31 de Janeiro de 2021, 4º Domingo do Tempo Comum: Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei (vv. 21b-22).

4ª Domingo do Tempo Comum  

1ª leitura: Dt 18,15-20

A 1ª leitura se liga com o evangelho pela palavra de Jesus “com autoridade” semelhante a do profeta anunciado por Moisés. Antes de morrer no limiar da terra prometida, Moisés anuncia outra vez a lei do Sinai. Por isso o livro chama-se em grego “Deuteronômio”, quer dizer “Segunda Lei”, ou seja, segunda edição da Lei (por ex. outra versão do decálogo em 5,6-21).

(Moisés falou ao povo dizendo:)

O núcleo central e mais antigo de Dt é o código dos caps. 12-26 do qual nossa leitura faz parte. A introdução é de 5,1, quando Moisés começa a apresentar o decálogo e as outras lei, falando até 26,19. Os vv. 9-14 que precedem nossa leitura desaprovam práticas que estavam em uso nos países vizinhos, como sacrifícios de crianças, interrogação de oráculos, sortilégios, adivinhação, magia, consulta aos mortos. Surge então e questão: quem é falso e quem é verdadeiro portador da palavra divina.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 219) comenta o contexto em que o livro de Dt (núcleo, talvez já ampliado 4,44-28,68) foi encontrado no templo e servia de inspiração para a reforma religiosa do rei Josias (640-609 a.C.; cf. 2Rs 22-23): A proibição de outras divindades inclui as práticas tradicionais e populares de buscar conhecer o futuro, de consultar mortos ou divindades. Só se deve obedecer a profetas semelhantes a Moisés, aqui descrito à imagem e semelhança de Josias, cuja morte prematura (2Rs 23,29) deixou a obra incompleta e fez o v. 18 ser lido no pós-exílio como promessa messiânica (Jo 1,21).

“O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar (v. 15).

A Bíblia do Peregrino (p. 329) comenta: Com a palavra “profeta” em posição enfática começa o contraste, o distintivo de Israel. Embora tenha existido algo semelhante aos profetas em outras culturas, nada se pode comparar nem de longe ao corpo profético que conservamos de Israel. O profeta surge no meio da comunidade, por intervenção direta de Deus. Quando Moisés diz “como eu”, o autor lhe atribuiu um lugar único; tanto assim que em tempos posteriores se leu este versículo como anuncio escatológico de um profeta individual.

O fenômeno profético, ou seja, de pessoas que se sentiam portadores de mensagens divinas, já se encontra no Antigo Oriente desde o 3º milênio a.C. na Mesopotâmia. Havia o método dedutivo, pela observação de entranhas de animais, voos de pássaros etc., e o método indutiva, por visões, audições, sonhos ou transes extáticos (cf. as “profecias” no reino de Mari na Síria). O termo hebraico, nabî´, era usado inicialmente para grupos de profetas (cf. 1Sm 9,1-10,5; 19,18-24; 2Rs 2 etc.), depois passou também a indicar indivíduos, toda pessoa que fala em nome de Deus (cf. Ex 7,1).

Moisés é anterior e muito mais do que os outros profetas de Israel, ele vê Javé Deus face a face, não apenas em visões ou sonhos (Nm 12,6s; Dt 34,10; mas Ex 33,18-23; cf. Jo 1,17s).

Os v. 15 é citado nos discursos de Pedro e Estêvão em At 3,22s; 7,40, referindo-se a Cristo. João Batista negou de ser este “profeta” em Jo 1,21. No monte e na presença de Moisés e Elias, Deus, de dentro da nuvem, apresenta Jesus transfigurado aos apóstolos, dizendo: “Este e meu filho amado, escutai-o” (Mc 9,2-7).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 294) comenta: Depois de Moisés, considerado aqui como o primeiro dos profetas (cf. 34,10). Deus enviará outros profetas, portadores de sua palavra, mas também suscetíveis de a ele desobedecer. O judaísmo posterior, lendo este texto num sentido mais preciso, via nele o anúncio de um profeta excepcional, por vezes identificado com o Moisés. Esta tradição se encontra nas interrogações do povo a respeito de Jesus (Jo 1,21; 6,14; 7,40). Entretanto, este jamais se refere a ela formalmente (embora se possa ver alusões a Dt 18,15 em Mc 9,7 par., bem como em Lc 24,27 e Jo 1,45; 5,46). A pregação cristã primitiva vê, explicitamente em Jesus “o profeta” anunciado pelo Dt (At 3,22; 7,37).

Foi exatamente o que pediste ao Senhor teu Deus, no monte Horeb, quando todo o povo estava reunido, dizendo: ‘Não quero mais escutar a voz do Senhor meu Deus, nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo’. Então o Senhor me disse: ‘Está bem o que disseram. Farei surgir para eles, do meio de seus irmãos, um profeta semelhante a ti. (vv. 16-18a).

Paralelamente à instituição da realeza (17,14-20), atribui a instituição do profetismo a Javé Deus por ocasião da teofania no monte Sinai (=Horeb). Em 5,23-27 (cf. Ex 20,18s) o povo teve medo depois de ouvir os dez mandamentos no monte Sinai (=Horeb), onde Javé havia descido na tempestade e no fogo (Ex 19,16). O povo pediu que Moisés subisse ao monte como mediador e transmitisse as palavras do Senhor e o povo iria obedecê-las.

A Bíblia do Peregrino (p. 329) comenta: O autor liga a instituição profética com uma tradição mosaica, e interpreta democratizando-a: foi iniciativa do povo assustado, que o Senhor aceitou e sancionou. Assim se relaciona a origem do profetismo com a aliança e se faz de Moisés seu protótipo.

Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar. Eu mesmo pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome (vv. 18b-19).

“Porei em sua boca as minhas palavras…” (4,15; cf. Jr 1,9; Ez 3,1-10; cf. Is 6,6-7; Ap 10,8-11). Em Ez 33,4, se uma pessoa “não prestar atenção” à palavra do profética, “a espada virá e o apanhará; o seu sangue cairá sobre sua própria cabeça”.

Mas o profeta que tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que não lhe mandei ou se falar em nome de outros deuses, esse profeta deverá morrer’” (v. 20).

O verdadeiro profeta não só é escolhido e enviado por Deus, mas recebe cada oráculo diretamente e não pode inventar. Às vezes, terá de esperar (Jr 42; Hab 2). A confrontação de Jeremias com Ananias pode ilustrar este versículo (Jr 28; cf. Jr 14,13-16; 23,9-40)

Os vv. 21-22 (omitidos pela nossa liturgia) tentam distinguir os verdadeiros dos falsos profetas (em Israel, um problema dramático) e colocam como critério a realização das predições. Mas já em 13,2-6, este critério é insuficiente; é menos importante do que o do conteúdo da mensagem (não seguir outros deuses, etc.) e sua coerência com a ação e a palavra de Deus.

Identificando Jesus com este profeta messiânico (Jo 6,14; 7,40; At 3,22; 7,40), os primeiros seguidores de Jesus reconheceram a verdadeira mensagem de Deus na palavra que promove o amor, a justiça, a solidariedade e a libertação (o sinédrio, porém, condenou Jesus como profeta falso, baseando-se em 13,2-6; cf. Mc 14,65).

2ª leitura: 1Cor 7,32-35

 

A 2ª leitura continua com as respostas de Paulo na primeira carta aos cristãos em Corinto, cidade considerada devassa. O apóstolo declarou o corpo humano “santuário do Espírito Santo” e não objeto de fornicação (6,12-20). Depois começou responder à pergunta, “não é bom ao homem tocar em mulher?” (7,1). O apóstolo declara válido o casamento, com prazer heterossexual e indissolúvel, conforme a palavra do Senhor, “o que Deus uniu, o homem não separa” (Mc 10,1-10), mas para si prefere o celibato (ficar solteiro pelo reino de Deus, cf. Mt 19,12).

Paulo fala sucessivamente das pessoas casadas (o casal cristão, vv. 1-11; o casamento entre cristãos e pagãos, vv. 12-16) e das pessoas não casadas (as virgens, vv. 25-35; os noivos, vv. 36-38; as viúvas, vv. 39-40).

A virgindade é frequentemente mencionada a propósito do casamento e vice versa. Paulo assim sugere a complementaridade desses dois estados, ambos são um dom: “Cada uma recebeu de Deus o seu dom (carisma) particular; um, deste modo, outro, daquele modo” (v. 7).

A Bíblia do Peregrino (p. 2748) comenta: Suposto o carisma (7,7), entre os dois bens Paulo considera preferível o celibato, porque o matrimônio, junto com suas alegrias traz muitas preocupações: talvez pense nas palavra de Deus a Eva (Gn 3,16), na experiência de Rebeca (Gn 25,22) ou em provérbios (Pr 17,25; 19,13); ver a preocupações de uma pai por sua filha (Eclo 42,9-14). Há outra razão mais forte: que é a volta do Senhor: sua proximidade iminente relativiza todos os valores e atividades do cristão.

(Irmãos:) Eu gostaria que estivésseis livres de preocupações. O homem não casado é solícito pelas coisas do Senhor e procura agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar à sua mulher e, assim, está dividido. Do mesmo modo, a mulher não casada e a jovem solteira têm zelo pelas coisas do Senhor e procuram ser santas de corpo e espírito. Mas a que se casou preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar ao seu marido (vv. 32-24).

A Bíblia do Peregrino (p. 2749) comenta: A julgar pela primeira frase, se diria que Paulo critica também a “preocupação” pelos assuntos do Senhor (cf. Lc 10,41, censura de Jesus a Marta). O contexto parece, antes, aprovar a concentração da solicitude no Senhor. Não pensa no estado de solteiro simplesmente, e sim na virgindade, ou também viuvez, “consagrada ao Senhor em corpo e alma”. Só se fala da consagração da mulher, não do homem: daí a estima e pratica eclesiástica das “virgens consagradas”.

“A mulher não casada e a jovem solteira … procuram ser santas de corpo e espírito”. Aqui não se trata diretamente de uma santidade moral, mas de uma consagração de toda a pessoa, “de corpo e espirito”, ao serviço (“pelas coisas”) do Senhor.

Digo isto para o vosso próprio bem e não para vos armar um laço (v. 35a).

A escolha é livre: “Se não poderem guarda a continência, casem-se, pois é melhor casar do que ficar abrasado” (v. 9), “casem-se, pois não pecam” (v. 36). A virgindade é proposta como livre escolha; a mesma motivação com que Jesus propôs o celibato (Mt 19,10-12). O celibato não é mandamento divino que vale para todos, mas conselho evangélico para alguns que têm esse dom (v. 25).

O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações (v. 35b).

As traduções de v. 35b variam: Lit. “visando ao que é (mais) conveniente e bem-ordenado (ou: digno e assíduo), sem tensões (ou distrações), junto ao Senhor”. O contexto e o semitismo subjacente sugerem para conveniente o significado de um comparativo aqui traduzido por: “melhor” (cf. vv. 38.40).

 

Evangelho: Mc 1,21b-28

O evangelho de Mc é como um filme de ação em que Jesus realiza muitos milagres na primeira parte do evangelho. O primeiro acontece na sinagoga de Cafarnaum, cidade onde moram os primeiros discípulos que Jesus acabou de chamar (v. 29; cf. 2,1; 3,1; Mt 4,13; 6,59).

Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei (vv. 21b-22).

Menciona-se pela primeira vez Cafarnaum (cf. 2,1; 9,33; Mt 4,13; 9,1; 11,23s etc.), cidade na margem oeste do lago de Genesaré (mar da Galileia), onde os primeiros discípulos eram pescadores (vv. 16-20). No texto da nossa liturgia parece que só Jesus “entrou”, mas no texto original tem o plural “chegam a Cafarnaum” (Jesus e seus discípulos recém-chamados; depois em v. 29 “saíram da sinagoga”) e “logo” (omitiu-se também esta palavrinha típica de Mc) Jesus, “num dia de sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar” (cf. 3,1; 6,2). Mc gosta de destacar Jesus ensinando (Mt vai inserir aqui o sermão da montanha: Mt 5-7), deixando todos “admirados” (6,2; 7,37; 10,26; 11,18). A “autoridade” com a qual Jesus fala não é exegese da Lei, mas vem direto de Deus (cf. “Filho” no batismo) e se mostra em ações poderosas (curas, milagres), como a expulsão do espírito mau em seguida demonstra que o reinado de Deus chegou (1,14s; cf. 3,24-27).

A sinagoga é o lugar onde os judeus costumam se reunir no sábado para um culto da palavra, estudando e lendo trechos da lei de Moisés e dos profetas, cantando salmos, fazendo orações. Cada membro apto pode ser convidado para leitura e reflexão (cf. Lc 4). Como aqui Jesus, os missionários cristãos agirão da mesma maneira (cf. Paulo nos At 9,20; 13,5.14ss etc.).

Os “mestres da Lei” (lit. escribas) costumam ensinar nas sinagogas e aparecem aqui pela primeira vez, serão os adversários de Jesus na Galileia (em Jerusalém juntos com os anciãos e sumos sacerdotes). Eles são professionais que interpretam e atualizam a Lei de Moisés, ensinam o povo e julgam em tribunais. São tratados como “rabi” (mestre; daí o título rabino; cf. Mt 23,7). O primeiro considerado escriba foi o sacerdote Esdras (cf. Ne 8). Desde a época dos macabeus, são uma categoria independente dos sacerdotes porque estes pactuavam com os pagãos (romanos). Os escribas pertencem na maioria ao partido dos fariseus (2,16).

Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?  Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (vv. 23-24).

Dentro da sinagoga onde os mestres da lei judaica ensinam a maneira como o povo deve cumprir a lei e se manter afastado dos pecadores impuros (“fariseu” quer dizer separado dos pecadores), encontrou-se “um homem possuído por um espírito mau”. A medicina precária da época atribuía doenças com causas desconhecidas ou psíquicas a espíritos impuros e maus, ou seja, a demônios.

Há 2000 anos não existia psicologia ou psiquiatria. As pessoas tinham muito medo de poderes sobrenaturais aos quais se atribuía doenças, mortes, guerras, mau tempo e más colheitas. No Antigo Testamento (AT) havia uma purificação destas crenças através do monoteísmo, ou seja, Javé Deus é o único Deus, criador do universo com suas leis; criou tudo através da sua palavra (Gn 1). O israelita atribui tudo a Deus como causa primeira (cf. 1Sm 16,14-16.23; 18,10; 19,9: a doença psíquica do rei Saul é “um mau espírito, procedente de Javé”).

Mas nas crenças e costumes populares, antigas religiões e deuses sobreviviam, agora rebaixados como espíritos e demônios. O AT menciona os “cabeludos”, sátiros em forma de bode no campo (Lv 17,7; 2Cr 11,15; Is 13,21), os demônios “pretos” que assustam à noite (Sl 106,37; cf. o preto velho na Umbanda), “Azazel” (Lv 16,8.10) e os demônios “secos” no deserto e onde falta água (Is 34,14), “Lilit”, um demônio feminino da Mesopotâmia que perturba à noite e frequenta ruínas, o “demônio do meio dia” que causa confusão, e outros.

Sob influência persa, os judeus transformaram estas crenças num sistema (demonologia). A origem dos demônios imaginava-se como anjos caídos ou na relação de anjos com mulheres (Gn 6,1-4), de Adão com espíritos femininos e de Eva com espíritos masculinos. Liderados pelo comando de “Satanás”, na tradução grega “diabo” (Jo 1,6-12; 2,1-7; Zc 3,1s; 1Cr 21,1; Sb 2,24; Mc 1,13p; Lc 10,18s; Ap 12,9; cf. 1Cor 5,5; 7,5; 2Cor 2,11; 1Ts 2,18; 1Tm 1,20; 1Pd 5,8), chamado também de “Beliar” (Dt 13,114; 2Cor 6,14) ou “Beelzebu” (2Rs 1,2-16; Mc 3,22-27p), os demônios formam um exército das trevas que causam tentações, pecados e doenças. Mas o “Senhor dos exército” é Javé Deus, cujo poder vence Satanás e os demônios.

“Que queres de nós?” O demônio fala aqui em nome da sua espécie (nós). A pergunta (lit. “o que (há) entre ti e nós?”) é um semitismo empregado para rejeitar uma intervenção que se julga inoportuna ou expressa que não quer comunhão, relacionamento algum (Jz 11,12; 19,23; 2Sm 16,10; 1Rs 17,18; 2Rs 9,18; também no NT: Mc 1,24; 5,7p; Jo 2,4).

Conhecer o nome de uma pessoa dá certo poder sobre ela. Revelando seu saber sobrenatural sobre Jesus, o demônio tenta dominar Jesus como numa magia. No conceito da época, os espíritos sabem mais do que os homens, então sabem que Jesus é “o Santo de Deus” (v. 24). Só Deus é santo, mas sua santidade se comunica ao que lhe pertence ou lhe é consagrado (cf. Lv 19,2; Is 6,3 etc.). Jesus é o “Santo de Deus” por excelência, por ser o Messias-Cristo (consagrado com a unção; não parece que os judeus tenham aplicado esse título ao Messias, (no NT, para o messias só em Lc 4,34 e Jo 6,69; cf. Lc 1,35; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7).

Na língua aramaica se trata de um jogo de palavras (cf. Mt 2,23): yeshua hanesri (Jesus o Nazareno) – nazri há-elohim (o nazireu/consagrado de Deus). Sansão recebeu o mesmo título em Jz 13,7. Em Jz 16,17 ele fala sobre seu segredo, referindo-se ao voto de nazireato (Nm 6,1-21) de não beber bebidas alcoólicas nem raspar a cabeça: “A navalho jamais passou na minha cabeça, porque sou nazireu de Deus desde o seio da minha mãe”. No AT, outros são chamados de “santos”: Moisés (Sb 11,1: “santo profeta”); o fiel (LXX Sl 15,10); o povo de Israel (Dt 7,6; 14,2.21; 26,19 etc.); Elias é um “homem de Deus” (1Rs 17,18.24), Eliseu um “santo homem de Deus” (2Rs 4,9). Como Aarão é chamado “o Santo do Senhor” em Sl 106,16, alguns veem aqui Jesus como “sumo sacerdote” (no NT, apenas em Hb).

Jesus o intimou: “Cala-te e sai dele!” Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saíu (vv. 25-26).

Depois do seu batismo, Jesus já venceu o chefe dos demônios, satanás, na tentação no deserto (vv. 12s), agora ele tem o poder para vencer também os outros espíritos maus (cf. 3,22-27). Os relatos de exorcismo eram comuns na época e seguiam certo esquema (cf. 5,1-13; 9,15-27) com os elementos seguintes: o possuído mostra seu desequilíbrio, tenta refutar gritando seu conhecimento sobrenatural sobre Jesus (cf. v. 34; 3,11; 5,7); o exorcista (Jesus) ordena “cala-te e sai dele” (v. 25; cf. 9,25); o espírito sai com gritos sacudindo o homem (v. 26; 9,26; cf. 5,10-13) que fica curado (cf. 5,15; 9,27) e as pessoas que assistiram ficam espantadas e admiradas (v. 27; 5,15; 9,26c).

“Jesus o intimou”, a LXX (tradução grega do AT) usava o mesmo verbo para as ordens de Javé. Jesus ordenou no lugar de Javé. Sua palavra de ordem contrasta com os conjuros dos feitiços gregos da época (cf. 5,7).

Temos aqui a primeiro ordem de Jesus de calar sobre sua identidade, seguida por muitos outras (cf. vv. 34.44; 3,12; 5,43; 7,36; 8,26.30; 9,9). Este “segredo messiânico” é característica de Mc e será suspensa só depois da sua morte. O motivo deste segredo é que Jesus não queria ser mal interpretado como messias nacionalista (Mc escreveu durante a guerra nacionalista de 66-70 d.C.).

E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!” E a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia (vv. 27-28).

Para Mc, a palavra de Jesus tem autoridade divina e é eficaz, fala e assim se faz (cf. Gn 1; Is 55,8-11). Como os discípulos inicialmente atenderam seu convite a segui-lo “imediatamente” (vv. 16-20), assim também os espíritos maus o obedecem logo (v. 27). A novidade é o início do reino de Deus que se manifesta na vitória sobre os demônios.

O “ensinamento novo” de Jesus (1,27; cf. 12,28-34; Jo 13,32; Mt 5,21ss) é diferente daquele dos mestres da lei na sinagoga (vv. 22.27) que complicaram a Lei de Deus. Estes oprimem, desprezam e exploram as pessoas (cf. 12,38-40; Mt 23). Resumidamente pode-se concluir: o ensinamento dos mestres da lei na sinagoga deixa o homem louco, mas a palavra de Jesus o liberta.

Este foi o primeiro milagre em Mc, evangelho mais antigo e primitivo. Em Jo, o primeiro milagre é a transformação de água em vinho nas bodas de Caná (Jo 2,1-12), e não se encontra exorcismo algum. Mt copia Mc, mas omite este exorcismo na sinagoga de Cafarnaum (substitui-o pelo sermão da montanha, cf. o contexto de Mt 4-8). Para ele, obediência e justiça valem mais do que expulsar demônios (Mt 7,22s). Para Paulo, o dom maior é amor/caridade (1Cor 12,28–14,1).

O site da CNBB comenta: Jesus tem como costume ensinar nas sinagogas e o conhecimento da fé é a maior arma que o cristão tem para vencer o mal e o pecado, pois não só nos mostra o caminho para chegarmos até Deus e o valor da verdade para nós, além de nos revelar o amor que Deus tem por nós e a necessidade que temos de corresponder a esse amor por uma vida santa para que possamos vencer toda sorte de mal que venha a acontecer em nossas vidas e sentirmos o poder amoroso de Deus que se faz presente na vida de todas as pessoas que acolhem o que Jesus veio revelar a respeito de Deus e do seu Reino.

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