31 de Outubro de 2018, Quarta-feira: Vós, pais, não revolteis os vossos filhos contra vós, mas, para educá-los, recorrei à disciplina e aos conselhos que vêm do Senhor (v. 4).

Leitura: Ef 6,1-9

Depois da exortação aos maridos e mulheres no matrimônio (5,22-33), continuam as recomendações no âmbito da família: sobre a convivência entre filhos e pais, e entre escravos e patrões, tendo como orientação fundamental também o princípio da reciprocidade, expresso em 5,21: “Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Assim o mandamento do amor ao próximo deve nortear as relações na família e no trabalho.

Filhos, obedecei aos vossos pais, no Senhor, pois isto é que é justo. “Honra teu pai e tua mãe” – é o primeiro mandamento – que vem acompanhado de uma promessa: “a fim de que tenhas felicidade e longa vida sobre a terra” (vv. 1-3).

“Filhos” (lit. crianças), “obedecei aos vossos pais, no Senhor”. “No Senhor” falta em vários manuscritos.

Apoia-se no “primeiro mandamento” da segunda tábua do decálogo (10 mandamentos), é o quarto mandamento com sua motivação, a promessa: “a fim de que tenhas felicidade e longa vida sobre a terra” (Ex 20,12; Dt 5,16; cf. o comentário de Eclo 3,1-16).

Vós, pais, não revolteis os vossos filhos contra vós, mas, para educá-los, recorrei à disciplina e aos conselhos que vêm do Senhor (v. 4).

Mas a novidade cristã é que também os pais têm deveres correlativos, que o decálogo não menciona. A educação dos filhos é tema corrente do mundo sapiencial, tanto que acabam chamados os discípulos de “filhos” (cf. Pr 1,8.10.15; 2,1 etc.). Segundo o texto legislativo Dt 21,18-21, a comunidade deve apedrejar um filho rebelde. A recomendação de Pr 19,18 é menos severa: “Corrige teu filho enquanto há esperança, mas não te arrebates até mata-lo.” Ben Sirac recomendou um estilo rigoroso de educação com castigos físicos (Eclo 30,1-13). No direito romano, os pais tinham poderes absolutos sobre os filhos, podiam até matá-los quando não obedeceram. Com frequência, crianças indesejadas foram jogadas no lixo em Roma

“Recorrei à disciplina e aos conselhos que vêm do Senhor.” O Senhor é considerado como o verdadeiro educador (cf. Dt 8,5; 2Sm 7,11s; Sb 11,9s), instrumentos do qual os pais são chamados a ser (cf. Pr 3,11-12 citado por Hb 12,5-6).

Escravos, obedecei aos vossos senhores deste mundo com respeito e tremor, de coração sincero, como a Cristo, não para servir aos olhos, como quem busca agradar aos homens, mas como escravos de Cristo, que se apressam em fazer a vontade de Deus. Servi de boa vontade, como se estivésseis servindo ao Senhor, e não a homens. Vós o sabeis: o bem que cada um tiver feito, seja ele escravo ou livre, ele tornará a recebê-lo do Senhor (vv. 5-8).

Os escravos devem obedecer aos seus “senhores deste mundo” (lit. segundo a carne) “com respeito e tremor” (expressão bíblica para uma situação em que o homem empenha a sua existência e na qual, por trás das circunstancias, ele contende com o próprio Deus (1Cor 2,3; 2Cor 7,15; Fl 2,12; cf. Sl 2,11s). Como antes na relação entre marido e esposa (5,22-33; cf. Os), a carta compara a relação entre escravos e senhores com a de Deus que é Senhor e o ser humano que é servo (cf. Lc 17,7-10)

Mas supera o modelo de sociedade patriarcal e escravista, porque o Cristo também é servo (o servo sofredor de Is 53), não veio para ser servido, mas para servir.

E vós, senhores, fazei o mesmo para com os escravos. Deixai de lado a ameaça; vós sabeis que o Senhor deles e vosso está nos céus e diante dele não há acepção de pessoas (v. 9).

Também os escravos pertencem ao âmbito da família. O notável é a reciprocidade de deveres e trato e a igualdade radical sob o Senhor único, que é Deus (ou Cristo). Em vez de submissão e dominação, frisa o respeito mútuo, com a motivação de que o único Senhor é Cristo, que não distingue senhores e escravos, “diante dele não há acepção de pessoas” (cf. Dt 10,17; Mc 12,14p; At 10,32s; Rm 2,11; Gl 2,6; 1Pd 1,17).

Contudo, nem a visão teológica, nem a motivação “como a Cristo” levaram o autor da carta a tirar consequências para uma mudança da ordem social naquele momento.

Temos que levar em conta, que reformas sociais e políticas eram muito difíceis numa ditatura militar como o Império Romano. As grandes revoltas da época fracassaram. O levante dos escravos sob a liderança do gladiador Spártacus não foi bem sucedido; o exército romano venceu e crucificou milhares deles. Na Palestina, durante a época de Jesus e de Paulo, os zelotas praticaram uma luta armada (atos terroristas) contra os opressores romanos que resultou na Guerra Judaica com a destruição de Jerusalém e seu templo (70 d.C., pouco antes da carta de Cl e Ef). O conselho de Gamaliel reflete esta situação (cf. At 5,34-41). A mudança tinha que acontecer por dentro do sistema, mudando corações e atitudes (conversão), como Paulo tentou escrevendo a Filemon (Fm). Só quando o Império Romano se converteu (em 313, a partir do imperador Constantino que acabou com a perseguição dos cristãos e a crucificação), era possível abolir a escravidão (na Europa, o feudalismo substituiu a escravatura no início da Idade Média; no Brasil, a escravidão foi abolida apenas em 1888).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1431s) resume: Também aqui a partir do Recomenda que os filhos obedeçam aos pais (Ex 20,12), porém supera o decálogo, pois, na reciprocidade, pede que os pais respeitem os filhos. E a mesma reciprocidade de obediência é recomendada aos escravos e aos patrões, superando os costumes sociais da época (Cl 3,18-25).

 

Evangelho: Lc 13,22-30

Jesus continua seu caminho para Jerusalém, decidido e consciente da sua morte e ressurreição lá (cf. 9,22.44.51). Neste caminho, Lc insere material da fonte Q (coleção perdida de palavras de Jesus) que Mt também usa (cf. Mt 7,13-14; 21-23; 25,1-13).

Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém. Alguém lhe perguntou: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (vv. 22-23).

A pequenez no início do reino de Deus (cf. vv. 18-21, parábolas da semente de mostarda e do fermento) suscita a pergunta sobre o número dos que se salvam. Soa na pergunta a concepção clássica do “resto”, que se salva e assegura a continuidade do povo (Is 4,3; 11,11; Mq 4,7; 5,6s; Jr 31,7 etc.; cf. Rm 9,27 citando Is 10,22s). Aqui se trataria do resto que passará à nova e definitiva era, que entrará no Reino de Deus. É importante advertir que a pergunta que se faz no “caminho para Jerusalém”. Na terra prometida só entraram dois homens (Josué, Caleb) da geração que havia saído do Egito (cf. Nm 13-14). Quantos entrarão na cidade de Jerusalém celeste (cf. Ap 7 e 21)?

A Bíblia do Peregrino (p. 2503s) comenta: A pergunta pode ser colocada em termos étnicos: salvar-se-ão todos os judeus, todo Israel? A profecia de Daniel parece ambígua: “teu povo… se salvará, todos os inscritos no livro. Muitos dos que dormem no pó acordarão. Uns para vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror eterno” (Dn 12,1-2).

Jesus respondeu: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

A primeira resposta passa da curiosidade à admoestação com o vigoroso imperativo “lutai” (“fazei todo esforço”; cf. 16,16 e a disputa em 22,24.36; os esforços em 1Cor 9,25; Cl 1,29; as Cartas Pastorais se referem à luta apostólica, cf. 1Tm 6,12; 2Tm 4,7-8). A porta é “estreita” e é preciso abrir passagem à força para entrar na casa. Que “muitos tentarão entrar e não conseguirão” não exclui que também muitos consigam. A resposta de Jesus é intencionalmente ambígua: salvam-se poucos e muitos (se lemos a parábola seguinte até o v. 30, ou seja, até a mudança de interlocutor em v. 31).

Seguir Jesus pelo caminho a Jerusalém não é fácil, comporta renúncias, sacrifícios, a cruz (cf. 9,23-26.57-62). Um rico, que queria herdar a vida eterna, não conseguiu seguir a Jesus, que comenta depois: “Como é difícil para um rico entrar no reino de Deus, é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha…” (cf. 18,15-27). A renúncia produz a paz e a tranquilidade de vida para o ambiente. O bem da paz nasce de um sacrifício. O próprio Jesus se oferece como caminho (Jo 14,6), como porta (Jo 10,7.9) e como sacrifício universal (o cordeiro de Jo 1,29.36).

O texto paralelo em Mt 7,13-14 apresenta a resposta de Jesus dentro do sermão da montanha na forma da doutrina dos dois caminhos, o do bem e o do mal (cf. Dt 30,15-20; Sl 1; Pr 4,10-19; 12,28; 15,24; Eclo 15,17; 33,14). É novo o critério de largueza e estreiteza (cf. o. caminho largo de Sl 119,45; 18,37): “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ele. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram” (Mt 7,13-14).

Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar aporta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!” Ele responderá: “Não sei de onde sois” (v. 25).

A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta: Segue-se a imagem da porta de entrada que dono da casa controla (recorda-se Gn 19,1-11). Não bastava ter convivido fisicamente com Jesus para ter salvo-conduto assegurado; nem bastava uma neutralidade cortês. Era preciso tomar partido (12,8-9). É verdade que conviveram com Jesus, pois ele escolheu conviver com eles. Todavia, passou o tempo em que ao quem bate à porta será aberto (11,9).

Mt 25,1-13 transformou a cena numa festa nupcial (parábola das dez virgens esperando pelo noivo).

Então começareis a dizer: “Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças!” Ele, porém, responderá: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” (vv. 26-27).

Em Lc, alega-se a convivência (cf. os conterrâneos na sinagoga de Nazaré 4,22; Mc 6,3p ou os comensais em Lc 7,36; 14,1ss); no paralelo de Mt se fala da prática de fé através de milagres e exorcismos: “Naquele dia, muitos vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?’ Então eu lhes direi publicamente: ‘Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal’” (Mt 7,21-23).

Em Mt, a admoestação é grave, termina com uma sentença definitiva de condenação: “Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!”, é uma adaptação do Sl 6,9, súplica de um doente. Também Lc chama os excluídos de “malfeitores” (“praticais a injustiça”, v. 27); na parábola das dez virgens são as imprudentes, despreparadas (Mt 25,10-12). Para ambos os evangelistas, uma convivência sem o testemunho de fé, tampouco uma prática de fé sem a misericórdia para com os pobres, não garantem a salvação, ao contrário, excluem dela (cf. Mt 25,31-46; Lc 16,19-31).

Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac e Jacó, junto com todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, sendo lançados fora. Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no reino de Deus (vv. 28-29).

Alarga-se a visão escatológica. Fora da casa, do reino, ficam judeus excluídos, “lançados fora”;  desesperados e de fora verão o grande banquete do Reino (Is 25,6-8). Cf. os hedonistas insensatos ao comparecer ao julgamento: “Ao vê-lo, estremecerão de pavor, atônitos diante da salvação inesperada; dirão… entre soluços de angústia: … nós insensatos!” (Sb 5,2-4). Os convidados serão os patriarcas do povo de Israel (Abraão, Isaac e Jacó) e muitos pagãos (em Mt 8,12 a frase esta inserida na cura do servo-filho do centurião romano) das quatro partes do mundo, cf. Sl 107,3: “todos os resgatados do Senhor”.

Inspirado em Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27 etc., o judaísmo apresentou a era messiânica muitas vezes sob a imagem de um festim (cf. 14,15s; 16-24; 22,16.18.30; Mt 22,2-14; 26,29p; Ap 3,20; 19,9) em que os eleitos estão reunidos ao redor dos patriarcas e dos profetas (cf. Lázaro no seio de Abraão em 16,22). Para pertencer ao povo de Deus, não basta pertencer à raça de Abraão (cf. 3,8p; Jo 8,33-41), mas é preciso acolher Jesus, para ser conhecido pelo juiz (vv. 25-27).

Jesus vislumbra a rejeição do messias e do evangelho pelo seu próprio povo (cf. Mt 27,25), enquanto os pagãos demonstram mais abertura, “abrindo a porta da fé” (At 14,27; cf. At 13,46-48; 18,5s, etc.). Eles vão tomar o lugar daqueles judeus, herdeiros naturais das promessas (cf. Mt 21,43; Rm 9,3-5), mas não acreditando no Cristo ficarão “fora nas trevas” (Mt 22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. Mt 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30). Enquanto Mt 8,12 dirige esta ameaça ao conjunto de judeus, Lc só visa aos ouvintes incrédulos de Jesus.

E assim há últimos que serão primeiros e primeiros que serão últimos (v. 30).

Este provérbio é de aplicação múltipla nos evangelhos (cf. Mt 19,30; 20,16; Mc 10,31). Alguns que foram chamados primeiro serão os últimos (e não entrarão); outros chamados na última hora se adiantarão aos primeiros lugares.

O site da CNBB comenta: A porta larga que o mundo oferece para as pessoas é a busca da felicidade a partir do acúmulo de bens e de riquezas. A porta estreita é aquela dos que colocam somente em Deus a causa da própria felicidade e procuram encontrar em Deus o sentido para a sua vida. De fato, muitas pessoas falam de Deus e praticam atos religiosos, porém suas vidas são marcadas pelo interesse material, sendo que até mesmo a religião se torna um meio para o maior crescimento material, seja através da busca da projeção da própria pessoa através da instituição religiosa, seja por meio de orações que são muito mais petições relacionadas com o mundo da matéria do que um encontro pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Passar pela porta estreita significa assumir que Deus é o centro da nossa vida.

Voltar