7 de Setembro 2019, Sábado: “O Filho do Homem é senhor também do sábado” (v. 5).

22ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Cl 1,21-23

Na leitura de hoje, o autor da carta aos colossenses (provavelmente um discípulo de Paulo, Epafras, cf. 1,7; 4,12; Fm 23, e o comentário de quarta-feira passada) começa a tirar as consequências do hino anterior que terminou com a reconciliação cósmica pelo sangue de Jesus em v. 20. Os colossenses eram pagãos, e remidos por Cristo, passaram a pertencer à nova criação. Sob condição, porém, de permanecerem fieis ao evangelho de Cristo do qual o apóstolo é ministro. O texto fala da conversão e da nova situação pelo batismo (antes – depois) sem mencioná-lo explicitamente.

E vós, que outrora éreis estrangeiros e inimigos pelas manifestas más obras, eis que agora Cristo vos reconciliou pela morte que sofreu no seu corpo mortal, para vos apresentar como santos, imaculados, irrepreensíveis diante de si (vv. 21-22).

“Outrora (antes da fé e do batismo) éreis estrangeiros (a Deus) e (seus) inimigos”, como o sugerem o contexto e o paralelo Ef 4,18s, e não estrangeiros a Israel, como esclarecerá Ef 2,12.

O “afastamento” de Deus que era o paganismo (v. 23; Ef 2,12s) foi cortado por um ato de reconciliação que é iniciativa de Deus (cf. Rm 5,10; 2Cor 5,18.20): “Eis que agora Cristo vos reconciliou”. Em lugar dos sacrifícios de animais com que os judeus expiavam periodicamente seus pecados, Jesus Cristo tomou um corpo de carne, e com sua morte expiou, num ato que inaugura a nova situação. Esta frase é peculiar a Cl (cf. 2,11).

“Seu corpo mortal”, isto é, o corpo individual (lit. “de carne”) de Cristo é o lugar onde se opera a reconciliação, porque ele em si reúne virtualmente o gênero humano (cf. Ef 2,14-16), cujo pecado ele tomou sobre si (2Cor 5,21). A “carne” é fraca e mortal e significa o estado do corpo submetido ao pecado (cf. Rm 7,5; 8,3; Hb 4,15). “Corpo” é mais amplo que carne; portanto, a Igreja é descrita como o Corpo de Cristo (v. 24).

O objetivo e efeito da reconciliação é apresentar os membros da comunidade “como santos, imaculados, irrepreensíveis” (cf. 1Ts 3,13).

Mas é necessário que permaneçais inabaláveis e firmes na fé, sem vos afastardes da esperança que vos dá o evangelho, que ouvistes, que foi anunciado a toda criatura debaixo do céu e do qual eu, Paulo, me tornei ministro (v. 23).

A preocupação com a vinda de Cristo e seu julgamento (1Ts 1,10; 3,13) quase recuou para o segundo o plano. Em vez dela, é necessário permanecer neste estado presente de santos e irrepreensíveis, “inabaláveis e firmes na fé” (cf. 1Cor 15,1s). Agora importa manter-se nesta nova situação reconciliada, porque começou a era da “esperança”, fundada na promessa do “evangelho” e cujo final (parusia – vinda de Cristo) demora. É o paradoxo de estar “alicerçados e firmes” num movimento rumo ao futuro.

Nesta frase final da leitura de hoje espelha-se uma situação mais universal e posterior do que na época em que Paulo começou a fundar as primeiras comunidades na Ásia Menor e na Europa (por isso a data da carta estipula-se por volta de 80 d.C.): “O evangelho que foi anunciado a toda a criação debaixo do céu” (cf. 1,6; toda a terra habitada: reflete o horizonte geográfico da época; leia-se o mandato final de Jesus em Mc 16,15, anexo escrito já no século II).

“Eu, Paulo, me tornei ministro”, apesar da identificação do autor com Paulo, a maioria dos biblistas consideram esta carta deuteropaulina, ou seja, que foi escrito por um discípulo de Paulo (talvez Epafras, cf. 1,7; 4,12; Fm 23, e o comentário de quarta-feira passada). Era costume de época, discípulos de um mestre escreverem obras em nome do mestre, não com a intenção de falsificar, mas para dar continuidade a espiritualidade do mestre (apóstolo).

Evangelho: Lc 6,1-5

Seguindo o Evangelho mais antigo de Mc, Lc apresenta o quarto confronto de Jesus com os fariseus na Galileia. Lc resume mais o texto de Mc; a acusação dos fariseus (Mc 1,24) torna-se somente uma pergunta como nos episódios anteriores.

Num sábado, Jesus estava passando através de plantações de trigo. Seus discípulos arrancavam e comiam as espigas, debulhando-as com as mãos (v. 1).

O primeiro versículo da cena apresenta um grupo de discípulos itinerante, necessitado, sem algum sustento cotidiano garantido. Os detalhes descritivos têm uma função na controvérsia. Lc menciona que os discípulos “comiam” para igualá-los a Davi e seus companheiros (vv. 3-4).

Então alguns fariseus disseram: “Por que fazeis o que não é permitido em dia de sábado?” (v. 2).

Segundo a interpretação rabínica do descanso sabático, os discípulos fazem uma ação proibida, não como roubo, mas como trabalho (cf. Dt 23,25s). Segundo Ex 34,21, o descanso sabático obriga também “na semeadura e na ceifa” (sobre o maná e o sábado, cf. Ex 16,19-30).

Jesus respondeu-lhes: “Acaso vós não lestes o que Davi e seus companheiros fizeram, quando estavam sentindo fome? Davi entrou na casa de Deus, pegou dos pães oferecidos a Deus e os comeu, e ainda por cima os deu a seus companheiros. No entanto, só os sacerdotes podem comer desses pães” (vv. 3-4).

Jesus argumenta com um caso da história de Davi (1Sm 21,1-6), no qual uma lei cultual (Lv 24,5-9) fica suspensa por necessidade maior. Davi o fez “na casa de Deus” com aprovação do sacerdote. Aquilo que é o templo no espaço, é o sábado no tempo (cf. Ex 31,12-18). A linguagem parece enfática: “tomou, comeu, repartiu”.

Igual a Mt, Lc omite o nome do sumo sacerdote Abiatar (corrigindo Mc 2,26; cf. 1Sm 21,7) e a frase “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 1,27). Observa-se que Mt e Lc escreveram independente um do outro (p. ex. cada um contou a infância ou as aparições de Jesus de maneiras bem diferentes), mas ambos usaram a mesma narrativa de Mc. Como, então, explicam-se mudanças iguais de ambos independentemente um do outro? Este procedimento igual em Mt e Lc a respeito de Mc aqui e em outros trechos da narrativa faz pensar alguns numa fonte comum, ou seja, Mt e Lc poderiam ter usado um texto de Mc reeditado e corrigido por outra redação de Mc chamada “Deuteromarcos”.

E Jesus acrescentou: “O Filho do Homem é senhor também do sábado” (v. 5).

Passando por cima da Escritura, Jesus apela ao poder recebido, que se sobrepõe também à venerada instituição do sábado (Ex 20,8; Is 58,13; Jr 17; Ne 13,15-20). Mas não apela para sua dignidade messiânica como descendente de Davi, e sim à sua condição humana excepcional. “Filho do homem” tem significado duplo: simplesmente “filho de Adão” (ser humano, cf. Sl 8,5; Ez 2,1.3 etc.), ou a figura messiânica de Dn 7,13s, que vem nas nuvens do céu. Não só a interpretação dos doutores, mas também a própria lei fica em segundo plano; e na Igreja, o dia sagrado não é mais o sábado, mas passa a ser o domingo, dia da ressurreição (28,1p) e “dia do Senhor” (kyriaké, domínica em Ap 1,10; cf. At 20,7).

O evangelho de hoje, finalmente, fala da realização inaudita e inesperada do sábado. O “sábado/domingo” não é simplesmente pausa, repouso, churrasquinho com os amigos, cervejinha para relaxar. O sábado/domingo inatingível por nossos esforços é Deus mesmo. Jesus, o senhor do sábado, dando a si mesmo (no pão consagrado na casa de Deus, hoje a Eucaristia), nos dá gratuitamente aquilo pelo qual suspiramos sem mesmo o conhecer. Lembramo-nos de Stº. Agostinho: “Fizeste-nos para ti, ó Deus, e nosso coração andará inquieto enquanto não repousar em ti.” Deus é nosso pão (cf. Jo 6).

Sendo o “senhor do sábado”, Jesus está acima das leis, mesmo religiosas, que os homens elaboram. Ele relativiza as leis, mostrando que elas não tem sentido quando impedem ao homem ter acesso aos bens necessários para a própria sobrevivência. Em nosso país, existem leis (trabalhistas, penais, canônicas) ou normas que impedem em certas casos a sobrevivência material e espiritual?

O site da CNBB comenta: É muito fácil a gente ver o que as pessoas estão fazendo e, a partir da aparência dos seus atos e de princípios previamente estabelecidos, emitir os nossos juízos e opiniões. O Evangelho de hoje mostra para nós os erros que podemos incorrer com este tipo de comportamento. Podemos fazer com que Deus se torne o grande opressor da humanidade, porque é um grande ditador e está à espera para punir a todos os que lhe desobedecem e não um Pai amoroso e podemos também deixar de olhar a realidade das pessoas e as suas motivações, que podem modificar profundamente a nossa opinião a respeito delas.

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