9 de Maio de 2020, Sábado – Pascoa: “Se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora o conheceis e o vistes”. Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” (vv. 7-8).

4ª Semana da Páscoa 

Leitura: At 13,44-52

Paulo e Barnabé tiveram sucesso com sua homilia na sinagoga de Antioquia na Pisídia e foram convidados a falar mais no sábado seguinte. Muitos judeus piedosos, mas também prosélitos e simpatizantes do judaísmo aderiram aos apóstolos (vv. 42s).  A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2130) comenta: Esses ambientes de incircuncisos que participavam da fé judaica devem ter fornecido membros bastante numerosas às comunidades paulinas.

No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra de Deus. Ao verem aquela multidão, os judeus ficaram cheios de inveja e, com blasfêmias, opunham-se ao que Paulo dizia (vv. 44-45).

O êxito dos pregadores será sua fatalidade. Porque a notícia foi difundida e comentada e no sábado seguinte, quase “toda a cidade” queria escutar os novos pregadores e ouvir esse discurso tão novo “sobre o Senhor” (no v. 44 há variações de texto: “a palavra do Senhor”, ou “Paulo, que discorreu longamente sobre o Senhor”).

Entre prosélitos e pagãos, deixam em minorias os judeus, que sentem “inveja” do sucesso dos recém chegados, de seu novo ensinamento de perder o privilégio de povo escolhido (cf. Rm 10,19; 11,11.14). Os judeus não aceitam ter de partilhar com os pagãos sua condição do povo do Senhor. Fecham-se no seu particularismo e rejeitam a mensagem universalista (católica = para todos). Então enfrentam os pregadores com argumentos e “insultos” (igual aos habitantes de Jerusalém com suas autoridades) ou “blasfêmias” (insultando também o Cristo que Paulo anunciava).

Então, com muita coragem, Paulo e Barnabé declararam: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que nos vamos dirigir aos pagãos. Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra” (vv. 46-47)

Paulo e Barnabé tomam posição e a declaram abertamente. Esta ideia de “intrepidez” (ousadia e confiança), já sublinhada a propósito dos apóstolos (4,13.29.31), volta de modo insistente, quando se trata de Paulo (9,27s; 14,3; 19,8; 26,26; 28,31); a mesma insistência nas cartas do próprio apóstolo (1Ts 2,2; 2Cor 3,12; 7,4; Fl 1,20; cf. Ef 3,12; 6,19s).

A descrença dos judeus e sua rejeição são um tema frequente nos Atos; a mesma passagem para os pagãos encontra-se em 18,6 (cf. 19,8s) e 28,17.28. Os adversários se tornam “indignos da vida eterna” que se alcança só pela fé em Jesus (cf. v. 48).

O que Paulo e Barnabé dizem aqui, como caso particular, vai converter-se num programa de evangelização: pregar primeiro aos judeus (13,5.14; 14,1; 16,13; 17,10.17; 18,4.19; 19,8; 28,17.23), se rejeitados, dirigir-se aos pagãos (13,46; 18,6; 28,28); vale até a declaração definitiva com a qual se encerrará o livro (28,26-28).

Também em favor da missão universal podem alegar uma profecia (Is 49,6), dirigida pelo Senhor a seu Servo (a Jesus, segundo Lc 2,32), escutada agora como dirigida aos pregadores do evangelho (26,17; Gl 1,15s).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2075) comenta a citação livre de Is 49,6 segundo a tradução grega do AT (LXX): O texto pode ser entendido seja em referência ao próprio Paulo (cf. 26,17-18), apóstolo e doutor dos gentios (cf. Rm 11,13; 1Tm 2,7; Ef 3,8 etc.), seja enquanto concerne a Cristo ressuscitado (cf. 26,23, que parece igualmente depender de Is 49,6 e Lc 2,32, tributário esse também de Is 49,6.9); ele é a luz das nações, mas de fato iluminará as nações somente graças ao testemunho dos apóstolos (At 1,8). Assim a profecia é também uma ordem para o Apóstolo que deve assegurar seu cumprimento.

Os pagãos ficaram muito contentes, quando ouviram isso, e glorificavam a palavra do Senhor. Todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé. Desse modo, a palavra do Senhor espalhava-se por toda a região (vv. 48-49).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2075) comenta: “Destinados à vida eterna” é um modo de dizer “escolhidos”; equivale a “escritos no céu” (Lc 10,20). “A vida eterna” (cf. v. 46), isto é, a vida do século futuro (cf. 3,15); a ela chegarão só aqueles cujos nomes “estão escritos no céu” (Lc 10,20), no livro da vida (Fl 4,3; Ap 20,12). “Destinados à vida do mundo futuro”, expressão corrente entre os rabinos. Na doutrina cristã, esta predestinação à gloria implica primeiro a fé em Cristo. Ver Jo 10,26; Rm 8,28-30 e já At 2,39.

O evangelho (boa notícia) é “palavra do Senhor” acerca do Senhor (v. 48 variação: “palavra de Deus”). A boa notícia infunde alegria (cf. v. 52 etc.) e os convertidos se tornam difusores do evangelho entre os pagãos (cf. Mc 8,20p).

Mas os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, assim como os homens influentes da cidade, provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território. Então os apóstolos sacudiram contra eles a poeira dos pés, e foram para a cidade de Icônio (vv. 50-51).

Estas “mulheres ricas e religiosas” são aqui simpatizantes ou adeptas do judaísmo (cf. 16,14). Os “homens influentes” são as autoridades da cidade que decretam e executam a expulsão dos visitantes que apresentam com o gesto tradicional de sacudir a poeira o pés (conforme as recomentações para os missionários em Lc 9,5; 10,11p).

Os discípulos, porém, ficaram cheios de alegria e do Espírito Santo (v. 52).

A “alegria” resulta da fé (2,46; 8,8.39; 13,48.52; 16,34; cf. 5,41 e Lc 1,14.28.46.58; 2,10; 10,17.20; 13,17; 15,7.32; 19,6.37; 24,41.52; cf. Rm 15,13; Fl 1,4.18.25; 2,2.17s.28s; 3,1; 4,1.4.10). Embora a cidade esteja representada oficialmente pelas autoridades, ficam nela muitos “discípulos”, e neles a presença ativa do Espírito Santo. Ou o termo se refere aqui a Paulo e Barnabé que se alegram por terem sido dignos de sofrer pelo nome de Jesus (como Pedro e os apóstolos em 5,41).

Evangelho: João 14,7-14

No discurso de Jesus na despedida da última ceia, uns discípulos interrompem com perguntas: Pedro em 13,6-9.36, Tomé em 14,5, Filipe em 14,8; Judas Tadeu em 14,22. Jesus acabou de falar das moradias celestes do Pai para onde queria ir e “preparar o caminho” para os discípulos. À pergunta de Tomé sobre o caminho respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (v. 6).

“Se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora o conheceis e o vistes”. Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” (vv. 7-8).

“Conhecer” é uma das palavras-chaves do evangelho de João (muito importante também nas cartas paulinas). Conhecer quem é Jesus é conhecer o Pai (8,19). Vê-lo com olhos de fé é ver o Pai. Os discípulos já experimentaram (passado: “o vistes”) a presença do Pai: “o conheceis e o vistes” nas palavas e obras do Filho, já agora expertimentaram o que um dia se concluirá nas moradas celestes (v. 2).

O apóstolo Filipe (cf. 1,43-48; 6,7; 12,21s) entendeu que o Pai não é um deus distante, inacessível em sua transcendência, mas está agora presente no mundo. Por isso pode colocar uma pergunta correspondente. Mas ainda não entendeu que o Pai não é uma entidade dentro do mundo ao lado do Filho. Da mesma maneira, os adversários já entenderam mal (8,19).

Filipe formula a seu modo o pedido audaz de Moisés (Ex 33,18), ao qual o prólogo fez alusão (1,18; cf. 1Jo 4,12). É a esperança do orante (Sl 17,15) e a experiência de Jô (42,5). Filipe representa também o afã de todo o homem autenticamente religioso: contemplar Deus como sentido último da sua existência. É que não aprofundou no conhecimento de Jesus.

Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces, Filipe? Quem me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: Mostra-nos o Pai? Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo, mas é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras. Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras” (vv. 9-11).

Jesus não há de dizer algo novo, mas resume o que já disse em 5,17.20; 8,19.38; 10,30.38; 12,44f.49. Os discípulos “já viram o Pai” (v. 7), não há necessidade de “mostrar o Pai”. A união íntima de Jesus com o Pai implica: a pessoa (“estar em”, 10,38), as palavras (12,49) e as obras; as três apontam para o Pai e convergem para ele. O Pai é espaço vital de Jesus, e como Filho é o espaço de manifestação do Pai (espaço vital: “estar em”, não “ao lado”: o Pai não está ao lado de Jesus para ser mostrado no mundo, mas se manifesta “no” Filho). Somente a fé o pode descobrir e contemplar, “ver”. Somente a fé discerne na presença do Filho o Pai e do Pai o Filho. Filipe engana-se ao reclamar uma manifestação fulgurante do Pai. “Quem me viu, viu o Pai” (v. 9; cf. já 12,24).

Em Jo, a visão de Deus e com isso, a comunhão com ele (“eu estou no Pai e o Pai está em mim”), não é apenas para os discipulos que são testemunhas oculares, pessoas especialmente dotadas ou através de práticas cultuais ou exercícios austeros (cf. os cultos de mistérios na antiguidade). A mística de João é para quem aceita Jesus como mediador de Deus (cf. 20,24-29). “O verbo (logos) se fez carne … e nós vimos sua glória … cheia de graça e verdade” (1,14). Ver Deus significa ter a vida eterna (cf. 17,24) que “todos os quem veem o Filho e crêem nele, terão” (6,40; cf. 20,30s).

Em Jesus, o Deus invisível tornou-se realidade visível e palpavel (cf. Cl 1,15; Jo 1,1.14.18). Com isso, cai de certo modo a proibição de fazer imagens de Deus (Ex 20,4s etc.). Antes de Jesus, os povos erraram fazendo imagens de Deus, porque era invisível (cf. as imagens dos deuses  egípcios com cabeças de animais). Agora, pela encarnação do Filho, temos a imagem de Deus invisivel e podemos fazer imagens dele, não como idolatria (adorar algo que não é Deus), mas como sinal de fé em Deus que se fez realmente presente no homem de Nazaré, p. ex. como menino no presépio ou como sofredor na cruz. São João Damasceno (650-754) e o II Concílio de Niceia (787) argumentaram com a encarnação contra os iconoclastas.

Os discípulos devem acreditar na união do Pai e do Filho. O que Jesus falou “aos judeus” (10,22-39), fala agora aos discípulos: “Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras” (v. 11).

“Em verdade, em verdade vos digo, quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois eu vou para o Pai, e o que pedirdes em meu nome, eu o realizarei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes algo em meu nome, eu o realizarei” (vv. 12-14).

Pela fé, o fiel adere a Jesus, pode cooperar com sua atividade e fazer as “obras” de Jesus (não só milagres como os “sinais”). Jesus já falou de “obras maiores” em 5,20s, referindo-se à ressurreição de mortos por ele mesmo. O ministério da revelação e da salvação, do qual os milagres foram os sinais (2,11; 4,54 etc.), prolonga-se nas obras dos discípulos que podem realizar obras “ainda maiores”, na sua força reveladora, uma vez que Jesus já terá sido glorificado e pode apoiá-los de cima. (p. ex.: São Francisco Xavier converteu e batizou mais de 100.000 pessoas, mais do que o próprio Jesus na sua vida terrestre). Os Atos dos Apóstolos começam a ilustrar essa promessa. O Espírito, fonte dos carismas que lhes serão dispensados, será enviado pelo Cristo glorificado a direita do Pai (7,39; 16,7) para realizar estas obras.

De lá, Jesus promete atender a oração de quem lhe “pedir em meu nome” (15,16; 16,24.26; cf. Mt 7,7-11; Lc 11,5-13). O nome representa a pessoa. Usar o nome de Jesus na oração é honrar (glorificar) o Pai. Como o Pai deu tudo na mão do Filho, o julgamento, a vida, também é Jesus que realizará os pedidos da oração (cf. 5,19-27). Mas pedir em nome de Jesus significa também sintonizar-se com a vontade de Deus e pedir com reta intenção, de modo que ele possa assinar o pedido (cf. At 19,13-16; Tg 4,2s). Nos salmos, com frequência se diz “pelo teu nome” (Sl 25,11; 31,4; 54,3; 79,7 etc.). Doravante pode se invocar o nome de Jesus. Na liturgia e espiritualidade cristã oramos e rezamos: “Por Cristo, nosso Senhor”.

O site da CNBB comenta: Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode chegar ao Pai sem Jesus, pois ele é verdadeiramente o único caminho que nos leva ao Pai. Ninguém pode de fato conhecer o Pai se não for através de Jesus, pois ele é a Verdade que nos revela o Pai, ele é o próprio ícone do Pai, ele vive em perfeita comunhão com o Pai. Quem conhece Jesus, conhece o Pai e quem conhece o Pai, conhece Jesus. Nós também participamos dessa comunhão na medida em que nos tornamos ícones de Cristo e a participação nessa comunhão é que nos garante a vida em plenitude, a vida eterna, que é a participação na vida divina.

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