5 de Novembro de 2019, Terça-feira: Então o dono da casa ficou muito zangado e disse ao empregado: “Sai depressa pelas praças e ruas da cidade. Traze para cá os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (v. 21).

31ª Semana do Tempo Comum

Leitura: Rm 12,5-16

Depois da parte teórica sobre a doutrina (sobre a justificação pela fé em Rm 1-8 e o destino dos judeus em Rm 9-11), Paulo parte para segunda parte da carta (Rm 12-16), a parênese, ou seja, a exortação prática, como é seu costume em quase todas as cartas.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2193) comenta: A misericórdia de Deus, da qual se tratou no começo da epístola e especialmente nos caps. 9-11 (cf. Rm 11,21), provoca em resposta uma atitude de oferta de si que se deve manifestar na vida das comunidades cristãs (cf. Rm 6,19).

A nossa liturgia omitiu os vv. 1-4 (cf. 4º Domingo do Advento, ano A). Na leitura de hoje compara a comunidade com um organismo, o corpo de Cristo e depois dá umas breves orientações.

Assim nós, embora muitos, somos em Cristo um só corpo e, todos membros uns dos outros (v. 5).

A fórmula empregada expressa menos a identificação de todos os cristãos com Cristo (1Cor 12,27) do que a sua dependência mútua. “A medida da fé que Deus proporcionou a cada um” (v. 3) é ilustrada com a comparação de um organismo (mais desenvolvida em 1Cor 12; cf. Ef 4,7-16). A Bíblia do Peregrino (p. 2729) comenta: A medida do órgão é sua função no conjunto. O organismo é uno e plural: o princípio de unidade é Cristo. Daí a dupla relação de cada membro: com seu princípio e com os demais membros. As funções são os dons recebidos.

Temos dons diferentes, de acordo com a graça dada a cada um de nós: se é a profecia, exerçamo-la em harmonia com a fé; se é o serviço, pratiquemos o serviço; se é o dom de ensinar, consagremo-nos ao ensino; se é o dom de exortar, exortemos. Quem distribui donativos faça-o com simplicidade; quem preside presida com solicitude; quem se dedica a obras de misericórdia, faça-o com alegria (vv. 6-8).

Como uma pessoa age através do seu corpo, assim Cristo age através da sua Igreja; e num corpo todos os membros estão ligados um ao outro em mútua necessidade, assim é também na Igreja e na comunidade. Com seus dons (charisma em grego) específicos, cada membro deve edificar a comunidade e os outros membros. Esta série de sete dons-carismas não pretende ser exaustiva, nem deve desintegrar a unidade, nem propõe uma hierarquia, mas destaca sempre a disponibilidade.

A “profecia” se destina à fé, não a satisfazer a curiosidade: “em harmonia com a fé”, ou “segundo a norma de fé” (cf. 1Cor 12,3, onde a “confissão de fé” constitui o sinal da autenticidade dos carismas). A palavra “serviço” parece ser tomada aqui no sentido técnico: é o ministério diaconal a serviço da ajuda aos necessitados e infelizes. A partilha (“distribuir donativos”) não pede medida, e sim generosidade (o termo grego significa ausência de mistura, pureza, “simplicidade”, ou seja, sem segundas intenções, cf. Mt 6,22). “Quem preside” à Igreja (1Ts 5,12), ou preside à repartição dos dons (talvez as duas funções fossem acumuladas)? O bom humor (“alegria”) é medida de compaixão, das “obras da misericórdia” (2Cor 9,7).

O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros com terna afeição, prevenindo-vos com atenções recíprocas (vv. 9-10).

Como em 1Cor 12-13, o “amor fraterno” (caridade; em grego: agape) é o dom acima dos carismas particulares e todos devem praticá-lo (cf. Cl 3,14; Jo 13,34), “sem fingir” (cf. 1Tm 1,5; 1Pd 1,22; 4,10s) e com estima do outro (cf. Fl 2,3). “Detestai o mal, apegai-vos ao bem” (cf. Am 5,15).

Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor, alegres por causa da esperança, fortes nas tribulações, perseverantes na oração (vv. 11-12).

Paulo é trabalhador e detesta a preguiça (cf. 1Cor 9; 15,10; 2Ts 3,6-9 etc.). O zelo cristão é movido pelo Espírito, não por bens materiais (cf. 14,17; 1Ts 5,17). “Servindo ao Senhor” designa provavelmente servir a Cristo (variação de texto: “atentos à ocasião oportuna”, cf. Ef 5,16).

Paulo persevera na “alegria” mesmo nas prisões (cf. Fl 1,4.18.25; 2,2.12.28s; 3,1; 4,1.4.10), é “forte” nas diversas tribulações e fraquezas (cf. 2Cor 11,23-12,10) e perseverante na oração (cf. 1 Ts 5,17; Cl 4,2; Lc 11,5-13; 18,1-8; At 1,14; 6,4; 13,2s).

Socorrei os santos em suas necessidades, persisti na prática da hospitalidade (v. 13).

Os “santos” que têm “suas necessidades” são os próprios cristãos consagrados pelo batismo (cf. 1,7; 15,25; 1Cor 1,2; Ef 5,26; At 9,13; etc.). A hospitalidade é dever sagrado na Bíblia (cf. Gn 18-19; 1Pd 4,9; Hb 13,2 etc.)

Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis (v. 14).

O próprio Jesus falou do amor aos inimigos em vez da vingança (Mt 5,38-48; Lc 6,27-35). Abençoar os perseguidores (cf. Mt 5,44; 1Cor 4,12) pode excluir também o apelo ou a súplica à justiça vindicativa; ou seja, supera a espiritualidade de alguns salmos que pedem vingança (ex. Sl 137,8s).

Mas Paulo sabe que no AT também existe a recomendação de não se vingar (cf. Lv 19,18) e fazer o bem até aos inimigos. Por isso, nos vv. seguintes (vv. 17-20), cita Pr 25,21s para “vencer o mal com o bem” (v. 21; cf. 1Ts 5,15). O horizonte alarga-se e estende-se a toda humanidade, sobretudo a partir do v. 17.

Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram (v. 15).

Paulo se faz servo solidário para com todos (cf. 1Cor 9,19-21; cf. Pr 25,20; Eclo 7,34). Nesta linha, o Concílio Vaticano II introduz a constituição pastoral Gaudium et Spes com as seguintes palavras:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração (GS 1).

Mantende um bom entendimento uns com os outros; não vos deixeis levar pelo gosto de grandeza, mas acomodai-vos às coisas humildes (v. 16a).

Embora o apóstolo não o diga expressamente, implica que a humildade favorece a caridade (Pr 3,7; Is 5,21). Devemos imitar os sentimentos de Jesus Cristo, do Filho de Deus que se tornou servo, se humilhou e por isso foi exaltado (Fl 2,5-11). Como Paulo já disse em v. 2: “Não vos conformeis com este mundo, e sim transformai-vos com uma mentalidade nova” (cf. v. 2; Mc 9,30-37p; 10,32-45p; Mt 23,12; Lc 14,11; 18,14, etc.).

 

Evangelho: Lc 14,15-24

No cap. 14, Lc juntou trechos com o tema comum de convite e banquete. Podemos relacioná-los com a relação de judeus e cristãos, de comunhão e eucaristia.

Um homem que estava à mesa disse a Jesus: “Feliz aquele que come o pão no Reino de Deus!” (v. 15).

A exclamação do homem (só pode ser um dos fariseus, cf. vv. 1.13.12) se liga com a frase final do evangelho de ontem (“a ressurreição dos justos”, v. 14). O fariseu se considera incluído entre esses justos e sonha com a sorte de participar do banquete com que o messias inaugurará seu reinado (13,28; Is 25,7-9; 65,13-14). Cf. o novo sentido na frase do Apocalipse: “Felizes os convidados para o casamento do Cordeiro” (Ap 19,9).

Esta introdução é próprio de Lc; a resposta de Jesus, a parábola seguinte (vv. 16-24), encontramos também em Mt 22,2-10, portanto Mt e Lc a tiraram da fonte Q (coleção de palavras que se perdeu na história mas se preservou dentro nestes dois evangelhos).

Um homem deu um grande banquete e convidou muitas pessoas (v. 16).

Jesus responde com uma parábola que freia e desvia esperança ou presunção semelhantes ao do fariseu. Um “banquete” é “grande” pelo número de convidados e a qualidade dos manjares. “Muitas pessoas” receberam o primeiro convite e aceitaram.

Na hora do banquete, mandou seu empregado dizer aos convidados: “Vinde, pois tudo está pronto”. Mas todos, um a um, começaram a dar desculpas (vv. 17-18a).

Chega a “hora”, com banquete preparado, e os convidados recebem o segundo convite. Conforme o uso oriental, os convidados foram avisados de longa data; no último momento, ao anfitrião manda um servo procurá-los (cf. Est 5,8; 6,14). Nesse momento começam voltar atrás com diversas desculpas. De fato, é faltar à palavra e ofender gravemente o anfitrião.

O primeiro disse: “Comprei um campo, e preciso ir vê-lo. Peço-te que aceites minhas desculpas”. Um outro disse: “Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-las. Peço-te que aceites minhas desculpas”. Um terceiro disse: “Acabo de me casar e, por isso, não posso ir” (vv. 18b-20).

Suas desculpas recordam os “espinheiros” da parábola do semeador (8,14). Negócios, trabalho, família, embora sejam atividades honestas, impedem realmente de comparecer a um banquete? Os convidados foram muitos (v. 16), mas a parábola só apresenta três (tipos) deles (cf. 10,33); o último se justifica, mas nem sequer se escusa (talvez Lc alude a isso em 14,26)

O empregado voltou e contou tudo ao patrão. Então o dono da casa ficou muito zangado e disse ao empregado: “Sai depressa pelas praças e ruas da cidade. Traze para cá os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (v. 21).

O “dono da casa” ficou zangado, mas não desiste nem quer que se percam os manjares preparados. Como se exaltasse presenteado, hospedando. Sua generosidade não é condicionada pelo interesse ou pela qualidade dos hóspedes. Faz um duplo convite, primeiro na cidade às categorias de antes, “os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (v. 13); Lc deve ver neles os pobres de Israel (cf. 6,20).

O empregado disse: “Senhor, o que tu mandaste fazer foi feito, e ainda há lugar”. O patrão disse ao empregado: “Sai pelas estradas e atalhos, e obriga as pessoas a virem aqui, para que minha casa fique cheia”. Pois eu vos digo: nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete” (vv. 22-24).

Como ainda há lugar, faz o segundo convite: aos arredores, aos que encontrarem. Após “as praças e ruas da cidade” do v. 21, “as estradas e atalhos” do v. 23 parecem ser fora da cidade; lá se aglomeram duas categorias diferentes: de uma parte, outros pobres e os “impuros” (leprosos: 5,12-16p; 17,11-19; cf. Lv 13,46) em Israel; de outra, os pagãos.

Como estes resistirão, envergonhados ou incrédulos, será preciso trazê-los e forçá-los amistosamente (!). Não se trata de um ato de violência, mas de convite premente (cf. 24,29; At 16,15). A “força” empregada para introduzir esses míseros quer apenas exprimir o triunfo da graça sobre sua falta de preparação, e não uma violação de sua consciência. E bem conhecido e abuso feito, no decurso da história, deste compelle intrare.

Infelizmente, na história da Igreja, a expressão “obriga as pessoas a virem aqui”, foi usada para justificar violência na missão (ex. inquisição, guerras santas, conquistas de terras pagãs) e forçar conversões em massas de judeus ou pagãos. Foi uma interpretação má, porque numa parábola deve se olhar para o a moral, ou seja, o foco da história, e não se prender em detalhes ilustrativos. Deve se praticar o amor (cf. Jo 13,35) e nunca a violência se quiser converter alguém para acreditar em Jesus que ensinou (e praticou) a não-violência e o amor aos inimigos (cf. Lc 6,27-36; 23,34). É um distintivo da religião cristã, que nosso fundador nunca usou de violência nem incitou guerras justas (como fizeram Moisés e Maomé).

A parábola pôde ser aplicada a judeus que resistiram e a pagãos que responderam. Em Mt 22,1-14, a parábola tornou-se um esboço da história da salvação: o anfitrião é um rei que convida para festa do casamento do seu filho (messias); os convidados (judeus), porém, não aceitam o convite, alguns maltratam e matam os servos do rei (como na parábola dos vinhateiros assassinos, Mc 12,1-12p). O rei irado manda suas tropas e “incendiou-lhes a cidade” (Mt 22,7; alusão à destruição de Jerusalém na guerra judaica em 70 d.C.; cf. Mt 21,41; Lc 19,41-44; 23,28-31). Depois o rei convida os outros de fora (pagãos).

Mas a parábola é aplicável também dentro da Igreja (cf. Mt 22,11-14), pela sua dimensão escatológica (cf. 1Cor 1,26-29). Os primeiros foram escolhidos por vontade do anfitrião, os segundos são convidados em sua condição de marginalizados. Eles acorrem e enchem a casa. Os outros ficam definitivamente excluídos. Deus dá a todos. É o ser humano quem recusa aceitar. Quem recusa o dom ofende o doador.

O site da CNBB comenta: Todas as pessoas são convidadas para participar do banquete do Reino de Deus, porém nem todos respondem a esse convite de modo positivo. Por que? Porque existem muitos interesses em jogo e a maioria das pessoas não coloca Deus em primeiro lugar na sua vida, de modo outros valores passam a ter maior importância para ela. Porém aquelas pessoas que nada possuem, os desvalidos e excluídos deste mundo, são os primeiros a reconhecer a importância do Reino de Deus em suas vidas e sempre respondem de forma positiva ao convite que lhes é feito por Deus. Por isso, os pequenos estão sempre presentes no banquete do Reino dos céus.

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