7 de Agosto de 2020, Sexta-feira: Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta (v. 27).

18ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Na 2,1.3; 3,1-3.6-7

Ouvimos hoje trechos da profecia de Naum sobre a destruição de Nínive, capital do Império Assírio que dominou o Oriente Médio nos séculos XIII e XII e IX a VII com o exército mais cruel da antiguidade. Ainda no tempo de Isaías, em 701 a.C., o rei assírio Senaquerib marchou contra Jerusalém, não invadiu a cidade, mas devastou o redor (2Rs 18-19; 2Cr 32). Depois os reis de Judá tinham que pagar tributo pesado. No templo de Jerusalém, foi construído um altar para o deus Assur (adorado como Baal) e prestado culto aos astros (2Rs 21,3-5). Por setenta anos, a profecia ficou calada. Só em 630, quando havia sinais de decadência da Assíria, outros profetas, Sofonias e Naum, surgiram e anunciaram a queda de Nínive.

A Bíblia Pastoral introduz o livrinho de Naum: Na história antiga, como na moderna, as grandes potências se sucedem e lutam encarniçadamente na ânsia de dominar o mundo e os homens. Este livro profético é a visão da queda de um desses impérios: a Assíria, o leão que enchia a toca de caça (2,13), o opressor de Israel (1,12-13). É um canto em que o oprimido sente próxima a libertação, porque o Império que domina as nações está prestes a vir abaixo.

Um salmo inicial mostra Javé como juiz que age na história (1,2-8). Ele é apresentado como o Deus ciumento e vingador, cheio de furor (1,2) e ao mesmo tempo como o Deus bom, o abrigo para os que são perseguidos (1,7). Já nesse salmo, Javé aparece como o Senhor de tudo e de todos, oprimidos e opressores, mas de maneira diferente. Nas sentenças seguintes (1,9-2,1), dirigidas alternadamente ao oprimido (Judá) e ao opressor (Assíria), Javé também se apresenta alternadamente, como vingador e bom.

A ruína de Nínive, capital da Assíria (2,2-3,19), é descrita de maneira grandiosa e sem meios-termos, não deixando dúvidas sobre quem destrói a capital sanguinária e idólatra: é o próprio Deus (2,14; 3,5: “eu estou contra você”).

Naum deixa bem claro: os grandes poderes do mundo não são eternos. Por mais que dominem e amontoem, por mais que oprimam e humilhem os pequenos, um dia eles ruirão como Nínive. Aliás, desaparecerão da história justamente porque agem dessa maneira. Sobre todos os opressores obstinados pesa o julgamento implacável de Deus, que toma o partido dos oprimidos.

Eis sobre os montes os passos de um mensageiro, que anuncia a paz. Ó Judá, celebra tuas festas, cumpre tuas promessas: nunca mais Belial pisará teu solo; ele foi aniquilado (2,1).

Num v. anterior (1,13), Deus declarou: “Agora vou quebrar o jugo que te oprime, farei saltar tuas correias” (cf. Is 5,29). Aqui o profeta convida a festejar a libertação que ele considera como fato já acontecido: pode ser a derrocada final ou a decadência irremediável.

O começo parece com Is 52,7-9: “Os passos de um mensageiro, que anuncia a paz” (lit. os pés de quem anuncia uma boa nova, de um “evangelista”). 2,1-3 pode ser um acréscimo posterior que celebra a volta do exílio da Babilônia (cf. Is 52,7): o mensageiro anuncia a paz, pois o opressor Belial foi destruído. Agora, é o povo quem faz festa.

As “festas” podem incluir uma romaria à capital para “cumprir as promessas”, os votos dos pronunciados durante a tribulação (Sl 65,2), feitos a Deus para alcançar libertação do inimigo.

A cidade de Nínive é nomeada só em 2,9 e 3,7; “Belial” é a palavra característica, antes do mais, de algo ou alguém “inútil” (cf. Dt 13,14), mais ou menos como nosso “vadio” (1Rs 21,13; Jó 34,18; Pr 6,12), para designar algo (Sl 41,9) ou alguém (Pr 16,27) muito mau, uma coisa a toa ou ídolo. Por isso, no judaísmo tardio, Belial (ou Beliar) virá a ser um nome de Satanás (cf. 2Cor 6,15). Etimologicamente Belial podia sugerir o lugar donde “nunca mais se sabe”, o Xeol (cf. Sl 18,5; 41,9; 101,3); por conseguinte aquilo que parece ter relação particular com as potências infernais, o caos como agitador, um subversivo, um inimigo do direito (Pr 19,28). Aqui se trata justamente daquele que aos olhos do profeta é o grande inimigo do direito dos povos, o “homem de intenções infernais” (1,11), ou seja, o rei de Nínive (Senaquerib ou Assurbanipal).

O Senhor há de restaurar a grandeza de Jacó, assim como a grandeza de Israel, pois os ladrões os saquearam e devastaram suas videiras (2,3).

O v. 3 interrompe a sequência normal entre os vv. 2 e 4 por isso vários críticos (e nossa liturgia) o colocam depois do v. 1 como um comentário a esse v; antes de continuar, nos vv. 4ss a descrição do último combate, a profecia lembra que o assalto de Nínive por Nabopolassar (rei da Babilônia, pai de Nabucodonosor) e de Ciáxares (rei da Média) no ano 612 é a ressurreição de Judá-Israel.

“O Senhor há de restaurar a grandeza de Jacó” (cf. Jr 29,14); outra tradução possível: “o Senhor volta com orgulho de Jacó”: como no Sl 126,1.4; todo reerguimento do povo está ligado a uma vinda do Senhor (Sf 3,14-20; Sl 6,3; 7,8; 71,20; 80,15; 85,7; 90,13; Tb 13,6 etc.) para “a grandeza (orgulho) de Israel” (cf. Am 6,8; Rm 2,17). O paralelismo Jacó-Israel (v. 3) parece sugerir que agora “Judá” (v. 1) leva o nome emblemático do povo escolhido.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 948) comenta:

Em geral, pensa-se que Jacó e Israel se equivalem para designar, como na segunda parte de Isaías (Is 40,27 etc.) e mesmo antes (Mq 3,1), aquilo que resta do povo da Aliança: os judaítas (cf. v. 1). Alguns ao contrario julgam haver um anúncio preciso de restauração das duas partes do povo eleito, como em Os 2,2; Is 11,13; Jr 3,18; 23,6; 31,27-28; 33,7; Ez 37,15-28; Zc 10,6 – restauração dependente do aniquilamento daqueles que acabaram com o reino do norte: os assírios -, Jacó, representando Judá, e Israel, o reino do Norte; ou pelo menos, a evocação da salvação do conjunto dos descendentes de Jacó, de “todas as famílias de Israel” (cf. Jr 31,1-33). No mesmo sentido, mas com novo ponto de vista, cf. Tg 1,1; Ap 7,4.

É uma alusão ao poema de Is 5,1-7 com a imagem clássica da vinha (sobre as depredações a que alude aqui, cf. 1,12.14): A “videira” é sinal da prosperidade da terra (Nm 13,23) e imagem do próprio povo: saltadores a haviam despojados sem chegar a destruí-la; agora Javé Deus lhe devolve seu esplendor vegetal (Sl 80,9-16).

Ai de ti, cidade sanguinária, cheia de imposturas, cheia de espoliação e de incessante rapinagem (3,1).

Nossa liturgia saltou o início da profecia sobre a quede de Ninive (2,2.4-14). Em 3,1, o profeta fala à cidade de Nínive, antes apresentada como grande predadora de toda a terra (2,12s). Outra tradução: “Miserável cidade sanguinária, toda fraude, repleta de rapinas que jamais larga sua presa!” (cf. Is 14,17, mas sabemos que os reis da assíria tinham de largar suas presas, p. ex. o faraó Necao I (cerca de 665 a.C.), o rei Baal de Tiro (661).

Estalo de chicotes, fragor de rodas, cavalos relinchando, ringir de carros impetuosos, cavaleiros à carga, espadas brilhando e lanças reluzentes, trucidados sem conta, mortos aos montes; cadáveres sem fim, tropeça-se sobre os corpos (3,2-3).

A força excepcional destes vv. reside no uso alucinante de palavras, que evocam sons, visões fugazes, presenças obsessivas, ações concisas. Tudo é anônimo, não individual. Acrescentam-se os abundantes efeitos sonoros. “Cadáveres sem fim”, cf. a morte dos primogênitos no Egito (Ex 12,30) e a derrota (epidemia) do exército de Senaquerib (2Rs 19,35).

A ruína de Nínive é acompanhada de um julgamento sobre os pecados que provocaram este castigo. Ao representar Nínive como uma “prostituta” (vv. 4-5, omitidos em nossa liturgia), Naum visa não tanto a sua idolatria (Nínive não é como Israel a esposa de Javé) e sua prostituição sagrada, mas antes a avidez e a habilidade com que impunha sobre os povos o seu poder para despojá-los: êxitos comerciais e política de adulações e hipocrisia com que preparava suas conquistas. Mas a “cidade sanguinária” (v. 1) cai, e suas seduções e enganos vêm a público (cf. Is 47,1-3; Jr 13,22-26; Ez 16,35-41; em Ap 17, Babilônia é apresentada como grande prostituta). Quem desmascara o império é Javé Deus: “Aqui estou eu contra ti” (v. 5). A comparação com a mulher é fruto das cenas de violência contra as mulheres no cotidiano da guerra. O castigo de Nínive é o das adulteras (cf. Os 2,5; Ez 16,36-43; 23,25-30).

Farei cair sobre ti tuas abominações, e te lançarei em rosto merecidos insultos; de ti farei um exemplo. Assim, todos os que te virem, fugirão para longe, dizendo: “Nínive está em ruínas! Quem terá compaixão dela? Onde achar quem a console?” (3,6-7).

Ninguém tem compaixão dela, porque ela não a merece. As “abominações” de Nínive, suas imundices que evocam a idolatria (cf. Jr 16,18; 13,27; 1Rs 15,12; 2Rs 23,13; Is 44,19). “Ti farei um exemplo” (Comentário de Qumrã: “Tornar-te repulsiva”).

Evangelho: Mt 16,24-28

No evangelho mais antigo, Mc, há três anúncios da paixão, cada um seguido por uma falta de compreensão por parte dos discípulos; em seguida, Jesus tira as consequências para seus discípulos (Mc 8,32-38; 9,32-41; 10,35-45; cf. Lc 9,23 “para todos”). Também em Mt, depois de elogiar a profissão da fé de Pedro e censurar sua falta de compreensão a respeito do anúncio da paixão (vv. 17-23, evangelho de ontem), Jesus fala sobre o seguimento.

Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (v. 24).

Em Mt, diferente de Mc 8,34, Jesus não se dirige “à multidão”, mas “aos discípulos”. Pedro entendeu quem era Jesus, mas não estava disposto de viver este entendimento. Só entenderá Jesus, quem o “seguir” no caminho e não foge do sofrimento. Não adianta só dizer “Senhor, Senhor” (7,21); entender e trazer fruto pertencem juntos (13,23). Aqui Jesus deixa claro, que o destino do seu caminho é a “cruz” (em v. 21 só falou de rejeição e morte). No direito romano, a condenação à morte de cruz era reservada a criminosos e subversivos. Quem quer seguir Jesus, esteja disposto a se tornar marginalizado por uma sociedade injusta e violenta (“perder a vida”) e mais, a sofrer o mesmo destino de Jesus: morrer como subversivo (“tomar a cruz”), considerado amaldiçoado por Deus (cf. Dt 21,22s; Gl 3,13).

Ao falar de “renunciar a si mesmo”, Mt e já Mc não pensam num ideal de ascese ou num masoquismo que se opõe à ideia de que felicidade é ser livre do sofrimento. Renunciar é seguir Jesus e orientar-se nele em vez dos próprios interesses, ao ponto de custar a vida no martírio. “Renunciar” quer “dizer não, negar” e está ligado à profissão da fé (no batismo). Negar Jesus (como fez Pedro em Mc 14,66-72p) ou renunciar “a si mesmo”? Renunciar a si mesmo não significa suicídio, porque neste a própria vontade ainda se sobrepõe à vontade de Deus (cf. v. 23).

Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la (v. 25).

Disso, Jesus já falou no final do discurso sobre a missão dos discípulos em Mt 10,38s. 

De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? (v. 26).

Atrás disso está a experiência de que se pode ganhar o mundo, mas perder a si mesmo. Pode se ganhar rios de dinheiro, mas morrer de repente (cf. a parábola em Lc 12,16-21 e Eclo 11,18s; Jó 2,4; Sl 49,8s). Em Mt, renunciar a si mesmo está ligado a não cobiçar riquezas (cf. 5,3; 6,19-34; 13,44; 19,21). Quem vive buscando bens e riquezas, nunca ficará satisfeito. Quem se doa aos outros, esquece de si mesmo e sente uma grande felicidade. A cruz, então, não é só um sacrifício. É o único modo para não perder a própria vida, não dissipá-la em coisas superficiais que não conduzem à felicidade.

Mas diferente da sabedoria grega, o bem maior não é a vida na terra (em grego: zoé), e sim a vida transcendente (Mt usa a palavra grega psyqué) que depende do juízo final. Só o “Filho do Homem” (v. 27) pode conceder ou negar esta vida definitiva. No final do caminho da cruz, o próprio Jesus como juiz do mundo receberá seu discípulo (cf. 10,23; 13,41; 16,27; 24,30.37.39.44; 25,31; 26,64).

Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta (v. 27).

O Filho do Homem virá no final dos tempos (cf. Dn 7,13s) “com seus anjos” (cf. 13,41; 24,30s). Mt fala do julgamento em linguagem bíblica (cf. Sl 62,12; Pr 24,12; Eclo 35,22). Aqui não assusta o julgamento com seu critério da “conduta” (não só a prática ativa das obras, cf. 25,31-46, mas seguir também passivamente no sofrimento), porque o futuro juiz do mundo é o mesmo que está agora com seus discípulos e estará com eles até o fim dos tempos (18,20; 28,20), e ele virá “na glória do seu Pai” que é também o “Pai nosso” que ouve as nossas orações (6,7-13).

“Em verdade vos digo: Alguns daqueles que estão aqui não morrerão antes de verem o Filho do Homem vindo com o seu Reino” (v. 28).

Mt copiou esta frase de consolo de Mc 9,1 e iguala o reino de Deus ao “Reino” do Filho de Homem (apesar de 13,41). O consolo consiste na declaração de que o Filho do homem virá em breve. O problema da interpretação está na data desta “vinda” (parusia): ainda na geração dos apóstolos, “aqueles que estão aqui” (cf. 10,23). Como todos os profetas, Jesus anuncia o que deve acontecer para sua geração. Quando Mt escreveu seu evangelho cerca de 80 d.C., Jesus já tinha morrido meio século antes (30 d.C.) e muitos (ou todos) dos apóstolos também já estavam mortos. Então a Parusia atrasou?

Por isso, é comum que muitos autores identificam esta vinda com a transfiguração que Pedro, Tiago e João (“alguns daqueles”) assistem logo em seguida (cf. 17,1p), mas na transfiguração não se fala do Filho do Homem (só em Mt 17,12) nem da sua vinda. Outros interpretam relacionando esta vinda datada com a ressurreição e ascensão que a transfiguração já antecipa de certo modo (cf. 2Pd 1,16-18). Alguns pensaram na ruína de Jerusalém (70 d.C.), outros identificam a vinda do reino do Filho do Homem com a Igreja e sua poderosa expansão (cf. 13,36-43).

Fato é que esta expectativa da vinda de Jesus (com seu reino, na sua glória) em data breve realmente existia entre os primeiros cristãos (1Cor 15,51s; 1Ts 4,16s), e Mt parece tê-la ainda (cf. 17,10.23; 24,34p). Escritos mais tardios do NT (cf. Jo 21,18-23) demonstram o problema e procuram dar outro sentido, por ex. “para Deus, mil anos são apenas um dia” (2Pd 3,3-10; cf. Sl 90,4).

O site da CNBB comenta: Seguir a Jesus Cristo significa renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz. A vida toda de Jesus foi viver esta palavra que está no Evangelho de hoje, Jesus sempre renunciou a si mesmo, ele nunca viveu em função de si próprio, nunca buscava a sua realização ou a satisfação de interesses humanos. Ele sempre procurou viver para os seus irmãos e para suas irmãs, estava sempre pronto para servir e não veio para fazer a sua vontade, mas a vontade daquele que o enviou, de modo que a sua vida foi a constante busca da realização do Reino de Deus e o mistério da cruz foi a coroação de toda uma vida vivida não para si, mas para os outros e para Deus. Quem quer ser discípulo de Jesus deve viver segundo os seus ensinamentos e seguir este seu grande exemplo.

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