02 de Dezembro de 2018, Domingo: Então eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima (vv. 27-28).

“Advento” quer dizer “vinda”. Estamo-nos preparando para comemorar a vinda de Jesus no Natal, 2000 anos atrás, mas o 1º Domingo do Advento, com que inicia o ano litúrgico, nos convida a olhar para o futuro, para a segunda vinda de Jesus (parusia) nas nuvens, no fim do tempo (2ª leitura, evangelho). Para Lc, evangelista do ano C, é o “dia da libertação” (21,28).

1ª Leitura: Jr 33,14-16

O profeta de Jeremias tinha que anunciar a destruição de Jerusalém por causa dos maus pastores (reis, sacerdotes, falsos profetas) que abandonaram o verdadeiro Deus e seu povo. No texto paralelo 23,5-8 (cf. leitura do dia 18 de dezembro),o Senhor, através de Jeremias, anunciou que ele mesmo vai juntar suas ovelhas e estabelecer pastores que as apascentarão (cf. Ez 34) e suscitar um futuro rei davídico, objeto e alimento da esperança messiânica.

O nosso texto de hoje não é de Jeremias, mas foi escrito depois do exílio babilônico, quando não havia mais monarquia e se esperava, com base na promessa feita a Davi (cf. 2Sm 7,12-16), a restauração da realeza em Jerusalém. O texto descreve as instituições do povo messiânico como em 4,1-14; 6,13. No tempo da salvação, os poderes reais e sacerdotais serão associados (vv. 17s).Os vv. 14-26 faltam no texto grego.

“Eis que virão dias,” diz o Senhor, “em que farei cumprir a promessa de bens futuros para a casa de Israel e para a casa de Judá (v. 14).

O texto apresenta um oráculo de salvação que será a realização plena da “promessa de bens futuros” de Deus. Desde Roboão, filho de Salomão, o reino estava dividido em duas frações: a “casa (povo) de “Judá” e a “casa de Israel”; ambas serão restauradas (cf. v. 7; 31,27s) e enfim reunidas (cf. 50,4). Deus trará de volta os cativos (exilados, vv. 7.26) e multiplicará os descendentes de Davi e os levitas (sacerdotes);como na promessa a Abraão (Gn 15,6), compara esta descendência com o exército do céu (estrelas) e a areia do mar (v. 22).

Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra. Naqueles dias, Judá será salvo e Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa Justiça’”(vv. 15-16).

Em 23,5s, Jeremias anunciou que Deus faria nascer uma “semente” (rebento, broto, germe; cf. 2Sm 7,12), ou seja, um descendente de Davi. Será, um dia, um nome próprio, designação do Messias (cf. Zc 3,8; 6,12, Is 4,2; 11,1 etc.). Será “semente da justiça”, um rebento legítimo, ou seja, descendente e sucessor, não usurpador. “Legítimo” também por seu governo “justo” (2Sm 23,3-4, testamento de Davi): “fará valer a lei e a justiça na terra” (cf. Is 42,1-4). Diferentemente de tantos reis que haviam reinado em Jerusalém, particularmente nos últimos tempos antes da invasão babilônica, esse novo rei realizará a vontade de Deus, estabelecendo o direito e a justiça, ou seja, a vida conforme os mandamentos.

O nome “O Senhor é a nossa Justiça”, que equivaleria a Yehosedec (Josedec, cf. Ag 1,1; Zc 6,11, Esd 3,2), pode aludir polemicamente ao rei na época de Jeremias, Sedecias (o mesmo nome em outra ordem), que não administrou a justiça. Além disso, o componente sdq (justo) pertence à tradição de Jerusalém. O nome simbólico dado ao Messias, “Javé (Senhor) – nossa justiça”, contrasta com o de Sedecias, que significa “Javé – minha justiça”.

Aqui, em v. 16, este nome sugestivo do descendente de Davi é atribuído à toda cidade de Jerusalém e sua “população confiante” (cf. Is 1,26: “Te chamarão Cidade da Justiça e Cidade Fiel”). A cidade que estava em ruínas pela destruição dos exércitos babilônicos, será restaurada. No NT, essa justiça é comunicada pelo Messias a todos os membros do povo eleito (Rm 1,17; 1Cor 1,30; 2Cor 5,21; Fl 3,9).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta:

O país entrará numa nova situação. Judá e sua capital, Jerusalém, estarão livres de qualquer ameaça estrangeira, não mais sujeitas à destruição. Assim todo o povo reconhecerá que Deus age em seu favor. Ele é sua justiça, ele é quem realiza a reta ordem na história universal e no interior do povo eleito, garantindo a observância de sua vontade, expressa na Lei…

No Novo Testamento, o rei suscitado por Deus que restabelece a justiça é Jesus. Não mais numa monarquia terrestre, em Jerusalém, mas num domínio que a ultrapassa e se estende a todos os povos. Ele o faz já inicialmente em sua vida terrena; realiza-o na sua cruz e ressurreição; e o consuma na sua segunda vinda, quando virá com “poder e grande glória” (Lc 21,27). O novo povo de Deus recebe, por meio dele, a garantia de participar da nova época salvífica (cf. Lc 21,28).

2ª Leitura: 1Ts 3,12-4,2

A 2ª leitura é tirada do documento mais antigo do Novo Testamento (NT). Esta carta de Paulo foi escrito no verão do ano 50 d.C., quando Paulo estava em Corinto e recebeu boas notícias sobre a comunidade de Tessalônica que havia evangelizado antes (cf. At 17,1-10).

O texto de hoje se inicia com uma oração (3,12-13) que exprime as expectativas do apóstolo, mas simultaneamente são orientações de vida para os cristãos. Dois elementos são mencionados: o amor e a santidade.

O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós (3,12).

O amor cristão (caridade) é mútuo, deve se exercer primeiramente no interior da comunidade, mas igualmente é capaz de comunicar-se a todos (Gl 6,10). Semelhante amor, não por interesse egoísta, é dom de Deus, mas isso não dispensa o empenho pessoal.

A Nova Bíblia Pastoral (p.1447) comenta: Após ter insistido sobre o crescimento da fé da comunidade, concentra-se agora sobre o amor, que vivido ao interno da comunidade, para fazê-la crescer por dentro e, ao mesmo tempo, deve estender-se para fora, a fim de testemunhar o evangelho a toda criatura (Rm 12,17-18).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta:O Apóstolo ora em primeiro lugar para que o Senhor faça crescer o amor, primeiramente entre os irmãos, mas também para com os que não pertencem à comunidade cristã. Trata-se de uma atitude que os cristãos devem desenvolver; sua fonte, porém, é o próprio Deus: é ele quem o faz crescer. O amor deve ser realizado concretamente no trato cotidiano, mas isso só ocorrerá se cada um estiver aberto a recebê-lo de Deus. Então, sim, poderá transbordá-lo para os outros. É o que diz em outras passagens são Paulo: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações…” (Rm 5,5); e “Aprendestes pessoalmente de Deus a amar-vos mutuamente” (1Ts 4,9).

Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos(3,13)

O estilo deste v. é muito contrastado, porque Paulo utiliza, umas após outras, expressões já consagradas como “confirmar os vossos corações”, “sem defeito (mancha) diante de Deus”, “por ocasião da vinda (parusia) do Senhor”.

A santidade (santificação, cf. 4,3), fruto da caridade fraterna, chegará à plenitude no dia da vinda (parusia) do Senhor. A primeira geração cristã esperava esta vinda do Senhor em breve, talvez ainda em vida (cf. 1,10; 4,15; 1Cor 15,51s; 16,22).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: O segundo elemento, a santidade, não é um algo a mais ao lado do amor, mas designa a mesma realidade, embora de modo mais abrangente. A santidade não consiste simplesmente em comportamentos segundo a moral, mas segundo a vivência do amor. Tendo o cristão crescido no amor, Jesus confirma seu coração (a sede de sua vida, de sua intelectualidade, moralidade e espiritualidade) na participação da santidade do Deus que é amor.

Tal confirmação ocorrerá por ocasião da parusia do Senhor. Será confirmada uma vida já vivida na santidade. O cristão não espera a parusia de modo descompromissado, mas na tensão de uma vida que vive plenamente o presente com a luz que lhe confere o futuro.

Em sua vinda, Jesus não estará sozinho. Ele virá acompanhado de seus santos, que podem ser aqui os anjos e/ou os fiéis já falecidos. Ele inaugurará nova época da qual participarão todos os que viveram no amor.

“Com todos os seus santos”: (Zc 14,5; Dt 33,3; Jó 5,1; Dn 7,25-27). Paulo emprega aqui uma terminologia tradicional (cf. Dt 33,3; Zc 14,5; Dn 7,25-27). Quem são esses santos? Pode-se entender a corte celeste, os “anjos”,que intervêm em vários episódios do AT e do NT (Jó 5,1; 15,5; Sl 89,6.8; Sr 42,17; Dn 4,10.14.20, 8,13; Sb 5,5; Mt 25,31; Mc 8,38; At 10,22; Ap 14,10). Pode-se entender também os “fiéis cristãos”,que Paulo chama constantemente de “santos/consagrados” (os de Palestina: 1Cor 16,1.15; 2Cor 8,4; 9,1.12; cf. At 9,13.32.41; os de todas as igrejas: Rm 8,27; 12,13; 16,2.15; 1Cor 6,1s; 14,33; 2Cor 13,12; Ef 1,15; 3,18; 4,12; 6,18; Fl 4,21s; Cl 1,4; 1Tm 5,10; Fm 5.7; cf. Hb 6,10; 13,24; Jd 3; e no início das cartas: 2Cor 1,1; 8,4; Ef 1,1; Fl 1,1; Cl 1,2; cf. Rm 1,7; 1Cor 1,2). Não se deve excluir nenhum dos dois sentidos: a comunhão dos eleitos e dos anjos e a transformação dos eleitos em anjos no dia do juízo são bem-atestadas no ambiente judaico (cf. no apocalipse apócrifo Henoc 39,5; 51,4).

Numerosos manuscritos leem “Amém” no fim do versículo, provavelmente devido a um uso litúrgico deste texto.

Enfim, meus irmãos, eis o que vos pedimos e exortamos no Senhor Jesus: Aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus, e já estais vivendo assim. Fazei progressos ainda maiores! Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor Jesus (4,1-2).

O texto litúrgico continua com uma exortação do Apóstolo, em tom afetuoso, para que os cristãos não se acomodem, mas vivam progredindo nesse caminho aos olhos de Deus.

Paulo fala sobre “progressos” na moral e santificação, “em”, “por” ou ainda “em nome de Cristo” (cf. vv. 1s.15; 2Ts 3,6.12). Vale lembrar que Tessalônica (destinatária da carta) e Corinto (remetente) são cidades portuárias, abertas para povos e culturas diversos, mas com costumes relaxados, especialmente no que se refere à sexualidade (vv. 3-5: “luxuria… paixões como os pagãos”).

O apóstolo e seu colaborador Timóteo apresentam-se como modelo de conduta exemplar: “Aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus”. O ensinamento moral de Paulo, o mesmo da primeira catequese cristã, dá à moral profana um valor novo, colocando-a sob o signo (em nome) de Cristo (5,21; Cl 3,18; Fl 4,8-9). Paulo apresenta um programa genérico de vida espiritual ou conduta cristã. Um princípio é o “progresso” (vv. 1b.10; o que dirá de si aos filipenses em Fl 3,13s), pois “agradar a Deus” nunca é um fato acabado.

 

Evangelho: Lc 21,25-28.34-36

Começa o ano litúrgico C, ou seja, os evangelhos deste ano são, na maioria das vezes, do terceiro evangelho, atribuído tradicionalmente a Lucas, companheiro de Paulo (Fm 24; Cl 4,14; 2Tm 4,10). Ele escreveu também os Atos dos Apóstolos como segundo volume. Não foi o primeiro a escrever um evangelho (cf. 1,1-4), mas copiou a narrativa de Marcos e a mesclou com outras fontes (cf. comentário mais detalhado no 3º Domingo do Tempo Comum, Ano C).

O evangelho de hoje é tirado do discurso escatológico (sobre o fim) de Jesus. Lc o copiou de Mc 13. Mas enquanto Mc escreveu no meio da guerra judaica (66 a 73 d.C.), para Lc a destruição de Jerusalém (em 70 d.C.), anunciada por Jesus, já é fato consumado, passado. Em vez de medos apocalípticos gerais (Mc 13,19: “uma tribulação como nunca houve”), Lc resumiu os horrores da guerra acontecidos (vv. 20-24). Depois da historiografia em termos bíblicos, Lc passa para “apocalipse”, ou seja, “revelação” do que vai acontecer (no fim dos tempos).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta:Após anunciar a queda de Jerusalém (21,8-24), o discurso abre-se para a consumação final, que virá não só para Jerusalém, mas para todo o mundo (vv. 26.35). A consumação final é determinada pela vinda do Filho do homem (vv. 27.36) e é precedida por sinais cósmicos (no céu e na terra: v. 25), que revertem a ordem da criação, levam-na ao caos, criando uma situação de grande temor e angústia. Trata-se de um modo de falar que tematiza o futuro desconhecido com base no imaginário conhecido. São imagens utilizadas na apocalíptica e no discurso profético que têm por finalidade mostrar que este mundo, esta história, não tem consistência em si e por si. É a vinda do Filho do homem que põe em xeque toda segurança humana e decide o futuro da humanidade.

Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas. Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas (vv. 25-26).

Informar sobre uma possível data da vinda do reino de Deus, Jesus já se negou em 17,20. Lc não se detém muito em detalhes cósmicos: “Sinais no sol, na lua, e nas estrelas” iniciam a confusão, a angustia, o medo dos homens e das nações, porque o mundo com suas forças não oferece mais segurança. Tradicionalmente, o cenário cósmico é dividido em três esferas: céu, terra e mar. Nas três sucederão portentos e agitações dispondo o cenário da parusia (volta gloriosa de Cristo, vv. 27.36). No céu, sinais no “sol, lua e astros” (trio clássico, cf. Is 13,9-20; 34, 4-5; Ez 32,7-8); na terra, que Deus “formou habitável” (Is 45,18) e que distribuiu entre as nações (Dt 32,8), acontece a “angustia” das nações que já não acham segura sua moradia (Is 34,7-8). No “mar” acontece o retorno à sua condição primordial violenta (Sl 18,5-6.16; Dn 7,2). Os astros seriam as “forças do céu” que regem a ordem do mundo (Ag 2,6.21).

Então eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima (vv. 27-28).

A origem deste conceito de um “filho do homem vindo numa nuvem” para julgar o mundo e inaugurar o reino de Deus, está num texto chave de Dn 7,13-14 (cf. 1ª leitura do domingo passadoou, mais completo, 34ª semana do ano ímpar, sexta-feira e sábado) o qual anuncia o seguinte: um “filho do homem” (uma figura humana contrastando os animais de Dn 7,2-8) é elevado numa nuvem (não desce) e levado à presença do Ancião, do qual recebe o poder eterno e universal; esta figura humana é, segundo o próprio texto de Dn 7,18, a comunidade dos “santos do Altíssimo, que receberão o reino e o possuirão pelos séculos dos séculos”. Na leitura do NT, o Filho do homem é indivíduo: o Messias, Jesus, em sua humanidade arquetípica, recebeu de Deus o poder (depois de ascender ao céu) e agora “desce numa nuvem” para “libertar” os seus (cf. 1 Ts 4,16s).

Para os cristãos chegará a “libertação” (ou “redenção”, termo paulino, cf. Rm 3,24 etc.), eles não precisam “desmaiar de medo” (v. 26), mas podem “erguer a cabeça e levantar-se” (cf. Sl 3,4; 27,6; 110;7), porque “verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com grande poder e glória.” Lucas contempla a parusia como acontecimento alegre e libertação definitiva.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Opõem-se, no texto, o medo e a angústia das populações em geral e a confiante expectativa dos discípulos (“vós”: v. 28). A vinda do Senhor não será, para estes, motivo de inquietação, mas de alegria. A obra redentora de Jesus já os atinge no hoje histórico, mas sua volta marcará o momento em que já não estarão sujeitos aos percalços da vida, permeada de perseguições (vv. 12-16). Os discípulos já não precisarão fugir para escapar de tribulações (v. 21). O desejo, presente em todo ser humano, de ter sua vida histórica totalmente integrada na salvação (cf. Rm 8,23) se realizará. A redenção será então levada à sua plena manifestação. Subentende-se que começará então uma época absolutamente nova.

O site da CNBB comenta: A libertação verdadeira da pessoa humana é fruto de dois elementos importantes: o primeiro é o seu compromisso pessoal e comunitário com o Reino de Deus e com a comunidade à qual pertence, de modo que a sua vida passa a ser uma constante luta histórica de transformação da realidade tendo como critério os valores do Evangelho; o segundo é a confiança inabalável da presença atuante de Deus na sua vida e na história dos homens como o grande parceiro que está ao lado dos que assumem a luta por um mundo novo. Somente a união entre esses dois elementos pode garantir um processo histórico verdadeiramente libertador.

No evangelho de hoje lemos a conclusão do discurso escatológico/apocalíptico em Lc 21,34-36 que difere bastante do seu modelo em Mc 13,33-37 cujo conteúdo já foi aproveitado em Lc 12,38.40; 19,12. Isso se refere a parusia (volta gloriosa de Cristo, cf. v. 27).

Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem (vv. 34-36).

Nossa liturgia omitiu a parábola da figueira (vv. 29-33) e passa para a conclusão do discurso escatológico/apocalíptico que difere bastante do seu modelo em Mc 13,33-37 cujo conteúdo já foi aproveitado em Lc 12,38.40; 19,12.

Embora preceda a preparação do cenário cósmico (vv. 25-26), pode-se dizer que “aquele dia” da parusia (volta gloriosa de Cristo, cf. v. 27) chegará “de repente” (Sf 1,15). Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: A vinda do Senhor ocorrerá no “dia” (v. 34). Esse “dia” foi anunciado pelos profetas com variada gama de significados: desde o de juízo para o povo eleito até o de sua restauração definitiva e do aniquilamento dos pagãos. Agora, o “dia” é marcado pela ação do Filho do homem, que virá para julgar. Sua realização é absolutamente certa, mas sua expectativa não pode ser determinada com base num calendário do qual que se espera o cumprimento. Ela deve ser caracterizada pela atitude de prontidão em relação àquela vinda.

Jesus lembra outra vez (cf. 8,14) que as preocupações da vida, como a riqueza e a busca do poder, podem distrair daquilo que é realmente essencial. A oração poderá ser poderosa aliado nessa vigilância permanente.

Lc manteve somente o motivo de vigiar, “ficar atentos”, mas tem semelhanças com advertências de Paulo (1Ts 5,13.7-10; Rm 13,13). Excessos como gula, embriaguez, mas também preocupações justas de sustento da vida do dia-dia, podem tornar o coração insensível (8,14; 17,26-30; cf. Mt 25,42-45 omissão a respeito dos necessitados). Nunca devemos esquecer a nossa responsabilidade, ou seja, de que responderemos um dia ao tribunal de Deus (cf. Rm 14,10-12; 2Cor 5,10).

Em vez de expectativa imediata ou fazer cálculos sobre o fim, Lc destaca o momento de surpresa, porque “aquele dia” (cf. Lc 10,12; 17,31; Mc 13,32p) “cairá como uma armadilha” para os despreparados e insensíveis (cf. 1Tm 6,9; 3,7; 2 Tm 2,26; Ecl 9,12; Is 24,17). Aqui não se trata de sinais, ao contrário dos vv. 11 e 25 (cf. 1Ts 5,3).

Não só os judeus, mas “todos os habitantes de toda terra” serão atingidos (Jr 25,29). Ninguém pense que já esteja salvo; o julgamento sobre a cidade de Nínive (Lc 11,29s) e a catástrofe de Jerusalém (586 a.C. e 70 d.C.) foram sinais e advertência.

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Em Lc 17,22-31, compara-se a atitude errônea diante do dia do Filho do homem com a dos contemporâneos de Noé e Lot, os quais, apesar das admoestações, continuaram sua vida sem atentar para a ameaça que estava por se realizar (o dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra): “Comiam, bebiam…” (v. 27-28). Contra isso, Lc 21,34.36 exorta os fiéis a não se deixarem tomar pelas inquietações do dia a dia, esquecendo-se do anúncio de Jesus. “Não dormir, não embriagar-se…” (cf. 1Ts 5,6-7). É preciso manter-se atento, vigilante, plenamente consciente. Na perspectiva de Lucas, porém, isso não basta. A vigilância deve ser cumprida na oração constante. Vigiando e orando (cf. Lc 22,46, no Getsêmani), o discípulo terá a força para superar as tribulações (v. 25-26), alegrar-se-á pela proximidade da vinda (v. 28) e terá confiança de ser acolhido pelo Filho do homem (v. 36).

“Portanto, ficai atentos e orai a todo tempo” (cf. Lc 18,1 24,53; Rm 1,9s; 1Cor 1,4; Ef 5,20; Fl 1,3s; Cl 1,3; 4,12; 1Ts 1,2; 2Ts 1,3; 2,13; Fm 4 etc.). “Afim de terdes força”, mas esta palavra corresponde menos ao uso de Lc; melhor tradução: “para serdes julgados dignos” (20,35; At 5,41).

“Para escapar de tudo” (Mc 13,30, diferente Lc 21,32; trata-se de resistir a provocação terrível ao seu julgamento), “e ficar em pé diante do Filho do Homem”, para comparecer ao julgamento ou para pôr-se ao serviço. Ao Filho do Homem será entregue o reino de Deus e o juízo final (v. 27; cf. Dn 7,9-14; Jo 5,27). Este último v. pode significar a aprovação diante do juízo de Deus (2Cor 5,10; cf. Sl 1,5). Não é por acaso que a última palavra deste discurso é “o Filho do Homem.” O caminho deste discurso começa no templo junto com a multidão (20,45), passa pelos adversários no sinédrio (v. 12) para o sofrimento e a morte. Esta, porém, leva à glória do Filho do Homem. Quem tem a palavra final é o Filho do Homem.

Para Lc, o dia da vinda do Senhor como o dia da grande libertação. Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Nessa perspectiva, o cristão pode viver com imensa esperança. O futuro trará a plenitude dos dons de Deus e a consumação de toda a sua obra. Essa esperança se expressa então na atitude de permanente atenção e na oração constante. Longe de alienar o discípulo de suas responsabilidades, tal esperança lhe dará a motivação mais profunda e o dinamismo mais produtivo para que ele colabore na construção do Reino, já presente em semente.

O site da CNBB comenta: A nossa vida é marcada por preocupações constantes que são exigências da agitada vida moderna. Essas preocupações muitas vezes acabam por fazer de si mesmas o centro da nossa vida. Na verdade, a gente deixa de viver a vida que a gente quer para viver a vida que é exigida de nós. Assim, não temos tempo para a oração, para a contemplação, para o encontro com Deus e o estabelecimento de comunhão com ele. O resultado de tudo isso é que deixamos de viver na sua presença e nos fechamos num mundo que cada vez mais nos escraviza e nos impede de viver a verdadeira vida, a vida dos filhos e filhas de Deus em perfeita comunhão e relação com o Pai.

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