30 de Outubro de 2019, Quarta-feira: “Jesus respondeu: ”Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

30ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Rm 8,26-30

Continuamos no capítulo central da carta aos Romanos sobre a vida no/pelo Espírito; ouvimos hoje sobre a intercessão do Espírito em nosso íntimo e a glorificação dos eleitos. O projeto eterno de Deus é predestinar, chamar, tornar justo e glorificar a cada um e a todos os seres humanos, fazendo com que todos se tornem imagem do seu Filho e se reúnam como a grande família de Deus. O projeto não exclui ninguém. Mas o homem é livre: pode aceitar ou recusar tal projeto, pode escolher a vida ou a morte, salvar-se ou condenar-se.

Também, o Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis. E aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito. Pois é sempre segundo Deus que o Espírito intercede em favor dos santos (vv. 26-27).

“Também”, lit. desse modo; a semelhança recai sobre os “gemidos” da criação (v. 22), do cristão (v. 23) e agora do Espírito (v. 26; cf. 8,15; Gl 4,6; 1Cor 2,10-13).

A Bíblia do Peregrino (p. 2721) apresenta duas possibilidades: Segundo uma interpretação, nós não conseguimos (como crianças) articular devidamente nossos desejos e necessidades, e o Espírito se encarrega de formulá-los; como o Espírito é dinamismo de ação, também é dinamismo de oração. Segundo outra interpretação, o Espírito acrescenta sua intercessão “inefável” a nossas súplicas. Em ambas as interpretações, o Espírito age como mediador eficaz.

Na primeira interpretação o Espírito parece mais interior ao homem, na segunda aparece fora, “intercede”. Poderíamos distinguir entre intérprete e intercessor. Aquele que “penetra (sonda) o íntimo” é Deus (Jr 11,10; Pr 15,11).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2133) comenta sobra a oração nas cartas de Paulo:

A exemplo de Jesus (Mt 6,5; 14,3) e conforme o costume dos primeiros cristãos (At 2,42), Paulo recomenda frequentemente orar sem cessar (Rm 12,12; Ef 6,18; Fl 4,6; Cl 4,2; 1Ts 5,17; 1Tm 2,8; 5,5; cf. 1Cor 7,5). Ele mesmo reza sem descanso pelos seus fiéis (Ef 1,16; Fl 1,4; Cl 1,3.9; 1Ts1,2; 3,10; 2Ts 1,11; Fm 4), como por sua vez lhes pede que rezem por ele (Rm 15,30; 2Cor 1,11; Ef 6,19; Fl 1,19; Cl 4,3; 1Ts 5,25; 2Ts 3,1; Fm 22; Hb 13,18) e uns pelos outros (2Cor 9,14; Ef 6,18); a respeito da oração pelos irmãos pecadores e doentes, cf. 1Jo 5,16; Tg 5,13-16. Além das graças de progresso espiritual, estas orações pedem o afastamento dos obstáculos exteriores (1Ts 2,18 e 3,10; Rm 1,10) e interiores (2Cor 12,8-9), assim como o bem social (1Tm 2,1-2). Paulo insiste muito na oração de ação de graças (2Cor 1,11; Ef 5,4; Fl 4,6; Cl 2,7; 4,2; 1Ts 5,18; 1Tm 2,1), que deve acompanhar toda ação (Ef 5,20; Cl 3,17), em particular as refeições (Rm 14,6; 1Cor 10,31; 1Tm 4,3-5); ele mesmo inicia por ela todas as suas cartas (Rm 1,8; etc.) e quer que ela penetre nas relações dos cristãos entre si (1Cor 14,17; 2Cor 1,11; 4,15; 9,11-12). A oração eucarística e de louvor é a alma das assembleias litúrgicas (1Cor 11-14), onde os irmãos se edificam mutuamente por cânticos inspirados (Ef 5,19; Cl 3,16). Porque a oração cristã tem sua fonte no Espírito Santo: em vez de ater-se aos temas sapienciais tradicionais sobre as condições e a eficácia da oração (Tg 1,5-8; 4,2-3; 5,16-18; 1Jo 3,22; 5,14-16), Paulo lhe garante a eficácia da oração pela presença do Espírito de Cristo no cristão, que o faz orar como filho (Rm 8,15.26-27; Gl 4,6; cf. Ef 6,18; Jd 20), enquanto que o próprio Cristo, à direita de Deus, intercede por nós (Rm 8,34; cf. Hb 7,25; 1Jo 2,1). Também o Pai atende com superabundância (Ef 3,20). Os cristãos são aqueles que invocam o nome de Jesus Cristo (1Cor 1,2; cf. Rm 10,9-13; 2Tm 2,22; Tg 2,7; At 2,21; 9,14.21; 22,16). Com relação à atitude exterior na oração, cf. 1Cor 11, 4-16; 1Tm 2,8.

Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus (v. 28).

“Tudo contribui (concorre) para o bem”. Alguns manuscritos põem Deus como sujeito: o sentido não muda. Um exemplo é a história de José no Egito, na qual Deus converte o mal em bem (cf. Gn 50,20).

Pois aqueles que Deus contemplou com seu amor desde sempre, a esses ele predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos (v. 29).

A imagem de Deus (Gn 1,27), deformada pelo pecado, se refaz como imagem ou semelhança do irmão mais velho. O unigênito do Pai e o primogênito de Maria (Lc 2,7) será o “primogênito” da humanidade. A filiação é correlativa da fraternidade.

Cristo é a “imagem de Deus invisível” (Cl 1,15, cf. Hb 1,3). O Pai (Deus) reproduz a imagem do Filho naqueles que participam da sua filiação (vv. 16-17), “a esses predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho”, resultado de uma transformação interior e progressiva (2Cor 3,18) que só será plena e total na parusia (segunda vinda de Cristo).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2133s) comenta: Por uma nova criação (2Cor 5,17), veio restituir à humanidade decaída o esplendor desta imagem divina, que o pecado havia embaciado (Gn 1,26; 3,22-24; Rm 5,12). Ele, imprimindo-lhe a imagem mais bela de filho de Deus (aqui), que restabelece o “homem novo” na retidão do discernimento moral (Cl 3,10), restitui-lhe o direito à glória que o pecado havia feito perder (Rm 3,23). Essa glória que Cristo possui como própria, sendo imagem de Deus (2Cor 4,4), penetra sempre mais no cristão (2Cor 3,18), até o dia em que o seu próprio corpo será dela revestido, à imagem do homem “celeste” (1Cor 15,49).

E aqueles que Deus predestinou, também os chamou. E aos que chamou, também os tornou justos; e aos que tornou justos, também os glorificou (v. 30).

É um processo de cinco fases: “contemplou” (v. 29), “predestinou”, “chamou”, “tornou justos” (lit. justificou) “glorificou”. Paulo não pensa numa sucessão cronológica exata entre etapas, algumas das quais podem coincidir, mas quer manifestar um movimento que tende para um termo: o final é “glorificar”, ou seja, comunicar ao homem sua glória, vinculada agora à sua imagem (que é o ser humano) e que não pode ser comunicada à falsa imagem, que é o ídolo (cf. Is 42,8; 48,11). Cristo já possui esta glória que nos será ainda comunicada por ele. A certeza deste termo, cujas primeiros frutos já temos pelo Espírito (v. 23) justifica o emprego do passado (“os glorificou”; cf. 2Ts 2,13s; Ef 1,11-13).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2134) comenta: Deus tudo ordenou para a glória que ele destina a seus eleitos, glória para a qual são chamados à fé e justificados pelo batismo e da qual já estão como que revestidos por antecipação.

O capítulo vai encerrar com um canto triunfal (vv. 28-39, cf. leitura de amanhã) ao amor que Deus e Cristo nos têm. Por ele podemos vencer em qualquer processo e derrotar os mais fortes inimigos coligados. Embora o parágrafo todo comece com o amor do homem a Deus (v. 28: “daqueles que amam a Deus”), a iniciativa não é do homem, pois foi Deus que começou “destinando” e “chamando” (cf. Dt 7,7-8; Jr 31,2).

 

Evangelho: Lc 13,22-30

Jesus continua seu caminho para Jerusalém, decidido e consciente da sua morte e ressurreição lá (cf. 9,22.44.51). Neste caminho, Lc insere material da fonte Q (coleção perdida de palavras de Jesus) que Mt também usa (cf. Mt 7,13-14; 21-23; 25,1-13).

“Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém. Alguém lhe perguntou: ”Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam? ” (vv. 22-23).

A pequenez no início do reino de Deus (cf. vv. 18-21, parábolas da semente de mostarda e do fermento) suscita a pergunta sobre o número dos que se salvam. Soa na pergunta a concepção clássica do “resto”, que se salva e assegura a continuidade do povo (Is 4,3; 11,11; Mq 4,7; 5,6s; Jr 31,7 etc.; cf. Rm 9,27 citando Is 10,22s). Aqui se trataria do resto que passará à nova e definitiva era, que entrará no Reino de Deus. É importante advertir que a pergunta que se faz no “caminho para Jerusalém”. Na terra prometida só entraram dois homens (Josué, Caleb) da geração que havia saído do Egito (cf. Nm 13-14). Quantos entrarão na cidade de Jerusalém celeste (cf. Ap 7 e 21)?

A Bíblia do Peregrino (p. 2503s) comenta: A pergunta pode ser colocada em termos étnicos: salvar-se-ão todos os judeus, todo Israel? A profecia de Daniel parece ambígua: “teu povo… se salvará, todos os inscritos no livro. Muitos dos que dormem no pó acordarão. Uns para vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror eterno” (Dn 12,1-2).

“Jesus respondeu: ”Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

A primeira resposta passa da curiosidade à admoestação com o vigoroso imperativo “lutai” (“fazei todo esforço”; cf. 16,16 e a disputa em 22,24.36; os esforços em 1 Cor 9,25; Cl 1,29; as Cartas Pastorais se referem à luta apostólica, cf. 1Tm 6,12; 2Tm 4,7-8). A porta é “estreita” e é preciso abrir passagem à força para entrar na casa. Que “muitos tentarão entrar e não conseguirão” não exclui que também muitos consigam. A resposta de Jesus é intencionalmente ambígua: salvam-se poucos e muitos (se lemos a parábola seguinte até o v. 30, ou seja, até a mudança de interlocutor em v. 31).

Seguir Jesus pelo caminho a Jerusalém não é fácil, comporta renúncias, sacrifícios, a cruz (cf. 9,23-26.57-62). Um rico, que queria herdar a vida eterna, não conseguiu seguir a Jesus, que comenta depois: “Como é difícil para um rico entrar no reino de Deus, é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha…” (cf. 18,15-27). A renúncia produz a paz e a tranquilidade de vida para o ambiente. O bem da paz nasce de um sacrifício. O próprio Jesus se oferece como caminho (Jo 14,6), como porta (Jo 10,7.9) e como sacrifício universal (o cordeiro de Jo 1,29.36).

O texto paralelo em Mt 7,13-14 apresenta a resposta de Jesus dentro do sermão da montanha na forma da doutrina dos dois caminhos, o do bem e o do mal (cf. Dt 30,15-20; Sl 1; Pr 4,10-19; 12,28; 15,24; Eclo 15,17; 33,14). É novo o critério de largueza e estreiteza (cf. o. caminho largo de Sl 119,45; 18,37): “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ele. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram” (Mt 7,13-14).

Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar aporta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!” Ele responderá: “Não sei de onde sois” (v. 25).

A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta: Segue-se a imagem da porta de entrada que dono da casa controla (recorda-se Gn 19,1-11). Não bastava ter convivido fisicamente com Jesus para ter salvo-conduto assegurado; nem bastava uma neutralidade cortês. Era preciso tomar partido (12,8-9). É verdade que conviveram com Jesus, pois ele escolheu conviver com eles. Todavia, passou o tempo em que ao quem bate à porta será aberto (11,9).

Mt 25,1-13 transformou a cena numa festa nupcial (parábola das dez virgens esperando pelo noivo).

Então começareis a dizer: “Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças! ” Ele, porém, responderá: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” (vv. 26-27).

Em Lc, alega-se a convivência (cf. os conterrâneos na sinagoga de Nazaré 4,22; Mc 6,3p ou os comensais em Lc 7,36; 14,1ss); no paralelo de Mt se fala da prática de fé através de milagres e exorcismos: “Naquele dia, muitos vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?’ Então eu lhes direi publicamente: ‘Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal’” (Mt 7,21-23).

Em Mt, a admoestação é grave, termina com uma sentença definitiva de condenação: “Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!”, é uma adaptação do Sl 6,9, súplica de um doente. Também Lc chama os excluídos de “malfeitores” (“praticais a injustiça”, v. 27); na parábola das dez virgens são as imprudentes, despreparadas (Mt 25,10-12). Para ambos os evangelistas, uma convivência sem o testemunho de fé, tampouco uma prática de fé sem a misericórdia para com os pobres, não garantem a salvação, ao contrário, excluem dela (cf. Mt 25,31-46; Lc 16,19-31).

Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac e Jacó, junto com todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, sendo lançados fora. Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no reino de Deus (vv. 28-29).

Alarga-se a visão escatológica. Fora da casa, do reino, ficam judeus excluídos, “lançados fora”; desesperados e de fora verão o grande banquete do Reino (Is 25,6-8). Cf. os hedonistas insensatos ao comparecer ao julgamento: “Ao vê-lo, estremecerão de pavor, atônitos diante da salvação inesperada; dirão… entre soluços de angústia: … nós insensatos!” (Sb 5,2-4). Os convidados serão os patriarcas do povo de Israel (Abraão, Isaac e Jacó) e muitos pagãos (em Mt 8,12 a frase está inserida na cura do servo-filho do centurião romano) das quatro partes do mundo, cf. Sl 107,3: “todos os resgatados do Senhor”.

Inspirado em Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27 etc., o judaísmo apresentou a era messiânica muitas vezes sob a imagem de um festim (cf. 14,15s; 16-24; 22,16.18.30; Mt 22,2-14; 26,29p; Ap 3,20; 19,9) em que os eleitos estão reunidos ao redor dos patriarcas e dos profetas (cf. Lázaro no seio de Abraão em 16,22). Para pertencer ao povo de Deus, não basta pertencer à raça de Abraão (cf. 3,8p; Jo 8,33-41), mas é preciso acolher Jesus, para ser conhecido pelo juiz (vv. 25-27).

Jesus vislumbra a rejeição do messias e do evangelho pelo seu próprio povo (cf. Mt 27,25), enquanto os pagãos demonstram mais abertura, “abrindo a porta da fé” (At 14,27; cf. At 13,46-48; 18,5s, etc.). Eles vão tomar o lugar daqueles judeus, herdeiros naturais das promessas (cf. Mt 21,43; Rm 9,3-5), mas não acreditando no Cristo ficarão “fora nas trevas” (Mt 22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. Mt 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30). Enquanto Mt 8,12 dirige esta ameaça ao conjunto de judeus, Lc só visa aos ouvintes incrédulos de Jesus.

E assim há últimos que serão primeiros e primeiros que serão últimos (v. 30).

Este provérbio é de aplicação múltipla nos evangelhos (cf. Mt 19,30; 20,16; Mc 10,31). Alguns que foram chamados primeiro serão os últimos (e não entrarão); outros chamados na última hora se adiantarão aos primeiros lugares.

O site da CNBB comenta: A porta larga que o mundo oferece para as pessoas é a busca da felicidade a partir do acúmulo de bens e de riquezas. A porta estreita é aquela dos que colocam somente em Deus a causa da própria felicidade e procuram encontrar em Deus o sentido para a sua vida. De fato, muitas pessoas falam de Deus e praticam atos religiosos, porém suas vidas são marcadas pelo interesse material, sendo que até mesmo a religião se torna um meio para o maior crescimento material, seja através da busca da projeção da própria pessoa através da instituição religiosa, seja por meio de orações que são muito mais petições relacionadas com o mundo da matéria do que um encontro pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Passar pela porta estreita significa assumir que Deus é o centro da nossa vida.

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