7 de Abril de 2021, Quarta-feira na Oitava da Páscoa: Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus.

Quarta-feira na Oitava da Páscoa

Leitura: At 3,1-10

Como Jesus curou um paralítico (Lc 5,17-26), assim Pedro cura um “coxo de nascença” (v. 2; cf. Jo 9). O relato do primeiro milagre dos Atos (fora de Pentecostes) segue um esquema tradicional, mas com alguns detalhes diferentes. Esta cura é motivo de discursos de Pedro ao povo e ao sinédrio. Só no final deste ciclo, informa-se a idade do paralítico: “mais de quarenta anos” (4,22).

Pedro e João subiram ao Templo para a oração das três horas da tarde. Então trouxeram um homem, coxo de nascença, que costumavam colocar todos os dias na porta do Templo, chamada Formosa, a fim de que pedisse esmolas aos que entravam (vv. 1-2).

No início, o autor apresenta aqueles que curam e quem será curado, o deficiente físico. Pedro e João (cf. 8,51; 9,28; cf. Gl 2,9 “colunas da Igreja”) são a dupla mais importante dos apóstolos (já na lista dos apóstolos em 1,13, seus nomes constam em primeiro lugar. Só em 12,2, menciona-se o martírio de Tiago, filho de Zebedeu, que nas outras listas de Mc 3,17; Mt 10,2; Lc 6,14 constava antes do seu irmão João), um “par” (4,7.13,19) no qual João tem um papel mudo (3,4.12; 4,7-8.13.19). Esta proximidade de João e Pedro reforçou a tradição de identifica-lo com o autor do quarto evangelho (o discípulo amado, cf. Jo 13,23-25; 20,2-10; 21,7.20-24; cf. 18,15; 19,26s.35).

Os apóstolos costumam rezar no templo (cf. Lc 24,53; At 2,46). O templo fica numa colina (monte Sião), portanto “subiram” (cf. Lc 18,10). Para Lc, o templo é lugar de ensinamento e oração (cf. Lc 19,46s; At 2,46). A oração das três horas da tarde, hora do sacrifício vespertino (Ex 20,39-42; Lc 1,8-10), é horário propício para pedir esmolas, porque muitos fiéis passam pela porta do Templo (cf. 21,30; o calor do meio dia já passou). Pessoas anônimas “trouxeram um homem”. Era “coxo de nascença” como aquele que Paulo curou em 14,8-10.

Quando viu Pedro e João entrando no Templo, o homem pediu uma esmola. Os dois olharam bem para ele e Pedro disse: “Olha para nós!” O homem fitou neles o olhar, esperando receber alguma coisa (vv. 3-5).

O aleijado vivia de esmola, sem outra esperança. Do templo extraía somente a caridade dos visitantes e o cenário esplendido e ineficaz da “porta Formosa” (v. 10), talvez a porta dita “coríntia” que dava acesso ao átrio das mulheres.

A esmola era muito recomendada (Eclo 3,30; 7.10; Tb 4; 12), e o coxo se valia dela para continuar sobrevivendo. Os pobres normalmente pedem algum trocado de esmola. Para eles a sociedade reserva somente algumas moedinhas e migalhas de alimentos.

Os dois apóstolos, cheios da presença do Ressuscitado, dão um passo a mais e demonstram uma grande atenção, que se expressa no olhar mútuo (cf. Sl 145,14-15). O mendigo “viu” os apóstolos e pediu uma esmola. “Os dois olhavam bem para ele e Pedro disse: “Olha para nós”. O homem fitou neles o olhar… “ (vv. 3-5; cf. 1,11; Lc 4,20; Hb 12,2). Pedro e João rompem o esquema: Não desviam o olhar do pedinte, ao contrário. Pedro e João representam a Igreja, o aleijado encarna a situação do povo fraco e dependente. A Igreja precisa dar atenção aos pobres (cf. Papa Francisco).

Pedro então lhe disse: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda!” E pegando-lhe a mão direita, Pedro o levantou (vv. 6-7a).

Os apóstolos eram galileus, viviam do mundo da pesca e não teriam grandes somas. Pedro diz a verdade: “Não tenho ouro nem prata”. Ele continua o mesmo pescador do mar da Galileia, mas agora com uma diferença. Ele possui a maior riqueza: o poder vitorioso do Ressuscitado, “o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda”.

A riqueza (“ouro e prata”, cf. 20,33) não liberta; ao contrário, pode produzir novas formas de submissão e compreensão. Só o nome de Jesus é capaz de libertar o povo, fazendo-o levantar-se e caminhar.

Pedro não age em nome próprio, ele e João operam “em nome de Jesus Cristo” (v. 6). A riqueza que eles têm é Jesus Cristo, então dispõem da presença de Cristo em favor daquele pobre coitado. O apelo ao nome de Jesus é um tema importante em todo trecho de 3,1-4,31.

Na mesma hora, os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes. Então ele deu um pulo, ficou de pé e começou a andar. E entrou no Templo junto com Pedro e João, andando, pulando e louvando a Deus. O povo todo viu o homem andando e louvando a Deus. E reconheceram que era ele que pedia esmolas, sentado na porta Formosa do Templo. E ficaram admirados e espantados com o que havia acontecido com ele (7b-10).

Consta-se a cura com várias palavras. Resultado: “começou andar e entrou no templo junto com Pedro e João” para louvar a Deus. O “povo todo” ao redor representa Israel (cf. 3,12); ficou admirado e espantado (vv. 9-10), porque sem fé, o milagre só desperta perguntas que Pedro responderá em seguida (na leitura de amanhã).

 

Evangelho: Lc 24,13-35

Como nos relatos da paixão, os evangelistas também diferenciam nos detalhes de textos pascais, mas mantêm a afirmação fundamental: “Jesus ressuscitou. Ele está vivo” (vv. 5-6.23). Em Mc e Mt, o lugar de sua aparição é Galileia (cf. Jo 21), enquanto Lc concentra as aparições de Jesus em Jerusalém (vv. 13-52; At 1,3-9). Seus leitores greco-romanos não conhecem a geografia de Israel, talvez apenas a capital. Em Lc, a narrativa do evangelho começa e termina em Jerusalém (no templo: 1,9; 24.53), e nos Atos, a evangelização tem seu ponto de partida através dos apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, em Jerusalém (e termina depois em Roma). O caminho é um dos principais motivos em Lc e At: Jesus (já nascido no caminho em Belém) caminha com seus discípulos da Galileia a Jerusalém; os apóstolos levem o evangelho para fora de Israel, de Jerusalém a Roma.

Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém (v. 13).

Lc não narrou uma aparição do ressuscitado diante das mulheres (cf. Mt 28,9-10; Jo 20,11-18), mas sabia de aparições diante de “outros discípulos”, além dos onze apóstolos e de uma aparição ao Simão Pedro (v. 34; cf. Mc 16,7; 1Cor 15,4-7). Pedro é considerado a primeira testemunha, não na cronologia, mas em importância e referência, porque as mulheres não eram reconhecidas como testemunhas na época (cf. v. 11). Dois discípulos que não fazem parte dos Onze (vv. 13.33), um deles se chama “Cléofas” (v. 18; cf. Jo 19,25), iam a um povoado chamado “Emaús”, cerca de 11 km da capital.

Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido. Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles. Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não o reconheceram (vv. 14-16).

Antes da Páscoa, Jesus caminhava com seus discípulos da Galileia a Jerusalém (9,51-19,28). Como ressuscitado, caminha novamente com seus discípulos (e através do seu Espírito os acompanhará até os confins do mundo, cf. At 1,8). A religião dos primeiros cristãos foi chamada “Caminho” (At 9,2; 18,25-26; 19,9.23; 22,4; 24,14.22; cf. Sl 119,1; Mt 7,13-14; 22,16 Jo 14,6; 1Cor 4,17; 12,31; Hb 9,8; 10,19-22; 2Pd 2,2).

Estão deixando a cidade de Jerusalém, pressionados pelos fatos duros da paixão e vão para um povoado. “Enquanto conversavam, … o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles”, atento ao que estavam discutindo. Os dois estavam “como que cegos e não o reconheceram” (v. 16). “O aspecto do seu rosto estava alterado” (9,26). A ressurreição é uma nova criação (cf. 2Cor 5,17), uma nova realidade que precisa se revelar ainda aos olhos cegos por causa de lagrimas (Madalena no jardim: Jo 20,15) ou de descrença (Saulo-Paulo no caminho: At 9,1-19).

Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste, e um deles, chamado Cléofas, lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” Ele perguntou: “O que foi?” (vv. 17-19a).

Três perguntas em seguida demonstram a preferência de Lc para perguntas como meio didático. Aqui têm também função narrativa para iluminar em seguida a situação psicológica “triste” dos discípulos e seus pensamentos. Jesus se disfarça ignorante de tudo perguntando: “O que foi?”. Eles confundem Jesus com um dos muitos peregrinos que foram a Jerusalém para a festa da Páscoa e agora estão a caminho de volta (cf. 2,41-51).

Em Jo 19,25, em baixo da cruz de Jesus, estavam a “sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria a (mãe ou mulher) de Cléofas e Maria Madalena”. Não fica claro, se a tia de Jesus e a Maria de Cléofas são duas mulheres distintas ou a mesma pessoa. Se fossem a mesma pessoa, Cléofas devia ser um parente de Jesus, e Lc contaria aqui uma tradição pascal da família de Jesus. Lc já deixou transparecer que sua narrativa tem uma fonte na família de Jesus, ou seja, de Maria (cf. 2,19.51). Quem é a outra pessoa a caminho de Emaús? Em 10,1, Jesus enviou outros discípulos, além dos doze (cf. 9,1-6), “dois a dois à sua frente”. Este outro discípulo poderia ser uma mulher?

Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante de todo o povo. Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram! É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo e não encontraram o corpo dele. Então voltaram, dizendo que tinham visto anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A ele, porém, ninguém o viu” (vv. 19b-24).

Os dois discípulos conversam sobre os tristes acontecimentos da paixão. Chamam Jesus não de “Cristo” (messias, cf. 9,20), mas apenas “Jesus de Nazaré”. Reconhecem que foi um “profeta poderoso em obras e palavras” (v. 19). Mas as autoridades deles, “nossos sumos sacerdotes e nossos chefes” o “entregaram” a Pilatos “para ser condenado á morte” e o crucificaram (quem o crucificou foram os soldados romanos, mas os chefes judaicos exigiram de Pilatos esta morte).

“Nós esperávamos que ele fosse o libertador de Israel” (v. 21). Expressam o conceito nacionalista do messias que devia libertar Israel da opressão dos romanos. Mas já se passaram “três dias” (incluindo sexta, sábado e domingo, cf. v. 13) e nada! Quer dizer, “algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram ao túmulo e não encontraram o corpo de Jesus… A ele, porém, ninguém viu” (vv. 22-25; cf. vv 1-12). Mas, neste momento, Jesus está à frente dos olhos deles! Estão completamente cegos, porque estão tomados pelo peso dos acontecimentos e pela interpretação superficial que circulava. Só verá o ressuscitado quem tiver fé.

Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele (vv. 25-27).

Depois de escutá-los com calma, Jesus intervém, trazendo para eles uma iluminação da Escritura. Dá uma aula durante cerca de duas horas de caminhada, “começando por Moisés” (isto é, da lei; Dt 18,15.18; cf. At 3,22) “e passando pelos profetas” (Is 49,4.7; 50,4-9; 53 citado em At 8,32-33; o sofrimento de Jeremias; Zc 12,10; 13,7; etc.) de que o messias (Cristo) “devia” sofrer (vv. 26.44; 9,22; 17,25); significa que seu sofrimento era desígnio do Pai, mas devia ser também glorificado (Is 52,11-53,12; Sl 22,30; 73,17.24s).

Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Jesus entrou para ficar com eles (vv. 28-29).

A catequese de Jesus era para despertar a fé, devolver a esperança e estimular a caridade. Mais uma vez, Jesus disfarça, “fez de conta que ia mais adiante”. Mas os discípulos respondem com caridade, convidando o estranho num gesto de hospitalidade (cf. Gn 18,1-15; 19,1-3 etc.). “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Quem ajudará a quem? Sem Jesus, não a luz e esperança. Depois da ascensão de Jesus (cf. v. 51; At 1,1-11), como ele ficará presente na comunidade? “Jesus entrou para ficar com eles” (cf. Mt 28,20; Jo 14,23; Ap 3,20).

Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?” (vv. 30-32).

Enquanto Jesus falava, os corações dos dois arderam, mas seus olhos se abriram e o reconheceram somente quando ele “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía” (v. 30 cf. 8,16; em 22,19 continua: “Isto é meu corpo dado por vós”). Mas ao mesmo tempo, “desapareceu da frente deles” (cf. At 1,9; sua presença não é mais visível, mas sacramental; cf. At 8,26-39). O medo e a tristeza deram lugar à grande alegria no coração (cf. vv. 41.52; 2,10; etc.). Seu “coração” já sentia antes a presença de Jesus na Palavra anunciada (e explicada!) do que seus sentidos. A fé vem pelo ouvido, ou seja, pela pregação (cf. Dt 6,4; Rm 10,17).

Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão (vv. 33-35).

Estavam saindo da cidade e agora resolveram voltar para Jerusalém, à cidade violenta que matou o inocente, para contar aos “onze apóstolos reunidos com os outros” (v. 33). Estes afirmaram que “o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão” (cf. 1Cor 15,4s: “Cefas” é Pedro em hebraico). É uma frase que designa uma antiga profissão de fé: o resumo do fato e o nome da testemunha principal.

Não sabemos nada mais dessa aparição diante de Pedro. Na narrativa de Lc, aconteceu simultaneamente à de Emaús; sinal de que o ressuscitado não está mais preso aos limites do tempo e do espaço, se faz presente em todos os lugares e tempos onde houver fé (cf. 9,30; Jo 20,19.26).

Lc mostra nesta narração, como Jesus ressuscitado continua presente: no caminho, numa outra pessoa humana, no diálogo, na Escritura e na partilha (caridade, hospitalidade), na “fração do pão” (primeiro nome para a eucaristia; cf. At 2,42.46; 20,7.11; 27,35; 1Cor 10,16; 11,24; Lc 22,19). Significa que sem a Escritura, nós somos como cegos e não compreenderemos o que está acontecendo. É tempo de reler a palavra de Deus e de não abandonar a mesa da Eucaristia (da comunidade). As celebrações da Semana Santa foram muito participadas. As pessoas se ligam aos fatos dolorosos, agora é preciso que continuem. Se não retornam, podemos buscá-las para que possam compreender melhor a Escritura e possam repartir o pão com Jesus.

O site da CNBB comenta: Este trecho nos mostra todas as etapas do trabalho evangelizador. Inicialmente, as pessoas estão caminhando em comunidade. Ninguém caminha verdadeiramente quando está sozinho. Jesus é o verdadeiro evangelizador, que entra na caminhada das pessoas, caminha com elas. Durante a caminhada, faz seus corações arderem, porque desperta neles o amor, permanece com eles, formando uma nova comunidade, e se dá verdadeiramente a conhecer quando as pessoas dão respostas concretas aos apelos do amor, fazendo com que elas sejam novas testemunhas da ressurreição.

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