30 de Novembro de 2020, Segunda-feira – Festa de Santo André, Apóstolo: Jesus disse a eles: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens.” Eles, imediatamente deixaram as redes e o seguiram (vv. 18-20).

Festa de Santo André, Apóstolo 

Santo André é conhecido na tradição ortodoxa como Protocletos (o “primeiro [que foi] chamado”, cf. Jo 1,35-40), é um doze apóstolos, irmão de São Pedro. O nome “André” é grego (lit. Andreas) e significa “hombridade” ou “coragem”. Nomes gregos (entre os apóstolos também: Filipe, Dídimo) eram comuns entre os judeus da época. Não se tem registro de qualquer nome hebraico ou aramaico de André. A 1ª leitura fala: “Não importa a diferença entre judeu e grego; todos têm o mesmo Senhor.”

O Novo Testamento (NT) registra que André era irmão de Simão Pedro, do que se pode concluir que ele também era filho de Jonas, ou João (Mt 16,17; Jo 1,42), e nasceu em Betsaida, às margens do Mar da Galileia (Jo 1,44). Os dois irmãos eram pescadores, por profissão, e André teria ocupado a mesma casa de Pedro, onde Jesus curou a sogra de Pedro, em Cafarnaum (Mc 1,21-29).

O Evangelho segundo João conta que André era um discípulo de João Batista, cujo testemunho levou o próprio André e outro discípulo anônimo (João Evangelista?) a seguirem Jesus (Jo 1,35-40). André imediatamente reconheceu Jesus como Messias e apressou-se a apresentá-lo a seu irmão (Jo 1,41). A partir daí os dois irmãos se tornaram discípulos fiéis de Jesus.

Os evangelhos sinóticos (Mc, Mt e Lc) relatam que depois da prisão de João Batista, Jesus encontrou os dois irmãos na beira do lago em Cafarnaum. Jesus os chamou para serem “pescadores de homens”. Eles abandonaram os seus pertences para seguir Jesus (Mc 1,17s; Mt 4,19s; Lc 5,11). André é mencionado nos evangelhos como estando presente em diversas ocasiões de importância, como um dos discípulos mais próximos de Jesus (Mc 13,3; Jo 6,8; Jo 12,22); os Atos dos Apóstolos apenas o mencionam uma única vez (At 1,13).

De acordo com Hipólito de Roma, ele pregou na Trácia (atual Romênia) e sua presença em Bizâncio (futura Constantinopla) também é mencionada no livro apócrifo “Atos de André”, escrito no século II. De acordo com a tradição, teria fundado a sede de Bizâncio em 38 d.C. Esta diocese iria posteriormente se transformar no Patriarcado de Constantinopla (sede do imperador Constantino que se mudou de Roma para lá), do qual André é reconhecido como santo padroeiro. Eusébio de Cesareia, citando Orígenes, conta que André pregou na Ásia Menor e na Cítia, ao longo do mar Negro, chegando até o rio Volga e Kiev – daí que se tenha tornado padroeiro da Romênia e da Rússia.

André teria sofrido o martírio através da crucifixão, em Patras na Grécia. Embora os textos mais antigos, como os Atos de André, mencionados por Gregório de Tours, descrevem que ele teria sido atado, e não pregado a uma cruz latina, desenvolveu-se uma tradição de que André teria sido crucificado numa cruz em forma de “X”, comumente conhecida como “cruz de Santo André”, e que isto teria sido feito a pedido dele próprio, que se julgava indigno de ser crucificado no mesmo tipo de cruz que havia sido usada para crucificar Cristo.

Seus ossos, inicialmente em Patras, cidade da qual Santo André é o patrono, teriam sido levados para Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, até seu lugar de repouso final, na Igreja dos Apóstolos. Durante a Quarta Cruzada (1203/1204) foram roubadas pelos venezianos cruzados. A cabeça do santo, considerada um dos tesouros da Basílica de São Pedro, seria um presente do imperador bizantino Tomás Paleólogo ao papa Pio II, em 1461. Recentemente, por decisão do papa Paulo VI, em 1964, as relíquias que ainda eram mantidas no Vaticano, que consistiam de um dedo, parte do topo do crânio e pequenos pedaços da cruz, foram enviadas de volta a Patras – onde são mantidas na Igreja de Santo André, num santuário especial, e reverenciados anualmente no dia 30 de novembro – ato que foi visto como um gesto de reaproximação entre as Igrejas Católica Romana e Ortodoxa. Uma tradição escocesa afirma que as relíquias teriam sido levadas para o país, mais especificamente a cidade que leva o seu nome, Saint Andrews; a bandeira da Escócia apresentava a sua cruz, que, após a união da Escócia com a Inglaterra, também passou a fazer parte da bandeira do Reino Unido.

Leitura: Rm 10,9-18

A leitura de hoje é tirada de uma reflexão do apóstolo Paulo sobre o destino dos judeus que não aceitavam a pregação cristã, pelos quais sente “uma tristeza muita grande… por meus irmãos, os da minha linhagem” (9,2). O tom pessoal no começo do capítulo precedente dá lugar aqui a um tom de polemica ou debate. O apóstolo argumenta com citações bíblicas, interpretadas e aplicadas no estilo rabínico: “A palavra está ao teu alcance, na boca e no coração” (v. 8); esta citação pertence ao discurso final de Moisés (Dt 30,12-14), no qual inculca a observância de lei, já acessível pela revelação divina. No lugar da lei, porém, Paulo coloca o Messias e substitui a observância da lei pela fé em Jesus Cristo (=messias).

A Bíblia do Peregrino (p. 2725) comenta: O zelo religioso dos judeus por Deus e pela observância era louvável só que desmedido e extraviado. O que era prometido ao cumprimento falhou por descumprimento. A observância tinha algo de esforço sobre-humano para trazer o Messias; mas não era esse o caminho. O Messias veio, sua mensagem foi pregada e está ao alcance do ouvido; a resposta é simplesmente a fé, acessível ao coração e a boca. Tal é o desígnio de Deus, válido para judeus e pagãos, que deve ser levado em conta pelos cristãos. Porque a conversão não é uma obra que por justiça mereça a salvação.

Se, com tua boca, confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. É crendo no coração que se alcança a justiça e é confessando a fé com a boca que se consegue a salvação (vv. 9-10).

A fé é ato pelo qual o ser humano se confia a Deus, único autor da salvação em Jesus Cristo como Senhor morto e ressuscitado (4,24; 1Cor 12,3; 15,1-11; Fl 2,8-11). A fé é resposta positiva a esta Boa Nova anunciada pelos pregadores (vv. 14s; cf. At 2,32; 17,31).

A Bíblia do Peregrino (p. 2725) comenta: O paralelismo é cumulativo: o acordo do coração e da boca (o contrario de Is 29,13) pode condensar uma profissão de fé: que Jesus é o Messias, que Deus o ressuscitou. Se não brota da fé interior, o que os lábios pronunciam não é profissão de fé.

À adesão interior do “coração” corresponde a profissão de fé exterior, tal qual se realiza no batismo (cf. At 2,36-41; 16,14s.31-33; 1Cor 12,3).

Pois a Escritura diz: “Todo aquele que nele crer não ficará confundido” (v. 11).

Paulo cita Is 28,16 que se refere a uma pedra de fundação que traz essa inscrição: “Quem nela se apóia não vacila”. Em hebraico, o verbo crer é derivação metafórica de apoiar-se (ex. na rocha que simboliza Deus, no salmo 62).

Portanto, não importa a diferença entre judeu e grego; todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que o invocam. De fato, todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo (vv. 12-13).

Entre judeus e pagãos (gregos) não há maior diferença na salvação do que na condenação (3,22). Deus é “generoso” ou enriquecedor para com todos que o invocam independente da sua procedência.

“Todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo” (Jl 3,5 hebraico = 3,5 grego; cf. Sl 86,5; At 2,21). O texto de Jl 3,5 se refere a um resto de Israel em Jerusalém, mas Paulo amplia seu alcance a todos sem distinção, a judeus e gregos (pagãos) sem diferença (cf. 3,22). Para Paulo, o nome de “Senhor” não se aplica mais a Javé, mas a Jesus (cf. Fl 2,11; At 2,21; 3,15s; 4,12). No dia do julgamento, seremos salvos ou condenados conforme tenhamos invocado este nome e reconhecido Jesus como Senhor.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2190) comenta: Esta aplicação a Jesus o título de “Senhor”, que o AT reservava a Deus, indica que, no pensamento dos primeiros cristãos, a obra de Cristo é mesmo obra de Deus. “Essa unidade de vocabulário mostrava bem a continuidade da aliança” (Leenhardt)

Mas, como invocá-lo, sem antes crer nele? (v. 14a).

A argumentação, que se vale da Escritura, é clara: se Israel, no seu conjunto, de fato não invoca o nome do Senhor, é porque se mostrou rebelde à luz que lhe foi proposta, não crê.

E como crer, sem antes ter ouvido falar dele? E como ouvir, sem alguém que pregue? E como pregar, sem ser enviado para isso? Assim é que está escrito: “Quão belos são os pés dos que anunciam o bem” (vv. 14-15).

Com uma serie de perguntas retóricas, Paulo conduz um diálogo de objeções e réplicas, apoiando em textos do AT. Lidas em sentido contrário, oferece um roteiro de evangelização: ser enviado (cf. 1,5; At 13,2), pregar, escutar, crer.

“Sem antes ter ouvido falar”; para Paulo, quem fala na pregação apostólica é o próprio Cristo. Além dos pagãos, há judeus na diáspora (dispersão em outros países) que nunca ouviram de Jesus de Nazaré. Eles dependem de uma pregação autorizada, respaldada por um envio (missão) oficial. Paulo adapta o texto de Is 52,7, uma mensagem de liberdade dirigida aos judeus no exílio da Babilônia. O exílio pode servir de modelo para diáspora, e o profeta deste desterro (Deutero-Isaías) tinha o título de “evangelista” ou arauto: “Que anuncia o bem”, o mensageiro da boa nova. Este texto, sem dúvida, contribuiu para adoção da palavra “Evangelho” (cf. 1,1) pelos cristãos.

Mas nem todos obedeceram à Boa-nova. Pois Isaías diz: “Senhor, quem acreditou em nossa pregação?” Logo, a fé vem da pregação e a pregação se faz pela palavra de Cristo (vv. 16-17).

Infelizmente, nem todos aceitam o que ouvem (como diz o mesmo profeta Is 53,1); é o destino de vários profetas (cf. Is 30,9; Ez 2,5,7; 3,7).

Então, eu pergunto: Será que eles não ouviram? Certamente que ouviram, pois “a voz deles se espalhou por toda a terra, e as suas palavras chegaram aos confins do mundo” (v. 18).

Não se pode alegar que não ouviram, porque a pregação se estendeu a todo o mundo: (adaptando as vozes cósmicas de Sl 19,4). Tampouco se pode alegar que não entenderam, porque Deus se pôs a seu alcance (Is 65,1), os incitou (Dt 32,21), mas eles resistiram (Is 65,2).

Evangelho: Mt 4,18-22

Ao ser batizado, Jesus foi apresentado como “Filho” de Deus e equipado com o Espírito Santo, pronto para assumir sua missão de Messias, o rei ungido e prometido ao povo judeu (Mt 3,16s; cf. Sl 2,7; Is 42,1; 1Sm 16,13; 2Sm 7). Depois de vencer as tentações no deserto (Mt 4,1-11), logo anuncia: “O reino de Deus está próximo” (4,17). Mas um rei não faz as coisas sozinho, ele tem seus ministros. Também um profeta e um rabino têm seus discípulos. Então Jesus chama os primeiros discípulos.

O chamado é soberano; o seguimento, imediato e incondicional (diferente em Lc 5, onde precede o milagre da pesca, e em Jo 1, onde os discípulos são encaminhados a Jesus por outras pessoa), compare-se com o chamado de Eliseu por Elias (1Rs 19,19-22). Nosso texto é modelo de toda vocação cristã e apostólica.

Quando Jesus andava à beira do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse a eles: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens.” Eles, imediatamente deixaram as redes e o seguiram (vv. 18-20).

Havia muitos pescadores; era uma profissão para os que não possuíam terras na Galileia, onde havia muito latifúndio. Jesus chama dois irmãos, Simão (Mt já antecipa seu apelido “Pedro” que receberá oficialmente depois em 16,18; cf. Mc 1,16; 3,16; Jo 1,42; 1Cor 15,5) e André para outro tipo de pesca, a “de homens” (cf. Lc 5,1-11; Jo 21). Desde o começo, Pedro encabeça a série dos discípulos.

A profissão humana é assumida e transcendida: o pescador vive em contato com um elemento potencialmente hostil e não tem garantido o êxito de sua tarefa. No AT, a imagem da pesca ou de caça evoca antes o castigo (Hab 1,14-17; Jr 16,16; Ez 12,13). Aqui se aplica à futura missão dos doze apóstolos: pregando o evangelho congregarão as pessoas em vista do julgamento e da entrada no reino de Deus (cf. Mt 13,14-50). O ofício desses pescadores (cf. Ez 47,10), realidade cotidiana e empírica, serve para fazer compreender o novo ofício transcendente: é um caso de subida constante do empírico ao transcendente por via simbólica. É a estrutura das parábolas, das comparações, das ações simbólicas.

Seguir (lit.: “ir atrás”): expressão frequente no Dt para significar a fidelidade ao Senhor. Daí nasce a espiritualidade cristã do “seguimento” de uma pessoa a Jesus (cf. 16,23s). A palavra de Jesus tem poder e autoridade, é diferente dos escribas e maior do que a dos profetas (cf. Mt 5; Mc 1,22.27; 8,27-29; 1Rs 19-21); também é mais exigente, porque seguir Jesus será nada menos do que “tomar sobre si a sua cruz” (16,24).

A palavra do rei-messias deve ser seguida “imediatamente”. Eles “deixaram as redes”, abandonando a profissão para viver com o mestre, não só como ouvintes, mas como colaboradores na missão. Assim servem de modelo para todos os cristãos. O fato de Jesus chamar dois irmãos (e mais dois outros em seguida, Tiago e João) pode sinalizar a futura fraternidade na Igreja: somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai do céu.

 Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou. Eles, imediatamente deixaram a barca e o pai, e o seguiram (vv. 21-22).

Novamente Jesus chama dois irmãos, Tiago e João, filhos de Zebedeu (apelidados “filhos do trovão” em Mc 3,17). Também eles deixam imediatamente as redes, e mais: deixam também “a barca e o pai” e seguem Jesus (cf. 2,14; 9,34-35; 10,28-30; Lc 9,57-62). Junto com Pedro, se tornarão os discípulos mais íntimos de Jesus (cf. Mc 5,37p; 9,2p; 10,35-41p; 14, 33; e 13,3 com André).

Pedro e André não deixaram a barca, porque Jesus vai precisá-la para suas pregações e travessias (cf. Mc 4,1.35s; Lc 5,1; Mt 13,2; Jo 21,1-3,etc.). O barco de Pedro tornar-se-á símbolo da própria Igreja. Tiago e João deixam o pai e deixam o barco com ele (o barco era dele?). A mãe deles (“Salomé”, cf. Mc 16,1) vai acompanhar Jesus também até o Calvário (Mt 20,20; 27,56).

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