mc 9,2p), no discurso sobre o fim (Mc 13,3) e na agonia no jardim Getsêmani (Mc 14,33p). Depois da ressurreição, João está ao lado de Pedro em Jerusalém (Gl 2,9; em At 3-5 e 8,14 é Pedro quem fala).

A atribuição do quarto evangelho (e das cartas escritas no mesmo estilo) a este apóstolo é tradicional, mas não se tem certeza. Todos os evangelhos no NT são obras anônimas; no quarto evangelho um anônimo “discípulo amado” está perto de Jesus, descrito como testemunha (19,35) e, na maioria das vezes, ao lado de Pedro (cf. 13,23s; 18,15; 19,26; 20,3-10 evangelho de hoje; 21,7.20-23). Por isso, a tradição identificou este discípulo amado com o apóstolo João, filho de Zebedeu, e lhe atribuiu a autoria do quarto e mais novo Evangelho.

Mas esta atribuição é contestada hoje, porque o Evangelho de Jo não apresenta nada da transfiguração, da oração no jardim das oliveiras ou das outras situações onde João estava presente nos evangelhos sinóticos (cf. Mc 5,37; 9,2.38; 13,3; 14,33). Portanto, é mais provável que o evangelista (discípulo amado) e o apóstolo João sejam pessoas diferentes. Sem dúvida, o apóstolo João é evangelista no sentido de que anunciava o Evangelho de Jesus Cristo. Mas quem começou escrever o quarto Evangelho é um anônimo, o discípulo amado, e quem o completou, já eram discípulos anônimos do discípulo amado (cf. 21,20-24; o mesmo vale para as cartas de Jo, também anônimas).

Ao invés, o Apocalipse de São João não é obra anônima: o autor se identifica em Ap 1,9 com o nome de João. Mas nada indica que seja um apóstolo. João era um nome muito comum (cf. o Batista, João Marcos e outros). Apesar de umas semelhanças (por ex. o Cordeiro, Jo 1,29.36; Ap 5,6 etc. cf. 1Pd 1,19; Is 53,7), a linguagem e a teologia do Apocalipse são diferentes demais para conferir-lhe o mesmo autor do Evangelho e das cartas de Jo (discípulo amado). O autor do Apocalipse é certo João, exilado bispo da Ásia Menor, escrevendo para sete comunidades.

A festa de hoje então comemora três pessoas diferentes? 1º O apóstolo João, 2º o autor anônimo do quarto evangelista (discípulo amado) e 3º João, autor do Apocalipse? Seja como for, os três foram testemunhas amadas de Jesus Cristo e evangelizaram.

Leitura: 1Jo 1,1-4

Nos dias seguintes do tempo de Natal escutamos a primeira carta de João. Sobre ela, lemos na introdução da Bíblia Sagrada (edição Pastoral, p. 1506):

O autor da primeira carta de João é o mesmo do quarto Evangelho, ou talvez um discípulo dele. Escrita provavelmente no fim do séc. I, era dirigida às comunidades cristãs da Ásia Menor, que passavam por séria crise, provocada por um grupo de dissidentes carismáticos. Estes propunham uma doutrina gnóstica, que afirmava que o homem se salva graças a um conhecimento religioso especial e pessoal. Eles negavam que Jesus era o Messias e se gloriavam de conhecer a Deus, de amá-lo e de estar em íntima união com ele; afirmavam-se iluminados, livres do pecado e da baixeza do mundo; não davam importância ao amor ao próximo e talvez até odiassem e hostilizassem a comunidade. O grupo fora rejeitado, mas algumas comunidades ficaram inseguras e confusas.

A carta mostra que é vazio e sem valor qualquer espiritualismo que não se traduz em comportamento prático. Não é possível amar a Deus sem amar ao próximo e sem formar comunidade: se Deus é Pai, os homens são filhos e família de Deus, e consequentemente todos devem amar-se como irmãos. Deus manifestou o seu amor por meio de Jesus, que tornou possível o amor entre os homens. Daí o perigo de negar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, que viveu e deu sua vida pelos homens. Por outro lado, somente pela fidelidade ao exemplo e mandamento de Jesus é que o homem tem vida plenamente humana.

O centro da carta é o amor, que traduz a fé em vida concreta. Amar ao próximo significa conhecer a Deus, viver na luz, estar unido a Deus e aos irmãos, não pertencer ao mundo e cumprir os mandamentos. Portanto, amar a Deus é praticar a justiça, é ser filho de Deus, obter o perdão dos pecados e libertar-se do medo.

O autor da carta 1Jo é o mesmo do evangelho de Jo. Já no início da carta (leitura de hoje), encontramos palavras preferidas do quarto evangelho: Palavra, Vida (eterna), revelar/manifestar, ver, estar junto ao Pai, Filho.

O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos tocaram da Palavra da Vida, de fato, a Vida manifestou-se e nós a vimos, e somos testemunhas, e a vós anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós -; isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que estejais em comunhão conosco (vv. 1-3a).

É estranho e surpreendente esse modo de começar quatro vezes por “o que” (v. 1), um complemento identificado depois com ênfase em v. 2, e toda essa série de verbos na primeira pessoa (nós) que se comprimem. Com o prólogo do evangelho, o início da carta tem em comum os temas e termos “Palavra”, “Vida”, o existir “desde o princípio”, o “estar junto ao Pai”, o “ver”, o calar o nome de Jesus (supondo o conhecido; no prólogo aparece só no final em Jo 1,17). Por outro lado falta qualquer referência à criação e ao termo Glória (cf. Jo 1,14).

Aqui o “princípio” se refere mais ao início da pregação cristã. Em vez de voltar para o início da criação, o autor da carta olha mais para o fim do seu evangelho que terminou com a aparição do ressuscitado diante de Tomé (Jo 20,24-31; o cap. 21 é um acréscimo posterior, como também o são os cap. 15-17). O autor insiste na plena humanidade de Jesus, implícita ou implicitamente negada na interpretação filosófica (gnóstica) que punha em risco a fé dos cristãos (cf. introdução).

Com grande ênfase nos diz que a manifestação ou revelação foi visível, audível e palpável, por isso que escreve o faz como “testemunha” ocular com três sentidos (cf. a visão e o paladar do Sl 34,6,9). O apalpar, como alusão provável a Tomé em Jo 20,27, sugere a ressurreição, não explicita na carta.

Compare-se com as revelações esquivas a Moises e Elias, “não pode ver o meu rosto porque ninguém pode vê-lo e continuar vivendo” (Ex 33,20); “o Senhor não estava no vento… não estava no fogo…” (1Rs 19,11s). Dois aoristos gregos registram o fato passado, dois perfeitos registram seu resultado permanente (ouvimos e vimos).

O evangelho apresenta como sujeito a Palavra (v. 1; cf. Ap 19,13) e lhe atribuiu “Vida” (Jo 1,1-4). A carta faz da Vida um sujeito (três vezes em vv. 1-2), finalmente identificado depois da introdução por quatro vezes “o que” em v. 1. É a Vida, que estava junto do Pai (cf. Jo 1,2.14.18: a Palavra, o Filho), que se manifestou e é anunciada. A “Vida eterna” é a vida própria de Deus, é nos dada na pessoa do Filho (5,11; cf. 4,9) por intermédio da proclamação do Evangelho. Nós a recebemos pela fé em seu nome (5,13; cf. 3,23; Jo 3,16).

Também Lucas fazia questão de destacar os apóstolos como “testemunhas” oculares (cf. Lc 24,39-42.48; At 1,1-4.8.21s; 2,32; 3,15; 4,20; 5,32; 10,40-43 etc.) e escreveu relatos na primeira pessoa (“nós”: At 16,10s; 20,6s …).

E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas coisas para que a nossa alegria fique completa (vv. 3b-4).

Manifestação e anúncio não se esgotam em informação e conhecimento intelectual, mas desembocam na participação nessa vida transcendente. É como pelo conhecimento interpessoal participamos na vida do outro, mas em plano superior. Isso extravasa de forma inimaginável a promessa do AT: “ele é tua vida… na terra” (Dt 30,20). Semelhante conhecimento pode produzir já uma alegria completa (Jo 15,11). A mensagem do apóstolo é toda positiva e expansiva.

O termo “comunhão” (cf. 1Cor 1,9; 2Pd 1,4) exprime um dos principais temas da mística joanina (cf. Jo 14,20; 15,1-6; 17,11,20-26): a unidade da comunidade cristã, fundada sobre a unidade de cada fiel com Deus, em Cristo. Esta unidade é expressa por diferentes formas: O cristão “permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 2,5-6. 24.27; 3,6,24; 4,12-13,15-16; cf. Jo 6,56), ele é “nascido de Deus” (1Jo 2,29; 3,9; 4,7; 5,1,18). Ele é de Deus (2,16; 3,10; 4,4.6; 5,19), ele ”conhece a Deus” (2,3.13-14; 3,6; 4,7-8; sobre conhecimento e presença, cf. Jo 14,17; 2Jo 1-2). Esta união com Deus se manifesta pela fé e pelo amor fraterno (cf. 1,7; 2,10s; 3,10.17.23; 4,8.16; Jo 13,34). O testemunho apostólico é o instrumento desta comunhão (v. 5; 2,7.24-25; 4,4; Jo 4,38; 17,20; cf. At 1,8.21-22; etc.).

Assim a linha de continuidade é sem faltas, unindo numa mesma comunhão, de um lado, Jesus Cristo e seu Pai, e de outro, a suas primeiras testemunhas oculares, estas aos membros da Igreja (tradição apostólica), e os cristãos mutuamente entre si.

 

Evangelho: Jo 20,1a.2-8

O Evangelho de João é o mais novo dos quatro evangelhos, o último evangelho aceito pela Igreja, foi escrito em 90-100 d.C. e é bastante independente e diferente dos sinóticos (Mt, Mc, Lc; talvez Jo tenha conhecido só Lc). Ele apresenta algumas características de evangelhos apócrifos (ex. dualismo gnóstico) que não entraram mais no cânone do NT (Novo Testamento) por terem doutrinas diferentes da tradição apostólica (não foram consideradas inspiradas).

O Ev de Jo foi escrito em várias etapas e por vários autores: usa uma coleção sobre os “sinais” (sete milagres) e um relato da paixão, depois acrescenta longos discursos teológicos (“Eu sou …”), próprios do evangelista, e tem acréscimos posteriores como Jo 21 (após o primeiro final em Jo 20,30-31), também Jo 15-17 (18,1 seguia antes a 14,31) e partes de Jo 10 e todas a referências sobre o “discípulo amado” que era a autoridade na origem na comunidade (cf. 21,20-24).

A atribuição ao apóstolo João, filho de Zebedeu, é tradicional, mas contestada hoje, porque o Ev não apresenta nada da transfiguração, da oração no jardim das oliveiras ou outras situações em que João estava presente (cf. Mc 5,37; 9,2.38; 13,3; 14,33). O que se pode dizer que o quarto Evangelho foi escrito por discípulos anônimos do discípulo amado, cujo nome também não se sabe.

No primeiro dia da semana, Maria Madalena saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (vv. 1a.2).

O “primeiro dia da semana” (vv. 1.19; cf. v. 26) é o primeiro dia da nova criação (cf. Gn 1,3-5). Os cristãos o dedicarão ao Senhor (latim: dominus) glorificado, e por isso o chamarão dominical: “dies domínicus” (= “domingo”; Ap 1,10): o dia do Senhor.

Maria Madalena é a primeira testemunha da ressurreição de Cristo. Seu nome indica o lugar de origem (Magdala na beira do lago de Genesaré) e não o nome do marido (ou filho ou pai) como era o costume (cf. 19,25; Mc 15,40). Não deve ter tido um marido, mas não está comprovada a identificação com a prostituta anônima de Lc 7,36-50. Esta tradição surgiu só pelos vv. seguintes em que Lc apresenta algumas mulheres discípulas e nos diz que Jesus havia libertado Madalena de sete demônios (Lc 8,2; cf. Mc 16,9). Por gratidão desta cura, ela pôs os seus próprios bens à disposição de Jesus e dos discípulos (Lc 8,2). Mas sua maior importância consiste em ser a primeira testemunha da ressurreição. Todos os quatro evangelistas relacionam seu nome com o túmulo vazio e dois contam um encontro dela com o Ressuscitado (cf. Mt 28,9-10; Jo 20,11-18.)

A leitura de hoje resume omitindo o v. 1b e o que antecedeu a mensagem da Madalena aos apóstolos. Ela é uma das três mulheres que estiveram junto à cruz (19,25). No sábado era proibido trabalhar ou ter contato com os mortos. Por isso Maria espera o sábado inteiro e a noite do dia seguinte, mas se levanta impaciente de madrugada (“por ti madrugo”; “antecipo-me à aurora”, Sl 63,2; 119,147-148); ainda fechada no seu mundo “ainda obscuro” (v. 1) da cruz ao sepulcro.

Enquanto nos Evv. sinóticos o raiar da luz “no primeiro dia” já indica a nova criação (Mt 28,1p; cf. Gn 1,3-5), em Jo “ainda estava escuro” (v. 1), quando Madalena veio ao túmulo, mas ainda estava escuro também na mente dela, sem a luz da ressurreição ainda.

Ela “viu a pedra retirada” (v. 1b), mas não viu o corpo de Jesus. Suas palavras aos apóstolos no v. 2 completam: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”; é a primeira mensageira do sepulcro vazio. Um túmulo vazio pode ser um sinal da ressurreição, mas ainda é ambíguo. Madalena pensava que alguém (funcionário ou ladrão) tivesse retirado o corpo (vv. 2.13.15)

Curiosamente usa o plural: “nós não sabemos”. Alguns comentaristas suspeitam que numa versão precedente Maria ia acompanhada de outras mulheres (cf. Mc 16,1; Mt 28,1; Lc 24,10). Nosso evangelho de hoje se concentra na corrida de Pedro e o discípulo amado ao túmulo os dois apóstolos.

No quarto evangelho aparece um discípulo anônimo “outro discípulo, aquele que Jesus amava”. Ele está perto de Jesus e descrito como testemunha e, na maioria das vezes, ao lado de Pedro (13,23s; 18,15; 20,3-10; 21,7.20-23; cf. 1,40; 19,26.35). Por isso, a tradição identificou este discípulo amado com o apóstolo João, filho de Zebedeu (cf. At 3-4), e lhe atribuiu a autoria do quarto e mais novo Evangelho (contestada hoje, cf. introdução).

Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou (vv. 3-4).

De fato, os dois discípulos agem imediatamente. Duas devem ser as testemunhas segundo a lei (Dt 19,15). Com o realismo de uma corrida, quase competição, o autor quer dizer algo mais. Pedro é o chefe indiscutido em todo momento; mas o outro discípulo é o predileto. Esteve à direita de Jesus na ceia (13,23s) e ao pé da cruz na morte (19,26). O discípulo amado, por ser mais jovem ou impulsionado pelo amor, “correu mais depressa” (cf. “correrei pelo caminho de teus mandamentos quando me dilatares o coração”, Sl 119,32), “mas não entrou”. O discípulo reconhece a Pedro certa preeminência (cf. 21,15-17).

Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte (vv. 6-7).

Pedro é a primeira testemunha em importância (cf. Lc 24,34; 1Cor 15,5). Como chefe, cabe a ele verificar o túmulo vazio relatado pela mulher (cf. Lc 24,10-12.22-24). Mulheres não eram aceitas como testemunhas na época. As faixas de linha e o sudário enrolado à parte indicam que nenhum funcionário (de José de Arimateia) ou um ladrão teria levado o corpo. Se alguém levasse o corpo, o levaria junto com os panos nos quais estava enrolado para não dificultar o translado. O sepulcro vazio é sinal, não prova, pois pode significar outras coisas: remoção, trasladação; mas os lençóis separados reforçam o sinal do túmulo como lugar da ressurreição.

Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou (v. 8).

O discípulo amado, impulsionado pelo amor, correu mais depressa e é o primeiro a crer. O sepulcro, os lençóis e o sudário são sinais da morte que Jesus deixou para trás. Na ausência, João descobre uma realidade. No v. seguinte, omitido pela liturgia de hoje, o evangelista acrescenta que “eles ainda não tinham compreendido a Escritura segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos” (v. 9). Quer revelar que os discípulos não se achavam preparados para a revelação pascal, apesar das Escrituras (cf. Lc 24,27.32.44-45). A Escritura poderia abrir os olhos, se fosse entendida. A que texto se refere? Provavelmente a vários, numa linha de pensamento ou esperança: Is 53,11 “verá a luz”; Sl 16,9-11; 30,49,16; 73,23-26; Is 26,19; Ez 37.

Segundo a opinião de alguns peritos, a descrição desta corrida entre Pedro e o discípulo amado pode indicar um conflito dentre da comunidade joanina e sua solução. O discípulo amado fundou e representou esta comunidade onde se desenvolveu uma compreensão mais avançada (“correu mais depressa”) sobre Jesus (cf. preexistência, discursos). Mas uma “corrente” avançou demais em direção gnóstica, um dualismo grego (entre espírito e carne, luz e trevas, Deus e o mundo) que sustentava que a salvação se obtém apenas pelo conhecimento (palavra) e deixou Jesus histórico (em carne e sangue) e os sacramentos do lado. Assim provocou-se uma ruptura na comunidade e a saída de alguns (cf. 6,67; 1Jo 2,19). Daí os apelos em Jo e nas suas cartas de “permanecer” na comunhão com Cristo e os irmãos (cf. Jo 15; 1Jo 2). A solução na igreja está em reconhecer (como o discípulo amado) a preferência e o papel eminente de Pedro, o primeiro apóstolo (não na cronologia de Jo; cf. 1,4-42). Apesar do seu fracassa na paixão (três vezes negou Jesus em 18,17.25s), sua primazia foi instituída pelo próprio Jesus e reafirmada três vezes pelo ressuscitado em 21,15-17. A partir destas observações se conclui que todos os trechos que mencionam o “discípulo amado” foram inseridos na última fase da redação do evangelho, chamada eclesiástica, que inclui os caps. 10; 15-17 e 21.

Duas atitudes de crer ou duas formas de Igreja estão em jogo, em “concorrência” ainda hoje: Pedro representa a igreja institucional (hierarquia, tradição, razão), o discípulo amado a igreja espiritual (emoção do amor e intuição do espírito no lugar da sucessão apostólica). O evangelho de hoje nos mostra que é possível reconciliar as duas “correntes” com mútuo respeito e amor fraterno, porque ambas precisam da outra como complemento.

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