28 de janeiro de 2017 – Sábado, 3ª semana

Leitura: Hb 11,1-2.8-19

Na leitura de hoje entramos no amplo capítulo 11 que contém uma definição da fé, uma série de personagens exemplares, com ou sem comentário, e uma série de situações genéricas ou concretas. A denominador comum é a fé, como a entende o autor anônimo de Hb. Esta fé assemelha e reúne a todos, supondo que o leitor conheça os relatos bíblicos correspondentes.

Esta maneira de passar em revista os personagens do Antigo Testamento é comum na tradição judaica: em versão mais ampla o elogio dos antepassados, para a glória de Deus em Eclo 44-50; em versão reduzida, Sb 10 emprega como denominador comum a “sabedoria”, omitindo os nomes como que desafiando o leitor (cf. ainda Jt 8,25-27; 1 Mc 2,51-64).

A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem (v. 1).

Aos seus leitores, desanimados pelas perseguições (cf. 10,32-34), o autor explica que a fé é totalmente orientada para o futuro e liga-se somente ao invisível. Este v. 1 tornou-se uma espécie de definição teológica da fé, posse antecipada e conhecimento seguro das realidades celestes (cf. 6,5; Rm 5,2; Ef 1,13s). Mas esta definição da fé não é tão clara, contém dois substantivos que admitem interpretações objetiva ou subjetiva.

– “Hypóstasis”, aqui traduzido por “modo de já possuir”, é a garantia oferecida ou a confiança experimentada.

– “élegchos”, aqui traduzido por “convicção”, é a prova da promessa ou a esperança suscitada.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2361) prefere a interpretação objetiva desses dois termos:

O primeiro, pode significar “substância” (Crisóstomo, Agostinho, Tomás de Aquino: a fé confere existência em nós aos bens espirituais esperados), ou então “garantia, título de posse” (Gregório de Nissa, Calvino, alguns modernos); abundantemente atestado nos papiros, este segundo sentido parece ser aqui o mais provável. Todavia muitos preferem a ele o sentido subjetivo de “firme confiança” (Erasmo, Lutero, Zwínglio e numerosos modernos). Quanto ao segundo termo (“meio de conhecer”), também se propõe para ele um sentido subjetivo: “convicção íntima”, embora o sentido normal seja “argumento, prova, meio de saber”. Os padres gregos insistem na evidência que a fé nos dá, visão do invisível (cf. 11,27).

A Bíblia do Peregrino (p. 2885s) prefere a interpretação subjetiva:

Por todo o contexto, parece preferível a interpretação subjetiva, pois se trata de atitudes fundamentais, provocadas e sustentadas por algo objetivo, isto é, a promessa de Deus. Dessa forma, a fé da qual o autor fala, exceto no primeiro artigo, se parece mais com a esperança.

O processo é lógico: precede uma promessa de Deus, o homem confia nela (fé) e espera. Uma tradução um tanto livre pode ser: a posse do que se espera, a percepção do que não se vê. Não se vê, porque é futuro; e segundo os judeus, o futuro fica às costas (cf. 2Cor 4,18). O “invisível”, não manifesto, é aqui o que não existe ou o caos que não tem forma evidente (Cf. v. 3).

O autor de Hb é feliz ao pôr em relevo o caráter paradoxal da fé, que possui sem apreender, que conhece sem ver (cf. Jo 20,29). Definindo a fé de forma impessoal, o autor a coloca em correlação com a esperança: anela o porvir e o invisível. Como o apóstolo Paulo, em Rm 8,24-25; 1Cor 13,12 e 2Cor 4,18, o autor de Hb opõe o que é atual, realizado, ao que ainda não o é. Em outros trechos do NT, encontramos pontos de vista diferentes que completam este sentido. Paulo apresenta a fé como relação pessoal entre os crentes e seu Senhor. Tiago afirma a insuficiência de uma fé puramente conceitual e insiste na vinculação necessária da fé com as obras (Tg 2,14.26).

Foi a fé que valeu aos antepassados um bom testemunho (v. 2).

O leitor moderno também tem de enriquecer a série de Hb 11 com a recordação ou repasse dos relatos bíblicos. Todos recebem um “testemunho” de aprovação. Um culto aos ancestrais ou elogios dos “antepassados” são comuns em quase todas as religiões e culturas. Os exemplos subsequentes mostrarão todo o poder de vida que a fé contém em si.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 477s) comenta: Fé não é simples repetição de uma doutrina, mas construção do presente, na certeza do que se espera. Fé indica a disposição de ir além daquilo que se vê e se toca. O que virá a seguir são exemplos de pessoas que agiram pela fé, lutaram pela justiça, não se acomodaram ao presente, certas de que a realidade podia ser mudada, e até passaram pela perda de honras e privilégios, prisões e martírio. Essas manifestações apontam para Jesus, que “iniciou e realizou a fé” (12,2). Cada personagem, por sua vida e destino, mostrou que a humanidade de seu tempo estava assumindo caminhos ilusórios e sem futuro. De alguma forma, todos andaram na contramão.

Foi pela fé que Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e partiu, sem saber para onde ia. Foi pela fé que ele residiu como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas com Isaac e Jacó, os co-herdeiros da mesma promessa. Pois esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor (vv. 8-10).

Dezessete vezes seguidas (a partir de v. 3), a expressão “Foi pela fé…” marca o início de cada frase (os vv. 3-7 foram omitidos pela nossa liturgia). A lista desses exemplos da fé começou pela criação (v. 3) e passou depois para “antepassados”, citando Abel (v. 4) e Enoc (vv. 5s). Em v. 7, Noé passou a ser o primeiro de quem age com esta fé que conhece o que não se vê.

Ao chegar a Abraão, o autor de Hb se detém mais (Abraão é personagem favorito também de Paulo, quando fala sobra a fé; cf. Rm 4; Gl 3-4). Apresentam-se vários episódios: o chamado para um destino desconhecido, abandonando a pátria (vv. 8-10; Gn 12); a confiança e esperança em Deus, que lhe prometia descendência numerosa (vv. 11-12; Gn 15 e 17); a grande prova do sacrifício deste filho único com Sara, Isaac (v. 17; Gn 22).

No ciclo de Abraão em Gn 12-25, o autor de Hb sublinha o sentido religioso da migração do patriarca e, sem narrar as etapas de sua vida nômade: Siquém, Betel, Hebron, Bersabéia, nem mesmo a estadia no Egito, salienta o seu significado embora a promessa fosse estável, precário era o seu acampamento: “como estrangeiro… morando em tendas.”

“Pois esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor” Esta cidade é Jerusalém celeste (cf. 11,16; 12,22; Ap 21,2.10-27), construída por Deus mais solidamente do que qualquer construção terrestre (cf. 12,27s). A cidade de Davi (2Sm 5-6) era a sua prefiguração (Sl 48,9; 87; Is 28,16; 54,11s; Tb 13,17).

Foi pela fé também que Sara, embora estéril e já de idade avançada, se tornou capaz de ter filhos, porque considerou fidedigno o autor da promessa. É por isso também que de um só homem, já marcado pela morte, nasceu a multidão “comparável às estrelas do céu e inumerável como a areia das praias do mar” (vv. 11-12).

Também a matriarca Sara é elogiada (cf. Is 51,1-2). O autor suprime o riso que, em Gn 17,17-19; 18,12-15; 21,1-7.9, tornou a aparecer por motivos diversos (o nome do filho “Isaac” significa: riso)

No texto grego, a expressão “capaz de ter filhos (posteridade)” aplicar-se-ia melhor a Abraão do que a Sara, “comparável às estrelas do céu e inumerável como a areia das praias do mar”. O autor emprega a citação de Gn 22,17, que junta os dois símbolos da multidão: a “areia” (Gn 13,16; 32,13; 41,19) e as “estrelas” (Gn 15,5; 26,4).

Todos estes morreram na fé. Não receberam a realização da promessa, mas a puderam ver e saudar de longe e se declararam estrangeiros e migrantes nesta terra. Os que falam assim demonstram que estão buscando uma pátria, e se se lembrassem daquela que deixaram, até teriam tempo de voltar para lá. Mas agora, eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste. Por isto, Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus. Pois preparou mesmo uma cidade para eles (vv. 13-16).

Aos episódios bíblicos de Gn, o autor de Hb acrescenta uma reflexão teológica, centrada na vitória sobre a morte. A fé (=esperança) de Abraão atinge mais além da morte (cf. v. 19). Sua capacidade generativa e a de Sara estão mortas, o herdeiro legítimo está condenado à morte. “Todos estes morreram” antes de alcançar o destino. A razão é que o destino é celeste e futuro, e todos eles caminham como “estrangeiros e migrantes (peregrinos e forasteiros)” rumo à pátria, que é uma cidade construída por Deus (vv. 10.16)

A fé (=esperança) permite “ver e saudar de longe”, como a uma cidade altaneira. Pode ressoar aqui a experiência de uma peregrinação a Jerusalém, projetada sobre a celeste.

  1. 15 se refere a Isaac, que não podia ir pessoalmente à terra dos parentes para buscar um noiva (Gn 24,6.8) e a Jacó que fugiu para lá (cf. todo ciclo da sua peregrinação à casa do tio Labão e sua volta; Gn 27-33)

“Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus”. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1477s) comenta: Chama a atenção a vida itinerante dessas pessoas. Tal condição, com as dificuldades e conflitos que traz, possibilitou a eles servirem de exemplo: estavam em busca de uma pátria. A gente estrangeira e maltratada de Hebreus deverá compreender o que significa viver a fé em situações assim adversas. Seu testemunho é tão especial que, segundo o autor, o próprio Deus não se acanha de ser chamado o Deus dessa gente maltrapilha mas não acomodada, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó! 

Foi pela fé que Abraão, posto à prova, ofereceu Isaac; ele, o depositário da promessa, sacrificava o seu filho único, do qual havia sido dito: “É em Isaac que uma descendência levará o teu nome”. Ele estava convencido de que Deus tem poder até de ressuscitar os mortos, e assim recuperou o filho – o que é também um símbolo (vv. 17-19).

A grande “prova” do sacrifício do “seu filho único” com Sara (Gn 22) consistiu em Abraão obedecer sem perder a fé e a esperança de que Deus cumprirá o que já disse antes da prova em Gn 21,22: “É em Isaac (e não em outro) que uma descendência levará o teu nome” (Gn 21,12). Então, se Isaac morresse no sacrifício, Deus teria que trazê-lo de volta para dar descendência como prometeu.

O autor de Hb vê nisso “um símbolo”, lit. “uma parábola”: A salvação de Isaac figura a ressurreição geral e mesmo, segundo uma constante tradição exegética, a paixão e ressurreição de Cristo (filho único).  Isaac se converte em símbolo de todos os que serão ressuscitados pelo poder de Jesus Cristo. Em Rm 4,17, o apóstolo Paulo recordava a fé de Abraão no Deus que “faz viver os mortos e chama à existência o que não existe.”

No AT, a história do sacrifício de Isaac, que Deus parece exigir mas não deixa executar (o substitui pelo sacrifício de um cordeiro, Gn 22), é uma “parábola” de que Deus não aprova sacrifícios humanos como aqueles que os povos vizinhos de Israel praticavam (cf. 2Rs 3,27; Jz 11,30-40; Mq 6,7 etc.).

Evangelho: Mc 4,35-41

O evangelho de Mc é mais um evangelho de ação do que de palavras. Ouvimos hoje de mais um milagre que demonstra uma epifania (manifestação da soberania divina) de Jesus e a falta de fé dos discípulos. Como é costume no gênero literário de milagres, a versão original (antes de Mc) apresentou uma situação lamentável, a palavra poderosa do taumaturgo (aquele que realiza milagres), constou o milagre e contou a reação das testemunhas; em nosso caso há elementos de exorcismo (cf. 1,23-28; 5,1-20): o mar e o vento se lançam contra as pessoas, Jesus manda calar e eles obedecem. O evangelista Mc modificou o relato deste milagre que falava da soberania de Jesus acrescentando a repreensão dos discípulos (frequente no Ev de Mc).

Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca. Havia ainda outras barcas com ele (vv. 35-36).

Após o discurso das parábolas proferido de dentro da barca (cf. 4,1), naquele mesmo dia, “ao cair da tarde” (cf. 1,32; 6,47; 14,17; 15,42), Jesus e seus discípulos “despediram a multidão”, que acabara de ouvir o discurso (cf. 6,45), e já partem na mesma barca (que pertence a Pedro? cf. v. 36; Lc 5,3p). O lago de Genesaré (cf. 6,53) tem no máximo 15 km de extensão e 10 km de largura. É chamado na Bíblia o “mar da Galileia” (1,16; 2,13; 3,7; 5,21; 6,46-48) ou o “mar de Tiberíades” (Jo 6,1; 21,1).

Com frequência, o evangelista Mc narra travessias com o barco (5,1.21; 6,45; 8,10). Na introdução deste episódio, Jesus toma a iniciativa e a responsabilidade ao indicar o rumo: “Vamos a outa margem!” (v. 35). O v. 36 pode ser o início do relato anterior a Mc; nele são os discípulos que “levaram Jesus consigo” e “havia outras barcas com ele” que depois, em Mc, não aparecem mais.

“A outra margem” pode significar terra estrangeira onde se situa a Decápole (cf. 5,1-20), uma região de dez cidades gregas ao leste da Palestina. Ir à terra estrangeira, pagã e desconhecida, pode causar dificuldades, turbulências e medo nos discípulos.

Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher (v. 37).

O mar na sua realidade empírica pode ser força destruidora, incontrolável para o homem (cf. Sl 69,3.16; 107,23-30); águas e ondas podem ser ameaçadoras (Sl 18,5; 32,6; 40,3; 42,8; 46,3-4; 66,12; 69,2-3; 88,18; 130,1; Jó 7,12; 22,11; 27,20; Is 8,7; 30,28; Dn 7,2-3; Jn 2,6; Ap 17,15). Até aí os pescadores do lago seriam um caso a mais. Mas o mar apresenta outro aspecto no AT: é a potência rebelde, caótica, ameaça que Deus submete e domestica (Sl 93; 104,6-7; etc.)

Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (v. 38).

Não é o cansaço da pregação ou o sono do início da noite, mas a despreocupação soberana que faz Jesus “dormir” como Jonas. Os marinheiros, com medo de naufragar numa grande tempestade, acordaram Jonas que dormia no fundo do navio, dizendo: “Como podes dormir? Levanta-te, invoca teu Deus! Talvez Deus se lembre de nós e não perecemos” (Jn 1,6). Mas o mar só se acalmou quando Jonas foi lançado no mar (e engolido por um peixe; cf. Jn 1,15; 2,1).

Na barca, Jesus está dormindo sobre um travesseiro, ou melhor: na parte de trás do barco, que era mais alta e onde a água ainda não avançou. Os discípulos estão estressados e reclamam usando pela primeira vez no evangelho de Mc o título de “mestre”.

Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O ventou cessou e houve uma grande calmaria (v. 39).

Jesus se levanta e repreende, como o Senhor Javé a maré dos povos (Is 17,12-13), o mar (Na 1,4) ou o mar Vermelho (Sl 106,9; Ex 14). Assim se revela dominador dos elementos cósmicos (como Deus em Sl 104,7-9). Jesus “ordena”, e os elementos se calam como num exorcismo (cf. 1,25). Na tradução grega do AT, é Deus que “ordena” aos poderes nefastos (LXX Sl 9,6; 67,31; 105,9; 118,21).

Os povos antigos imaginavam as calamidades naturais causadas por demônios (espíritos do vento e do mar, etc.) ou deuses. Ao poder fatal do mar (cf. Sl 95,5; Is 40,12; 51,15; Jr 31,35; Am 5,8; 9,6; Jó 12,15) acrescenta-se ainda a escuridão ameaçadora da noite, mas os elementos obedecem a Jesus (como no relato paralelo de 6,51).

No AT é Deus que salva da calamidade: “Eles gritaram ao Senhor na sua aflição; ele os livrou de suas angústias. Transformou a tempestade em leve brisa e as ondas emudeceram” (Sl 107,28s; cf. Sl 69,2s.152; 18,16s; 32,6; 46,3s; 65,8; Is 43,2). Também é Deus que luta contra poderes caóticos: “Tu dividiste o mar com teu poder, quebraste as cabeças dos monstros das águas” (Sl 74,13s; cf. Ex 14,15s; Sl 98,10s; 104,6-9; Jó 26,12; 38,8-10). No AT, só Deus tem esse poder. Também no mundo greco-romano, não há nenhum relato mítico em que um homem com poderes divinos acalma uma tempestade. Em nosso evangelho, este poder divino é atribuído a Jesus que realiza este milagre por conta próprio, nem com oração como na história de Jonas.

Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (v. 40).

A repreensão de Jesus é dura. Mas qual é a falta dos discípulos? Dirigir-se ao mestre numa situação de emergência? É a sua covardia pensando unicamente em si, sem a disposição de partilhar o perigo com Jesus. A situação se repetirá na sua fuga quando Jesus for preso (14,50s). Já a reação de Pedro ao anúncio da paixão respira o mesmo medo (cf. 8,32s). Em Ap 21,8, os covardes serão condenados ao lado dos descrentes (cf. 2Tm 1,7; Jo 14,1). Para a comunidade de Mc (no meio de uma guerra dos judeus contra os romanos no ano 70 d.C., cf. cap. 13), os discípulos medrosos são espelho e servem de exemplo para não cair na mesma descrença.

Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (v. 41).

Os discípulos entrevem em Jesus um poder sobre-humano, superior aos ventos (Sl 104,4) e as águas (Sl 104,3.6-9). Aos presentes a uma manifestação divina, convém “grande medo” (cf. 9,6; 16,8). A pergunta dos discípulos quer ser respondida pelos leitores do evangelho: “Quem é este…?”. No contexto do evangelho, Pedro dará uma resposta provisória (8,29), mas só depois da cruz haverá resposta definitiva (15,39), confirmando o título do Evangelho (1,1) e a voz do céu (1,1; 9,7).

Além da dimensão cristológica que mostra aqui o poder divino em Jesus, temos a dimensão eclesiológica, ou seja, da Igreja, que na interpretação do texto sempre se identificava com a barca. Na antiguidade, a barca podia ser símbolo da alma (no mar da vida), e o navio símbolo do estado. Como a Igreja nasce na comunidade dos primeiros discípulos que eram pescadores, facilmente se vê na barca de Pedro a própria Igreja (com o papa no comando), e aqui no texto, a comunidade com medo das consequências do seguimento.

Com um novo contexto em Mt 8,18-22, o relato paralelo de Mt 8,23-27 relaciona a tempestade com as dificuldades e o medo dos discípulos ao seguirem Jesus, deixando o lar e a família e vivendo sem segurança econômica. A fé é fraca quando não se seguem obras (cf. Tg 2,14-26), mas também quando os discípulos não confiam no poder e na presença do Senhor que parece despreocupado, dormindo ou ausente (cf. 1Rs 19,11-13). Portanto, fé é quando a comunidade se aproxima mais ao Senhor e confia ser sustentada por ele. O evangelho de hoje, como outro de 6,55-52p (Jesus ausente e depois andando sobre o mar), testemunha a presença do Senhor mesmo nas maiores dificuldades.

O site do CNBB comenta: Existem muitas coisas na nossa existência que nos deixam com medo, desde coisas simples, como o medo de insetos inofensivos, até coisas verdadeiramente terríveis, que podem em questão de segundos aniquilar a nossa vida, como é o caso de terremotos ou guerras nucleares. Além disso, temos os nossos fantasmas que criamos e que nos metem medo, como por exemplo o medo de escuro ou de almas do outro mundo. Mas existem pessoas que possuem também um medo muito grande do próprio Deus, e isso acontece porque não foram capazes de descobri-lo como amor e de buscarem um relacionamento amoroso com ele, fazendo do próprio Deus um fantasma a mais nas suas próprias vidas.

 

Voltar