30 de Outubro de 2020, Sexta-feira: Então Jesus tomou o homem pela mão, curou-o e despediu-o (v. 4).

30ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Fl 1,1-11

Começamos hoje a leitura da carta de Paulo aos filipenses, uma das cartas escritas na prisão (vv. 7.13-14.17; cf. Fm; Ef; Cl; 2Tm). A Bíblia Pastoral a introduz:

Filipos foi a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem cristã (At 16,6-40). Paulo aí chegou na primavera do ano 50 durante a segunda viagem missionária. O primeiro núcleo da comunidade por ele fundada formou-se através de reuniões na casa de Lídia, uma negociante de púrpura, que acolhera Paulo por ocasião de sua visita. O Apóstolo voltou a Filipos outras vezes, durante suas várias passagens pela Macedônia. Os cristãos de Filipos foram sempre os mais ligados ao Apóstolo e diversas vezes o socorreram com auxílio material (Fl 4,16; 2Cor 11,9).

A carta aos Filipenses foi escrita na prisão, provavelmente em Éfeso, entre os anos 55-57 (At 19). Paulo está incerto sobre o rumo que sua situação tornará: poderá ser morto ou posto em liberdade. Mas ele tem grande confiança de que será solto e que poderá visitar de novo, pessoalmente, a comunidade de Filipos.

A Bíblia do Peregrino (p. 2817) comenta sobre a leitura de hoje: A costumeira ação de graças se entremeia com a súplica, num tom afetuoso e cordial, expressão de sentimentos. Alegria, carinho, saudade e confiança dominam as relações de Paulo com os filipenses. A carta é desde o princípio muito pessoal e nos ilustra um aspecto humano importante do apóstolo, que segue de fato o exemplo de Jesus: “eu vos chamei amigos” (Jo 15,15).

Nesta carta não há marcas de tristeza, mesmo estando no ambiente da prisão. Paulo tem saudades e lembra a ternura de Jesus. Agradece a sua comunidade preferida, não só porque acatou o evangelho, mas também porque colaborou na evangelização “desde o primeiro dia” (At 16,12-40).

Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os seus epíscopos e diáconos: graça e paz a vós da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo (vv. 1-2).

 “Paulo” se apresenta sem o título corrente de apóstolo. Como em 1Ts 1,1; 2Ts 1,1, Paulo não sente necessidade de sublinhar o seu título de apóstolo, porque ninguém lhe contestava sua autoridade como depois em Corinto. Ele se diz simplesmente “servo” (grego: doulos, lit. escravo); esta palavra voltará em 2,7 aplicada a Cristo. “Servo” é título tradicional em ambos Testamentos.

Timóteo é um dos seus melhores colaboradores; talvez também na evangelização de Filipos (cf. At 16,12-40). A Tradição Ecumênica da Bíblia (p.2280) comenta: “Timóteo” sempre gozou da confiança de Paulo, a quem sem dúvida, ajudou na fundação da Igreja de Filipos (At 16,1.12; cf. 17,14.15; 18,5). No discurso da sua terceira viagem, antes de passar de novo da Ásia para a Macedônia. Paulo envia para lá Timóteo e Erasto (At 19,21-22; será este o “envio” de Fl 2,19?). Mesmo se Timóteo pouco haja contribuído para a redação da carta, ele se acha ao lado de Paulo.

Os destinatários são “todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos” (cf. Rm 1,7 etc.). Os cristãos são o povo santo, consagrado a Jesus como Messias, correspondendo ao povo do AT, “santo” ou consagrado a Javé Deus (Ex 19,6).

“Epíscopos (bispos) e diáconos”; lit. vigilantes (ou supervisores) e auxiliares (ou empregados). Os “epíscopos” não são ainda “bispos”, mas presbitérios ou “anciãos”, encarregados de dirigir a comunidade ou lhe dar assistência (cf. Tt 1,5), sendo difícil dizer em que se distinguiam exatamente dos presbíteros ou anciãos (cf. At 20,1.28; Tt 1,5-7). Os “diáconos” são seus assistentes (1Tm 3,8-13; cf. At 6,1-6).

É a primeira menção no NT (e a única nos cabeçalhos das cartas) desses dois títulos que eram comuns no mundo grego e judaico, mas não tinham o significado e alcance que tem hoje entre nós. Note-se o plural “bispos” para uma cidade pequena como Filipos. Os que são assim designados talvez tenham recolhido e administrado os dons enviados a Paulo.

A saudação costumeira de Paulo remete à rica tradição bíblica: “graça” (saudação grega) e “paz” (saudação hebraica). Mas relaciona-a à sua origem, “da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.”

Dou graças ao meu Deus, todas as vezes que me lembro de vós. Sempre em todas as minhas orações rezo por vós, com alegria, por causa da vossa comunhão conosco na divulgação do evangelho, desde o primeiro dia até agora (vv. 3-5).

A ação de graças relativa aos benefícios do passado é aqui muito calorosa e pessoal. Ela se transforma aqui em oração em prol do futuro (cf. 4,6; Rm 1,9-10).

A “alegria” é uma das notas características desta carta (cf. vv. 18.25; 2,2.17.18.28.29; 3,1; 4,1.4.10.), precisamente quando Paulo está na prisão, ameaçado duma condição à morte, assaltado pelas preocupações que tem a respeito de todas as Igrejas. Mas a fonte da sua alegria está em Cristo.

“A vossa comunhão conosco na divulgação do evangelho” (lit. a vossa comunhão no evangelho).  Os filipenses participaram na “obra” de Deus que é o Evangelho (v. 6; cf. Rm 1,1), confiado a Paulo e aos seus colaboradores (2,22; 4,3), acolhendo-o com a fé viva, lutando e sofrendo por Cristo (1,27-30), ajudando o apóstolo nas necessidades (4,15-18). Não só participaram por socorros pecuniários (4,15-16), mas ainda pela sua contribuição para o seu testemunho apostólico (1,7; cf. 2,15-16), quando eles sofreram com ele pelo evangelho (1,29-30). Portanto, mais adiante, a palavra “comunhão” (cf. At 2,42; 1Cor 1,9) significará a união aos sofrimentos de Cristo (3,10) e os intercâmbios de toda espécie entre Paulo e a Igreja de Filipos (2,1; 4,14).

“Desde o primeiro dia”, ou seja, quando os filipenses se tornaram cristãos, o dia da conversão deles (cf. At 16,12-40).

Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus (v. 6).

“Aquele que começou em vós uma boa obra”. A “obra” da evangelização confiada aos apóstolos (v. 5) é “boa” por ser a obra de Deus. Deus e Cristo atuam na vida da Igreja e de seus fieis (1,11.28; 2,.13; 3,10; 4,13.19). Esta “certeza” ilumina esta oração (vv. 3-11; cf. 2,13-30).

Os filipenses aceitaram o evangelho e colaboram com Paulo na sua difusão (v. 5); falta que Deus complete neles a obra começada (cf. 2Cor 8,6), até ao “dia de Cristo Jesus” (v. 10; 2,16; 1Cor 1,8 etc.), ou seja, até a parusia (volta de Cristo glorioso). Neste dia do juízo, como o “dia do Senhor” no AT (cf. Am 5,18), estará plenamente efetuada a obra de Deus (1,6) e de Cristo (2,30). Nas primeiras cartas de Paulo (1Ts 4,15), ele é esperado com ardor, e os cristãos se preparam para ele no “crescimento do amor” (v. 9; cf. 2,16; 3,20; 4,5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2817) comenta: “Não abandones a obra de tuas mãos” é a conclusão de um salmo (138,8): o pedido se enriquece aqui com a projeção escatológica do “dia” de Cristo Jesus. Será um dia de plenitude e alegria: não como o que anunciam Amós e Sofonias (Am 5,18; Sf 1,15-18), e sim como o que discurso escatológico anuncia (Lc 21,28).

É justo que eu pense assim a respeito de vós todos, pois a todos trago no coração, porque, tanto na minha prisão como na defesa e confirmação do Evangelho, participais na graça que me foi dada. Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus (vv. 7-8).

“Que eu pense”, ou: “que eu esteja disposto” A carta usa dez vezes a palavra grega fronein (pensar) e seus derivados (sobre 23 casos no conjunto das epístolas paulinas). O sentido mais lato “é estar disposto, tender a”, o que inclui toda sorte de sentimento ou atitudes e torna impossível uma tradução uniforme (2,2.5; 3,15.19; 4,2.10).

“Trago no coração”; na Bíblia, o “coração” é o centro da personalidade, a sede dos sentimentos e tendências da vontade, das iniciativas, dos pensamentos e das decisões.

A expressão “minha graça” sublinha em particular (cf. Rm 1,5 nota) a gratuidade da missão apostólica, mas Paulo insiste aqui (cf. 1,5) na parte que nela tomam os cristãos de Filipos (cf. 1,27-30): “Participais na graça que me foi dada”, ou seja, da missão apostólica de Paulo, com suas consequências de sofrimentos. Na solidão ou na hostilidade da “prisão” (vv. 7.13-14.17; cf. At 16,16-40), brota com força a “saudade”: sentimento humano transfigurado pela união com Cristo.

“Tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus” (lit. as entranhas de Cristo Jesus). Isto completa e fundamenta a expressão anterior, “no coração”. Esses sentimentos calorosos não se confundem com sentimentalismo, pois o amor de Paulo (cf. “bem-amados” 2,12; 4,1) decorre do amor mesmo de Jesus.

E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência, para discernirdes o que é o melhor (vv. 9-10a).

O discernimento da conduta em qualquer situação concreta depende do crescimento de um amor clarividente (Rm 12,2).

A Bíblia do Peregrino (p. 2817) comenta sobre “amor” e “experiência” (percepção): Dizem que o amor cega: a caridade cristã também? O impulso radical pode desencaminhar ou extrapolar seu dinamismo. É preciso colocar a caridade à luz do “conhecimento e percepção”, para poder “discernir”. Eis aqui a “discreta caridade” (de Santo Inácio). Discernir: não entre o bem e o mal, mas entre o bom e o melhor (o autor de dispõe a um ato de discernimento transcendental, 1,21-25). A mesma caridade estimula a afinar a percepção.

E assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo, cheios do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus (vv. 10b-11).

A oração estende de novo o olhar para a parusia, “o dia de Cristo” (v. 6; 2,16; 1Cor 1,8 etc.) e conclui com uma breve doxologia (fórmula de louvor): “para a glória e o louvor de Deus”. Esta doxologia (que comporta diversas variantes textuais) destaca ainda a preeminência absoluta de Deus, origem (1,6) e meta de toda “obra” (cf. 2,11; 1Cor 15,28.57).

O “fruto” do “amor que cresce” (v. 9) é um “conhecimento” e um “discernimento” do que é importante, “do que é melhor” (v. 10a; Rm 2,18), que cresce até a maturidade (v. 11): “justiça” além de toda determinação legislativa (cf. Gl 5,23).

“Ficareis… cheios do fruto da justiça” exprime ao mesmo tempo a plenitude atual e a realização final (cf. 2,2; 4,18-19). “O fruto da justiça (honradez)” é metáfora corrente na literatura sapiencial (Pr 1,31; 12,14; 13,2 etc.). O “fruto”, no singular, evoca uma totalidade de preferência a uma enumeração (cf. Gl 5,22; Ef 5,9). A “justiça” é, no sentido em que os judeus o entendiam, a vida conforme à vontade de Deus; para um cristão ela resulta da ação de Jesus Cristo (cf. 3,6-10).

Examinando bem a imagem, pode-se concluir que as obras são “fruto”, não condição, e que a fertilidade é o que Jesus Cristo procura (cf. Os 14,9 “de mim procedem teus frutos”; Jo 15,16).

Evangelho: Lc 14,1-6

No cap. 14, Lc junta quatro cenas que têm a ver com banquete, ou convites à refeição, numa espécie de simpósio ao estilo grego (cf. 5,29a; no AT, cf. as instruções sobre banquetes e convidados em Eclo 31,21-32,13). Como na multiplicação dos pães (9,10-17p), nesse banquete se prefigura a Eucaristia e se anuncia o banquete celeste.

A primeira cena é uma cura de um hidrópico que lembra a cura do homem com a mão atrofiada na sinagoga num dia de sábado (6,6-11; Lc copiou de Mc 3,1-6) e também da cura da mulher encurvada (13,10-17, evangelho de segunda-feira passada).

Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o observavam. Diante de Jesus, havia um hidrópico (vv. 1-2).

Em Lc, Jesus é convidado com frequência por fariseus (cf. 7,36; 11,37), desta vez por um dos chefes deles (cf. 19,2: refeição com o chefe dos publicanos, Zaqueu). Imaginamos que Jesus, conforme seu costume, leu e comentou numa sinagoga e, ao terminar, um dos chefes dos fariseus o convidou para à ceia do sábado. Como em 6,7, os fariseus o vigiam e observam (cf. Sl 37,32), se vai curar no sábado. Mas aqui o ambiente e a doença são diferentes de 6,6-11; a cura do hidrópico devia ser uma tradição independente de Mc, provavelmente da fonte Q (Mt 12,9-14 juntou as duas versões, Mc e Q).

Tomando a palavra, Jesus falou aos mestres da Lei e aos fariseus: “A Lei permite curar em dia de sábado, ou não?” (v. 3).

Sem muitas palavras sobre os detalhes e possibilidades casuísticas, Jesus dirige uma pergunta direta “aos mestres da Lei e aos fariseus”. Em 6,8s, Jesus chamou primeiro o homem deficiente “para o meio de todos” e perguntou depois.

Mas eles ficaram em silêncio. Então Jesus tomou o homem pela mão, curou-o e despediu-o (v. 4).

O silêncio dos fariseus diz muita coisa. Não se desenvolve um diálogo, porque os fariseus já se decidiram ser contra Jesus (cf. 6,11; 11,53s) e Jesus não está interessado em debates jurídicos (em Lc). Ele responde à sua própria pergunta primeiramente pela ação, pelo fato da cura. Para o doente, o caso está resolvido, pode ir.

Depois lhes disse: “Se algum de vós tem um filho ou um boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?” E eles não foram capazes de responder a isso (vv. 5-6).

Jesus dá uma segunda resposta que pode ter origem nos debates sobre o sábado na comunidade primitiva dos judeu-cristãos. Lc não é tal familiarizado com os costumes da Palestina nem com a legislação judaica. Em Mt 12,11, o argumento funciona melhor (“buraco” em vez de poço; cf. Ex 21,33s).

Além do seu poder próprio que se mostra na cura, Jesus revela a vontade benevolente de Deus que está na origem da Lei e a antecede (cf. os argumentos de Paulo em Gl e Rm), ou seja: amar ao próximo e ajudar ao necessitado já é a essência de lei (10,25-37; cf. Mt 22,34-40p) e não suporta limites. Se a exceção da lei de sábado vale para um filho e até para um boi (Dt 22,4; cf. Sl 36,10; Lc 13,15), porque limitá-la para ajudar o próximo e curar o necessitado? A pergunta de Jesus não proíbe, mas permite o repouso sabático. Para ele, o descanso no sábado (Gn 2,1-4; Ex 20,8-11 etc.) significa a revelação da benevolência de Deus para com suas criaturas, a paz e a salvação (cura).

Não há espaço para uma conclusão ainda positiva da plateia como em 13,17. Os adversários não são capazes de responder. Jesus é soberano. A frequência dos conflitos de sábados chama atenção, porque Lc costuma evitar repetições, mas os menciona em 6,7-11; 13,10-17; 14,1-6. Obviamente, os primeiros cristãos tinham uma dificuldade com este preceito e refletiram bastante qual seria a interpretação correta e cristã entre os dois extremos de Mt 5,17-19 (Cristo não veio para abolir nenhuma vírgula da lei) e Rm 10,4 (Cristo e o fim da lei).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra claramente que a vida sempre se impõe diante da morte, a verdade sempre se impõe diante da mentira, da falsidade e do erro. A Lei de Deus foi feita para a vida e não para a morte e a interpretação verdadeira da Lei de Deus deve sempre contribuir para que a vida de todos seja melhor. Jesus denuncia os erros que existem na interpretação da Lei, as interpretações falsas, ou seja, que não apresentam nenhuma legitimidade por serem contraditórias ao espírito da Lei de Deus, por escravizarem quando deveriam libertar, por promoverem a morte quando deveriam promover a vida, e as interpretações mentirosas. Jesus denuncia aquelas interpretações que não estão de acordo com a Lei, mas sim com os interesses de quem as interpretou.

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