28 de Agosto de 2020, Quinta-feira: Por fim, chegaram também as outras jovens e disseram: “Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!”

21ª Semana do Tempo Comum  

Leitura: 1Cor 1,17-25

Ouvimos hoje uma teologia da cruz que Paulo escreve aos coríntios. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1388) comenta a situação: Paulo havia partido de Atenas após uma experiência fracassada com os filósofos gregos (At 17,16-34). Agora, em Corinto, ele trabalha com uma comunidade pobre da periferia da cidade. Dessa dupla experiência, cresce a convicção de que Deus escolheu preferencialmente as pessoas pobres, simples e marginalizadas, pois é na fraqueza que se manifesta a força de Deus (2Cor 12,9). A partir daí, segue a argumentação através de um jogo de contrários ou antíteses. Significa que há uma contradição entre o projeto de Deus e o projeto humano. A cruz parece loucura, sinal de fraqueza e caminho de perdição. Mas Deus a transformou em sabedoria, sinal de força e caminho de salvação. No final, Paulo aplica suas considerações ao caso concreto da comunidade de Corinto, onde essa realidade pode ser constatada (2Cor 10,17).

Depois da saudação e ação de graças (vv. 1-9, leitura de ontem), Paulo lamentou das rivalidades e facções que surgiram em Corinto (vv. 10-16, omitidos pela nossa liturgia), uma apoiando Paulo, outra Cefas (Pedro), outra Apolo, um orador talentoso de Alexandria (cf. 3,4-6; At 17,24-19,1; Tt 3,13). Paulo convida à unidade: “O Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por vós, ou fostes batizados em nome de Paulo?” (v. 13).

De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar a boa nova da salvação, sem me valer dos recursos da oratória, para não privar a cruz de Cristo da sua força própria (v. 17).

Os “recursos da oratória” (lit. “sabedoria do palavra”), ou seja, as especulações do pensamento e os artifícios da retórica) podem se opor à sabedoria de Deus (v. 24 e 2,6s). A arte oratória era muito apreciada entre os gregos e obedecia a regras precisas. Paulo não quer ser valer disso, “para não privar a cruz de Cristo da sua força própria” Lit.: “para a cruz de Cristo não ficar esvaziada” (do seu conteúdo). Ele desenvolve este ponto em 2,1-5.

A Bíblia do Peregrino (p. 2738) comenta: Não se trata de valor comparativo, e sim de divisão de trabalho; não se rebaixa o sacramento em favor da palavra. O que Paulo pensa sobre o batismo está explicado em Rm 6 e outros lugares. Ademais, o evangelho tem por tema a pessoa e a obra de Jesus Cristo, e o batismo expressa a dedicação total a essa pessoa: ver, a título de exemplo, o episódio de Filipe e o eunuco (At 8).

A segunda parte do v. serve de transição, para anunciar o próximo tema. À cruz do Messias contrapõem “a sabedoria (ou destreza) da palavra (ou razão)”. A eloquência convence pela habilidade do orador, não extrai sua força da cruz do Messias; Paulo podia recordar seu fracasso em Atenas antes de chegar sem forças a Corinto.

A pregação a respeito da cruz é uma insensatez para os que se perdem, mas para os que se salvam, para nós, ela é poder de Deus (v. 18). 

Como em toda esta passagem, “insensatez” é marcadamente pejorativa; não se trata da loucura do heroísmo, mas da loucura da tolice, da estupidez, do absurdo, da inépcia. Em vez de “poder” de Deus, poderia traduzir “milagre” de Deus.

Com efeito, está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e frustrarei a perspicácia dos inteligentes” (v. 19). 

A citação une uma frase polêmica do profeta contra a falsa prudência de conselheiros políticos (Is 29,14: por ocasião da invasão assíria, Deus anuncia que não são os cálculos humanos que salvarão Israel) e uma frase sobre o fracasso dos planos políticos (Sl 33,10).

Onde está o sábio? Onde o mestre da Lei? Onde o questionador deste mundo? Acaso Deus não mostrou a insensatez da sabedoria do mundo? (v. 20)

Em todo este contexto, Paulo não condena a autentica sabedoria humana, o uso da razão que é dom de Deus e apta fazer conhecer a Deus (v. 21), mas a sabedoria orgulhosa e autossuficiente com sua pretensão de ser norma única e última.

De fato, na manifestação da sabedoria de Deus, o mundo não chegou a conhecer Deus por meio da sabedoria; por isso, Deus houve por bem salvar os que creem por meio da insensatez da pregação (v. 21).

Paulo se compraz num jogo apertado de correspondências. “Na manifestação da sabedoria de Deus, o mundo não chegou a conhecer Deus por meio da sabedoria”. lit.: “Na sabedoria de Deus” (isto é, através das obras de Deus, que manifestam a sua sabedoria, cf. Sb 13,1-9; Rm 1,19-20), “o mundo não conheceu Deus por meio da sabedoria”. A Bíblia de Jerusalém (p. 2148) comenta: Há outras interpretações; “por uma disposição da sabedoria de Deus”; ou: “no tempo da sabedoria de Deus”, isto é, da antiga economia caracterizada pela harmonia das coisas e oposta a nova economia, em que Deus se manifesta de maneira paradoxal, aparentemente insensata.

Os judeus pedem sinais milagrosos, os gregos procuram sabedoria (v. 22).

“Os judeus pedem sinais”, cf. Mc 8,11p e Jo 2,18 onde não lhes é dado por Jesus.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2148) comenta: Judeus e gregos estão à procura de seguranças humanas: milagres que garantem a veracidade da mensagem (cf. 4,48); sabedoria ou doutrina satisfatória para a inteligência ávida de conhecer. Essa procura não é condenável em si mesma; paradoxalmente, a cruz de Cristo há de lhe responder (v. 24). Caso, porém, o homem faça dessa procura a condição previa e indispensável para dar a sua adesão a Cristo, ela se torna inadmissível.

Nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (vv. 23-24).

“Pregamos Cristo crucificado”, pode se entender “um Cristo”, ou seja, um messias crucificado que para os que abraçaram a fé, é “o Cristo”. “Os que são chamados”: retorna à designação do prólogo da carta (v. 2).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2148) comenta: Humanamente, a Cruz aparece como no contrário do que judeus e gregos esperava: derrota, em vez de manifestação gloriosa; loucura, em vez de sabedoria. Mas, numa visão de fé, a Cruz se apresenta como algo que preenche e ultrapassa as expectativas: poder e sabedoria de Deus.

A imagem mais antiga de Jesus crucificado é um grafite de um pagão no monte Palatino em Roma que data entre os séculos I e III. Representa um homem diante de uma pessoa com cabeça de burro que está sendo crucificado, com a inscrição: “Alexámenos adora a Deus”. Acredita-se que com este grafite caçoavam da fé de um cristão de nome Alexámenos. Adorando um crucificado como deus parece burrice (loucura, absurdo) para os pagãos.

Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (v. 25). 

Este caráter paradoxal da ação de Deus (1,18-25) verifica-se tanto no chamamento dos coríntios (comunidade de pessoas humildes, cf. 1,26-30), como na pregação de Paulo (sem muita oratória, cf. 2,1-5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2739) comenta nossa leitura: Judeus e gregos, cada um a seu modo, enfrentam o problema do saber. O AT inclui um grupo de livros que chamamos “sapienciais”, cujo tema é a “hokmá” (sabedoria, prudência, habilidade): os gregos cultivam o “amor ao saber” ou “philo-sophia”. Em ambos os casos busca-se um saber também pratico, não puramente intelectual: conhecer o sentido da vida e dar sentido à vida. Vários textos tardios do AT identificam “hokmá” com “torá”, sabedoria da lei (p. ex. Eclo 24; Br3); sábio ou doutor é estudioso e intérprete a lei (Eclo 39,1-11). Paulo identifica a sabedoria com o projeto paradoxal do Pai e sua realização por meio de Jesus Cristo.

Os judeus esperam um Messias triunfador (não o Servo de Is 53): para eles, um Messias executado é mensagem escandalosa. Para os gregos (que cultivam o saber, filo-sofia) um salvador sentenciado é absurdo: quem não se salvou a si, mal poderá salvar os outros. A cruz denuncia a mal-empregada sabedoria humana e demonstra um poder e saber de Deus paradoxais, que o homem descobre pela fé. A frase “só um é sábio” (Eclo 1,8) adquire ressonância nova.

O parágrafo distingue dois campos, judeus e gregos (pagãos), e trabalha com antíteses elementares. A primeira é sabedoria/loucura (ou razão e absurdo): é típica dos pagãos (cf. Br 3,22-23) e dos gregos que investigam e discutem; mas também entram nessa categoria os “letrados” que se ocupam da lei (Jo 5,39). A segunda é poder/fraqueza: poder de Deus que se manifesta nos sinais ou milagres, do qual o futuro Messias participará (Mt 12,38). Como desfecho, entra a terceira antítese: perdição/salvação. A cruz de Cristo quebra os sistemas em que se encastelam judeus e pagãos e revela, de modo inesperado e difícil, a sabedoria e o poder de Deus.

Com eloquência oratória, S. João Cristóstomo (347-407) comentou o v. 25: Por meio de homens ignorantes a cruz persuadiu a terra inteira… Sucedeu exatamente o contrário do pretendiam aqueles que tentavam apagar o nome do Crucificado… Doze homens, sem instrução que se lançam a tal grande empresa? … preso o Cristo depois de tantos milagres feitos, uns fugiram, o principal deles o negou. Donde lhes veio que durante a vida de Cristo, não resistiram a fúria dos judeus, mas uma vez ele morto … entraram em luta contra o mundo inteiro? Não teriam dito, ao contrário: “Que é isso? Não pôde salvar-se, vai proteger-nos agora? Ainda vivo, não socorreu a si mesmo, e morto, nos estenderá a mão? Vivo, não sujeitou povo algum, e nós iremos convencer o mundo inteiro, só com dizer seu nome? Como não será insensato não só fazer, mas até pensar tal coisa?” Por este motivo é evidente que, se não o tivessem visto ressuscitado e recebido assim a grande prova do seu poder, jamais se teriam lançado em tamanha aventura (Hom. 4,3.4: PG 61,34-36; 2ª leitura do ofício de S. Bartolomeu, dia 24 de agosto).

Evangelho: Mt 25,1-13

O evangelho de hoje só se encontra em Mt. É uma parábola sobre o Reino de Deus, precisamente da vinda do Jesus (parusia). O noivo da parábola é Jesus que virá no fim da história. Como a parábola anterior (24,45-51), a de hoje centraliza-se na demora do Senhor (24,48; 25,5); mas em vez de fixar a atenção na má-conduta dos servos, focaliza a obrigação de estar preparado (24,44; 25,10), quando ressoar o grito que anuncia a chegada do noivo/esposo.

(Naquele tempo, disse Jesus, a seus discípulos, esta parábola:) O Reino dos Céus é como a história das dez jovens que pegaram suas lâmpadas de óleo e saíram ao encontro do noivo. Cinco delas eram imprevidentes, e as outras cinco eram previdentes (vv. 1-2).

As moças (lit. virgens) são classificadas em “previdentes” (prudentes, sensatas), e “imprevidentes” (insensatas, sem juízo). Duas categorias contrapostas de sólida tradição em livros sapienciais do Antigo Testamento (AT) como Pr e Eclo, também no final do sermão da montanha (como aqueles que constroem sobre a rocha ou sobre a areia, Mt 7,24-27). São adjetivos de enorme peso, a ponto de as qualidades aparecerem personificadas como a senhora Sabedoria (Sensatez) e a senhora Insensatez em Pr 9. Nesta parábola, por sua sensatez, está em jogo o sentido último da vida.

As imprevidentes pegaram as suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. As previdentes, porém, levaram vasilhas com óleo junto com as lâmpadas. O noivo estava demorando e todas elas acabaram cochilando e dormindo. No meio da noite, ouviu-se um grito: “O noivo está chegando. Ide ao seu encontro!” (vv. 3-6)

Circunstâncias de um casamento são transformadas e rodeadas de um halo misterioso. Não há quem conduza a noiva (Sl 45,14s; Gn 2,22), mas é o noivo que está para chegar (Ct 2,8; 5,2). Não se fala da noiva (cf. 9,15p; Jo 2,1-12), mas dos dois grupos contrapostos de moças, o que introduz o tema do julgamento e da escolha (cf. Sl 45,15s).

O banquete é celebrado à meia-noite, e assim se introduz o tema da vigilância (cf. Ct 3,1; 5,2); entra-se no casamento ou festa nupcial (Ct 1,4; 2,4). As reminiscências do Cântico dos Cânticos se acumulam e conferem certo ar de realismo à cena. Ao mesmo tempo se sobrepõem outros traços que geram uma atmosfera irreal. Não esqueçamos que o Apocalipse de João (e com ele, a Bíblia cristã) termina com espera ansiosa da esposa/comunidade pela vinda do esposo (Ap 19,7-9; 21,2.9; cf. 22,17.20).

Então as dez jovens se levantaram e prepararam as lâmpadas. As imprevidentes disseram às previdentes: “Dai-nos um pouco de óleo, porque nossas lâmpadas estão se apagando.” As previdentes responderam: “De modo nenhum, porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós. É melhor irdes comprar aos vendedores”. Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo chegou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou (vv. 7-10).

As virgens representam pessoas e comunidades cristãs, que devem sempre estar preparadas para o encontro com o Senhor, mediante a “prática da justiça” (essa pode ser o significado do “óleo” no contexto de Mt; cf. 7,21-23.24-27). As lâmpadas e o óleo que as alimenta são expressões da vigilância noturna (Pr 31,18; Jr 25,10; Ap 18,22), e ao mesmo tempo servem para inculcar a responsabilidade pessoal (cf. Ez 18), não vale omitir-se afiando-se no outro. Parece-nos uma atitude egoísta das virgens prudentes que não querem repartir seu óleo, mas no contexto há de se considerar: se os prudentes repartissem o óleo, a procissão das luzes (o cortejo com a noiva para a casa do noivo) acabaria no meio do caminho em escuridão, “porque o óleo pode ser insuficiente para nós e para vós”.

Por fim, chegaram também as outras jovens e disseram: “Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!” Ele, porém, respondeu: “Em verdade eu vos digo: Não vos conheço!” Portanto, ficai vigiando, pois não sabeis qual será o dia, nem a hora (vv. 11-13).

O noivo (Jesus) responde às insensatas e atrasadas com a mesma conclusão de 7,23 (cf. Lc 13,25-27) e adverte os ouvintes com a mesma ordem de vigiar semelhante à de 24,42. “Daquele dia e daquela hora, ninguém sabe, nem os anjos, nem o Filho, mas só o Pai” (24,36p).

Essa noite não é para dormir (cf. Ct 5,2-6; Is 51,17; 52,1); de fato, todas as virgens “adormeceram” (v. 5; será uma alusão aos que morreram antes da parusia? cf. 1Ts 4,14). Mas a recomendação “ficai vigiando”, pode significar “estais preparado” (cf. 24,42.44).

Essa parábola é exclusiva de Mt e sua terceira referência ao tema nupcial (cf. 9,15; 22,1-14). Jesus já se comparou com um noivo na festa de casamento (9,15; cf. Ct 5,1). O messias (Cristo) é o noivo (22,1-14; 25,1-13), esposo da nova “aliança” com seu povo (26,28p).

Sobre o simbolismo do matrimônio no AT: Javé Deus é o esposo de Israel, com que selou aliança (cf. Os 2; 3,16-25; Is 49; 54; 62; Ez 16 etc., aplicado a Jesus no NT em Ef 5,22-32). O casamento é tempo de alegria partilhada (Jr 16,8-9; Ct 3,11; 5,1; Sl 45).

Se quisermos participar da festa do amor e da alegria no céu, precisamos vigiar aqui na terra no sentido de cada um preparar-se com obras de justiça e misericórdia (cf. 25,31-46) e ser perseverante, não relaxar neste tempo de espera, cuja duração só Deus sabe (cf. 1Ts 5,1-11; 2Pd 3,8-14).

O site da CNBB comenta: A Igreja, que somos todos nós, é a esposa de Cristo, e realiza sua maior felicidade no relacionamento com ele, relacionamento que exige de todos nós fidelidade, amor e sensatez, ou seja, uma fé vigilante, que faz com que vivamos constantemente na presença de Jesus, Luz que ilumina nossa vida e não permite que vivamos nas trevas do erro. Como vivemos na presença de Jesus e somos iluminados por ele, nossa fé é cada vez mais ativa e torna-se luz para as pessoas, de modo que todos possam descobrir-se amados por Deus, busquem constantemente um relacionamento com ele, e assim estejam sempre prontos para o momento em que esse relacionamento atingirá sua plenitude, quando seremos todos um só em Cristo.

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