7 de Julho 2019, Domingo: Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’ (v. 9).

14º Domingo do Tempo Comum – Ano C

 1ª Leitura: Is 66,10-14c

A 1ª leitura parece ser escolhida por causa da paz, que o Senhor fará correr para Jerusalém (v. 12), correspondendo à paz que os 70 discípulos de Jesus levarão às casas durante suas visitas missionárias (evangelho de hoje).

O Terceiro Isaías (Trito-Isaías, caps. 56-66) retoma as profecias do Segundo Isaias, escritas no exílio na Babilônia (concluído em 538 a.C.) e as atualiza no contexto do pós-exílio. Os exilados voltaram da Babilônia e reconstruíram o templo em Jerusalém contra a resistência de residentes e samaritanos, mas com patrocínio persa e apoio dos profetas Ag e Zc. O Terceiro Isaías escreve entre a reconstrução do templo (concluído em 517) e antes da reconstrução dos muros por Neemias (445, em certa oposição às reformas de Neemias e Esdras que centralizaram o judaísmo no sistema excludente do puro e impuro (por ex. proibição de casamentos mistos, exclusão de eunucos e estrangeiros do templo, cf. cap. 56). Para o Terceiro Isaías, restaurar a glória de Jerusalém como cidade santa e torná-la centro do universo só é possível com a prática da justiça e da misericórdia para com os oprimidos e explorados (cap. 58; cf. 59,15).

A leitura de hoje é tirada de um bloco composto por vários fragmentos. Aparentemente, é a continuação do apocalipse do cap. 65, mas com um tema novo que exprime as esperanças do povo de Deus. São oráculos de salvação dirigidos a Jerusalém, usando a metáfora de mãe para Jerusalém (vv. 10-12) e para o próprio Deus (v. 13).

Alegrai-vos com Jerusalém e exultai com ela todos vós que a amais; tomai parte em seu júbilo, todos vós que choráveis por ela, para poderdes sugar e saciar-vos ao seio de sua consolação, e aleitar-vos e deliciar-vos aos úberes de sua glória (vv. 10-11).

Jerusalém, a filha de Sião (colina onde foi construída), é representada como mulher (cf. cap. 47; 49,14-26; 51,17-52,2 e 54,1-17). Já em Os 1-3, o povo de Israel era visto como esposa de Javé (cf. Jr 2; Ez 16: Jerusalém). “Sugar” é tradução aproximativa de um verbo desconhecido mas paralelo, aqui: “mamar o leite”. Em 60,16, “sugarás o leite das nações, amamentar-te-ás das riquezas (lit. mamas) dos reis”.

Também outros povos representam seu país, sua cidade, região ou regime de governo como mulher (cf. aqui no Brasil, a mulher na moeda que simboliza a República, e o ditado “mamar nas tetas do governo”).

Isto diz o Senhor: “Eis que farei correr para ela a paz como um rio e a glória das nações como torrente transbordante. Sereis amamentados, carregados ao colo e acariciados sobre os joelhos (v. 12).

A palavra hebraica shalom é muito frequente na Bíblia, usada também na saudação (Lc 10,5; Jo 20,19.21.26), pode corresponde ao brasileiro “tudo bem”, “tudo de bom”, “felicidade”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 507) comenta: Muitas vezes, é traduzida por “paz”, mas seu sentido ultrapassa de longe o deste vocábulo (cf. Jr 14,13). Além da ausência de guerra (Zc 9,10), designa na realidade o dom que inclui todos os outros: bem-estar (Jr 23, 17), felicidade (1Rs 2,33), saúde (Gn 43,28), prosperidade (Sl 72,7), segurança (Zc 8,10), salvação (Is 55,12), harmonia entre Deus e os homens (Ez 34,25), a vida vivida em plenitude (Is 26,3; Pr 3,2). O Senhor mesmo (Jz 6,24) e o rei vindouro (Mq 5,4) são “shalom”. O termo é empregado quando alguém se aproxima de alguém para lhe desejar bem-estar (1Sm 25,6; cf Jo 20,21), ou para se informar a respeito de seu bem estar (2Rs 5,21) ou de suas boas intenções (2Rs 9,11).

“A paz” soa como o nome da cidade, Yeru-Shalêm, “Cidade da Paz” (cf. 57,19; Sl 122), mas este significado do nome Jerusalém é incerto. A primeira parte Yeru pode derivar do hebraico yrw, “colocar um fundamento”, então significa uma fundação, uma cidade. A segunda parte Shalêm, porém, aparece primeiramente em documentos egípcios (Urushalimum) e acádios (Uru-salim). O significado mais antigo desta cidade que era ainda pagã era: “Cidade do Shalim”, que era o deus do crepúsculo ou do planeta Vênus (na cidade cananeia/fenícia de Ugarit). Depois da conquista da cidade por Davi (2Sm 5), o significado cananeu se perdeu ou foi substituído (cf. Sl 85,13s); os profetas Jeremias e Ezequiel o relacionam com o hebraico shalom (paz), cf. Jr 4,10s; Ez 13,16; Hb 7,2.

Como uma mãe que acaricia o filho, assim eu vos consolarei; e sereis consolados em Jerusalém”. Tudo isso haveis de ver e o vosso coração exultará, e o vosso vigor se renovará como a relva do campo. A mão do Senhor se manifestará em favor de seus servos (vv. 13-14c).

O v. 13 afirma que o próprio Senhor consolará seu povo, assumindo ele mesmo (como marido) um papel materno (cf. 49,14s; Sl 131; Mt 23,27; Jo 16,21). A parte final foi omitido pela nossa liturgia: “… mas a sua cólera, a seus inimigos” (v. 14c; seguido por um anúncio de julgamento, vv. 15s, cf. v.24).

A Bíblia do Peregrino (p. 1838) comenta o conjunto dos vv. 7-14: Sem transição, apresenta-se o segundo quadro de restauração (o primeiro em 65,17-25). Montado sobre uma cena doméstica, consegue uma contagiosa intensidade de sentimento. A mãe, antes do esperado, dá à luz; os vizinhos e os demais filhos a felicitam; ela dá o peito; o marido lhe traz presentes e acaricia as crianças. A alegria como seiva que as faz crescer. Ao chegar de imprevisto a alegria, tudo são perguntas de surpresa alvoraçada. O tema da fecundidade, apontado em 54,1, alcança aqui sua expressão culminante. É uma maravilha este nascer simultâneo de todo um povo, quando o nascimento dos doze pais das tribos foi tão trabalhoso (Gn 30) e um custou a vida à mãe (Gn 35,16-21). Aqui, tudo é fácil, rápido, abundante.

2ª Leitura: Gl 6,14-18

Ouvimos o final desta carta em que Paulo resume ideias principais e se despede. Segundo o costume, Paulo acrescenta algumas palavras escritas de “próprio punho” e as escreve em “letras grandes” como maneira de sublinhar (v. 11; cf. 2Ts 3,17; 1Cor 16,21-24; Cl 4,18 e talvez também Rm 16,17-20).

(Irmãos:) Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por ele, o mundo está crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo. Pois nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor; o que conta é a criação nova (vv. 14-15).

A Bíblia do Peregrino (p. 2801) comenta: Todo o orgulho de Paulo está na cruz de Cristo, em sua morte e sacrifício por amor, em participar dela e pregá-la como único meio de salvação. À circuncisão carnal, que já não conta, antepõe as marcas de seus sofrimentos pelo apostolado (1Cor 1,31).

“Cruz” (de “Jesus Cristo crucificado” em 3,1); Paulo “crucificado” com Cristo (para o mundo, cf. 2,19); o “mundo mau” da carne e do pecado (cf. 1,4; 1Cor 1,20; 2Cor 4,4; Ef 2,2, etc.; Jo 1,10). “Criação”, ou: humanidade (cf. Rm 8,19-22; 2Cor 5,17)

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2262) comenta: O apóstolo em sua introdução, proclamara: o Cristo, por sua morte, liberta os homens do mundo mau (1,4). Para concluir, afirma: o Cristo, por sua cruz, introduz os homens em uma nova “criação”. Opondo esta ao mundo antigo, Paulo mostra uma última vez aos gálatas o que o separa radicalmente dos seus adversários. Estes são do mundo antigo: pregando a circuncisão, procuram pôr-se ao abrigo da perseguição (v. 12; cf. 5,11) e gloriar-se do sucesso da própria propaganda religiosa (v. 13); a sua segurança e o seu orgulho são os de um mundo “carnal”, fechado em si mesmo e separado do seu criador (cf. 4,3.8-9). Paulo, pelo contrário, aufere a sua alegria e segurança unicamente da cruz do Cristo, pois é ela, e só ela, que o liberta totalmente; ela lhe concede escapar da atração escravizadora do mundo, que doravante está morto para ele; ela lhe concede escapar à preocupação de garantir a segurança do seu eu carnal que foi crucificado com o Cristo (v. 14; cf. 2,19; 5,24). Para o apóstolo, trata-se unicamente de receber a graça do Cristo e assim ser introduzido na nova criação, a fim de viver nela para Deus em união com o seu Filho ressuscitado (v. 15; cf. 2,19-21; 5,6; Fl 3,3-11).

E para todos os que seguirem esta norma, como para o Israel de Deus, paz e misericórdia (v. 16).

“O Israel de Deus” é o povo cristão, herdeiro das promessas (cf. 3,6-9.29; 4,21-31; Rm 9,6-8), por oposição a “Israel segundo a carne” (1Cor 10,18).

A Bíblia do Peregrino (p. 2801) comenta: Aos judaizantes se opõe o “Israel de Deus”, o autêntico, que reconhece Jesus como Messias com todas as consequências; os judeus convertidos de verdade (cf. o “israelita autentico” de Jo 1,41). Outros pensam que o Israel de Deus é título novo da Igreja.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2262), porém, comenta: Que vem a ser o “Israel de Deus”? Será preciso identifica-lo com o novo povo de Deus, a Igreja, por ocasião ao “Israel segundo a carne” de que fala 1Cor 10,18? Contra isso há duas objeções a isso. Por um lado, Paulo justapõe aqui, muito ao invés de os confundir, o Israel de Deus e o conjunto dos crentes. Por outro, Paulo, que no entanto gosta das antíteses, não opõe explicitamente, em parte alguma, o Israel de Deus ao Israel segundo a carne, tampouco chama a Igreja com nome de “novo Israel”. Nós cremos portanto que, para ele, o Israel de Deus é o conjunto dos israelitas que creram no Cristo crucificado e que, em união com os pagãos convertidos, formam o verdadeiro povo de Deus (cf. Rm 9-11).

Doravante, que ninguém me moleste, pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus (v. 17).

Para os judeus, a circuncisão era o “sinal da aliança” entre Deus e o povo de Abraão: “Minha aliança estará marcada na vossa carne como uma aliança perpetua. O incircunciso, o macho cuja carne do prepúcio não tiver cortata, esta vida será eliminada da sua parentela: ele violou minha aliança” (Gn 17,11.13s). Com judeu, Paulo foi circuncidado no oitavo dia, mas para ele, a salvação vem pela fé não pela Lei (2,15s), vale mais a nova aliança no sangue de Cristo (2Cor 3,6; 1Cor 11,25). Ele traz as marcas (grego: stígmata) dos sofrimentos por ele suportados como fiel e como ministro do Cristo; elas são os sinais da sua união com o Cristo crucificado (2,19), as cicatrizes dos maus tratos suportados por Cristo (cf. 2Cor 4,10; 6,4-5; 11,23-28; Cl 1,24). Para Paulo, estas marcas são mais gloriosas do que a circuncisão ou qualquer outro sinal na carne (vv. 13s; cf. 2Cor 11,18; Fl 3,7).

Irmãos, a graça do Senhor nosso, Jesus Cristo, esteja convosco. Amém! (v. 18).

Esta carta aos gálatas é a única em que a palavra “irmãos” (no texto grego, a última palavra antes de Amem!) termina a saudação final. Há sem dúvida uma intenção e um apelo que a fraternidade torne a vicejar entre os gálatas em sua plenitude, redescobrindo a sua fonte única: a graça do Senhor Jesus.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1424s) resume: Os adversários pertencem ao mundo antigo, do apego à Lei. Paulo segue a nova lei do amor e se orgulha da cruz de Cristo. A acusação contra os adversários é dupla. Por um lado, não conseguem cumprir a totalidade da Lei; por outro lado, buscam a própria glória no proselitismo, à custa da liberdade alheia. Enquanto os adversários carregam o sinal da circuncisão, Paulo traz no corpo as marcas de Jesus (2Cor 4,10).

Evangelho: Lc 10,1-12.17-20

Jesus enviou os doze apóstolos (“apóstolo” quer dizer “enviado”, cf. 6,13) para anunciarem o reino de Deus e curar os doentes (cf. v. 9) nos povoados da Galileia. Este envio foi transmitido duas vezes por escrito, pelo evangelista Marcos (Mc 6,6-13) e por uma fonte perdida chamada Q (uma coleção de palavras de Jesus, que Mt e Lc usaram além de copiarem de Mc). Enquanto Mt combinou estas duas versões num discurso único (Mt 10,7-16), Lc as manteve distintas em dois discursos: um dirigido aos doze apóstolos (9,1-6) – doze é o número das tribos de Israel (cf. Ex 1,1-5; 24,4; Ap 7,4-8) – e outro dirigido aos 72 (ou 70) discípulos, número tradicional das nações pagas (cf. Gn 10). Para Lc é importante a participação de outros discípulos e discípulas além dos Doze (cf. 8,1-3; 24,9s.13-35; At 1,14.21s; 2,1.41 etc.).

(Naquele tempo:) O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir (v. 1).

Numeroso manuscritos trazem “setenta” (como também no v. 17). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1996) comenta: Tanto uma leitura como a outra visam sem dúvida indicar o número das nações pagãs, tal como o judaísmo o encontra em Gn 10, segundo o texto hebraico (70) ou o texto grego (72). Lc sabe que a missão dos pagãos só começará após a Páscoa e Pentecostes (24,47; At 1,8), mas ele quer apresentar aqui uma prefiguração simbólica.

Setenta eram também os auxiliares de Moisés que participavam do seu espírito (Nm 11,16-30: anciãos/presbíteros; cf. Ex 18,13-27: juízes; daí os setenta conselheiros no sinédrio de Jerusalém), e subiram ao monte Sinai com ele (Ex 24,1.9).

Jesus os enviou “dois a dois” (Mc 6,6), “na sua frente” não para preparar hospedagem e comida como em 9,52 (cf. 21,29s; 22,8), mas como precursores espirituais (cf. Lc 24,29-32; Ap 3,20) como antes João Batista (1,76; 7,27). Aqui Lc pensa já na futura missão nos países pagãos (cf. At 1,8).

E dizia-lhes: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita. Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos (vv. 2-3).

Estes vv. 2-3 sobre a falta dos trabalhadores na grande messe (missão) e dos cordeiros no meio dos lobos são da fonte Q (faltam em Mc 6, mas estão em Mt 9,37s; 10,16).  À imagem da pesca (5,1-10; Mt 4,19p) se acrescentam a do ceifador (Sl 126) e a clássica do pastor (Jr 23; Ez 34; Sl 23; 80) e que continuam a ser usadas para se descrever o apostolado na Igreja. Jesus assume o ofício de fazendeiro e bom pastor e deixará a seus discípulos a tarefa de colher (cf. Jo 4,37s; 10).

Estranha, porém, a conduta do bom pastor (cf. Sl 23; Jo 10) de enviar cordeiros no meio de lobos! Mas ele precisa prepará-los para a realidade inevitável de hostilidades futuras (cf. o segundo volume de Lc, os Atos dos Apóstolos, e Paulo em 1Cor 15,31; 2Cor 4,10s). Como cordeiro no meio de lobos, assim os judeus descreviam sua situação no meio das nações, e assim as testemunhas de Jesus vão enfrentar situações semelhantes ao anunciarem o evangelho em Israel e no mundo (cf. At 1,8). Como cordeiros, não devam usar de violência ao divulgar sua religião (cf. 6,27-36p; 22,35-38; At 7,60 etc.), recomendação nem sempre seguida na história da Igreja. “Eu vos envio” indica a presença eficaz do Senhor.

Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em casa (vv. 4-7).

As recomendações de não levar quase nada pelo caminho estavam em Mc 6,8-9 (onde estavam permitidos sandálias e um cajado) e em Q (Mt 10,9-10), mas Q afirmou ainda que “o trabalhador merece o seu salário” (v. 7b; Mt 10,10), ou seja, o missionário pode contar com seu sustento pela comunidade (1Tm 5,17s estabelece dois salários para presbíteros). Em 1Cor 9,14, Paulo confirma estas palavras de Jesus (mas não se vale deste direito em 1Cor 9,15-18).

Também a ordem de “desejar a paz” que voltará, se não for um amigo da paz (vv. 5-6) foi transmitida pela fonte Q (Mt 10,11-13). “Shalom” (Paz em hebraico) é a saudação comum em Israel até hoje e significa não só o silêncio das armas, mas a plenitude dos bens (saúde, educação, trabalho, prosperidade, …). As religiões devem transmitir a paz (em árabe, a palavra paz é salem, daí deriva islam e muçulmano).

Além da introdução com os novos enviados, nosso evangelista Lc acrescentou mais dois detalhes. O primeiro: “Não cumprimenteis ninguém pelo caminho” (v. 4b). Certamente Lc não quer que o missionário seja mal educado, mas a urgência da Boa Nova (em grego evangelho) não permite que se perca no caminho em conversas fúteis (cf. a radicalidade no episódio anterior em 9,57-62).

O segundo detalhe, “permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem” (v. 7a), quer evitar missionários vagabundos e pede humildade e adaptação. Hoje chamamos isso de inculturação. A Boa Nova deve-se adaptar à língua e aos bons costumes do povo que a recebe. Isso significa certo desprendimento do missionário, mas os valores de cada povo também enriquecem a ele como a toda a Igreja católica.

Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’ (v. 9).

Como os apóstolos (9,2), também os discípulos são encarregados para curar os doentes (em Mc 6,13, eles curavam ungindo-os com óleo) e anunciar o Reino. “O Reino de Deus está próximo de vós” (v. 9) é a mensagem central de Jesus (cf. Mc 1,15 e o comentário da segunda-feira da primeira semana do Tempo Comum). O anúncio dos discípulos deve corresponder a esta boa nova. Os missionários devem seguir o exemplo de Cristo, levar uma vida simples junto ao povo sofrido, confiando em Deus e não nas coisas materiais nem na violência, ao final devem anunciar o reino de Deus e não o estilo de vida consumista.

Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós’. No entanto, sabei que o Reino de Deus está próximo! Eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que essa cidade” (vv. 10-12).

Os discípulos levam a paz do messias que os amantes da paz saberão reconhecer (cf. vv. 5-6; Sl 120; 122). Mas a rejeição será fatal (Lc 19,42-44), acarretará um castigo pior do que das cidades Sodoma e Gomorra que violaram a hospitalidade (Gn 18-19; Sb 19,13-17).

A hospitalidade é um valor grande na antiguidade, também para judeus e cristãos (cf. 10,38-42; At 16,15; Rm 12,13; Hb 13,2; Gn 18-19; Tb 5,4s; Jz 6,11-24; 19 etc.). Sacudir a poeira dos pés é uma ação simbólica que toma o pó como sinal (2Rs 5,17): nado do território ignorante e culpado se apegue aos discípulos (At 13,51). A “palavra” da boa notícia se torna juízo e condenação para quem a rejeita. O evangelho, porém, não se deixa deter; Lc insiste na proximidade do reino, na vitória do bem sobre o mal; será libertação para uns, catástrofe para outros (cf. 2,34; 21,28).

O site da CNBB comenta: Jesus escolheu outros setenta e dois discípulos, que não eram os Apóstolos e os enviou à sua frente aos lugares onde ele deveria ir, nos mostrando, assim, que a obra evangelizadora da Igreja não é uma atividade exclusiva dos que pertencem à sua hierarquia, mas é compromisso de todos os que lhe pertencem, que são Igreja, porque todos são, pela graça do batismo, operários da messe do Senhor. E os leigos e leigas, de um modo especial, estão sujeitos às ameaças do mundo; por isso são enviados como cordeiros no meio de lobos, uma vez que irão testemunhar, no meio do mundo, os valores que não são do mundo, despertando para si o ódio do mundo, que rejeita o Reino de Deus que é anunciado.

Nossa liturgia omite os vv. 13-15 (lamentação sobre as cidades Corazim, Betsaida e Cafarnaum, cujo castigo no julgamento será pior do que sobre Tiro, Sidônia e Sodoma, cf. Mt 11,20-24), e o v. 16 (identificação de Jesus com seus missionários, cf. 9,48; Mt 10,40; 18,5p; Mc 9,37; Jo 5,23; 13,20; At 9,4).

Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: “Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome” (v. 17).

Como os apóstolos em 9,6.10p, também os 70 (ou 72; cf. v. 1) discípulos voltam da sua missão e relatam a Jesus. Foram enviados para anunciarem o evangelho do reino de Deus e para curarem (v. 9), com poder sobre os demônios (cf. 9,1; Mt 10,8). É curioso o relato dos setenta pelo que selecionam e pelo que excluem. Reconhecem Jesus como “Senhor” da missão, mas não dizem nada sobre sua pregação. O que mais lhe satisfaz é a eficácia dos exorcismos “em nome de Jesus” (At 3,6; 4,7.10,12; 16,18; 19,23s; cf. Lc 24,47). Não o conseguiram com o menino no vale (9,1.37-43). E não dizem nada da resposta das cidades à boa nova. Jesus levanta a mira.

Jesus respondeu: “Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago (v. 18).

O Satanás (satã em hebraico: fiscal ou rival) comparece à corte celeste para acusar os homens (Zc 3,1-2; Jó 1-2) e exerceu no mundo o poder daquele que ostenta: “o deram a mim, e dou a quem quero” (Lc 4,6). Agora foi derrubado do seu lugar, como o imperador emblemático de Babilônia, “caído do céu, abatido até o abismo” (Is 14,12.14; cf. Lc 10,15). Para Lc, esta queda de Satanás não é anúncio apocalíptico (Ap 12,7-12), mas experiência da missão que acontece sempre quando o evangelho é aceito por pessoas e as tira do poder do mal (cf. Sl 91,13).

Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu” (vv. 19-20).

Graças à vitória de Jesus sobre Satanás já no deserto (4,1-12), os discípulos submeterão as potências do mal. Nenhuma resistência pode parar o evangelho do reino (cf. v. 11). O “poder e autoridade” que Jesus dá para a missão (cf. 9,1p) é o Espírito Santo, guia no caminho (4,1.14; At 8,29.39; 10,19; 11,12; 13,2.4; 20,22s) e princípio do envio (4,18; At 13,2-4). Não se deve entender ao pé da letra “poder sobre cobras e escorpiões” como proteção contra a natureza, mas “toda a força do inimigo” significa as forças astutas e perigosas do mal (como a serpente Gn 3; cf. Sl 91,13; Ez 2,6; Mc 16,17s).

Não basta submeter o inimigo de baixo, mais importante é pertencer ao Reino de cima, estar inscrito em seu registro: “O Senhor escreverá no registro dos povos: Ele nasceu ali” (Sl 87,6; cf. Ex 32,32; Dn 7,10; Ap 20,11.15).

Em seguida, Jesus exulta no Espírito Santo e louva o Pai pela fé dos pequeninos (vv. 21-22, omitidos).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1268) comenta: A ação dos discípulos produz os efeitos esperados. Mas o poder que eles receberam não deve ser motivo de orgulho e vanglória. O que interesssa é a contribuição decisiva que deram para o enfretamento do mal e para a libertação de tantas pessoas, que tiveram recuperada a dignidade de suas vidas.

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