29 de Dezembro de 2018, sábado: Foram também oferecer o sacrifício – um par de rolas ou dois pombinhos – como está ordenado na Lei do Senhor (v. 24).

Leitura: 1Jo 2,3-11

Nos dias do tempo de Natal, continua a leitura da 1ª carta de João que começou no dia 27, dia do “apóstolo e evangelista João”. Na leitura de hoje, sobre “conhecimento” e “amor” de Deus e ao próximo. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1498) comenta: No ambiente em que a carta foi escrita, havia uma busca ansiosa por conhecer a Deus e mergulhar nele. Ora, o fundamental nessa busca é a observância dos mandamentos, sendo o mais importante deles o expresso em Jo 13,34-35: o amor entre os membros da comunidade. A vida de fé acontece quando não produz egoísmo e isolamento, e sim quando espalha solidariedade.

Para saber que o conhecemos, vejamos se guardamos os seus mandamentos (v. 3).

A Bíblia do Peregrino (p. 2925) comenta: Começam aqui outros dois procedimentos de estilo frequente na carta. a) “Quem… aquele que…” serve para determinar e qualificar uma atitude, a eleva quase a aforismo (2,4.6.9.10.11.15.22.23 etc.). b) A explicação “nisso conhecemos…, sabemos…” expressa a preocupação do autor em dissipar mal-entendidos, de dar sinais e critérios reconhecíveis (2,3.5.29; 3,2.10.14.16.19.24). As séries não discorrem com rigor, e mais de uma vez sujeitos e predicados se cruzam. Nesse parágrafo, o critério é cumprir os mandamentos (como em Jo 14,21; 15,10).

Quem diz: “Eu conheço a Deus”, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. Naquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é plenamente realizado. O critério para saber se estamos com Jesus é este: quem diz que permanece nele, deve também proceder como ele procedeu (vv. 4-6).

“Conhecer a Deus” segundo a acepção bíblica do termo (cf. sobretudo na “aliança nova” em Jr 31,34; cf. mais adiante 1Jo 2,13), não é somente ter dele uma noção abstrata, mas entrar em relação pessoal e viver em comunhão com ele.

O autor mostra aqui tudo o que tal conhecer a Deus implica. Diante do perigo que ameaça os cristãos de se evadirem para as especulações religiosas (gnosis, cf. 2,18-23), o autor se mostra empenhado em que a fé configure (informe) realmente toda a sua existência.

Este conhecimento ligado ao “amor” (Os 2,21-22; 4,1; 6,6) é a fé em Jesus, que empenha todo o modo de agir (3,23; 5,1), de tal sorte que este se torna o critério para se reconhecer a vida em Cristo (v. 5; 3,10; 4,13; 5,2). O critério de um conhecimento de Deus autêntico é a prática dos seus mandamentos, ou seja, essencialmente, o amor ao próximo. A verdade do conhecimento se mostra na prática da conduta (cf. Jo 14,35).

“Estar em”, “permanecer em” são expressões joaninas (cf. Jo 6,56; 10,38; 14,10.20; 15,4-7; 17,21-23.26; 1Jo 2,24; 3,24; 4,12-16). Com frequência o autor da carta usa a construção grega einai en (“estar em”) na 1ª pessoa plural (“nós”). Tratando-se de pessoas nós dizemos “estar com N.” O autor imagina Deus ou Jesus Cristo como ponto de apoio ou espaço vital.

“Se estamos com Jesus”, lit. “nele”. O autor não escreveu o nome Jesus (só no v. 2); aqui nossa liturgia o acrescentou. “Proceder como ele procedeu”, lit. “assim como aquele andou”.Na carta, tal emprego enfático do demonstrativo sempre se aplica a Jesus Cristo (3,3.5.7.16; 4,17; cf. Jo 19,35). Por amor, Jesus deu sua vida por nós (3,16). Seu exemplo deve levar-nos a viver, também nós, no amor (3,17s; Jo 13,15.34). É o princípio da imitação como norma de vida espiritual.

Caríssimos, não vos comunico um mandamento novo, mas um mandamento antigo, que recebestes desde o início; este mandamento antigo é a palavra que ouvistes. No entanto, o que vos escrevo é um mandamento novo – que é verdadeiro nele e em vós -, pois que as trevas passam e já brilha a luz verdadeira. Aquele que diz estar na luz, mas odeia o seu irmão, ainda está nas trevas. O que ama o seu irmão permanece na luz e não corre perigo de tropeçar. Mas o que odeia o seu irmão está nas trevas, caminha nas trevas, e não sabe aonde vai, porque as trevas ofuscaram os seus olhos (vv. 7-11).

No parágrafo anterior falou de “mandamentos”, identificados com a “palavra” (lógos). Agora fala no singular “mandamento”, identificado também com a “palavra”. É o mandamento “antigo”, porque já estava no Antigo Testamento, em Lv 19,18 (citado por Mt 5,43; Mc 12,31p; Rm 13,9; Gl 5,14). Ainda que tenha sido preparado pela antiga Lei e conhecido pelos cristãos desde a primeira iniciação (“desde o início” v. 7; 3,11), agora é “novo”, pois o que era mero mandamento, em Jesus Cristo se torna realidade (cf. Jo 1,17) e, por ele, por seu exemplo e dinamismo, também “em vós”, os cristãos (Jo 13,34).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2406) comenta: O mandamento do amor não é uma inovação recente como são as revelações dos falsos doutores, mas remonta ao “principio” (3,11; 2Jo 5-6), ao primeiro anúncio do Evangelho. Jo recomenda com insistência esta fidelidade à tradição (1.1; 2.13.14.24). O “mandamento” do amor fraterno é “antigo” em dois sentidos conexos: na revelação remonta a Cristo; e para a fé dos cristãos, remonta ao tempo do seu encontro com o Evangelho. Este “mandamento” é “novo” na história da salvação, porque Cristo, por sua morte, foi para os homens a revelação suprema do amor (3,16; cf. Jo 13,34), que já torna presente entre eles a própria realidade do mundo futuro.

“Que é verdadeiro nele e em vós” O mandamento do amor é novo “nele (em Jesus)”, pois foi revelado nele: e também o é “em vós”, a quem foi revelado na fé.

O mandamento é relacionado com o eixo “luz”/”trevas” do parágrafo anterior (1,5-7). A revelação do amor em Jesus Cristo, irradiando na comunidade cristã, é como uma aurora para o mundo. “Odiar” é permanecer nas trevas; em 3,15, o ódio equivale ao homicídio (cf. Mt 5,21s.43s)

A Bíblia do Peregrino (p. 2925) comenta: Explica-o com três particípios gregos contrapostos: “quem odeia, quem ama, quem odeia” colocados nos reinos opostos da luz e das trevas. Temos em português uma palavra metafórica, “obscurantismo”. Para João, o obscurantismo é o ódio, que cega, desorienta e faz tropeçar (cf. Jo 8,12; Pr 4,19).      

Evangelho: Lc 2,22-40

O evangelho de Lucas começa e termina no Templo de Jerusalém (1,8; 24,53). O templo era o centro religioso, político e econômico do judaísmo. Para Lc, Jerusalém é o centro predestinado da obra da salvação (cf. 9,31.51.53; 13,22-23; 17,11; 18,31; 19,11; 24,47-49.52), é o lugar da “libertação” (v. 38) pascal e o ponto de partida da missão cristã (cf. At 1,8). Dentro da história da infância de Jesus, ouvimos hoje da primeira visita de Jesus no templo, a “casa do meu Pai” (v. 49), como ele vai dizer na sua segunda visita aos 12 anos.

Lc escreve para gregos e romanos que não conhecem a Terra Santa; ele não polemiza contra os judeus, mas descreve com simpatia seus costumes. Simeão e Ana representam a boa acolhida por parte dos judeus piedosos. Em Mt, porém, a família sagrada é perseguida na Judeia e tem que fugir de Herodes (Mt 2). A diferença explica-se pelo fato de que Mt escreve para judeu-cristãos que sofrem ainda hostilidades por parte dos fariseus (cf. Mt 23).

Quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho, conforme a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor. Conforme está escrito na Lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor” (vv. 22-23).

O decreto de César Augusto causou o deslocamento de José e Maria para Belém, agora é a fidelidade dos pais à lei judaica (vv. 22.24.27) que os motiva a ir a Jerusalém para a “apresentação do Senhor”, exatamente 40 dias depois do seu nascimento (a festa no dia 02 de fevereiro). Na verdade, a “apresentação” do “primogênito” no templo não era requerida por lei, mas possível (cf. Nm 18,15) e devia aparecer convenientes às pessoas piedosas (cf. 1Sm 1,24-28). O que a lei prescrevia, era um sacrifício para “resgatar o primogênito” em agradecimento a libertação da escravidão quando Deus tinha matado todos os primogênitos dos egípcios, mas poupado os primogênitos dos hebreus (cf. Ex 13,2.12-15). Os primogênitos dos humanos e dos animais pertenciam a Deus (cf. Gn 22; Ex 22,28-29; 34,19-20; Nm 3,46-47; em Nm 18,15-16 estipula-se o pagamento de 50 gramas de prata ao sacerdote).

O menino Jesus já foi circuncidado no oitavo dia (v. 21; Gn 17,12; 21,4), provavelmente na sinagoga de Belém, e Maria era impedida de ir ao santuário em Jerusalém por mais 33 dias, porque a lei judaica considerava o sangue da menstruação e do parto uma coisa “impura” (Lv 15,25-32; Mc 5,25-34). Em quase todas as sociedades primitivas, a regra da mulher constitui a impureza temida despertando emoções provocadas por toda manifestação da vida sexual como a angustia sentida diante do sangue que corre sem que se tenha querido. Mas na Lei de Moisés obviamente consta uma prescrição machista, porque se estipulou ainda o dobro do tempo de purificação em caso do nascimento de uma menina (cf. Lv 12,1-5). Ao total são 40 dias depois do nascimento do menino, e este período fixou a data da festa da “Apresentação do Senhor” (também chamada Nossa Senhora das Candeias; no Candomblé é Yemanjá), no dia 02 de fevereiro, 40 dias depois do Natal.

Foram também oferecer o sacrifício – um par de rolas ou dois pombinhos – como está ordenado na Lei do Senhor (v. 24).

O sacrifício exigido pela purificação da mulher era um cordeiro, “se ela não tem meio para comprar um cordeiro, pegue um par de rolas os dois pombinhos” (Lv 12,8). O fato de José e Maria não terem condições de oferecer um cordeiro demonstra mais uma vez a situação de pobreza em que Jesus nasceu (cf. v. 7; cf. 2Cor 8,9).

Em Jerusalém, havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor. Movido pelo Espírito, Simeão veio ao Templo (vv. 25-27a).

O episódio de Simeão (vv. 25-35) e Ana (vv. 36-40, evangelho de amanhã) é um encontro do velho (AT) com o novo (NT). Simeão, “justo e piedoso, e esperava a consolação de Israel”, ou seja, a salvação do povo (v. 25; cf. Is 40,1; 51,12; 61,2). “O Espírito Santo estava com ele”, quer dizer que era profeta (v. 25; cf. Nm 11,17.25.29; 2Rs. 2,15; Is 11,12; 42,1; 61,1; Ez 11,5; Lc 1,41; 3,22; 4,1.18; At 2,4 …). Sua esperança apoia-se em muitas profecias antigas e na revelação pessoal de “que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor” (lit.: ver o Cristo Senhor; v. 26; cf. 1Sm 24,7; Sl 84,10; 89,39.52; Lm 4,20). Outra vez, Lc menciona o Espírito que move Simeão na hora exata para encontrar o messias (Cristo).

Quando os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir o que a Lei ordenava, Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel” (vv. 27b-32).

A promessa se cumpre: Simão não só vê a salvação/consolação, mas toma o salvador nos braços (v. 28). Seu oráculo de louvor (vv. 29-32) corresponde ao salmo de Zacarias sobre João (1,67-79), mas em vez de se inspirar nos Salmos, tira seus termos da segunda parte do livro de Isaias (cf. Is 40,5; 42,6; 49,6; 52,10).

Proclamando a salvação concedida em Jesus, Simão se sente como escravo (“servo”) livre para “partir” (cf. Ex 21,26; Dt 15,13), certo de um futuro esplêndido (v. 32) que começa “agora” (v. 29). Por isso Simeão pode morrer tranquilo. Como também o hino de Maria (Magnificat) e o de Zacarias (Benedictus), este louvor de Simeão (em latim Nunc dimittis) entrou na Liturgia das horas, antes de dormir (o sono como imagem da morte).

Em Belém, o anjo já proclamou aos pastores que Jesus é o messias salvador, alegria “para todo o povo” (vv. 10s), mas agora anuncia-se pela primeira vez que é a salvação também dos pagãos (vv. 31-32; cf. 24,47: “a todas as nações, a começar por Jerusalém”; cf. At 1,8). Outra vez proclama-se o conjunto de paz, salvação, luz e glória (cf. vv. 9.11.14).

O pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” (vv. 33-35).

Simão dá a benção (provavelmente sacerdotal; cf. Nm 6,22-25; 1Sm 2,20) ao casal e anuncia outro oráculo somente a Maria, porque José já terá morrido antes da sua realização (cf. Mc 6,3 não o menciona mais). A missão de Jesus de ser luz do mundo pagão será acompanhada de hostilidade e perseguição por parte do seu povo (cf. vv. 34-35; Mt 2,1). O pano de fundo é a profecia de Ml 3,1-4 na qual a entrada do Senhor no santuário é uma grande purificação. A profecia de Simão usa imagens bélicas: o sinal do estandarte (Sl 74,4.9), o tomar partido (cf 12,51, o cair e levantar-se (Is 8,14; Sl 20,9), a espada como emblema (Ex 33,2; Am 9,4).

Jesus será um “sinal” que não se impõe, mas ser acolhido livremente na fé. Uma parte importante de Israel o recusará (cf. At 28,26-28; cf. Is 8,14,16; Lc 20,17-18). Jesus denunciará muitas vezes a incredulidade no pensamento dos seus ouvintes (cf. 5,22; 6,8; 9,47; 24,38). Sua missão revela os segredos (pensamentos) dos corações (cf. Mc 7,6-8; Lc 16,15; At 1,24; 15,8).

“Uma espada te transpassará a alma” (v. 35); como em 1,46 e muitos outros textos a alma representa a pessoa, mas aqui obviamente não o corpo, mas a parte psíquica, emocional. Inspirada em Ez 14,17, esta ameaça deve ser interpretada segundo seu contexto: Israel vai se dividir diante de Jesus, e Maria como verdadeira Filha de Sião será dilacerada por esse drama. Pode-se ver aqui também o primeiro anúncio da paixão (cf. Jo 19,25; Zc 12,10).

O site da CNBB comenta:  Quem espera no Senhor jamais será decepcionado, pois ele sempre cumpre as suas promessas. Deus prometeu durante todo o Antigo Testamento a vinda do Messias e muitos em Israel acreditaram nessa promessa, vivendo na esperança da sua chegada. O canto de Simeão nos mostra esta esperança e a alegria da realização da promessa, assim como os elementos principais da missão messiânica de Jesus, que será um sinal de contradição para o povo, pois será libertação para o pobre e condenação para aqueles que não acreditam nele e na sua palavra, de modo que não se convertem.

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