6 de Fevereiro de 2020, Quinta-feira: Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros (v. 7).

4ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 1Rs 2,1-4.10-12

Os dois livros de Reis são a continuação dos livros de Samuel e pertencem a mesma história deuteronomista (Js – 2 Rs). Enquanto 1-2Sm narram a instituição da monarquia, a ascensão e o reinado de Davi, 1-2Rs contam a história dos reis depois de Davi, do seu sucessor Salomão até o fim da monarquia com a destruição de Jerusalém pelo exército babilônico. Abrangem acontecimentos de 971 a 561 a.C.

Nos dois primeiros capítulos de 1Rs, Salomão consegue vencer seu rival e meio-irmão Adonias e, com as intrigas da sua mãe Betsabeia (cf. 2Sm 11-12), assumir o trono. Por indicação de Davi, Salomão foi ungido pelo profeta Natã e pelo sacerdote Sadoc e, montado numa mula, foi aclamado pelo povo (1,28-40.44s).

Aproximando-se o fim da sua vida, Davi deu estas instruções a seu filho Salomão: (v. 1).

Já em 2Sm 23,1-7 atribui-se a Davi (como a Jacó em Gn 49 e a Moisés em Dt 33) umas “últimas palavras” em estilo poético. Mas o testamento de Davi em 1Rs 2,1-9 está mais próximo da história. Este “testamento”, em que Davi confia a Salomão a execução de suas vinganças pessoais (vv. 5-9 omitidos pela nossa leitura), reflete as ideias da época do AT (Antigo Testamento) sobre vingança do sangue e sobre a eficácia persistente das maldições (cf. v. 8).

Os vv. 3-4 são uma edição ao antigo relato no estilo deuteronômio lembrando que a autoridade política não está acima da lei (cf. a lei para o rei em Dt 17,14-20); portanto, não deve agir arbitrariamente.

“Vou seguir o caminho de todos os mortais. Sê corajoso e porta-te como um homem. Observa os preceitos do Senhor, teu Deus, andando em seus caminhos, observando seus estatutos, seus mandamentos, seus preceitos e seus ensinamentos, como estão escritos na lei de Moisés. E assim serás bem sucedido em tudo o que fizeres e em todos os teus projetos” (vv. 2-3).

O testemunho de Davi começa com uma exortação em estilo deuteronomista (destacando a importância de cumprir a lei, cf. Js 23,14; Dt 8,6; 17,18s). É parecido com o primeiro capítulo de Josué e recorda o testamento de Samuel (1Sm 12).

O conselho de seguir a lei de Moisés – coisa que Salomão não fez (8,15-23; 10,29-11,13; cf. Dt 17,14-20) – mostra que o texto é tardio, parece ter sido acrescentado depois da reforma do rei Josias, quando a “lei de Moises” equivalia ao Deuteronômio (cf. 2Rs 22,8-23,3); e também quando já acontecera o exílio babilônico, que projeta sua sombra trágica sobre as últimas palavras de Davi.

“Então o Senhor cumprirá a promessa que me fez, dizendo: Se teus filhos conservarem uma boa conduta, caminhando com lealdade diante de mim, com todo o seu coração e com toda a sua alma, jamais te faltará um sucessor no trono de Israel” (v. 4).

A geração do (pós-)exílio devia saber que a continuidade dinástica (prometida a Davi em 2Sm 7,12-16) estava subordinada ao cumprimento da aliança e também que ainda era possível o restabelecimento de tal promessa pelo caminho da fidelidade à aliança. Aquele que inseriu estas palavras nos diz que a história da monarquia deve ser lida a luz desses tremendos fatos.

E Davi adormeceu com seus pais e foi sepultado na cidade de Davi. O tempo que Davi reinou em Israel foi de quarenta anos: sete anos em Hebron e trinta e três em Jerusalém (vv. 10-11).

O “túmulo de Davi” que é mostrado ainda hoje em Jerusalém no monte Sião. A Bíblia do Peregrino (p. 614) comenta: Aquilo que hoje é mostrado e venerado como sepulcro de Davi é uma ficção tardia, mas reflete a estima do povo por seu rei e fundador da dinastia. Não o enterram no sepulcro da família (como foi feito com os Juízes e Saul), mas na nova capital que ele conquistou, como perpetuando na morte sua posse adquirida, algo semelhante ao venerável sepulcro do patriarca Abraão em Hebron. O sepulcro de Davi acrescenta importância e força de atração a capital do reino unificado de Israel e Judá.

No seu sermão no dia de Pentecostes, o apóstolo Pedro se refere ao túmulo de Davi (cf. At 2,29). A Bíblia de Jerusalém (p. 2050) comenta: Uma interpretação abusiva deste versículo deu origem à lenda do túmulo de Davi, venerado hoje no local tradicional do Cenáculo, na colina ocidental que desde os primeiros séculos cristãos, recebeu o nome de Sião.

O v. 11 (cf. 2Sm 5,5) mostra que é uma monarquia dualista, um reino unido (Israel, Judá) agitado pelas lutas internas (cf. a revolta de Absalão, 2Sm 15-20) até a cisão em 1Rs 12. Davi foi ungido rei três vezes: por Samuel em Belém (1Sm 16,13), em Hebron pelos homens de Judá (2Sm 2,4) e sete anos depois pelos anciãos de todas as tribos de Israel (2Sm 5,3). Não se pode datar com segurança o início do reinado de Davi; deve-se situar por volta de 1000 a.C. Hoje em dia se coloca a sucessão de Salomão no ano 971 a. C.; a morte de Davi aconteceu um pouco mais tarde.

Salomão sucedeu no trono a seu pai Davi e seu reino ficou solidamente estabelecido (v. 12).

A Bíblia do Peregrino (p. 603) comenta como o “seu reino ficou solidamente estabelecido” (cf. vv. 5-9 e o resto do capítulo): O reino que se consolida é o fundado por Davi: é a obra inteira da monarquia unificada da soberania sobre reinos vassalos do novo regime monárquico. Para consolidar sua posição, Salomão se antecipa eliminando inimigos presentes e potenciais em parte cumprindo o testamento do pai, em parte vigiando o seu rival. O tema do capítulo é a primeira etapa sangrenta de consolidação. O narrador não esconde nem acha escandaloso que a continuidade dinástica e o reino do rei prudente tenham de ser garantidos com um banho de sangue. Trata-se de quatro figuras importantes e representativas: Adonias pela casa real, Joab pelo exército, Abiatar pelo sacerdócio, Semei pela tribo de Saul. Cada qual poderoso a seu modo; unidos seriam capazes de derrubar a casa do rei.

 

Evangelho: Mc 6,7-13

Vocação (chamado) e missão (envio) são dois momentos complementares (cf. Is 6; Jr 1,5-8.17; Ef 2-3; At 13,2-3). Assim o envio no evangelho de hoje é complemento da escolha dos doze (3,13-19).

Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros (v. 7).

Jesus chamou os doze e começou a “enviá-los”, em grego apostéllein (enviar) daí o nome “apóstolos” que significa “enviados, missionários” que Mc usa só em 6,30, mas ainda não como título (como se torna depois em Lc). Eles saem “dois a dois”, não só pela ajuda mútua (cf. Ecl 4,9-12: “melhor dois juntos que alguém sozinho”), mas também como testemunhas (cf. Dt 17,6; 19,15; Mt 18,16; 2Cor 13; 1Tm 5,19; Hb 10,28) do anúncio e também do julgamento (em caso de rejeição, v. 11). Eles devem ampliar e prolongar a atividade de Jesus, ou seja, pregar, curar e expulsar demônios (cf. 3,14s).

Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas (vv. 8-9).

Os enviados (apóstolos) podem levar um “cajado”, bastão de andarilho (cf. Gn 32,11; nos textos paralelos, nem o cajado e nem as sandálias, cf. Mt 10,10; Lc 9,3; 10,4), mas duas túnicas eram consideradas luxo. O estilo desses missionários é muito simples e radical, mas tem sua validade hoje também. É preciso simplicidade, desapego, coerência material com a mensagem espiritual da fé (confiança em Deus). Vários santos se inspiraram nestas palavras (St.º Antão; S. Francisco). Uma atualização interessante deste evangelho é o “Pacto das catacumbas” de vários bispos no final do Vaticano II, entre eles D. Helder Câmara, que se comprometeram a levar uma vida simples como seu povo.

E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” (vv. 10-11).

Não devem levar dinheiro nem provisões de reserva, porque viverão da diária e da hospitalidade generosa das comunidades. Não devem abusar nem explorar casas, nem devem desprezar a hospitalidade (cf. Gn 18): “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida” (v. 10). Faz sentido se pensar numa fundação de comunidade (cf. At 9,43; 12,12; 16,14-15.40; 18,1-3).

Mc passa da casa logo para o lugar, “se em algum lugar não vos receberem… sacudi a poeira dos pés como testemunho contra eles” (v. 11). Trata-se de uma ação simbólica que toma o pó como sinal (2Rs 5,17): nado do território ignorante e culpado se apegue aos apóstolos (At 13,51). A boa notícia (evangelho) se torna juízo e condenação para quem a rejeita.

Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo (vv. 12-13).

Os apóstolos repetem a atividade inicial de Jesus no primeiro capítulo: pregam a conversão (cf. 1,14-15), expulsam demônios (cf. 1,21-27) e curam doentes (cf. 1,29-42) “ungindo-os com óleo” (v. 13).  A unção pode ser remédio terapêutico (cf. Lc 10,34; Is 1,6) e passa a ser símbolo (sacramento) de cura (Tg 5,14). O óleo simboliza a força (cf. a energia do petróleo) que falta aos doentes.

O site da CNBB resume: Quem é verdadeiramente discípulo de Jesus não deve pensar em si próprio, mas deve viver em função das outras pessoas, preocupar-se com os seus problemas e necessidades, ir ao encontro de todos para levar o Evangelho, a motivação para a conversão e a esperança de uma vida melhor. Nós fomos enviados por Jesus para realizar essa missão. Não devemos levar nada que seja para nós, além do que seja estritamente necessário, pois não devemos nos preocupar com o nosso bem estar, mas sim com o dos nossos irmãos e irmãs. Somente com este espírito é que podemos participar da obra evangelizadora de Cristo.

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