02 de Janeiro de 2021, Sábado – Natal – Antes da Epifania: João declarou: “Eu sou a voz que grita no deserto: Aplainai o caminho do Senhor – conforme disse o profeta Isaías” (vv. 22-23).

Natal – Antes da Epifania

Hoje é dia dos santos Basílio Magno e Gregório Nazianzeno, ambos monges, bispos, teólogos e amigos desde sua proveniência da Capadócia (atual Turquia) no século IV. Basílio reformou a liturgia, a regra dos monges e deu atenção aos pobres. Gregório ajudou na reflexão sobre a Santíssima Trindade com suas palavras: “O Pai – sem início; o Filho – gerado sem início; o Espírito – procedente sem geração. ” Presidiu como patriarca de Constantinopla o Concílio nessa cidade em 381, no qual se definiu a divindade do Espírito Santo (cf. Credo Niceno-Constantinopolitano).

Leitura: 1Jo 2,22-28

As leituras bíblicas continuam na sequencia natalina com a primeira Carta e com o Evangelho de um autor chamado pela tradição de “apóstolo João, filho de Zebedeu”, mas em Jo e 1Jo não se conta nada do que o filho de Zebedeu experimentou segundo os evangelhos sinóticos (cf. Mc 1,19; 5,37; 9,2; 13,3; 14,33). Portanto, hoje, a maioria dos peritos bíblicos atribuem a autoria do quarto evangelho a um (grupo) anônimo que se identifica como o “discípulo amado” (cf. Jo 13,23s; 18,15; 19,26.35; 21,7.20-23). Diferentes do Apocalipse (cujo autor se chama realmente “João”, cf. Ap 1,9), as três cartas apresentam tal parentesco literário doutrinal com o quarto Evangelho que só podem ser atribuídas à mesma autoria, ou seja, a última etapa da redação do evangelho que já escreve sobre o discípulo amado (Jo 21,20-24) e salienta a importância do amor e da união numa comunidade em crise (cf. 1Jo 2,19; Jo 15). Portanto, emprega a palavra “permanecer” seis vezes na leitura de hoje!

Quem é mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? O Anticristo é aquele que nega o Pai e o Filho. Todo aquele que nega o Filho, também não possui o Pai. Quem confessa o Filho, possui também o Pai (vv. 22-23).

A “verdade” (v. 21) é a mensagem do evangelho, do qual não se segue falsidade alguma, a não ser que a falsifiquem antes. O critério de discernimento entre verdade e mentira é simples: aceitar Jesus como Cristo (messias) com todas as suas consequências, ou seja, como glorificado; isso implica reconhecê-lo como Filho de Deus em sentido forte (cf. as repetidas declarações do evangelho em Jo 5,23; 15,23; 16,3; cf. Mt 10,33; Mc 8,38p).

Igual ao quarto evangelho, a leitura da carta fala da união do Pai e do Filho. Quem nega que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, também “não possui o Pai”, é “mentiroso”, é o Anticristo (cf. v. 18). Jo 4,44 chama o diabo “pai da mentira” (cf. 2Ts 2,4; Mc 13,21-22p). A heresia gnóstica (doutrina falsa: salvação apenas pelo conhecimento, não pela encarnação e cruz) dos “anticristos” (plural em v. 18) não negava, como faziam os judeus, a dignidade messiânica do homem Jesus, mas queria separar o Cristo celeste deste ser tido como humano demais que se chamava Jesus de Nazaré (cf. 4,2-3; 2Jo 7.9).

A pregação apostólica pode abrir o coração das pessoas por um discernimento e uma experiência intelectual: “possuis a ciência” (2,20; 1Cor 2,10-15). “Possuir o Pai” não quer dizer apoderar-se dele, mas ter conhecimento dele (pelo Espírito, cf. v. 27) e comunhão com ele (cf. Jo 14,7-9; 17,26).

Permaneça dentro de vós aquilo que ouvistes desde o princípio. Se o que ouvistes desde o princípio permanecer em vós, permanecereis com o Filho e com o Pai. E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna. Escrevo isto a respeito dos que procuram desencaminhar-vos (vv. 24-26).

Quem não se deixar desviar (cf. Gl 1,6-7), mas permanecer na doutrina autêntica dos apóstolos (“aquilo que ouvistes desde o princípio”, evoca a catequese batismal; cf. 2,7.13; 3,11; 4,3; 2Jo 6), permanecerá com o Filho e com o Pai e receberá a promessa: a “vida eterna” (1,2; 2,17.25; 3,14s;  5,20; Jo 6,40.47.54; 17,2s; cf. 1Jo 2,17).

Quanto a vós mesmos, a unção que recebestes da parte de Jesus permanece convosco, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine. A sua unção vos ensina tudo, e ela é verdadeira e não mentirosa (v. 27ab)

A “unção” recebida “da parte de Jesus” é o Espírito Santo enviado por Jesus a seus fiéis, é o “Espírito da verdade” que ensinará tudo aos discípulos (Jo 14,26; 15,26-27; 16,13).

O espírito foi dado ao Messias (“Cristo” em grego é “Ungido”, tradução do aramaico “messias”; cf. Is 11,2; 61,1), e por ele aos fieis (3,24; 4,13; cf. 2Cor 1,21), que os instrui sobre tudo (v. 27; Jo 16,13; cf. 1Cor 2,10.15), e graças ao qual as palavras de Jesus são “espírito e vida” (Jo 6,63).

O Espírito se comunica pela “unção”, consagra, transforma e capacita (cf. os exemplos de Saul e Davi em 1Sm 10,6-7; 16,13). Sua função nesse parágrafo é iluminar e ensinar internamente (cf. Is 11,2; Jr 31,34; Sl 16,7). Aqui como em vv. 13.20, o autor parece inspirar-se em Jr 31,34 sobre a universalidade do conhecimento entre os membros do povo de Deus no tempo da Nova Aliança: “Não terão mais de instruir-se uns aos outros” (cf. Jl 3,1s citado por At 2,16s).

Por isso, conforme a unção de Jesus vos ensinou, permanecei nele. Então, agora, filhinhos, permanecei nele. Assim poderemos ter plena confiança, quando ele se manifestar, e não seremos vergonhosamente afastados dele, quando da sua vinda (vv. 27b-28).

A verdadeira fonte de conhecimento é a mensagem ouvida “desde o princípio” (v. 26) e assimilada sob a ação do Espírito. Assim os “crismados” (ungidos) tornam-se expertos nos assuntos da vida cristã e conhecem a verdade (cf. v. 21; 2Pd 1,12). Os cristãos devem conservar o aprendido (v. 24) e a unção (v. 27) e “permanecer” constantes até a “vinda” de Cristo (v. 28). Esta vinda inclui o julgamento final (cf. Mt 7,22s; 8,11s; 13,41s.49s; 25,31-46; etc.). O autor joga com a consonância em grego de “confiança” e “vinda”.

 

Evangelho: Jo 1,19-28

Igual ao evangelho mais velho, Mc, também o evangelho mais novo, Jo, não narra nada sobre a infância de Jesus (só Mt 1-2 e Lc 1-2), porém, inicia com um prólogo poético (1,1-18): um hino sobre a preexistência e encarnação do Verbo (cf. evangelho dos dias 25 de 31 de dezembro), no qual apenas menciona “João” nos vv. 6-8.15. Depois, igual a Marcos, Jo começa sua narração com as palavras de João Batista (vv. 19-28; cf. Mc 1,1-8).

Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: “Quem és tu? ” (v. 19).

O Batista era muito popular. Ainda no tempo da redação do evangelho (cerca de 90 d.C.) havia grupos que consideravam João o messias (cf. At 19,1-7). Contra essa concorrência espiritual, o evangelista não o chama de “profeta” (Mt 11,9; Lc 7,26; Mc 11,32), mas de “testemunha” (cf. vv. 6-8.15.32.34). Diante de oficiais autorizados, seu testemunho é qualificado. Aqui “os judeus” enviam da capital de Jerusalém “sacerdotes e levitas” (cf. Lc 10,30-32), responsáveis pelos rituais no templo. O interrogatório procede por exclusão até a afirmação.

Em Jo, o termo “os judeus” designa às vezes os membros deste povo (3,25; 4,9.22 etc.), mas na maioria dos casos são representantes do mundo que é incompreensível e hostil, particularmente as autoridades constituídas (2,18; 5,10-18; 7,1.13; 9,22; 18,12; 19,38; 20,19) que na época da redação do evangelho excomungavam os cristãos da sinagoga (no sínodo judaico de Jâmnia em 90 d.C.; cf. 9,22). Contra o antissemitismo (que culminou no genocídio pelos alemães nazistas no séc. 20), o Concílio Vaticano II declarou que o sofrimento de Jesus “não pode ser imputado indistintamente a todos os judeus que viviam então nem aos de hoje … como se isso decorresse das Sagradas Escrituras” (NA 4; cf. CIC 597). Os verdadeiros culpados da morte de Jesus, porém, são os pecadores de então e de hoje, nós inclusive (1Cor 15,3; cf. CIC 598)!

João confessou e não negou. Confessou: “Eu não sou o Messias” (v. 20).

João não é o messias esperado como descendente legítimo de Davi (Jr 23,5; 33,15; Zc 6,12 etc.). Ele é levita, filho de um sacerdote (Zacarias) e uma descendente de Aarão (Isabel, cf. Lc 1,5).

Eles perguntaram: “Quem és, então? És tu Elias? ” João respondeu: “Não sou” (v. 21a).

A segunda pergunta rebaixa: Elias devia voltar como precursor do messias para uma última exortação penitencial às vésperas da chegada do messias e do juízo final (cf. Ml 3,23; Eclo 48,10-11; Mt 11,14; 17,10; Lc 1,17). Mas João vivia e se vestia igual a Elias (Mt 3,4; Mc 1,6; 2Rs 1,8), não porque era a mesma pessoa (os adeptos do espiritismo consideram João uma reencarnação de Elias, mas Elias não desencarnou, foi arrebatado, cf. 2Rs 2,11s), mas assumiu o papel de Elias anunciar a vinda do messias.

Eles perguntaram: “És o Profeta? ” Ele respondeu: “Não” (v. 21b).

A terceira pergunta se refere ao “Profeta”, sucessor de Moisés (“um profeta como eu”, Dt 18,15) que renovaria os prodígios do êxodo (cf. Jo 3,14; 6,14.30-31.58; 7,40.52; 13,1; At 3,22-23; 7,20-44; Hb 3,1-11; cf. ainda Mc 8,28).

Perguntaram então: “Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo? ” João declarou: “Eu sou a voz que grita no deserto: Aplainai o caminho do Senhor – conforme disse o profeta Isaías” (vv. 22-23).

A quarta pergunta pede uma identificação pessoal. Como nos outros evangelistas, João (aqui o próprio Batista) cita o profeta do desterro: Is 40,3 diz o caminho de Javé (“Senhor”) na volta do exílio, mas Jo pensa no Messias cujo caminho o Batista prepara. O quarto evangelho não apresenta João Batista como grande pregador da conversão dos pecados, mas apenas como testemunha qualificada.

Ora, os que tinham sido enviados pertenciam aos fariseus e perguntaram: “Por que então andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta? ” (vv. 24-25).

Aqui o v. 24 pode ser traduzido também: “A delegação incluía fariseus. ” A pergunta dos fariseus supõe que batizar é uma ação transcendente que se deve justificar.

Os “sacerdotes e levitas” (v. 19) pertenciam ao partido dos “saduceus”, mas depois da destruição do templo em 70 d.C. não havia mais serviço para eles. Sobraram apenas os “fariseus” (que comandavam as sinagogas) como liderança do judaísmo e, portanto, como adversários dos cristãos (que batizavam, em vez de praticar a circuncisão e outros sacrifícios da Lei). Assim nos evangelhos, os fariseus foram descritos negativamente (cf. Mt 23), embora Jesus durante sua vida na terra tivesse mais afinidade com os fariseus do que com os saduceus (cf. Mc 12,18; At 23,6-10).

João respondeu: “Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (v. 26-27).

Em todos os evangelhos, o Batista responde que batiza só com água e não é digno de desamarrar as sandálias daquele quem vem depois dele (vv. 26-27; cf. Mc 1,7-8p). Mas no quarto evangelho acrescenta: “No meio de vós está aquele que vós não conheceis”. Num outro contexto, Jesus está entre os pobres necessitados e não é reconhecido (juízo final de Mt 25,31-46; cf. o canto “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome … Entre nós está e não o conhecemos”)

Isso aconteceu em Betânia além do Jordão, onde João estava batizando (v. 28).

A cena acontece em Betânia na margem esquerda do Jordão, cuja localização é incerta. Outra aldeia do mesmo nome está perto de Jerusalém. Lá Jesus realizará seu maior sinal (milagre), ressuscitando Lázaro (Jo 11). Paulo relacionou o batismo com a ressurreição (Rm 6,3-11). Os profetas Elias e Eliseu também ressuscitaram mortos (1Rs 17; 2Rs 4). João Batista, porém, não fez nenhum milagre nem transmitiu o Espírito, no entanto Jesus o declarou “o maior entre os nascidos de uma mulher” (Mt 11,11; Lc 7,28).

O site do CNBB comenta: Sempre que vemos uma pessoa fazendo o bem, corremos o risco de buscar saber se é legitimo a pessoa fazer aquele bem quando, na verdade, deveríamos usufruir daquele bem e procurar descobrir o amor de Deus que se torna manifesto em tudo o que de bom acontece nas nossas vidas. É esse o caso do evangelho de hoje. Os fariseus não querem usufruir do bem que Deus lhes concede por meio de João Batista, mas enviam sacerdotes e levitas para averiguar se o que João está fazendo é certo ou errado e se ele tinha autoridade para fazer o bem.

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