30 de maio de 2016 – 9ª semana 2ª feira

Leitura: 2Pd 1,2-7

Hoje ouvimos o início da carta considerada a mais nova de todo Novo Testamento (NT). O autor se apresenta como “Simeão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo” (v. 1, omitido pela nossa liturgia), próximo da morte (cf. 1,14), mas responde a desafios típicos do início do século II: a novidade do Evangelho deu lugar a uma rotina, e a longa espera pela volta do Senhor (parusia) desanimou as comunidades.  O autor conhece 1Pd (3,1), as cartas de Paulo (3,15s) e retoma quase por inteiro a carta de Jd (cf. leitura de sábado passado).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1493) comenta: De início, o autor apresenta o que para ele é mais importante e que justifica sua carta: o conhecimento de Deus e de Jesus Cristo, conhecimento que se traduz numa vida coerente. O autor pensa nos cristãos que se apresentam como mestres e, por conta da vida que levam, acabam por negar o que eventualmente proclamam.

(Caríssimos:) Graça e paz vos sejam concedidas abundantemente, porque conheceis Deus e Jesus, nosso Senhor (v. 2).

“Porque conheceis Deus” (lit. pelo conhecimento de Deus). A carta insistirá no “conhecimento” ou penetração, aqui de Deus (Pai) e de Jesus Senhor (Jo 17,3). Em toda a carta, Cristo é o objetivo do conhecimento dos fiéis (1,3.8; 2,20; 3,18; Jo 17,3; Fl 3,10). Em Is 11,2, o conhecimento é um dom do Espírito Santo (cf. Os 2,22; 4,2; 6,6; Jó 21,14; Pr 2,5; Is 58,2). Esse conhecimento inclui o discernimento moral e a prática das virtudes (vv. 5.6.8).

O seu divino poder nos deu tudo o que contribui para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que, pela sua própria glória e virtude, nos chamou. Por meio de tudo isso nos foram dadas as preciosas promessas, as maiores que há, a fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de libertos da corrupção, da concupiscência no mundo (vv. 3-4).

“Aquele que chamou” parece ser aqui Jesus Cristo (cf. Mc 2,17p), embora outras vezes costume ser Deus Pai (1Pd 1,15; 2,9). Chamou com sua “gloria” e seu mérito ou “virtude” milagrosa. Estas duas palavras – “glória” e “virtude” (ou: força atuante) – designam no AT o poder pelo qual Deus se revela e se manifesta. Aqui são aplicadas a Cristo. Em v. 5 o mesmo termo “virtude” (ou: força atuante) se aplica ao ser humano.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: A “glória” consiste nos “sinais” que Jesus deu de sua divindade (cf. Jo 1,14 e Mc 16,17; Hb 2,4), sobretudo na transfiguração (2Pd 1,16-18). A “virtude” é o poder natural ou miraculoso. Estes dois atributos divinos a serviço dos que foram chamados proporcionam tudo o que é necessário para uma vida inspirada pela piedade (1Tm 4,7). A “gloria” e a “virtude” de Cristo, pelas quais são entrelaçados o convite já atendido e o futuro que ele prometeu (cf. 1Tm 4,8).

“Nos foram dadas as preciosas promessas, as maiores que há”; essas “promessas” dizem respeito ao “Dia do Senhor” que está demorando para chegar aos olhos da comunidade desanimada (cf. 3,4.9-10.12-13).

“Participantes (lit. em comunhão) da natureza divina”. Esta fórmula única foi adotada no ofertório da missa romana em latim; e português sem a palavra “natureza” (divina/humana): “Pelo mistério desta água e deste vinho possamos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: Expressão de origem grega, única na Bíblia e que causa surpresa pelo seu tom impessoal. O apóstolo a empregou aqui para exprimir a plenitude da vida nova em Cristo, isto é, a comunicação que Deus faz de uma vida que só a ele pertence. Sobre a ideia geral aqui apresentada, ver, por exemplo, Jo 1,12; 14,20; 15,4-5; Rm 6,5; 1Cor 1,9; 1Jo 1,3. Está aqui um dos pontos de apoio da doutrina da “deificação” dos Padres gregos.

A participação/comunhão na vida/natureza divina corresponde a filiação, ou seja, o novo nascimento como filhos de Deus (Jo 1,13; 3,5; 1Pd 1,3). Por ela o homem consegue superar a “corrupção” ou mortalidade, que pela “concupiscência” domina o mundo (Sb 2,23). A Tradução latina (Vulgata) tem: “fugindo da corrupção da concupiscência que existe no mundo”.

Seu “conhecimento” pessoal é o meio para receber os dons “para a vida e para a piedade”. A “vida” é a nova que ele concede (Jo 17,2). A “piedade” é a correspondente cristã àquela que os gregos preconizam.

Por isso mesmo, dedicai todo o esforço em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraterno e ao amor fraterno, a caridade (vv. 5-7).

Os fieis cristãos devem corresponder ao dom divino com sua colaboração intensa e graduada. Estas listas de virtudes (ou vícios) são frequentes na literatura cristãs primitivas, assim como na literatura helenista (cf. 2Cor 6,4s; Gl 5,22s). A lista começa com a “fé” inicia e conclui com a “caridade” (amor fraterno após a amizade fraterna), ocupando o conhecimento o terceiro lugar. Não é fácil especificar o valor de cada termo nem suas relações exatas, por ex. perseverança ou tenacidade, manter-se firme, principalmente nas dificuldades.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1493) resume: Deus nos faz participantes da sua própria natureza divina ao nos proporcionar o conhecimento de Jesus Cristo. Isso de um lado implica o abandono da corrupção e das atitudes egoístas, e de outro contínuo incentivo às virtudes; são condições indispensáveis para a vida e a piedade.

 

Evangelho: Mc 12,1-12

Uma pergunta do evangelho de sábado passado (cf. 11,27-33) ficou ainda em aberto: de onde vem a autoridade de Jesus ou a dos seus adversários?

Jesus começou a falar aos sumos sacerdotes, mestres da Lei e anciãos, usando parábolas: (v. 1).

Jesus responde aos mesmos representantes do sinédrio (“sumos sacerdotes, mestres da Lei e anciãos” (lit. “lhes”; o texto litúrgico os repete, cf. 11,27) “usando parábolas” (v. 1: cf. 4,11), mas esta parábola de julgamento podemos chamar melhor de “alegoria”, porque cada pormenor tem o seu significado.

“Um homem plantou uma vinha, cercou-a, fez um lagar e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou a vinha a alguns agricultores, e viajou para longe. Na época da colheita, ele mandou um empregado aos agricultores para receber a sua parte dos frutos da vinha. Mas os agricultores pegaram no empregado, bateram nele, e o mandaram de volta sem nada. Então o dono da vinha mandou de novo mais um empregado. Os agricultores bateram na cabeça dele e o insultaram. Então o dono mandou ainda mais outro, e eles o mataram. Trataram da mesma maneira muitos outros, batendo em uns e matando outros. Restava-lhe ainda alguém: seu filho querido. Por último, ele mandou o filho até aos agricultores, pensando: ‘Eles respeitarão meu filho’. Mas aqueles agricultores disseram uns aos outros: ‘Esse é o herdeiro. Vamos matá-lo, e a herança será nossa’. Então agarraram o filho, o mataram, e o jogaram fora da vinha (vv. 2-8).

No Antigo Testamento (AT), a “vinha” é o símbolo de Israel, do povo de Deus (cf. Is 5,1-7; Sl 80). Também o “proprietário” é símbolo, significa o próprio Deus. Na interpretação posterior, ampliou-se o sentido alegórico, ex. a torre seria o símbolo do templo e a cerca (cf. Nm 22,24; Pr 24,31) o símbolo da Lei.

De Is 5,1-7, Jesus toma o começo (o cuidado com que o dono tratou da vinha) e o final (“a vinha é a casa de Israel… em vez de frutos de justiça, assassinato”, Is 5,7). Ele, porém, dirige esta parábola não ao povo, mas aos dirigentes, “aos sumos sacerdotes, mestres da lei e anciãos” (cf. 11,27) que representam os três grupos do supremo tribunal dos judeus (sinédrio) que condenará Jesus à morte. Eles são os “agricultores” a quem Deus confiou o seu povo.

Em vez de entregar a parte do dono, os frutos (da justiça), os agricultores maltrataram os “empregados” que Deus enviou três vezes (vv. 2-5), são os profetas. Já no AT os profetas chamam-se servos (cf. Jr 7,25; 25,4; Am 3,7; Zc 1,6: Is 53) e foram maltratados, ex. Elias foi perseguido (1Rs 19), Amos expulso (Am 7), Jeremias julgado e atirado a cisterna para morrer conduzido ao Egito a força (Jr 26; 38), Zacarias lapidado ao átrio do templo (23,35; 2 Cor 24,20-21). Sobre o envio do “filho” recorda-se a história de José, enviado por seu pai Jacó e quase morto por seus irmãos (Gn 37). Depois de muitos profetas que pregavam a justiça, Deus envia o próprio Filho com o Reino.

O filho tem mais poderes do que os empregados, é o “herdeiro” (v. 7), o messias a quem Deus entrega o seu povo. O povo é a herança do Senhor (cf. 1Rs 8,51; Jr 12,8; Sl 2,8; Hb 1,1-2). Mas seus rivais pretendem matá-lo e tomar posse da sua herança. “Então, agarraram o filho, o mataram e o jogaram fora da vinha” (v. 8). Em Mt e Lc, o mataram já fora da vinha em alusão à crucificação que acontece fora dos muros da cidade (cf. Hb 13,12). Esta alegoria é um anúncio da paixão, no qual Jesus se apresenta claramente como “filho querido” (v. 6; 1,10; 9,7), não como servo-empregado (cf. Rm 8,15-17; Gl 4,7.21-30; Hb 1,1-8), porque ele é mais do que os profetas, é o messias (cf. 8,27-29).

Que fará o dono da vinha? Ele virá, destruirá os agricultores, e entregará a vinha a outros. Por acaso, não lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante; isso foi feito pelo Senhor e é admirável aos nossos olhos’?” (vv. 9-11).

“Que fará o dono da vinha?” À pergunta retórica (em Mt 21,41, os adversários respondem pronunciando sua própria sentença), Jesus mesmo responde: “Ele virá, destruirá os agricultores, e entregará a vinha a outros” (v. 9). Matando o filho, os dirigentes de Israel não conseguem seu objetivo, porque o proprietário não morreu. Deus não deixa de ser o Senhor da história. Mc pode pensar na destruição de Jerusalém e do templo pelos romanos que aconteceu em 70 d.C. (o evangelista escreve na época desta guerra judaica, cf. Mc 13). A história continua com “outros” vinhateiros, ou seja, com a igreja, outras lideranças para um povo de Deus aberto aos pagãos e que se fundamenta na morte e ressurreição do seu Filho.

O filho volta a viver para receber a herança, como menciona a citação de Sl 118,22-23 (cf. At 4,11; 1Pd 2,4-8): “A pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante…” (v. 10). Os rabinos aplicavam esta frase a Abraão ou Davi, mas não ao messias (porque não imaginaram a condenação e morte do messias na cruz, cf. 1Cor 22-24). A pedra relacionada ao filho do homem e o reino de Deus encontra-se em Dn 2,34; 7,14.

Então os chefes dos judeus procuraram prender Jesus, pois compreenderam que havia contado a parábola para eles. Porém, ficaram com medo da multidão e, por isso, deixaram Jesus e foram-se embora (v. 12).

Os “chefes dos judeus” entenderam a acusação grave que Jesus fez com esta “parábola para eles”. Procuravam matá-lo (8,31; 11,18; cf. 3,6), “porém, ficaram com medo da multidão” (v. 12; 32; cf. 11,32; 14,2; Lc 20,19). Para eles a pedra angular tornou-se uma “pedra de tropeço, uma rocha que faz cair. Eles tropeçaram porque não creem na Palavra” (1Pd 2,8)

Jesus é a pedra fundamental, angular e principal na obra de Deus, mas ainda hoje está sendo rejeitado (cf. o canto: “Entre nós está, mas não o reconhecemos”), porque está vivo e anda mais entre os pobres do que entre os privilegiados. É preciso escolher entre querer tudo para si, apossar-se da maior quantidade de coisas possível para satisfazer os desejos pessoais, ou outra atitude: cuidar das pessoas mais necessitadas, dar tudo pelo bem dos outros, difundir o amor e o bem.

O site da CNBB comenta: O que aconteceu com os vinhateiros apresentadas na parábola do evangelho de hoje pode acontecer a todos nós principalmente quando nos deixamos levar pelo desejo de ter poder e de ter riquezas, que nos leva à tentação de nos apossarmos de tudo, inclusive das coisas de Deus e até mesmo do próprio Deus e a queremos usar de tudo isso em nosso próprio benefício. Quando fazemos isso, estamos na verdade rejeitando a presença do próprio Cristo em nossas vidas, que se dá também por meio dos pobres e necessitados que procuram a misericórdia do nosso coração e não o nosso autoritarismo e a nossa prepotência em relação a eles.

 

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