01 de Março de 2019, Sexta-feira: Afasta-te dos teus inimigos e toma cuidado com os amigos (v. 13).

Leitura: Eclo 6,5-17

O autor Ben Sirac não só trata de temas teológicos, mas dá conselhos para situações da vida cotidiana e das relações humanas. Depois de falar sobre o uso da língua (v. 5; cf. 5,10-6,1), trata da amizade. Porque é importante para ele?  Seus contemporâneos tinham amizades problemáticas, ou ele queria advertir seus ouvintes que confiaram demais em parceiros de comércio e negócios? De qualquer forma, as palavras do mestre sábio demonstram experiência madura e observação aguda.

A Bíblia do Peregrino (p. 1585) comenta: Pela forma, a instrução sobre os amigos se divide em quatro estrofes; pelo conteúdo: enunciado geral e exortação (5-7), o mau amigo (8-12), ligação (13), o bom amigo (14-17). Um refrão antigo resume o ensinamento: “Ao bom amigo, com teu pão e com teu vinho; ao mau, com o teu cão e com teu pau”.

Uma palavra amena multiplica os amigos e acalma os inimigos; uma língua afável multiplica as saudações. Sejam numerosas os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil. Se queres adquirir um amigo, adquire-o na provação; e não te apresses em confiar nele (vv. 5-7).

Ben Sirac dá conselhos na escolha dos amigos: tratar todos com respeito e gentileza, mas não se precipitar a confiar em amigos (cf. 37,1-5; Pr 18,24) ou conselheiros (cf. 37,7-15).

“Uma palavra (lit. “garganta) amena”; o v. 5 começa em estilo proverbial, apoiado na experiência; “Saudar” é em hebraico desejar paz ou prosperidade (shalom).

A Bíblia de Jerusalém traduz: “Sejam numerosas as tuas relações” e comenta: Lit.: “os que estão em paz contigo”, ou talvez “os que te desejam a paz”. Cf. hebr.: “os homens de tua saudação. O v. 6 pode se comparar com “muitos amigos em geral, e um em especial”.

Porque há amigo de ocasião, que não persevera no dia da aflição. Há amigo que passa para a inimizade, e que revela as desavenças para te envergonhar. Há amigo que é companheiro de mesa e que não persevera no dia da necessidade. Quando forem bem sucedido, ele será como teu igual e, sem cerimônia, dará ordens a teus criados. Mas, se fores humilhado, ele estará contra ti e se esconderá da tua presença (vv. 8-12)

Os vv. 8-12 advertem do amigo inconstante ou interesseiro. Nós dizemos “amigo-da-onça”. Leiam-se as queixas de Sl 41,10; 55,13-15 e Pr 19,4.7, porque há muitos amigos de ocasião, falsos e infiéis (cf. 12,8-9). “Sem cerimônia, dará ordens a teus criados”, hebraico: “na tua desgraça, ele se afasta de ti”.

Afasta-te dos teus inimigos e toma cuidado com os amigos (v. 13).

O v. 13 é resumo (cf. Jr 9,3) e ligação.

Um amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro. Ao amigo fiel que não há nada que se compare, é um bem inestimável. Um amigo fiel é um bálsamo de vida; os que teme o Senhor vão encontrá-lo. Quem teme o Senhor, conduz bem a sua amizade: como ele é, tal será o seu amigo (vv. 14-17).

Agora segue-se um louvor à amizade. Um “amigo” fiel é um bem precioso, um “tesouro”, “bálsamo” e proteção (cf. Pr 17,17; 31,10; Ecl 4,9-12; 1Sm 18,1-4; 19,1-7; 20; 23,16-18; 2Sm 1,26). A Bíblia do Peregrino (p. 1585) comenta: A figura do amigo fiel aparece por contraste. É tesouro obtido pelos que respeitam o Senhor. Assim, a instrução particular se vincula com um tema geral do livro. Talvez o autor pense no exemplo clássico de Davi e Jônatas. O autor volta ao tema em 9,10; 22,19-26; 27,22-24; 37,1-6. Ver também Pr 17,17.

O final liga o tema da amizade ao do temor a Deus, princípio da sabedoria (1,14). Quem teme o Senhor, tem sabedoria (cf. 1,10-20), é sábio bastante para encontrar um bom amigo e ser um também. “Quem teme ao Senhor, conduz bem a sua amizade: como ele é, tal será o seu amigo” (v. 17; hebraico: Qual alguém é, tal será seu amigo: qual sua fama, tais serão suas obras), ou seja, o amigo age como exige o título de amigo, não como o falso, que merece o título de “inimigo”. Entende-se geralmente: “pois seu amigo lhe é tão caro quanto ele próprio”. Pode se entender: “amará seu amigo como a si mesmo”. Mas o sentido pode ser igualmente: “pois seu amigo será necessariamente como ele, temente a Deus”. A verdadeira piedade garante e fortalece a amizade. Ela é como o sacramento da relação humana penetrada por Deus.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 859) resume: Amigos verdadeiros são aqueles que permanecem tais em tempos de provação; é o tom deste hino à amizade. Aspecto que será retomado em 9,10-16; 12,8-18 (cf. Pr 17,17; 18,24; Ecl 4,9-12).  

Evangelho: Mc 10,1-12

Depois das instruções aos Doze sobre liderança (9,30-50), acompanhamos nos próximos dias palavras de Jesus sobre família (casamento), crianças e propriedade (10,1-31). No cap. 9 Jesus ainda estava na Galileia (9,30), mas desde o primeiro anúncio da paixão em Cesareia de Filipe (o lugar mais setentrional da sua trajetória), ele está indo ao sul, a Jerusalém, capital da Judeia, onde se cumprirá este anúncio (cf. 10,32-34).

Jesus foi para o território da Judéia, do outro lado do rio Jordão. As multidões se reuniram de novo, em torno de Jesus. E ele, como de costume, as ensinava (v. 1).

Os peregrinos judeus a Jerusalém costumam descer o leito do rio Jordão (evitando assim a Samaria, cf. Jo 4; Lc 9,51-55). Antes de entrar na Judeia, Jesus ainda passa na Pereia, o território no “outro lado do rio Jordão”. Para lá (na cidade de Pella), os cristãos da Judeia se refugiaram na época do evangelista durante a guerra Judaica (66-70 d.C.). Os próximos ensinamentos de Jesus são uma catequese familiar e vocacional (matrimônio, crianças, bens, seguimento). De novo, ele ensina multidões.

Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher (v. 2).

Alguns fariseus já não se aproximam mais com intenções boas ou neutras, mas “para pô-lo a prova” (cf. 8,11; 12,13; Mt 22,35), aqui perguntam sobre o divórcio, uma questão bastante discutida no judaísmo e ainda hoje entre nós (cf. os sínodos dos bispos em 2015 e 2016, resultando na exortação apostólica Amoris Laetitia de Papa Francisco). Na Lei de Moisés estava escrito: “Quando um homem se casa com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade” (Dt 24,1). Poderia se discutir somente o aspecto jurídico: quais os motivos seriam suficientes (cf. Mt 19,3), ou seja, definir melhor o que seria “coisa inconveniente”. Apesar da norma de Dt 24,1, o profeta Malaquias reclamou da prática do divórcio (Ml 2,13s.16). Mas não se podia negar, que havia o direito de se divorciar, ao não ser que alguém se quisesse invalidar a Lei. Por isso, a pergunta dos fariseus é tentadora. Se Jesus negasse o direito do divórcio, estaria contra a Lei de Moisés!

Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la” (vv. 3-4).

Jesus, porém, não responde diretamente, mas pergunta: “O que Moisés vos ordenou?” Não pergunta, o que Moisés “permitiu”, mas o que a Lei mandou fazer em relacionamento ao mulher. Olhando para o conjunto do AT (Antigo Testamento) vemos a mulher como auxiliar dado por Deus ao homem (Gn 2,18; cf. Pr 18,24; 19,14; Eclo 36,29-31), mas também o homem deve auxiliar e cuidar da sua esposa (cf. Ex 21,7-11; Dt 20,7; 24,5; 1Sm 1,8); ele é responsável pela mulher (mesmo sem união legítima, cf. Ex 22,15; Dt 22,8-9.13-21.29; 21,10-14). A resposta correta à pergunta de Jesus poderia ser então: “Moisés nos mandou cuidar da mulher.” Mas os fariseus legistas só querem saber o que é permitido e respondem com Dt 24,1.

Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” (vv. 5-9).

Jesus não nega a lei do divórcio (que visava também a proteção da mulher, uma demitida não deve ser considerada uma fugitiva), mas afirma: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu esse mandamento” (v. 5). Dureza do coração (cf. Dt 10,16; Jr 4,4; Eclo 16,10) no AT significa desobediência por causa do coração insensível aos preceitos divinos. Moisés concedeu o divórcio por causa do coração duro do homem, por seu estilo de vida insensível a respeito do que Deus queria em relação à mulher.

O que Deus queria mesmo, Jesus declara, referindo-se ao início da Lei de Moisés citando Gn 1,27 e 2,24: “Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne”, e conclui com suas próprias palavras: “Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar”.

Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto (v. 10).

Como de costume em Mc, os discípulos precisam de um ensinamento privativo para aprofundar o assunto “em casa” (cf. 2,1.15; 3,20.31; 4,10; 9,33).

Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério” (vv. 11-12).

Jesus dá uma norma: “O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher”. Mas fora da Palestina, também a mulher pode se divorciar do esposo, por isso o evangelista acrescenta para seus leitores greco-romanos: “E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério” (v. 12).

Jesus nos comunica um princípio, a vontade original de Deus, mas não nos diz o que fazer em casos concretos e complicados. Nas comunidades dos primeiros cristãos já surgiram problemas e respostas para isso (cf. Mt 5,32; 19,9; 1Cor 7,12-16). Em Mc, a resposta de Jesus em v. 11 não é para todos, mas se dirige aos discípulos (v. 10). Perguntas atuais diante de tantos fracassos nos casamentos, p. ex.: o que fazer com aqueles que foram abandonados? Negar a comunhão (Eucaristia) a casais em segunda união ou abrir a possibilidade de um segundo casamento (Igreja Ortodoxa) ou ver a possibilidade de anulação do primeiro (Igreja Católica), tudo isso não se pode responder somente a partir de Mc, mas do conjunto do NT, da aplicação da Lei e também da prática da misericórdia em cada caso.

O site da CNBB comenta: A nossa vida é condicionada por leis que os homens fizeram, às quais nós devemos nos submeter para viver na legalidade. Porém, devemos ter consciência do fato de que, nem tudo o que é legal, é justo, no sentido pleno da palavra. Podemos citar alguns exemplos como a questão dos juros: é legal para o banco pagar menos de 1% ao mês para cadernetas de poupança e cobrar mais de 10% ao mês por empréstimos que realiza. É legal na sociedade brasileira o divórcio que, perante os olhos de Deus, não conduz o homem à justiça, mas sim ao pecado e à morte, pois desrespeita compromissos e direitos de cônjuges, filhos, da comunidade eclesial e da própria sociedade.

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