27 de Julho de 2020, Segunda-feira: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado” (v. 33).

17ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Jr 13,1-11

Hoje a leitura nos apresenta uma ação simbólica ou pantomima com explicação. Gestos simbólicos deste tipo são frequentes nos profetas do AT (cf. Os 1-3; Is 20; Ez 4-5; 12; 24 etc., cf. Mt 21,18-19p; At 21,10s). Jeremias realiza ou interpreta diversos gestos simbólicos: já o ramo de amendoeira e a panela (1,11-14); o cinto escondido no Eufrates (leitura de hoje: 13,1-11, embora esta ação pareça ter sido realizada em visão); o oleiro (18,1-12); a bilha (cap. 19); os figos (cap. 24); o jugo (caps. 27-28); a compra do campo (cap. 32). Pode-se ainda acrescentar a sua própria vida como símbolo (16,1-8); a sua “paixão” (embora ele não o acentue) o identifica por antecedência à nação castigada, fazendo dele um tipo de Servo sofredor (cf. Is 52,13-53,12). Tais gestos não tinham apenas um valor ilustrativo, mas comprometiam decisivamente o futuro. É compreensível então a reação do sacerdote e chefe da guarda, Fassur, que bateu em Jeremias e o colocou num tronco (20,1s): o gesto simbólico de Jeremias era muito grave (cf. também 27-28: 32; 43,8-13; 51,59-64).

A Bíblia do Peregrino (p. 1882) comenta: “Aderir” é um dos termos clássicos com que o Dt exprime a fidelidade ao Senhor: 10,20; 11,22; 13,5. 18; 30,20. A metáfora é traduzida plasticamente numa peça de uma roupa pessoal, o “cinto” que se apega ao corpo e ainda pode ser gala ou distintivo: Is 11,5; 49,18… O nome de rio pode ser ficção: o “Eufrates” é o rio de Babilônia, onde apodrecerão os judaítas infiéis.

Este gesto simbólico é uma parábola sem palavras, expressando a evolução das relações entre o Senhor e seu povo a três passos: 1ª a aquisição e a ligação afetiva (cf. v. 11): 2º o desligamento (por causa do pecado do povo); 3º a decomposição, ao mesmo tempo punição divina (v. 9) e consequência do desligamento: ela é percebida com surpresa, “depois de muitos dias” (v. 6) tanto para quem os executa, como para os eventuais espectadores.

Isto disse-me o Senhor: “Vai comprar um cinto de linho e põe-no em torno da cintura, mas não o deixes molhar na água”. Comprei o cinto, conforme a ordem do Senhor, e coloquei-o à cintura (vv. 1-2).

No Oriente, o cinto significa força, poder e beleza (cf. Sl 45,2s). O “linho” é um tecido nobre e pode ser de uso cultual (Ez 44,17s; Pr 31,13). O cinto de linho, usado pelos sacerdotes, simbolizará Judá como povo santo. Cinto que apodrece como esse povo que serve a outros deuses na Babilônia, às margens do rio Eufrates. Lit. “Não o passarás pela água” para lavá-lo; assim o suor do corpo e a sujeira provocarão uma deterioração rápida do tecido.

E a palavra do Senhor dirigiu-se a mim pela segunda vez, dizendo: “Toma o cinto que compraste e tens à cintura, levanta-te e vai ao Eufrates, esconde-o lá na fenda de uma pedra.” Fui e o escondi perto do Eufrates, conforme mandara o Senhor. Ora, ao cabo de muitos dias, disse-me o Senhor: “Levanta-te, vai ao Eufrates, e retira de lá o cinto que te mandei esconder”. Fui ao Eufrates, cavei e retirei o cinto do lugar, onde o tinha escondido; mas eis que o cinto tinha apodrecido tanto que não servia mais para nada (vv. 3-7).

Esta ação simbólica acontece apenas entre Javé Deus e Jeremias. Não há testemunhas, portanto, e poderia ser uma visão, um sonho, porque o rio Eufrates está longe de Jerusalém. Deus mandaria Jeremias percorrer duas vezes 1000 km de distância?

Provavelmente trata-se do wadi Fará (wadi é um riacho que se enche apenas na época da chuva), a uma hora de marcha de Anatot, cidade natal de Jeremias (1,1; cf. a cidade de Fará em Js 18,23). No entanto, a palavra perat na Bíblia indica habitualmente o rio Eufrates. Esta evocação do Eufrates, através do Wadi Fará, acrescenta mais um elemento à comparação. Jeremias poderia ter experimentado o estrago de um cinto pela umidade do wadi no tempo da primeira deportação (da elite) à Babilônia em 597/596 a.C.

E a palavra do Senhor dirigiu-se a mim, dizendo: ”Isto diz o Senhor: Assim farei apodrecer a grande soberba de Judá e de Jerusalém; este povo perverso, que se recusa a ouvir minhas palavras, convive com a maldade no coração, e vai atrás de deuses estrangeiros, prestando-lhes culto e prostrando-se diante deles, será como este cinto que não serve mais para nada. Pois assim como o cinto se une à cintura do homem, assim quis eu que toda a casa de Israel e toda a casa de Judá se unissem a mim, diz o Senhor, para ser meu povo, honra do meu nome, louvor e glória. Mas não ouviram” (vv. 8-11).

Em vez de manifestar a “honra” do (“nome” do) Senhor Javé, os habitantes da terra (“casa”) de Israel e de Judá elevam-se orgulhosamente por sua condição de escolhidos e correm atrás de deuses estrangeiros (Baal, Astarte,…). “Este povo perverso… será como este cinto que não serve para mais nada” (cf. o sal em Mt 5,13). Na umidade, o cinto apodreceu, assim o exílio pode prejudicar o povo. Contudo, o exílio não vai fazer apodrecer os deportados que, mais tarde, recebem a promessa de um futuro próspero e que, portanto, servem ainda para algo (cf. caps. 24 e 29). Mas pode-se ver simplesmente no cinto que se estraga perto do Eufrates uma evocação da prova do exílio.

O cinto que “se une” (se apega, adere) à cintura do homem é símbolo do “apego” do povo ao seu Deus. Em português seria o “laço” que simboliza a “re-lação”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 737) comenta: Do “apego” do Senhor aos seus depende o “apego” destes ao Senhor. Todos os preceitos se resumem e encontrem sua fonte nesse laço afetivo: o temor, o serviço, o amor, o atendimento de sua palavra, a obediência de seus mandamentos, o caminhar em seus caminhos em seguimento dele (Dt 10,20; 11,22: 13,5; 30,20). Aqueles que se afeiçoam (apegam) ao Senhor possuem a terra (Dt 11,22-25), têm êxito (2 Rs 18,6-7), “têm vida” ao passo que os que correm atrás dos baalim são exterminados (Dt 4,3-4; 30,20). Este apego é de fato uma adesão de todo o ser (cf. Gn 2,24), da alma (Sl 63,9; cf. Gn 34,3 e Lm 1,11…) e assim a vitalidade íntima da pessoa é renovada pelo próprio Senhor (38,16), favorecendo a adesão à sua vontade (Sl 119,31), ao verdadeiro culto, aquele que dura a vida (cf. Rm 12,1…). Compreende-se então a importância dada (pela Cabala, entre outros) a esse apego a Deus, como também à expressão: “minha felicidade é apegar-me a Deus” do Sl 73(72),28 conforme o gr. Cf. ainda 1Cor 6,17.

Evangelho: Mt 13,31-35

Antes da explicação da parábola do joio (vv. 36-43, evangelho de sábado passado), Mt apresenta duas parábolas pequenas e uma primeira conclusão do discurso das parábolas. Na primeira parábola (vv. 31-32) intervêm um homem, na segunda uma mulher (v. 33). Como o grão de mostarda e o fermento, o Reino tem um começo modesto, mas um grande desenvolvimento. Não há explicação como nas parábolas anteriores, por isso as interpretações das parábolas divergem mais, referindo-se a Cristo, à Igreja, ao cosmo e ao indivíduo. A novidade de Jesus é: Não se inaugura o Reino de Deus num grande evento apocalíptico (cf. Mt 24-25), mas num pequeno começo, o Reino já está perto e no meio de nós (cf. Mc 1,15p; Lc 17,20s), na pessoa de Jesus Cristo e no cotidiano da vida cristã.

Jesus contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos” (vv. 31-32).

Mt encontrou a parábola da mostrada já em Mc 4,30-32. As concordâncias com Lc 13,18s contra a versão mais antiga de Mc são significativas: “um homem”, “árvore”, “abrigam em seus ramos”, e a segunda parábola (do fermento) falta em Mc. Pode-se pensar em duas possibilidades: Ou havia uma segunda edição de Mc (Deuteromarcos) com estas modificações, ou havia outra versão da mesma parábola em Q (a coleção perdida de palavras de Jesus que Mt e Lc usam além de Mc). A última tese é mais provável, porque Lc colocou esta parábola junto com a do fermento em outro lugar (Lc 13,18-21), fora do discurso das parábolas (Lc 8,4-18p).

Como as parábolas anteriores, também essa parábola de imagem vegetal descreve o dinamismo da mensagem evangélica. O crescimento só vem mencionado num inciso (“quando cresce”, v. 32). O grão de mostarda tem um tamanho menor que um milímetro, mas a planta madura pode alcançar uma altura de quatro metros nas hortas da Galileia, “estende ramos tão grandes que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra” (Mc 4,32b; cf. Ez 17,23). Nos livros proféticos, Isaías comparou Israel com uma videira (Is 5; cf. Jo 15); Ezequiel com uma árvore replantada (Ez 17); Daniel comparou o reino de Nabucodonosor com uma “árvore… em cujos ramos se aninhavam as aves do céu” (Dn 4,18). O termo “Reino de Deus” (maior daquele de Nabucodonosor) aparece neste contexto (cf. Dn 2,44; 4,14.31; 7,13-14). Os pássaros voando nas hortaliças alargam o alcance da imagem inicial e sugerem a entrada de muitos povos no Reino. À diferença de Lc 13,19, Mt não afirma, mas pressupõe a expectativa comum de Israel que o fim será esplêndido, mesmo para as nações, quando vier o Senhor.

A expressão “pequeno como um grão de mostarda” tornou se provérbio. A mensagem da parábola é que o Reino terá sucesso, embora ainda possa parecer pequeno. Sua lição é uma visão de fé: reconhecer, através dos modestos inícios de Jesus – muito mais modestos que os de outras figuras no passado de Israel – o esplendor do fim.

Sem confundir o Reino de Deus com a Igreja, podemos afirmar que o começo modesto e o crescimento enorme já se verificaram de certo modo: Um casal estéril (Abraão e Sara) se torna ancestral de um povo numeroso; escravos fugitivos do Egito (Moisés) e pastores das montanhas (Davi), aos poucos formam a nação de Israel. Lá, um menino pobre em Belém está no início de um movimento que evolui para todos os cantos do mundo: de doze apóstolos na periferia do Império Romano para uma organização internacional (Igreja Católica) que hoje some mais de um bilhão de pessoas e junto com outros “ramos” (Igrejas ortodoxos e protestantes) tem como membros um terço da população do planeta (dois bilhões de cristãos).

Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado” (v. 33).

Esta parábola é uma variante doméstica da anterior. Ao contraste ensinado pelo grão de mostarda, acrescenta-se a mistura do levedo e a transformação da massa. Não conta só a quantidade de matéria, mas a energia no processo e a paciência exigida pelo tempo intermediário.

Também essa imagem se tornou proverbial: “o fermento na massa”. A imagem sugere o ocultamento de uma minoria na massa e o contraste entre tamanho e eficácia. Como o grão de mostarda é também o fermento, o Reino de Deus tem um começo modesto, mas um grande desenvolvimento. A imagem do fermento pode ser usada para designar um desenvolvimento bom, como aqui, ou ruim também, como num desvio de comportamento ou doutrina descritos por Paulo: “um pouco de fermento leveda toda a massa” (1Cor 5,6; Gl 5,9, cf. Mt 15,6.11p).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1203) comenta: Esta parábola trata do incômodo que a presença do Reino produz na sociedade marcada por critérios e práticas que discriminam e marginalizam as pessoas. Para compreender o impacto da chegada do Reino, é preciso olhar não para o pão, mas para a maneira como ele é feito pela ação da mulher, e para os efeitos do fermento, algo malcheiroso que inclusive era tido como símbolo de corrupção.

O termo “fermento” foi usado pelo Concílio Vaticano II (LG 31) para caracterizar a missão própria dos leigos e leigas no meio da sociedade: Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo” (vv. 34-35).

O v. 34 era o final do discurso de parábolas em Marcos (Mc 4,33s). Mt, porém, acrescenta uma citação bíblica (v. 35), conforme seu costume. Em seguida, apresenta a explicação do joio e mais duas parábolas, dirigidas apenas aos discípulos, não mais às multidões (vv. 36-53).

Diferindo do primeiro motivo dado às parábolas (13,10-15, copiado de Mc 4, e ampliado por Mt), a segunda explicação, própria de Mt, se relaciona com a maneira necessária da revelação dos mistérios divinos.

Mt chama de “profeta” o salmista (Sl 78,2), inaugurando uma tradição interpretativa que os Santos Padres repetirão. Unido a 11,13, ele considera grande parte do AT como profecia: lei, profetas, salmos. Em vez de “criação” pode se traduzir “fundação”; portanto, vários documentos omitem: “do mundo”. É citação de um salmo que repassa teologicamente a história de Israel desde o êxodo até Davi. A aplicação parte de Jesus e visa ao futuro.

As parábolas permitem às pessoas que as escutam, desenvolver a compreensão sobre as realidades da vida cotidiana e perceber de que forma o Reino anunciado e realizado por Jesus convoca para a ação e transformação, em vista da justiça de Deus.

O site da CNBB comenta (referindo-se a Mt 5,48; Ef 4,12; Cl 3,14; 1Jo 4,16): A nossa vida de fé é um processo de maturação espiritual que encontra seu início nas águas do Batismo e deve crescer durante toda nossa vida apesar de todas as dificuldades que marcam a existência humana. Este crescimento deve acontecer constantemente. Deve ser uma busca cada vez maior da perfeição, conforme nos diz o próprio Jesus: “Sede perfeitos como vosso Pai que está nos céus é perfeito”. O modelo para nós de perfeição é o próprio Jesus, e é por isso que São Paulo nos exorta ao crescimento até atingirmos a estatura de Cristo. O amor nos leva ao crescimento, já que a caridade é o vínculo da perfeição e quem ama permanece em Deus.

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