6 de Janeiro de 2020, Segunda-feira: Daí em diante, Jesus começou a pregar, dizendo: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (v. 17).

Tempo do Natal depois da Epifania

Leitura: 1Jo 3,22-4,6

Continuamos na carta de Jo nesta última semana no tempo de Natal. Na leitura de hoje, a primeira parte resume os pensamentos anteriores: Só quem crê em Jesus Cristo, pode estar em Deus e está fé se comprova pelo amor fraterno (vv. 22-24). A segunda parte convida para discernir os espíritos a partir da confissão da fé na encarnação (4,1-3). A terceira parte destaca a diferença entre Deus e o mundo ao qual pertencem os hereges.

Qualquer coisa que pedimos, recebemos dele, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é do seu agrado. Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu (3,22-23).

O trecho de hoje afirma que qualquer coisa que pedimos, recebemos de Deus (cf. Jr 29,12-13; Mt 7,7-11; Mc 11,24), mas esta certeza depende da fé, ou seja, da adesão à pessoa de Jesus (“em seu nome”, v. 23), a sua Palavra e seus mandamentos (Jo 14,13-14; 15,7.16; 16,23). Deus permanece naquele que guarda seus mandamentos (v. 24) e sintoniza (com seu Espírito) o pedido com a vontade divina (cf. Jo 14,21-23).

Ao mandamento do amor mútuo (2,7-11; Jo 13,34; 15,12.17; 1Ts 4,9; 1Pd 1,22) acrescente-se aqui “que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo” (cf. Jo 6,29). Pela primeira vez na carta, o autor utiliza aqui o verbo “crer” a fim de preparar o próximo parágrafo sobre a fé e o discernimento dos espíritos (4,1-6). Ainda não se trata da fé interior (cf. 5,1-13), mas da adesão comunitária a um credo.

Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele. Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que ele nos deu (3,24).

Deus permanece naquele que guarda seus mandamentos (cf. Jo 14,21-23) através do seu Espírito (v. 24). Também a palavra “Espírito” é aqui mencionada pela primeira vez (cf. “unção” em 2,20.27). Sem referir-se aos dons carismáticos ou à experiência pessoal do Espírito em nós (cf. Rm 8,16), João pensa antes no Espírito que suscita nossa confissão de fé e nosso amor fraterno (v. 23) e nos permite reconhecer que estamos em comunhão com Deus (1,6s; 2,10.24.27s).

Caríssimos, não acrediteis em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo (4,1).

No AT, opõe-se ao Espírito do Senhor, dinâmico e benigno, um espírito maligno (cf. 1Sm 16,13-14). Como a profecia é dom do Espírito (2Rs 2,9.15), distinguem-se o espírito verdadeiro e o falso (cf. 1Rs 22; Jr 28). É preciso discernir os espíritos (cf. 1Ts 5,19-20; Dt 13,2-6) e “examinar”, se aqueles que dizem “ser do espírito de Deus” não são, na realidade, conduzidos pelo espírito “do mundo” (v. 5); serão reconhecidos pelos frutos (Mt 7,15-20) e por suas afinidades (2,3-6.13-14), sobretudo pelo que dizem de Cristo.

Este é o critério para saber se uma inspiração vem de Deus: todo espírito que leva a professar que Jesus Cristo veio na carne é de Deus; e todo espírito que não professa a fé em Jesus não é de Deus; é o espírito do anticristo (4,2-3a).

Como Paulo em 1Cor 12,3, João quer oferecer um critério simples: a pedra de toque é a encarnação de Jesus Cristo. Os falsos profetas não professam Jesus. Em lugar de “não professa”, alguns manuscritos gregos têm uma versão talvez mais primitiva: “todo espírito que dissolve/divide Jesus não é de Deus” (v. 3), ou seja, que dissolve sua realidade humana da sua função messiânica, ou seja, que dissocia o Cristo, ser celeste e glorioso, do homem Jesus, que viveu e morreu por nós.  A heresia condenada é um docetismo (fé na aparência) incipiente. Para os docetistas, o Cristo não assumiu a dor da carne na cruz, mas só ”pareceu” sofrendo, semelhante a um ator que “encarna um personagem”, mas não sofre de verdade (atrás dessa doutrina está a idéia grega de que um deus não pode sofrer, porque está na alegria eterna: o sofrimento é perda ou mudança; mas Deus é eterno, nunca muda, portanto nunca sofre).

Ouvistes dizer que o anticristo virá; pois bem, ele já está no mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e vós vencestes o anticristo. Pois convosco está quem é maior do que aquele que está no mundo. Os vossos adversários são do mundo; por isso, agem conforme o mundo, e o mundo lhes presta ouvidos (4,3b-5).

O autor já falava sobre o anticristo em 2,18-22 e do mundo em 2,15-17. “Anticristo” é o rival do Messias autêntico. Ele se enfurece, antes de tudo, contra a verdadeira fé em Cristo, Filho de Deus (2,22; 4,2-3; cf. 5,5; Jo 1,18), nega que Jesus seja o Messias e afirma seu próprio messianismo (2,22; 4,3; 2Ts 2,3-4). Se o conceito pode vir de 2Ts 2,1-10 (cf. também a besta de Ap 13,1-8 e já Dn 11,36), o nome “anticristo” parece cunhado por João. Equivale a anti-messias, pseudo-messias (Mt 24,23; Mc 13,21), com atitude de rivalidade e hostilidade. Preocupa a João a atividade de propagandistas (anticristos, 2,18) que semeiam confusão com seus enganos. Ele propõe critérios claros e simples de discernimento; junto com isso, apela para presença e ação do Espírito nos fiéis e para a tradição doutrinal que receberam.

“Mundo” tem aqui o valor negativo, corrente no quarto evangelho (Jo 12,31 etc., também Tg 4,4). A rejeição do mundo não quer dizer que não se deve amar ninguém fora da comunidade, mas significa que “não se deve conformar com este mundo” (Rm 12,2), com o conjunto de forças maléficas que se fecham para Deus e sua vontade. O mundo opõe-se ao Pai; segundo 5,19, “o mundo inteiro está sob o poder do maligno”, e aqui em v. 5, inclinado aos anticristos.

Já sendo criador, Deus é maior que o mundo, mas o mundo não quer reconhecer isso, quer se fechar no egoísmo e viver autônomo (cf. Jo 1,10s; Gn 3; cf. Lc 15,11-32); “presta ouvidos” aos anticristos que ensinam e “agem conforme o mundo”. Mas quem segue os mandamentos do criador, “vence o mundo” (5,4; Jo 16,33) e aquele maligno que está no mundo, o anticristo (2,13s).

Nós somos de Deus. Quem conhece a Deus, escuta-nos; quem não é de Deus não nos escuta. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro (4,6).

Quem tem a qualidade para o discernimento destes espíritos (doutrinas), são os pregadores do evangelho (os apóstolos, “nós”, v. 6; cf. At 15,28). Quem se abre ao conhecimento de Deus, o escuta (cf. Jo 18,37) e já venceu o anticristo (v. 4; cf. 2,13-14; 2Ts 2,4; Ap 2,7), o espírito do erro, graças à Palavra de Deus que é maior do que o mundo (cf. Mc 13,31; Ap 17,14).

O papa Bento XVI escreveu nos seus três livros sobre Jesus nos evangelhos contra a divisão de um Jesus da história (ser humano) e o Cristo da fé (ser divino), porque alguns separam o homem simples de Nazaré da fé da comunidade posterior que teria feita dele um ser divino. O papa diz que esta fé não é invenção, mas tem raiz e respalde na pregação e vida do próprio nazareno.

Salmo responsorial: Sl 2,7-8,10-12a

Os salmos na semana depois da Epifania são aclamações ao rei messias. Já o Sl 2 usa a palavra messias (“ungido” para ser rei, cf. Ex 30,25; 1Sm 10,1; 16,1.13) e apresenta Deus rindo (v. 4). Depois dos rebeldes (v. 3) e de Javé (v. 6), o messias toma a palavra. Consagrando-o rei sobre Israel (v. 6), Deus o declara “meu Filho, e hoje te gerei” (cf. 2Sm 7,12-14; Sl 89,27s; Mc 1,10p; Hb 1,5) seguindo um costume no Antigo Oriente (ex. na entronização do Faraó, que foi declarado filho do Deus solar). O soberano (Deus) oferece o cumprimento do pedido do novo rei (v. 8; cf. 1Sm 3,1-15; Sl 21,5). Depois, os reis das nações pagas são advertidos a prestar homenagem (vv. 10-12; cf. os magos do Oriente em Mt 2,11).

 

Evangelho: Mt 4,12-17.23-25

Os diversos evangelhos depois da Epifania apresentam atividades de Jesus adulto depois do Batismo. Mt toma come base o relato do Evangelho mais velho (Mc 1,14-21; 3,7s), mas acrescenta o cumprimento das profecias, importante para seus leitores judeu-cristãos.

Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galiléia (v. 12).

Apesar de ser o maior, “o mais forte” (3,11) e sem pecado (Hb 4,15), Jesus foi batizado por João (cf. 3,13-15) e depois tentado pelo diabo (4,1-11; leitura no 1º domingo da Quaresma). Quando João não podia mais continuar sua pregação, por ter sido preso por Herodes Antipas (Lc 3,19; Mt 11,2p; 14,3-12p), Jesus inicia sua atividade pública. Escolhe a região rural, Galileia, e não a capital e o centro religioso, Jerusalém.

Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galileia, no território de Zabulon e Neftali, (vv. 13-14a).

Deixando Nazaré, a cidade dos seus pais (cf. 2,23), foi morar em Cafarnaum, que será “sua cidade” (Mt 4,12-13; 9,1; Jo 2,12). Segundo os evangelhos sinóticos, foi lá onde os primeiros discípulos foram chamados (vv. 18-22 hoje omitidos, porque a vocação na versão de Jo 1,35-51 é lida nos dias 4 e 5 antes da epifania). Em Cafarnaum, Jesus começou realizar os primeiros milagres, nos evangelhos sinóticos (Mc 1,21-33; 2,1-12; 3,1-6 e par; em Jo 2,1-11 foi em Caná).

Para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: ”Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos! O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz” (vv. 14b-16).

Mt escreve para judeu-cristãos e quer mostrar que a escolha desta região e desta cidade é mais um cumprimento da profecia no AT, por isso cita Is 8,23-9,1 (cf. 1ª leitura da noite de Natal). Isaías deu um consolo ao reino do norte de Israel (três províncias anexadas pelos assírios em 732 a.C.). Mas para Mt, estas palavras são sinal de que a “luz” (cf. a estrela em 2,2), ou seja, a missão do Messias (cf. Is 9,5) não se restringe à capital de Jerusalém (sacerdotes, templo) ou ao deserto (João Batista), mas se dirige às nações (cf. Mt 2,1; 28,19). Galileia não era bem vista por ser uma região habitada por judeus de pouca formação e por “pagãos” (cf. Jo 7,40-52).

Daí em diante, Jesus começou a pregar, dizendo: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (v. 17).

Mt já havia antecipado o resumo da pregação de Jesus (“chegou o reino de Deus”, cf. Mc 1,15) na boca de João Batista (Mt 3,2); mas conforme o costume judaico de evitar o nome próprio de Deus (cf. Ex 20,7) e substituí-lo por “Nome” ou “Céus”, ele escreveu “Reino dos Céus”. As palavras “dos céus” não designam um reino celeste, mas aquele que está no céu (5,48; 6,9; 7,21) e reina sobre o mundo. Reinado dos Céus quer dizer que Deus – e não qualquer potência terrestre – toma o poder (finalmente, de novo; cf. Dn 2,44; 7,13s). Mt sabe, que o reino sempre pertence ao Senhor (Sl 22,29; 103,19; 145,11-13 etc.), mas este reino de sempre se aproxima agora na pessoa de Jesus.

Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo. E sua fama espalhou-se por toda a Síria. Levavam-lhe todos os doentes, que sofriam diversas enfermidades e tormentos: endemoninhados, epiléticos e paralíticos. E Jesus os curava. Numerosas multidões o seguiam, vindas da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia, e da região além do Jordão (vv. 23-25).

Para redigir o texto que ouvimos hoje, Mt copiou do evangelista Mc (Mt 4,12.17-25; cf. Mc 1,14-20.39; 3,7-8; 6,55), acrescentou a citação do AT (Is 8,23-9,1) e adiou a narração dos primeiros milagres (Mc 1,21-33 etc.), porque quer apresentar primeiramente o sermão da montanha (5,1-8,1). O evangelho de Mt é divido em cinco discursos (cada um seguido por narrações) aludindo aos cinco livros de Moisés (Penta-teuco). Para Mt, Jesus é um novo Moisés (cf. Mt 5; comparar a infância Mt 2,13-23 com Ex 1-2).

Para ter “coro”, bastante público no sermão da montanha, onde Jesus proclamará a nova lei (como Moisés no Sinai), Mt apresenta um resumo da atividade de Jesus (“pregando”, “curando”) que justifica a “fama” e o seguimento de “numerosas multidões” vindas de todo o Israel e sua redondeza (vv. 24-25). Este resumo de 4,23, Mt repete com as mesmas palavras em 9,35 antes do segundo discurso (sobre a missão dos discípulos).

O site da CNBB comenta: O evangelho de hoje nos mostra o início da missão de Jesus, sendo que dois elementos dessa missão se tornam mais evidentes: Jesus como luz e o teor da sua pregação. Jesus, luz que ilumina todo homem que vem a esse mundo, vai na direção de todos os que se encontram nas trevas do erro, do pecado e da morte para os exortar à conversão, a fim de que possam entrar no Reino de Deus. A partir disso, entendemos melhor a nossa missão evangelizadora: devemos ser transmissores da luz de Jesus para que todas as pessoas possam aderir à proposta do evangelho, se converter e assumir os valores do Reino de Deus que Jesus mostrou para todos nós.

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