01 de Setembro de 2018, Sábado: Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Ali haverá choro e ranger de dentes! (v. 30).

Leitura: 1Cor 1,26-31

Na leitura de hoje, Paulo aplica sua teologia da cruz ao caso concreto da comunidade de Corinto. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1388) comenta a situação: Paulo havia partido de Atenas após uma experiência fracassada com os filósofos gregos (At 17,16-34). Agora, em Corinto, ele trabalha com uma comunidade pobre da periferia da cidade. Dessa dupla experiência, cresce a convicção de que Deus escolheu preferencialmente as pessoas pobres, simples e marginalizadas, pois é na fraqueza que se manifesta a força de Deus (2Cor 12,9). A partir daí, segue a argumentação através de um jogo de contrários ou antíteses. Significa que há uma contradição entre o projeto de Deus e o projeto humano. A cruz parece loucura, sinal de fraqueza e caminho de perdição. Mas Deus a transformou em sabedoria, sinal de força e caminho de salvação. No final, Paulo aplica suas considerações ao caso concreto da comunidade de Corinto, onde essa realidade pode ser constatada (2Cor 10,17).

Irmãos, considerai vós mesmos, como fostes chamados por Deus. Pois entre vós não há muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres (v. 26).

O paradoxo descrito no vv. anteriores, a força do fraco, o poder do crucificado (vv. 18.24), se prolonga e se manifesta na comunidade de Corinto, composta de gente socialmente sem importância (Tg 2,5; Mt 11,25): não são muitos os intelectuais, os poderosos, a nobreza.

“Sabedoria humana”, lit. segundo a carne (cf. Rm 1,3, etc.), isto é, de um ponto de vista meramente humano. Como outrora os escravos no Egito (Dt 7,7-8; Is 49,7), Deus escolhe agora os contrários: gente iletrada, sem influência, sem títulos.

Na verdade, Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte (v. 27).

Muitas vezes na história bíblica, Deus escolheu pessoas fracas e humildes para tarefas importantes: os migrantes Abraão e Sara em Gn 12,1-3; o fugitivo Moisés em Ex 3-4; o pastor Davi em 1Sm 16; profetas em Jr 1,6; Is 6,5; 52,13-55,12; Maria e José (Mt 1-2; Lc 1-2); apóstolos (cf. Lc 5,8; Mt 9,9-13); cf. Eclo 11,1-6; Jz 7,2; 1Sm 2; Jó 5,11; Lc 1,46-55; 6,20-26; 16,19-31).

Na Idade Média, só os palhaços na corte tinham a liberdade de dizer certas verdades sobre o rei. Na sua apologia de 2Cor 10-11, Paulo toma ao papel de palhaço fazendo um elogio próprio como seus adversários faziam (cf. 2Cor 11,16-21).

Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante, para que ninguém possa gloriar-se diante dele (vv. 28-29).

“Deus escolheu o que para o mundo é sem importância”, lit. sem nascimento, por oposição às pessoas de famílias “nobres” do v. 26; “para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante”, ou: “para reduzir ao nada o que é”. A antítese dos filósofos, “o ser e o não ser” adquire outro sentido na ordem da salvação: ser cristão é ser nova criação (2Cor 5,17), existir em Cristo (v. 30).

Continua a antítese confundir/gloriar-se (vv. 19-21.27): com o fracasso, Deus confunde ou faz fracassar o forte, e assim ninguém pode gloriar-se diante de Deus (Jr 9,22-23 sobre a falsa glória e a autêntica; cf. Dt 8,17-18), “para que ninguém (lit. nenhuma carne no sentido nenhuma criatura, cf. Rm 1,3) possa gloriar-se diante dele”.

É graças a ele que vós estais em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós, da parte de Deus: sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (vv. 30-31).

“Vós estais em Cristo Jesus”, lit. “existis”. Este verbo tem sentido enfático e deve ser tomado no sentido rigoroso: Deus vos escolheu; vós existis agora em Jesus Cristo, vós que outrora não existíeis (sem nascimento, v. 28) aos olhos do mundo (vv. 26-29), ao passo que os que existem segundo o mundo estão reduzidos a nada (v. 28). É dessa existência nova em Jesus Cristo que vos deveis gloriar (v. 31) e tão-somente dela (cf. v. 29). Portanto, orgulhai-vos não do que sois por vós mesmos aos olhos dos homens, mas do que sois em Jesus Cristo aos olhos de Deus (vv. 29-31).

À sabedoria presunçosa da inteligência humana, com pretensões a ser regra absoluta, opõe-se a sabedoria provindo de Deus (“da parte de Deus”): em ação no desígnio de Deus, encarnada em Jesus, ela se torna manifesta na eleição dos cristãos de Corinto. A sabedoria cristã não é o resultado de um esforço humano “segundo a carne” (v. 26). Ela se encontra num ser humano que apareceu “na plenitude dos tempos” (Gl 4,4), Cristo, e que é preciso “ganhar” (Fl 3,8), para encontrar-se nele “todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2,3). Para os chamados, “é Cristo, poder e sabedoria de Deus” (v. 24).

Essa sabedoria implica uma salvação total: “justiça, santificação, redenção”. Estas três últimas palavras constituem os temas fundamentais da carta em elaboração na mente do apóstolo (cf. Rm 1,17; 6,19.22; 3,24).

A Bíblia do Peregrino (p. 2740) comenta: Por meio de Jesus Messias comunicam-se aos fiéis qualidades e ações de Deus: a sabedoria como sentido da vida (cf. Eclo 1,10), a justiça que nos faz justos em nossa relação com Deus (esta justificação é tema central da carta aos Romanos, cf. Jr 23,5s), a consagração (cf. Jo 17,19), o resgate como libertação da escravidão (cf. Dt 4,6.8; Sl 130,7; Rm 3,24; Gl 5,1).

“Quem se gloria, glorie-se no Senhor” Paulo cita Jr 9,22-23 livremente (repetida na sua apologia em 2Cor 10,17; cf. 2Cor 10,8.13.15-17;11,16-18.30; 12,1.5s.9).

 

Evangelho: Mt 25,14-30

No evangelho de hoje continuamos no quinto discurso (sobre escatologia) de Jesus em Mt (caps. 24-25). Hoje apresenta-se a terceira parábola sobre vigilância e responsabilidade diante da vinda (parusia) de Cristo no fim dos tempos. Após a vigilância do servo de casa (24,45-51) e das virgens prudentes da cena nupcial (25,1-13), passa para o mundo da economia que também serve para falar sobre o reino de Deus.

A parábola tem seu paralelo em Lc 19,12-27 (Mt e Lc a tiraram da mesma fonte de palavras, Q), porém, com moral diferente. Em Mt, a simples expectativa e a vigilância se convertem e culminam em responsabilidade para ação no mundo. A responsabilidade é proporcional ao talento recebido para o serviço. Prêmio e castigo pela administração se orientam para o julgamento definitivo.

(Naquele tempo, Jesus contou esta parábola a seus discípulos:) Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou (vv. 14-15).

Nossa liturgia mudou a introdução desta parábola. Mt se refere aos vv. anteriores (parábolas da vigilância) e escreveu literalmente: “Pois (o reino de Deus, cf. v. 1) será como um homem que ia viajar …”

Podemos imaginar “um homem” como grande comerciante viajando para o exterior. Entre “seus empregados” (servos ou escravos) ele reparte livremente, e não de modo arbitrário, o seu dinheiro (“seus bens”), porque leva em conta a “capacidade” de cada um (em grego, dynamis, dinamismo, capacidade de fazer). Só que também essa capacidade é dom (cf. Dt 8,17s).

Na época, também um escravo podia administrar dinheiro confiado pelo seu dono. Aqui não se define o modo como estes três deviam atuar com o dinheiro, mas é claro que o lucro pertencerá ao dono. Um “talento” equivale a 6.000 denários. Um denário (uma moeda de prata) era a diária de um trabalhador (cf. 20,2). Se estipularmos uma diária de apenas R$ 100,00, os valores são consideráveis: “cinco talentos” equivalem R$ 3 milhões; “dois talentos”, R$ 1,2 milhões e “um talento”, R$ 600.000,00.

O empregado que havia recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles, e lucrou outros cinco. Do mesmo modo, o que havia recebido dois lucrou outros dois. Mas aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão (vv. 16-18).

O patrão se ausentou e não volta logo, dando oportunidade aos empregados trabalharem. Já não menciona uma chegada iminente do patrão (cf. 19,28; escatologia adiada, 2Ts 2,2). O relato se concentra no serviço ao patrão, dono único do dinheiro e não fala expressamente do serviço aos outros. Os primeiros dois trabalham e fazem o dinheiro multiplicar, talvez através de ações financeiras. O sistema financeiro da época não era tal diferente do nosso: lucrar através de câmbio das moedas, depósitos ou créditos com juros. Os judeus já mantinham agências bancárias nas maiores cidades do império.

O terceiro empregado, porém, enterra a soma confiada; assim se procedia em tempos de guerra para não cair nas mãos do inimigo. No paralelo de Lc 19,20, ele deposita o dinheiro num lenço, mas em Mt, a soma é grande demais para isso.

Depois de muito tempo, o patrão voltou e foi acertar contas com os empregados. O empregado que havia recebido cinco talentos entregou-lhe mais cinco, dizendo: “Senhor, tu me entregaste cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei”. O patrão lhe disse: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” Chegou também o que havia recebido dois talentos, e disse: “Senhor, tu me entregaste dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei”. O patrão lhe disse: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (vv. 19-23).

Quando o patrão finalmente volta, pede contas da administração, numa espécie de julgamento, no qual o patrão qualifica a conduta dos empregados e a retribui. Os dois primeiros são elogiados, porque se mostraram bons em seu ofício; aliás, cada um dos dois recebe o mesmo elogio: “Servo bom e fiel” ao seu fiável (é o título de Moisés segundo Nm 12,7); “como foi fiel na administração de tão pouco” – “tão pouco” não corresponde às somas enormes de milhões, mas indica que a versão original da parábola (na fonte Q) tratava de valores menores (como as “minas” em Lc 19,13: uma mina equivale 100 denários, ou seja, R$ 10.000,00); Mt aumentou os valores. O prêmio (o mesmo para os dois!) supera qualquer previsão: perto dele os milhões eram nada; de uma posse administrada passa-se a convivência com o patrão: “Vem participar da minha alegria!”

Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence”. O patrão lhe respondeu: “Servo mau e preguiçoso! Tu sabias que eu colho onde não plantei e que ceifo onde não semeei? Então devias ter depositado meu dinheiro no banco, para que, ao voltar, eu recebesse com juros o que me pertence.” Em seguida, o patrão ordenou: “Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez! (vv. 24-28).

O terceiro é malvado ou “mau” em seu ofício, um “preguiçoso” (um adjetivo substantivado como tipo em Pr 6,6-11; 10,4.26; 13,4; 15,19; 19,15.24; 20,4.13; 22,13; 24,30-34; 26,13.15s). Ele procura defender-se pondo a culpa no patrão exigente; cf. Pr 22,13: “O preguiçoso diz: ‘Um leão está lá fora! Serei morto no meio da rua!’”. Realmente o medo do risco paralisa (Eclo 11,10), a inércia se afirma na preguiça. Mas o dinheiro não é uma semente que se enterra e cresce por si só; é o homem que imprime nele seu dinamismo para fazê-lo crescer. A colaboração humana está fortemente sublinhada.

O diálogo com o terceiro criado mostra a outra face do dinamismo do trabalho humano. O dinheiro confiado a mãos ativas tende a crescer; mas a preguiça deixa-o inerte, e o preguiçoso fica de mãos vazias (cf. Pr 6,11; 10,4; 15,19; 19,15). A quem aproveita o dinheiro enterrado? Por isso, o patrão entrega o talento agora ao mais hábil dos três servos. A parábola está cheia de termos técnicos da linguagem bancária: depositar, juros, etc.

Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado (v. 29).

O provérbio final, com sua formulação paradoxal (13,12), expressa felizmente o duplo movimento: do mais ao sempre mais, do menos até o nada. Jesus não opina aqui sobre a lógica trágica do capitalismo que pode levar nações inteiras à ruína através de especulação financeira, mas expressa uma experiência sapiencial (cf. Pr 10,4: “A mão preguiçosa empobrece, o braço diligente enriquece”). Mt 13,2 (cf. Mc 4,25) aplica o mesmo provérbio ao conhecimento do mistério do reino que é dado aos discípulos. Eles são pobres materialmente (9,19s; 10,9s; 19,21-29), mas ricos espiritualmente (cf. Mt 5,3-12).

Mas os bens, que Deus dá, devem ser trabalhados para não perdê-los. A respeito da expectativa da parusia (volta de Cristo na glória do céu), Mt quer dizer que não basta estar preparado, esperando passivamente a manifestação de Jesus. É preciso arriscar e lançar-se à ação, para que os dons recebidos frutifiquem e cresçam. Jesus confiou à comunidade cristã a revelação da vontade de Deus e a chave do Reino. No julgamento, ele pedirá contas por esse dom. A comunidade o repartiu e o fez crescer, ou o escondeu das pessoas?

Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Ali haverá choro e ranger de dentes! (v. 30).

Prêmio e castigo são de cunho escatológico do Senhor. Para advertir a comunidade, Mt costuma sublinhar o castigo: a expulsão “fora nas trevas” (22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. 8,12; 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30; imagem bíblica da cólera e do despeito dos ímpios em relação aos justos: cf. Sl 35,16; 37,12; 112,10; Jó 16,9).  Mas nesta parábola destaca-se também o prêmio antes mencionado: “Venha participar da minha alegria” (vv. 21.23; cf. 13,43; 25,34).

O site da CNBB comenta: Um dos maiores perigos que ameaçam a verdadeira vivência da fé é o medo. Este medo faz com que não sejamos capazes de produzir os frutos exigidos pelo Reino de Deus. Mas esse medo sempre aparece com máscaras que nos enganam e uma das mais sutis que encontramos é aquela que é confundida com a virtude da prudência. Perguntamos se é prudente fazer isso ou aquilo e em nome da prudência justificamos o nosso medo. Nesta hora, devemos nos recordar de Maria, a Virgem prudentíssima, que não julgou prudente conversar com José antes de responder ao Anjo ou ficou esperando a vida inteira pelo milagre de Caná.

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