10 de Novembro de 2019, Domingo: “Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram (vv. 34-36).

32º Domingo Ano C

 1ª Leitura: 2Mc 7,1-2.9-14

Esta leitura do Antigo Testamento (AT) foi escolhida porque apresenta a crença na ressurreição, que Jesus afirma na controvérsia com saduceus no evangelho de hoje.

Os dois livros dos Macabeus são livros deuterocanônicos, ou seja, não fazem parte da Bíblia Hebraica (e por isso não são aceitos pelos judeus e protestantes como parte da Escritura Sagrada). O livro 1Mc foi escrito por um autor na Judeia entre 100-63 a.C. num original hebraico que se perdeu, só se conservou sua tradução grega. Independentemente, um pouco por volta de 120 a.C., foi escrito 2Mc por outro judeu, residente em Alexandria no Egito, já em grego como resumo de cinco volumes de um certo Jasão de Cirene (2,23). Ambos os livros dos Macabeus tratam da mesma época, marcada pela penetração do helenismo (cultura grega) e a resistência dos macabeus em Israel (compare-se hoje os conflitos da globalização com tradições locais).

A crença na ressurreição só surge aos poucos nos livros mais novos do AT: primeiro se fala simbolicamente da ressurreição do povo (Ex 37,1-14), depois se espera a reabilitação de indivíduos falecidos (Sl 16,9s; 49,16; 73,24), finalmente se expressa explicitamente a imortalidade da alma (Sb 3,1-5) e a ressurreição da carne (Dn 12,1-3 e 2Mc 7, ambos os textos relacionados com a perseguição de Antíoco Epífanes). Em 2Mc não só importa o fim dos tempos (como em Dn 12,1-3), mas a reabilitação dos mártires logo após sua morte. Eles morrem pelos pecados do povo (vv. 32.38).

2Mc menciona também a intercessão dos santos (15,12-16) e a oração pelos falecidos (12,39-45), talvez tenha sido esse o motivo pelo qual o primeiro protestante Martinho Lutero aceitou como AT só a Bíblia Hebraica dos judeus e excluiu 1-2Mc e outros cinco livros do AT que foram transmitidos apenas em grego (Tb, Jt, Sb, Eclo, Br), mas fazem parte da Bíblia católica.

Aconteceu que foram presos sete irmãos, com sua mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de chicote e de nervos de boi, quis obrigar a comer carne de porco, que lhes era proibida. Um deles, tomando a palavra em nome de todos, falou assim: “Que pretendes? E que procuras saber de nós? Estamos prontos a morrer, antes que violar as leis de nossos pais” (vv. 1-2).

O rei Antíoco IV Epífanes reinava no Oriente Médio (175-164) e queria impor a cultura grega (helenista) a seus súditos em Israel. Construiu um ginásio de esporte e dentro do templo em Jerusalém, um altar dedicado do Zeus Olímpico (“abominação de desolação”, 1Mc 1,54; Dn 9,27; 11,31; 12,11; cf. Mc 13,14p), obrigando o povo a este culto e proibindo os sábados e os livros da Lei (cf. 1Mc 1,41-61). Em 1Mc 1,62s lemos que muitos permaneceram firmes¸ preferindo morrer a se contaminar com os alimentos impuros e profanar a santa Aliança.

“Obrigar a comer carne de porco, que lhes era proibida”. A causa parece ser trivial: um tabu alimentar na lei judaica (Lv 11,7; Dt 14,8) ligado a sacrifícios idolátricos (v. 42; Is 65,4; 66,3). Só que nesse ponto concreto está em jogo toda a fidelidade à Lei de Deus (cf. 6,18-31; só no NT, Jesus declara puros todos os alimentos; cf. Mc 7,19; At 10,4-10).

Começou, então, uma série de martírios, Mais do que redigir um relato histórico, a intenção do autor de 2Mc é apresentar um narrativa agradável (cf. 15,39). O martírio de uma mãe com seus sete filhos é tema dramático e capaz de comover os leitores. Além disso, é uma figura significativa para ouvintes judeus, porque a mãe do povo é “Sião” (o morro onde foi construído Jerusalém), segundo a tradição profética (cf. Is 49; 54; 60; 62). O anonimato em 2Mc 7 reforça essa função simbólica. Em Jr 15,9, Sião é a mãe de sete filhos. Também há uma mulher e sete irmãos no exemplo fictício que os saduceus dão a Jesus no evangelho de hoje.

A perseguição dos judeus pelo rei greco-sírio Antíoco IV Epífanes, cujos meios eram na época assaz cruéis, de fato haviam-se estendido às mulheres e às crianças (cf. 1Mc 1,60s; 2Mc 6,10). O fundo da narrativa é, portanto, histórico, e a elaboração literária se verifica especialmente nos discursos atribuídos aos protagonistas.

Os discursos dominam a cena: é curioso que os antagonistas não falam em estilo direto; as suas palavras se incorporam à narração em estilo indireto, se abreviam ou se resumem. Os sete irmãos e a mãe falam, ou melhor, declamam suas alocuções, em estilo direto (nossa liturgia omite grandes partes; os vv. 1.20-31 são lidos na quarta feira da 33ª semana do ano ímpar).

O segundo, prestes a dar o último suspiro, disse: “Tu, ó malvado, nos tiras desta vida presente. Mas o Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis” (v. 9).

Ao rei opressor que tira a vida presente dos judeus é oposto o Rei do Universo que dá a vida eterna (cf. no v. 31 a alusão à opressão dos hebreus pelo Faraó no Egito, onde 2Mc e Sb foram escritos e a Bíblia Hebraica traduzida por setenta sábios para a língua grega; cf. César e Deus no NT).

Para cada um dos sete irmãos, o sofrimento e a morte levam à ressurreição (vv. 9.14.23.29.36) que a mãe justifica com o poder do Todo-Poderoso que criou do nada e pode criar de novo (v. 28; cf. Rm 4,17).

A crença na ressurreição para vida eterna (lit. revivificação eterna da vida), expressa-se já em Dn 12,2, mas com menos clareza.

A Bíblia de Jerusalém (p. 853) comenta: A fé na ressurreição dos corpos, que não se depreende ainda com segurança de Is 26,19 e Jó 19,26s (…) é afirmada pela primeira vez aqui (também nos vv. 11.14.23.29.36) e na passagem de Dn 12,2-3, também relacionada com a perseguição de Antíoco Epífanes (ver Dn 11). Cf. ainda, neste livro, 12,38-46 e 14,46. – Por um efeito do poder do Criador (v. 23) os mártires ressuscitarão para a vida (v. 14; cf. Jo 5,29), para uma vida eterna (vv. 9 e 36). Alcança-se assim a doutrina da imortalidade que será desenvolvida em ambiente grego mas sem referência a ressurreição dos corpos por Sb 3,1-5.16. Entretanto, para o pensamento hebraico, que não distinguia corpo e alma, a ideia de uma sobrevivência implicava a ressurreição dos corpos, como se vê aqui. O texto não ensina diretamente a ressurreição de todos os homens, considerando só o caso dos justos (cf. v. 14). Neste ponto, Dn 12,2-3 é mais claro.

Depois deste, começaram a torturar o terceiro. Apresentou a língua logo que o intimidaram e estendeu corajosamente as mãos. E disse, cheio de confiança: “Do Céu recebi estes membros; por causa de suas leis os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo” (vv. 10-11).

A Bíblia do Peregrino (p. 1033) comenta: Tema comum dos discursos dos mártires é morrer pela Lei, com a esperança da ressurreição … Na unidade familiar se reflete a unidade do povo fiel. Como cada um “recuperará” seus membros amputados (v. 11), a mãe “recuperará” seus filhos (v. 29).

No v. 11, o jovem expressa três tempos muitos marcados: o dom inicial, o sacrifício atual e recompensa próxima. Judeus devotos evitam falar o nome de Deus: o “Céu” é sinónimo de Deus (cf. o reino de Deus em Mc 1,15, é o “reino dos céus” em Mt 4,17). Este v. 11, omitido por vários manuscritos latinos, na posição que ocupa não se junta bem com o v. precedente: a língua estendida deve ter sido logo decepada (cf. v. 4).

O próprio rei e os que o acompanhavam ficaram impressionados com a coragem desse adolescente, que considerava os sofrimentos como se nada fossem. Morto também este, submeteram o quarto irmão aos mesmos suplícios, desfigurando-o. Estando quase a expirar, ele disse: “Prefiro ser morto pelos homens tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará. Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!” (vv. 12-14).

Com o quarto jovem inicia o ataque verbal ao tirano (que continua nos demais filhos) numa frase ambígua: insinua que ressuscitará, mas não para a vida?  O texto não ensina diretamente a ressurreição de todos os homens, considerando só o caso dos justos (cf. v. 14). Neste ponto, Dn 12,2-3 é mais claro porque opõe dois tipos de ressurreição: “uns para vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror eterno”. Para o autor de 2Mc, os ímpios são privados de revivificação, esta é reservada aos justos.

Nossa liturgia não fala mais do martírio dos outros irmãos e da mãe que morreu em último lugar (v. 41). Ela e seus sete filhos foram exemplares para os cristãos por causa da “coragem” e valentia no martírio. A retórica de seus desafios e ameaças ao tirano, junto com a profissão de fidelidade, inspiraram muitas narrações de martírios. Nas suas pregações, os padres da Igreja usavam seu exemplo (e o de Eleazar, cf. 6,18-31) como mártires pré-cristãos aos quais foi prestado culto. Em diversos lugares se venerava seu túmulo; foram-lhes dedicados louvores.

A Bíblia de Jerusalém (p. 852) comenta: O culto dos “sete irmãos Macabeus” estendeu-se até o Ocidente, onde várias igrejas foram-lhes dedicadas. A narrativa, chamada “Paixão dos santos Macabeus”, teve larga difusão e serviu de modelo a diversas atas de mártires.

 

2ª Leitura: 2Ts 2,16-3,5

A segunda carta aos Tessalonicenses corrige algumas expectativas exageradas naquela comunidade a respeito da parusia (segunda volta de Cristo no fim dos tempos) que a primeira carta poderia ter provocada. Por isso, muitos peritos pensam num discípulo do apóstolo como autor desta carta usando o nome de Paulo para mostrar sua fidelidade ao mestre (pseudepigrafia).

A carta se limita a precisar que a vinda do Senhor não é iminente e será precedida por sinais reconhecíveis (cf. 2,3b-12; omitido pela nossa liturgia): antes deste dia do Senhor acontecer, surgirá “a apostasia, o homem da impiedade, o filho da perdição, o adversário” (2,3b-4). Não sabemos o significado destes termos apocalípticos; podem-se comparar ao rei perseguidor Antíoco Epífanes IV (Dn 11,36; cf. 1ª leitura de hoje), à besta-fera (o imperador romano que exige adoração em Ap 13), ao Anticristo (cf. 1Jo 2,18.22; 4,2s).

Depois da visão sombria, o autor continua mais sereno numa série de orações mútuas, ação de graças e pedidos (2,13-3,5).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1452) comenta os vv. 13-17: Após deixar os injustos e mentirosos entregues à sua condenação, a carta se volta aos irmãos amados do Senhor (vv. 13-15), em tom de orações e ações de graças (1Ts 1,4-5; 3,11-13). Modelo da comunidade é a Trindade, presente em Deus nosso Pai (v. 16), em nosso Senhor Jesus Cristo (vv. 14.16) e no Espirito de santidade (v. 13), da esperança pela graça (v. 16) e de tudo o que se faz e se diz em vista do bem (v.17). Nesse clima do evangelho, a comunidade não precisa temer o julgamento de Deus, mas sim agradecer e confiar, porque está no caminho da salvação.

Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou em sua graça e nos proporcionou uma consolação eterna e feliz esperança, animem os vossos corações e vos confirmem em toda a boa ação e palavra (2,16-17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1452) comenta: Após deixar os injustos e mentirosos entregues à sua própria condenação, a carta se volta aos irmãos amados do Senhor (vv. 13.15), em tom de orações e ações de graças (1Ts 1,4-5; 3,11-13). Modelo da comunidade é a Trindade, presente em Deus nosso Pai (v. 16), em nosso Senhor Jesus Cristo (vv. 14.16) e no Espírito da santidade (v. 13). Também estão presentes as virtudes da fé na verdade (v. 13), da esperança pela graça (v. 16) e de tudo o que se faz e se diz vista do bem (v. 17). Nesse clima de evangelho, a comunidade não precisa temer o julgamento de Deus, mas sim agradecer e confiar, porque está no caminho da salvação.  

“Consolo eterna” é uma expressão estranha. Se o consolo é eficaz, deve cessar depois de alcançar seu objetivo. Deve referir-se ao efeito, “consolo definitivo” (um dos significados do adjetivo grego e semítico), vinculado à “esperança”. Aqui aparece esta virtude teologal que antes foi substituída pela perseverança (1,3s).

Quanto ao mais, irmãos, rezai por nós, para que a palavra do Senhor seja divulgada e glorificada como foi entre vós (3,1).

Paulo pede as orações dos fiéis (1Ts 5,25, etc.) que ajudarão na missão apostólica, ou seja, na pregação da “Palavra do Senhor”, que é a mensagem evangélica (cf. Cl 4,3; Ef 6,19. Que “seja divulgada”, lit. “corre” (como ser vivo, cf. Sl 147,15: “enviai sua mensagem à terra e sua palavra corre velozmente”; cf. Is 52,7). Paulo se compara a si mesmo com um atleta que corre (1Cor 9,24-27; cf. Gl 5,7; 2Tm 4,7). Que esta palavra continue seu caminho, graças ao impulso divino e, uma vez recebida e ouvida (cf. 1Ts 2,13) será “glorificada” por Deus que a enviou (Sl 107,20).

Rezai também para que sejamos livres dos homens maus e perversos pois nem todos têm a fé! (v. 2).

A fé não é de todos: expressa a experiência complementar: embora a mensagem evangélica seja eficaz, nem todos o acolhem com fé. Nas cartas pastorais (da terceira geração), pede-se orações pelos governantes pagãos para a comunidade poder viver com tranquilidade e piedade (1Tm 2,1s; cf. Tt 3,1; 1Pd 2,13-17).

Mas o Senhor é fiel; ele vos confirmará e vos guardará do mal. O Senhor nos dá a certeza de que vós estais seguindo e sempre seguireis as nossas instruções (vv. 3-4).

“Vos guardará do mal”, ou talvez, “do maligno”; traduz-se conforme se considere este termo como neutro ou como masculino. É um eco da oração do Pai-nosso (Mt 6,13; cf. 1Ts 5,22). Os cristãos serão tentados; contudo, não será além de suas forças (1Cor 10,13).

Paulo tem certeza de que “o Senhor é fiel” e a comunidade será fiel também, porque segue as “instruções” e “tradições” (2,15; 3,6) apostólicas.

Que o Senhor dirija os vossos corações ao amor de Deus e à firme esperança em Cristo (v. 5).

Parece que Paulo já queira concluir a carta (cf. vv. 16-18, o final da carta), mas nos vv. 6-15 vem ainda uma advertência contra vagabundagem e desordem (cf. 2ª leitura do próximo domingo). Para a fé (fidelidade do v. 4) não enfraquecer, precisa de amor e esperança (as três virtudes teologais, cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3). Aqui Paulo retorna a fé, o amor e a perseverança, como no início da carta (1,3s). A “firme esperança em Cristo” (outros traduzem: “a perseverança de Cristo”, aqui Paulo não usa a palavra “esperança” de v. 16), pode ser a “paciência” (tradução latim) e persistência com que esperamos a vinda de Cristo do Dia do Senhor (cf. Rm 8,25; 15,4), ou a perseverança que Cristo outorga, à imagem da sua (cf. 1Ts 1,3).

Evangelho: Lc 20,27-38

Os saduceus pertenciam às classes superiores do sacerdócio. Seu nome deriva de Sadoc, sumo sacerdote instituído por Salomão (1Rs 1,8.32-39; 2,35; cf. Ez 40,46). Eles tinham maioria no sinédrio, estavam abertos à cultura grega, mas na religião eram conservadores. Só aceitavam o Pentateuco (os primeiros cinco livros do AT, chamada Torá ou Lei de Moisés). Seguindo a velha tradição não admitiam outra vida (cf. Jó 14,10-19 e outros); não a liam na Escritura nem aceitavam uma tradição oral dos rabinos. Nisso eram conservadores.

Não admitiam a crença na ressurreição, surgida dois séculos antes (cf. Dn 12,2s; 2Mc 7). Jesus a admite, como os fariseus. Nesta questão da ressurreição, os saduceus discordam acerrimamente dos fariseus, como ilustra o episódio de Paulo (At 23,8).

Aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, que negam a ressurreição, e lhe perguntaram: “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a viúva a fim de garantir a descendência para o seu irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a viúva. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de quem?” (vv. 28-32).

Tal como a imaginam, a suposta ressurreição consiste em prolongar ou repetir a vida presentes. Vigoram as mesmas leis, não obstante surjam novas situações. É fácil ridicularizar essa doutrina, e agora vão divertir-se à custa de Jesus. O caso que inventam se baseia na chamada lei do levirato (Dt 25,5; Gn 38,8; Rt 4) que deve garantir descendência à família e evitar alienação da sua propriedade.

Jesus respondeu aos saduceus: “Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram (vv. 34-36).

Jesus começa corrigindo a falsa imagem: a ressurreição verdadeira consiste em passar a uma categoria nova, “iguais aos anjos”, Lc acrescenta: “serão filhos de Deus” (cf. a tradição cananeia em Sl 29,1; 82,6; Gn 6,1-4), “porque ressuscitaram” (lit. filhos da ressurreição). O matrimônio, em seu aspecto de fecundidade, é lei da vida sobre da morte, para garantir a sobrevivência da família e do povo. Acabada a morte (1Cor 15,26), não se geram mais filhos. Aqui, Jesus se refere ao matrimônio em sua função de procriar, segundo a exposição do caso, não enquanto a relação pessoal amorosa.

“Nesta vida” (lit. “os filhos deste século”) é expressão de estilo semita: aqueles que pertencem a este mundo. “Na ressurreição dos mortos”, aqui é questão somente da ressurreição dos justos. Lc sublinha que é uma graça de ser admitido no mundo futuro (cf. 14,14; 21,36). A expressão “serão iguais como anjos” não pretende depreciar o casamento (cf. 16,18; 17,27; Mt 19,1-12; 1Cor 7), mas significa não ter outra preocupação a não ser servir e louvar a Deus.

Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele” (vv. 37-38).

O segundo é um argumento da Escritura no estilo da época, mas Jesus não podia se apoiar em Dn 12 e nenhum dos profetas, porque os saduceus só reconhecem a autoridade da lei de Moisés (Pentateuco), Então Jesus cita do segundo livro da Bíblia: Ex 3,2.6. O Senhor Javé não pode aduzir sua identidade como “Deus dos mortos”, seria absurdo imaginá-lo como divindade infernal (cf. Is 28,15; Sl 49,15; os egípcios adoraram um deus dos mortos, Anubis, com cabeça de chacal, um cão do deserto que come carne morta).

Os israelitas podiam chamar Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14) de “nosso Deus”, por que era “seu Deus”; também o indivíduo no singular. Mas os mortos não podiam invocar o “nosso Deus” (p. ex. Sl 88,11-13); não era o Deus deles. Em contraste com a crença geral se leem os vislumbres de Sl 16,11; 17,15; 73,23-28. Em outras culturas circundantes, imaginavam a existência de deuses no reino dos mortos (Osiris, Nergal, Plutão etc.). O Pai de Jesus é Deus de mortos só para que cessem de estar mortos. Os que vivem, “vivem para o Senhor” (Rm 14,8) e os que são do Senhor vivem eternamente.

Nossa liturgia omite o aplauso de alguns doutores da Lei, que Lc acrescentou (vv. 39-40; (cf. Mc 12,32 sobre o primeiro mandamento). Os escribas, que na maior parte são fariseus, aplaudem a refutação dos seus adversários saduceus (cf. At 23,8). Para Lc é importante, assegurar o conceito da ressurreição diante do conceito grego da sobrevivência apenas das almas como sombras num submundo (cf. 24,38-41; At 1,3s; 2,24-32; 17,31s). Jesus afirma a ressurreição, não a sobrevivência da doutrina grega, mas a exemplo e como dom do Senhor glorificado. A ressurreição da carne (corpo) entrou como artigo da fé cristã no Credo.

O site da CNBB comenta: Como todos nós vivemos num mundo marcado pelo materialismo, cada vez mais somos tentados a fazer da matéria a causa da nossa felicidade e nos fecharmos nessa realidade para analisar todas as coisas e, com isso, não somos capazes de ver outros caminhos para a felicidade ou até mesmo outras condições de vida que Deus pode nos conceder para o nosso bem, como é o caso da vida eterna. O erro que os saduceus cometeram e que aparece no evangelho de hoje é esse: se tornaram tão materialistas que ficaram incapazes de abrir o próprio coração para a proposta da vida plena que nos é feita pelo próprio Deus.

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