28 de maio de 2016 – 8ª semana sábado

 

1ª Leitura: Jd 17.20b-25

Esta carta breve tem apenas um capítulo do qual ouvimos o final. O autor escreve provavelmente no fim do séc. I e se apresenta como “Judas”, não o Iscariotes (cf. Jo 14,22), mas um parente de Jesus, ele se apresenta como “Judas, servo de Jesus Cristo, irmão de Tiago” (1,1). Este Tiago não é o filho de Zebedeu e irmão de João (Mc 1,19; At 12,2), mas o “irmão do Senhor” (Gl 1,19).

Judas alerta a comunidade a respeito de falsos mestres que confundem com uma espiritualidade individualista e práticas imorais. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1504) comenta: O apelo da carta, portanto, é que a comunidade lute pela fé verdadeira e não se deixe enganar por esse gente que, em nome de pretensa piedade, não se deixe guiar pelo Espírito.

Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 17).

Os “apóstolos” são vistos à distância, como grupo compacto, ponto de referência dos sucessores. “As palavras preditas pelos apóstolos”, ou seja, o ensinamento apostólico recebido por tradição a respeito do surgimento de falsos mestres. O autor cita em seguida (vv. 18-19 omitidos pela nossa liturgia) não literal, mas sumariamente vários textos (At 20,29-30; 1Tm 4,1-3; 2Tm 3,1-5; 4,3).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1504) comenta: Os líderes, contra quem a carta é escrita, julgavam-se portadores do Espírito. Diante deles, as demais pessoas seriam “psíquicas” (pouco desenvolvidas na vida de fé), ou “físicas” (materialistas). Para Judas, é exatamente o contrário: quem provoca divisões e compromete o evangelho de Jesus, não possui o Espírito. Por outro lado, a comunidade não deve ficar surpresa diante desses riscos para a fé; pelo contrário, há de recordar os ensinamentos que vieram dos apóstolos e a esse respeito.

Edificai-vos sobre o fundamento da vossa santíssima fé e rezai, no Santo Espírito, de modo que vos mantenhais no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna (vv. 20b-21).

Os vv. 20-21 mencionam as três pessoas divinas (cf. 2Cor 13,13), em relação com a fé, com a oração, com o amor e com a esperança (cf. 1Cor 13,13). A Bíblia do Peregrino (p. 2938) comenta: A exortação positiva se articula em quatro recomendações. A fé o fundamento, que se apoia imediatamente na rocha e sustenta o edifício inteiro (recorde-se Is 7,9; 28,16). A oração deve ser dirigida a Deus no âmbito do Espírito, a favor dele, sintonizando com ele. O “amor” parece ser o que Deus nos tem (Rm 8,39). A esperança aponta para a vida perdurável como dom da “misericórdia” de Jesus Cristo, não como exigência nossa.

E a uns, que estão com dúvidas, deveis tratar com piedade. A outros, deveis salvá-los arrancando-os do fogo. De outros ainda deveis ter piedade, mas com temor, aborrecendo a própria veste manchada pela carne… (vv. 22-23).

O remédio das ameaças à fé são as práticas que reforçam a vida comunitária: oração, amor, fé/confiança (vv. 20-21), e misericórdia/compaixão/piedade para uns que duvidam, e distância de outros que ameaçam a integridade da comunidade. A caridade deve tratar de maneira diferente os falsos mestres (hereges), segundo sejam mais ou menos contaminados pela heresia.

Esses, embora se julguem espirituais, na verdade são carnais (cf. vv. 18s), “a própria veste manchada pela carne”, ou seja, os ímpios contaminam tudo que lhes pertence (cf. Qumran, Regra, col. 5,19-20). Esse conselho concreto supre a falta do amor ao próximo, na síntese precedente; “arrancando-os do fogo” (cf. Am 4,11; Zc 3,2).

“Deveis ter piedade” (ou: “procurai convencê-los”), mas com temor”. Nos vv. 22 e 23, o texto está muito alterado. Uma parte dos manuscritos supõe três categorias: “os que hesitam, compadecei-vos deles, salvai a outros, arrebatando-os do fogo: quanto aos outros, enfim, compadeceis-vos, mas com temor.“

Aquele que é capaz de guardar-vos da queda e de apresentar-vos perante a sua glória irrepreensíveis e jubilosos, ao único Deus, nosso Salvador, por Jesus Cristo, nosso Senhor: glória, majestade, poder e domínio, desde antes de todos os séculos, e agora, e por todos os séculos. Amém (vv. 24-25).

Uma doxologia, ou seja, uma fórmula de louvor a Deus em sua glória, majestade, poder e autoridade encerra a carta, substituindo as normais saudações conclusivas. A doxologia solene (cf. Rm 16,25-27; Ef 3,20; Ap 1,6) provém, possivelmente, da liturgia; é composta em boa parte de lembranças e entoada com grande solenidade, como no Apocalipse.

“Apresentar-vos perante a sua glória irrepreensíveis e jubilosos”; a tradução latina Vulgata acrescenta: “na Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.

 

Evangelho: Mc 11,27-33

Depois de entrar em triunfo na cidade de Jerusalém e “purificar” o templo, tirando o comércio do átrio do santuário, os responsáveis pelo templo “ouviram disso” (v. 18), mas reagem só no próximo dia. Depois da conversa com os discípulos sobre a fé (vv. 22-25), Jesus enfrenta a descrença e a hostilidade dos poderosos.

No evangelho de hoje, as autoridades em Jerusalém tentam fazer uma armadilha para desmoralizar a autoridade de Jesus diante do povo que o tinha aclamado messias dois dias antes. Mas Jesus usa o mesmo truque: Se as autoridades responderem, eles ficarão desmoralizadas.

Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém. Enquanto Jesus estava andando no Templo, os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os anciãos aproximaram-se dele e perguntaram: ”Com que autoridade fazes essas coisas? Quem te deu autoridade para fazer isso?” (vv. 27-28).

De Betânia, onde costumavam passar a noite, “Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém” (cf. 11,1.12.15.19s; 14,1.13.17). Ele “estava andando (lit. circulando) no Templo”, talvez ensinando o povo (cf. v. 18; 12,14.35.38), assim escrevem Mt 21,23 e Lc 20,1.

“Os sumos sacerdotes, os mestres da lei e os anciãos” (cf. 8,31) são os três grupos do Supremo Tribunal dos judeus (sinédrio) que condenarão Jesus à morte (14,53-65; 15,1). O sinédrio mantinha uma guarda do templo com um oficial (cf. At 4,1). Mc deve pensar num grupo de representantes (não em todos os conselheiros) que se aproximam de Jesus perguntando: ”Com que autoridade fazes estas coisas?”

A pergunta é vaga e genérica. Pelo contexto próximo, pode limitar-se à purificação do templo que Jesus realizou no dia anterior; pelo contexto mais amplo, parece abranger o conjunto de sua atividade, inclusive os milagres e seu ensinamento (cf. Mt 21,23: Lc 20,1).

Já em 1,22.27 se falava da “autoridade” do ensinamento de Jesus, diferente dos escribas. Ele a tem para curar e perdoar pecados (2,10) e a deu também aos doze apóstolos para expulsarem demônios (3,15; 6,7).

A pergunta é dupla: “Com que autoridade… Quem te deu autoridade?” Jesus não tinha estudado a Lei na faculdade de Jerusalém, portanto não tinha a autoridade de um rabino ordenado. Pergunta-se então da forma e origem de sua suposta autoridade. Os adversários o desafiam a declarar a origem da sua autoestima. Se Jesus disser “de Deus”, ele devia provar isso. O evangelista já contou muitos milagres como provas disso. Mas as autoridades descrentes procuram um motivo para acusá-lo como profeta falso.

No AT, os falsos profetas (cf. Jr 14,13-16; 23,9-40; 28; Ez 13,1-16) arrogavam-se a autoridade de enviados de Deus; inventavam profecias seguindo sua inspiração. Diziam oráculo do Senhor quando o Senhor não os enviava, quando o Senhor não falava. De modo semelhante, as falsas profetisas arrogavam-se a autoridade para “destinar à vida ou à morte” (Ez 13,17-23). De fato, Jesus será julgado pelo sinédrio na base da lei Dt 13,2-6 sobre os falsos profetas (cf. Mc 14,65).

Jesus respondeu: “Vou fazer-vos uma só pergunta. Se me responderdes, eu vos direi com que autoridade faço isso. O batismo de João vinha do céu ou dos homens? Respondei-me” (vv. 29-30).

A pergunta dupla dos adversários apontou para a autoridade messiânica de Jesus, que os interlocutores negam de antemão. Para eles, incrédulos, se Jesus se arroga essa autoridade, é impostor, comete delito. Impossível convencer a quem se nega a crer, depois de tudo o que viu e ouviu.

Por isso, Jesus não responde com uma afirmação, mas faz outra pergunta, que se pode entender como um desaforo no contexto político histórico. As autoridades têm direito de pedir credenciais a quem se apresenta como Jesus o faz: Os interlocutores representam o braço eclesiástico (sacerdotes), o braço civil (anciãos, ou seja, senadores), a autoridade doutrinal (mestres, letrados). Porém, de onde lhes vem a autoridade? (Uma resposta está na parábola seguinte em 12,1-12, evangelho de amanhã; cf. Jo 19,11).

Por isso Jesus responde, no estilo rabínico, com outra pergunta que transfere o assunto para a autoridade de João Batista. A concentração da questão em “uma só pergunta” acirra e demonstra a segurança de Jesus. Sua pergunta desarma seus opositores com um dilema: “O batismo de João vinha do céu ou dos homens?” (v. 30) O “céu” é para os judeus da época uma das maneiras de designar Deus sem pronunciar seu nome inefável (Dn 4,23: 1Mc  3,18).

Aqui Jesus não se declara discípulo de João, mas está em sintonia dele. Quem reconheceu o batismo de João deixou se batizar por ele, como Jesus. No caso dele, o Espírito “vinha do céu” sobre ele e o impeliu para iniciar sua missão (cf. 1,11). Mas aqui Jesus não aponta no seu Espírito, mas na autoridade de profeta verdadeiro, a missão de João vinha de Deus.

Eles discutiam entre si: “Se respondermos que vinha do céu, ele vai dizer: “Por que não acreditastes em João?” Devemos então dizer que vinha dos homens?” Mas eles tinham medo da multidão, porque todos, de fato, tinham João na qualidade de profeta. Então eles responderam a Jesus: “Não sabemos.” E Jesus disse: “Pois eu também não vos digo com que autoridade faço essas coisas” (vv. 31-33).

A pergunta de Jesus apertou os adversários de modo que precisavam debater o assunto “entre si”. Seu julgamento não se baseia em convicção, mas conveniência tática.

Se admitissem a origem divina do batismo de João, eles se confessariam desobedientes a Deus porque não se batizavam. Se negassem a origem divina desse batismo, enfrentariam a opinião do povo. O Batista foi morto por Herodes (6,17-29), mas isso só podia ter aumentado a estima do povo por ele: ”todos, de fato, tinham João na qualidade de profeta”. Jesus também é considerado profeta pelo povo (6,14s; 8,28), mas também é o messias (“Cristo”, cf. 1,1; 8,29; 14,61s).

No batismo de João, tomado em seu conjunto, esta implícita a justificação: porque preparava a vinda do Messias, porque dera ocasião ao testemunho do Pai (a voz do céu no batismo, cf. 1,10). O batismo e João estavam em função de Jesus Messias. Esse dilema funciona muito mais com Jesus, em que eles tão pouco crêem, mas temem o povo, “tinham medo da multidão” (v. 32; cf. 11,18; 12,12; 14,2; Lc 20,19).

A pergunta de Jesus fica sem resposta e, conforme as regras, ele também não precisa responder. Os adversários foram vencidos nesta questão, mas não desistem. Assim se inicia a sequência de controvérsias de Jesus com seus adversários em Jerusalém (11,27-12,40).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra os sumos sacerdotes, os fariseus e os doutores da lei questionando Jesus sobre sua autoridade. Muitas vezes, vemos pessoas que duvidam das verdades da fé e questionam o próprio Deus sobre a legitimidade de suas ações e de seus princípios, mas se formos analisar mais a fundo a vida das pessoas que manifestam tal atitude, veremos que na verdade as suas vidas é que apresentam aspectos contraditórios porque os seus princípios de vida não são legítimos. Essas pessoas querem, na verdade, legitimar a sua vida marcada pelo erro e pelo pecado, por princípios que, na verdade, encontram o seu fundamento unicamente no egoísmo.

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