02 de abril de 2017 – 5º Domingo Ano A, Quaresma

1ª Leitura: Ez 37,12-14

A primeiras leituras dos domingos da Quaresma apresentam, de certo modo, a história da salvação começando por Adão e Eva, e passando por Abraão, Moisés e Davi, chegamos hoje ao exílio da Babilônia no sec. VI a.C. onde o profeta Ezequiel teve visões extraordinárias.

A leitura de hoje nos apresenta uma das páginas mais famosas de Ezequiel. É um dos primeiros textos do Antigo Testamento (AT) que fala de ressurreição. Mas é incerto se Ezequiel já entendeu sua visão como escatologia (vida após morte) ou apenas como simbologia (vv. 11-14: restauração do povo desanimado no exílio da Babilônia). Nossa liturgia não apresenta a visão do profeta (vv. 1-10: o sopro/espírito de Deus levanta os ossos espalhados, veste com carne etc.), mas apenas o oráculo final, “Quando eu abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, sabereis que eu sou o Senhor” que combina com a ressurreição de Lázaro por Jesus no evangelho de hoje.

Assim fala o Senhor Deus: “Ó meu povo, vou abrir as vossas sepulturas e conduzir-vos para a terra de Israel; e quando eu abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, sabereis que eu sou o Senhor. Porei em vós o meu espírito, para que vivais e vos colocarei em vossa terra. Então sabereis que eu, o Senhor, digo e faço – oráculo do Senhor” (vv. 11-14).

Aos israelitas exilados, abatidos, cuja esperança está morta, Ez anuncia nova vida possível pelo poder de Deus que cria através do espírito e devolve a esperança aos deportados (cf. Is 40,1.2; 54,7; Ez 28,25). Em chave nova expressa-se o esquema clássico do êxodo: tirar (“fazer sair” do Egito antigamente, e agora da sepultura do exílio babilônico), e levar (“conduzir” para a terra prometida, a pátria)

A Bíblia do Peregrino (p. 2106s) comenta a explicação: O próprio profeta explica o significado de sua visão, respondendo a uma queixa do povo: os ossos secos são os desterrados em Babilônia, a sua volta à vida é o retorno a pátria. O profeta não compreendeu o alcance da visão; preocupado com o problema imediato e não contando com uma vida depois da morte, encurtou a validade acelerada do símbolo.

Mas o poeta Ezequiel criou um símbolo que ultrapassa a intenção imediata do autor. Descendo a uma visão biológica da morte, remontando a temas de criação, trabalhando com o elemento dinâmico do vento-alento, deu expressão às ânsias mais radicais do homem, à mensagem mais gozosa da revelação. Superada a conjuntura histórica e aberto o horizonte da ressurreição, os cristãos leem nesta página de Ezequiel uma mensagem de Páscoa.

 

2ª leitura: Rm 8,8-11

Também a 2ª leitura de hoje fala de ressurreição. É tirada do cap. 8, considerado o ápice desta carta mais volumosa de Paulo. Palavra-chave é Espírito/espírito, repetida 29 vezes neste cap. que pode ser denominado “a vida no/pelo Espírito”.

Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo (vv. 8-9).

Os vv. 1-11 apresentam a oposição de dois poderes ou estilos do vida: viver segundo a “carne” (sarx), ou viver segundo o Espírito”. A palavra “carne”, em grego sarx, corresponde ao hebraico basar, que designa qualquer ser vivo, em especial o ser humano na sua condição fraca e caduca. Paulo emprega a palavra oposta ao “espírito”, em grego pneuma, que pode designar o “espírito” humano (com letra minúscula) ou o divino (“Espírito” com letra maiúscula, em português; mas na época de Paulo, não existiam letras minúsculas). Das diversas traduções propostas em português, “carne” desfoca o significado, devido a nossos hábitos linguísticos; melhor seria “instintos egoístas” (antiga Bíblia Pastoral) ou “baixos instintos”.

A Bíblia do Peregrino prefere simplesmente “instinto”, polarizado pelo espírito, e comenta (p. 2719): Pois bem, o instinto é um dinamismo no homem que inspira e promove ações; mas, deixado a si, se opõe a Deus e conduz à morte definitiva (cf. Gn 6,3.5). O Espírito de Deus ou do Messias se instala em nosso espírito como princípio de vida nova. Primeiro, inspira ações concordes com ele; depois estende seu poder até vivificar o corpo mortal. Vence a fragilidade ética e a caducidade orgânica do homem. Salva o homem inteiro.

Nos vv. 9.11 fica evidente, que Paulo não fala apenas do espírito humano (cf. vv. 15s; 1,9), mas do “Espírito de Deus” (v. 14; cf. 5,5: “Espírito Santo”). A Bíblia do Peregrino (p. 2719) comenta: O Espírito do Messias é o Espírito de Deus. É dom de Cristo aos que creem nele; portanto, se alguém não o possui, é sinal de que não é cristão, não pertence a Cristo. É o pedido do Sl 51,12-14 no novo contexto cristão.

Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja ferido de morte por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça. E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós (vv. 10-11).

“Por causa do pecado”, o “corpo” (cf. 6,6) está destinado à morte física e é instrumento de morte espiritual (cf. 5,12s; 6,23), mas o Espírito é vida e poder da ressurreição, “graças à justiça” salvífica de Deus que faz viver o Cristo que ressuscitou e não morre mais (6,9). Outros entendem: naquele que está justificado, o corpo é “cadáver para o pecado”; o pecado não pode mais servir-se dele (6,6; 7,8). Para outros, o “espírito” em v. 10 é o espirito do ser humano (assim traduz nossa liturgia: “vosso espírito”), enquanto em v. 11 é o Espírito de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2720) comenta: O corpo é mortal (Sl 39; 49; 90), frustra o destino à imortalidade. Mas o Espírito o supera com sua força vivificante, que abrange também o corpo mortal (Ez 37), como se demonstrou na ressurreição de Jesus Cristo (1Cor 4,14; Fl 3,21).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2132) comenta: A ressurreição dos cristãos está em estreita dependência da de Cristo (1Ts 4,14; 1Cor 6,14; 15,20s; 2Cor 4,14; 13,4; Rm 6,5; Ef 2,6; Cl 1,18; 2,12s; 2Tm 2,11). É pelo mesmo poder e pelo mesmo Dom do Espírito (cf. Rm 1,4) que o Pai por sua vez, os ressuscitará. Esta obra se prepara desde agora numa vida nova que os torna filhos (v. 14), à imagem do Filho (v. 29), incorporação ao Cristo ressuscitado que se realiza pela fé (1,16s) e pelo batismo (6,4s).

Evangelho: Jo 11,1-45 (versão breve: 11,3-7.17.20-27.33b-45)

O quarto evangelho foi escrito em várias etapas. Muitos peritos supõem que no início estava uma coleção de sete milagres, chamada “fonte (livro) de sinais” (porque João chama os milagres de “sinais”, cf. 2,11.23; 4,48.54; 9,16; 12,37; 20,30), à qual se juntou um relato da paixão. Depois o evangelista inseriu muitos diálogos e discursos (finalmente uma redação eclesial acrescentou ainda os caps. 21 e 15-17).

Cada milagre-sinal supera o anterior em dificuldade de realizar (2,1-12: transformar 600 litros de água em vinho; 6,1-20: multiplicar 5 pães para 5000 pessoas e andar sobre o mar) ou de curar (4,46-54: um doente com febre alta; 5,1-18: uma paralisia de 38 anos; 9,1-41: um cego de nascença). Hoje ouvimos o ápice destes sete sinais: a ressurreição de Lázaro que estava morto há quatro dias e volta à esta vida. Será superada só depois pela ressurreição do próprio Jesus para vida eterna. O evangelista apontou para isto inserindo um diálogo de Marta com Jesus na evangelho de hoje (vv. 17-27). Em 5,21-29, Jesus já discursou sobre seu poder de ressuscitar, agora a coloca em prática.

A ressurreição de Lázaro é narrado apenas em Jo. Este quarto evangelista é o mais novo e parece desconhecer os outros evangelhos (sinóticos: Mt, Mc e Lc); tem mais aproximação com Lc). Mas em parte, Jo partilha das mesmas tradições orais (cf. a cura do filho do oficial, a multiplicação dos pães e o andar sobre o mar, as curas de paralisia e cegueira).

Porque os outros evangelistas não contaram um milagre tal grande (ressuscitar um morto já em estado de composição)? Vejamos como aumentam os relatos de milagres de ressurreição: a filha de Jairo “estava morrendo” (Mc 5,23), depois “acabou de morrer“ (Mt 9,18). O jovem filho da viúva já foi levado “ao enterro” (Lc 7,12). Agora Lázaro já estava no túmulo, “morto há quatro dias” (Jo 11,39). Como os outros evangelistas não contam nada deste maior milagre de Jesus, é muito provável que não tenha acontecido assim. Devemos entender este relato de Jo como “sinal” mesmo, ou seja, algo que quer nos dizer outra coisa maior da realidade (sobre Jesus e nós), que transcende a aparência como faz todo sinal, símbolo (ou sacramento).

A Bíblia do Peregrino (p. 2585s) introduz: Outro grande milagre contado com maestria. É o sétimo e último dos sinais, que começaram em Caná (2,11). A vitória sobre o último inimigo (1Cor 15,26) e sobre quem tem seu domínio (Hb 2,14). Num sentido cumpre-se aqui o prometido (5,28-29). Só em certo sentido. Lázaro não ressuscita glorioso para viver sempre, simplesmente volta a esta nossa vida. Mas essa ressurreição prefigura a de Jesus: três dias, sepulcro e panos. Simboliza também a vida sobrenatural que ele comunica. Por isso, o gesto é acompanhado de uma declaração do tipo “eu sou” com predicado. Paradoxalmente esse dom da vida vai provocar a morte de Jesus e por ele sua glorificação. Este capítulo se torna, portanto, a introdução narrativa da paixão.

O Antigo Testamento nos oferece dois antecedente, os milagres de Elias e de Eliseu (1Rs 17,17-24 e 2Rs 4,29-37). Nos sinóticos lemos dois episódios: o jovem filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e a filha de Jairo (Mc 5,22-24.34-43). O segundo é mais pertinente por seus manifestos pontos de contato com o relato de João. Nos três ressoa e retumba a ordem eficaz de Jesus.

O milagre servirá para a glória de Deus (vv. 4.40) e também para que o povo creia na missão de Jesus (vv. 15.42). Como no milagre do cego, a quem Jesus abre os olhos da fé para que receba a luz da revelação. Em outro plano, serve para mostrar o afeto humano a uns amigos (vv. 3.5.11.36) e a comoção humana diante da morte (vv. 33.38).

O relato emprega a técnica de suspense ou adiamento com função narrativa e teológica. O protagonista adia de proposito a viagem; quando está para chegar, a ação se detém em dois diálogos com as duas mulheres; diante do túmulo se detém para uma oração; o final se precipita. Contém muito dialogo carregado de sentido transcendente, com o recurso do mal-entendido que se explica e das frases de duplo sentido. As oposições simples atravessam as cenas: dia e noite, luz do dia e da fé, dormir e morrer, ressurreição final e antecipada, e logicamente vida e morte (cf. o Salmo 30 com suas polaridades).

Havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã. Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e enxugara os pés dele com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente (vv. 1-2).

O nome “Lázaro” é abreviação de Eleazar (Deus ajudou; cf. 2Mc 6,18-31) e parece ter sido bastante difundido no séc. I; encontramo-lo na parábola de Lc 16,19-31; na qual se trata de um pobre que é recompensado após a morte; é a única parábola de Jesus com o nome próprio de um protagonista. Talvez, o “leproso” que estava na casa em Betânia no início do relato da paixão (Mc 14,3p) tenha inspirado Jo para transformar a doença em morte, já que a cura de lepra era considerada tal difícil quanto ressuscitar um morto (cf. 2Rs 5,7).

“Betânia” não é o povoado da Pereira mencionado em 1,28, mas é uma aldeia situada a leste do monte das Oliveiras, próxima a Jerusalém (v. 18) onde Jesus passará no próximo cap. antes da paixão, neste contexto é mencionada também nos evangelhos sinóticos (Mt 21,17; 26,6; Mc 11,1.11-12; 14,3; Lc 19,29; cf. a ascensão em Lc 24,50 e At 1,12). Jo identifica Maria pela unção que contará mais tarde (12,1-8). Essa ligação faz os dois episódios convergirem rumo a páscoa.

Em Mc 14,3 e Mt 26,6 “Jesus estava em Betânia, à mesa em casa de Simão, o leproso”, quando um mulher anônima trouxe um frasco de óleo para ungir a cabeça de Jesus antecipando a unção do corpo para sepultura. Jesus a defende diante da crítica dos presentes (Mc) e discípulos (Mt). Lc omite esta cena e a transforma na unção dos pés de Jesus por uma “pecadora” anônima, defendida depois por Jesus diante da crítica do fariseu Simão (7,36-50). Logo em seguida, Lc fala de mulheres que seguiram Jesus (Lc 8,1-3), portanto, a tradição posterior identificou esta mulher com Maria Madalena, apoiando-se também em João que dá a esta mulher anônima o nome de “Maria” (Jo 11,2; 12,1-8), mas não a caracteriza como “pecadora” (Lc 7,37). Em Jo, ela unge Jesus em Betânia (como em Mc e Mt), mas não a cabeça, sim “os pés dele enxugando-os com seus cabelos” (12,3; como em Lc). Em Jo, ela não é pecadora, mas “amiga” de Jesus (v. 5) e “irmã de Marta e Lázaro.

As duas irmãs Marta e Maria são conhecidas pelo relato de Lc 10,38-42, onde acolheram Jesus num povoado (sem nome) a caminho a Jerusalém. Elas têm as mesmas caraterísticas em Lc e em Jo: Marta é a mais ativa, ela “serve” a mesa e fala mais (Lc 10,40s; Jo 11, 20-27.39; 12,2), enquanto Maria é mais calma, fala mais por gestos do que por palavras, é defendida pelo mestre (Lc 10,39.42; Jo 11,32s; 12,3.7).

As irmãs mandaram então dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente” (v. 3).

Na cap. anterior, Jesus se tinha afastado, mas não escondido (10,41); o narrador supõe as irmãs informadas dos movimentos de Jesus. Enviam-lhe uma mensagem discreta, mas a informação inclui implicitamente um pedido de ajudar (como a indicação de Maria em Caná, 2,3). Compara-se com o pedido: “Não me abandones, Senhor… vem depressa socorrer-me” (Sl 38,22s). Jesus poderia curar à distância (cf. o segundo sinal/milagre em 4,46-54).

Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela.” (v. 4).

Como na cura do cego, Jesus diz logo para que serve esta doença, para manifestar a glória de Deus (cf. 9,3). A Bíblia do Peregrino (p. 2586) comenta: A frase é de duplo ou triplo sentido. Essa enfermidade acabará em morte, mas não acabará, porque o morto voltará a vida. Acabará em morte, a de Jesus. Não acabará em morte, porque o milagre e a morte de Jesus glorificam a Deus e ao Filho de Deus ressuscitado (cf. Sl 30,12-13). A glória é uma só: o Filho glorifica o Pai com sua vitória sobre a morte, o Pai glorifica o Filho.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2068) comenta: Por causa de sua gravidade e por ensejar a Jesus a realização do seu sinal mais expressivo, esta doença lhe dará a oportunidade de manifestar a glória de Deus, que é também a sua: a ressurreição de Lázaro revela a filiação divina de Jesus (cf. 2,11). Mais profundamente ainda, essa doença constitui o ponto de partida da série de acontecimentos que conduzirá à morte de Jesus (11,45-54), quer dizer, à sua glorificação na cruz. A todos os que creem será oferecida, deste modo, a possibilidade de participar da sua ressurreição, já que pela cruz se realizará finalmente a manifestação da glória escatológica (cf. 12,16.23.28; 13.31-32; 17,1-5).

Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro (v. 5).

Alguns atribuem a menção dos sentimentos humanos de Jesus (cf. o choro nos vv. 33.35.38) à redação final (eclesial): contra heresias gnósticas que consideram o Filho de Deus apenas um ser superior e espiritual, Jo quer demonstrar, que “a palavra se fez carne” com seus sentimentos e sofrimentos (Jo 1,14; cf. 1Jo 4,1-3; cf. GS 1).

O amor, em sua forma de amizade, põe em movimento o poder divino: “Não foi pela espada que conquistaram a terra … e sim tua direita e teu braço e a luz de teu rosto, pois os amavas” (Sl 44,4).

Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde se encontrava. Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judéia” (vv. 6-7).

A demora proposital parece desumano, é assim que se age como amigo? Os “dois dias” apontam para a morte de Cristo e sua ressurreição no terceiro. Enquanto nos evangelhos sinóticos há um caminho apenas da Galileia “à Judeia” para Jesus cumprir seu destino em Jerusalém, em Jo, Jesus faz várias viagens entre as regiões.

Os discípulos disseram-lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-te, e agora vais outra vez para lá?” (v. 8).

No episódio anterior (10,31), a intenção dos judeus a matá-lo (5,18; 7,1.19-20.25; 8,37.40) chegou a ponto de apedrejá-lo como falso profeta (cf. Dt 13,11). A deliberação que Jesus toma implica um perigo da morte, que ele encara conscientemente e com plena liberdade (10,18; cf. Lc 9,51).

Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz” (vv. 9-10).

Novamente, como na cura do cego (9,4s), Jesus responde à interrogação dos discípulos com aforismo a respeito da luz do dia (cf. Jr 13,16; Jó 5,14 e 12,25), ou seja, sua presença no mundo.

A Bíblia do Peregrino (p. 2586) comenta: O dia é o tempo de trabalho sereno (Sl 104,23). Deus controla as horas do Filho e ainda não chegou sua hora; chegará com o poder das trevas. Entretanto, ele é “a luz do mundo” (8,12, cura do cego 9,5; 12,46).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2068) comenta: A jornada de trabalho, que se estende do despontar ao pôr-do-sol, compreende doze horas; Jesus deve prosseguir a realização da sua missão até o termo fixado pelo Pai, até a hora da noite ou das trevas (7,8.33; 13,30; 17,1; Lc 22,53). Jesus traz para os homens a luz que lhes deve permitir andar com segurança (8,12; 9,5; 12,46)… O verdadeiro perigo não é os que os discípulos consideram; é o de não perceber a luz que brilha agora, ou de impedir Jesus de cumprir sua obra até o fim… Há complementaridade entre a luz exterior que Jesus traz e a luz interior (cf. Mt 6,23; Lc 11,35); a revelação só é percebida pelos filhos da luz (cf. 3,19-21).

Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas eu vou acordá-lo” Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom.” Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo (vv. 11-13).

Típico no estilo de Jo, Jesus provoca um mal-entendido para depois explicá-lo; aqui com outra metáfora tradicional: o sono como imagem da morte (p. ex. Sl 13,4: “Dá luz aos meus olhos, para que eu não adormeça na morte”; cf. Sl 76,6; Jr 51,39.57; cf. 1Ts 4,13-17). Do mesmo modo, a ressurreição é um “acordar” (cf. Ef 5,14).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2068) comenta: Tanto no grego como no hebraico adormecer é um eufemismo para morrer. Ao falar em sono, quando Lázaro na realidade está morto, Jo acentua o mal-entendido; ele sugere ao mesmo tempo que Jesus traz uma nova compreensão da morte (cf. 11,26; Mt 9,24; Mc 5,39; Lc 8,52).

Então Jesus disse abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele” (vv. 14-15).

Em vez de ficar triste pela morte do amigo, Jesus “alegra-se” por causa dos discípulos (cf. a oração em vv. 41s). A morte de Lázaro é a ocasião do maior milagre que lhes fortalecerá a fé. Assim Jesus empreende o último caminho último para Jerusalém: para dar a vida, para dar a sua vida.

Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com ele” (v. 16).

Tomé era apenas mencionado nas listas dos doze apóstolos (Mc 3,18; Mt 10,3; Lc 6,15; At 1,13), mas desempenha um papel importante em Jo (14,5; 20,24-29; 21,2). Aqui entra em cena pela primeira vez como que antecipando a atitude confiante e temerária de Pedro (13,37), ou em tom de resignação fatalista, com uma perspectiva limitada: “Vamos nós também para morrermos com ele”. Com isso, Jo não quer tanto anunciar o destino futuro dos discípulos (quase todos morrerão mártires) quando realçar o mal-entendido de Tomé, incapaz de ver que a ressurreição de Lázaro será a ocasião da glorificação de Jesus.

Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias (v. 17).

Os quatro dias indicam que a corrupção avança, como consta Marta no v. 39. “Um ou dois dias para as lágrimas” diz Ben Sirac (Eclo 38,17). Se Jesus consegue ressuscitar um morto em estado de decomposição, é capaz de ressuscitar os falecidos de todos os tempos; como já disse antes: “Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer … vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão” (5,21.29s).

Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão (vv. 18-19).

“Três quilômetros”, lit. “quinze estádios”, segundo a medida greco-romana antiga (185 m).

Era costume de luto que muitas pessoas vêm dar os pêsames e consolar os parentes do falecido (cf. Jr 16,5). Os “judeus” significa aqui o povo em geral (cf. vv. 31.36s.45).

Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro dele. Maria ficou sentada em casa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele to concederá.” Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará.” Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia.” Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo” (vv. 20-27).

Neste diálogo, está em jogo o conceito de morte e ressurreição. Marta expressa sua fé em três etapas: 1) no poder de cura em Jesus, 2) na crença judaica da ressurreição dos mortos no fim dos tempos (“no último dia”; esta esperança escatológica se desenvolve nos meios influenciados pelo farisaísmo; cf. Dn 12,1-3; 2Mc 7,22-24; 12,44), e 3) em Jesus, “Messias, Filho de Deus, que devia vir ao mundo”. Esta profissão de fé da mulher é igual a do primeiro apóstolo, Pedro, nos evangelhos sinóticos (Mc 8,29p)!

Jesus fez mais uma declaração de “Eu sou…”, típico em Jo (cf. 4,26; 6,20.35.41.48.51; 8,12.23.28; 9,5; 10,7-11; 11,25; 13,19; 14,6; 15,1; 18,5) que lembra o nome divino no AT (cf. Ex 3,14).

A Bíblia do Peregrino (p. 2586) comenta: Nesse dialogo, o relato sobe por degraus ao cume da revelação e da fé. Marta expressa a crença já comum sobre a ressurreição no final dos tempos: “ele, com sua misericórdia, vos devolverá o alento e a vida” (Dn 12,2; 2Mc 7,9.11.14.23.29). Reconhece a Jesus o título de Messias com seus equivalentes, Filho de Deus e “o que há de vir” (6,14). Crê em seu poder de intercessão, mas não parece incluir no seu âmbito o ressuscitar um morto. Jesus responde com uma declaração que levanta o conceito de vida, sem dividir o homem. Embora seja mortal e morra, que crê recebe uma vida superior; e se morre a esta vida terrena, sua morte não é o fim. Penhor disso é o que ele vai realizar. Em Jesus já se encarnam a ressurreição e a vida definitiva, e pode fazer com que os outros participem de sua plenitude. Não se separam a fé em sua pessoa e a esperança nessa vida superior e eterna. Só que Maria não deve ficar na esfera puramente natural. Jesus é para o homem vida já concedida e presente, e ressurreição no final…  É preciso crer nisso, por isso Jesus lhe faz a pergunta formal. E ela responde com a profissão de fé cristã, numa formulação enfática. O “sim” abraça tudo o que Jesus disse; Senhor é o título do glorificado; o eu compromete toda a pessoa; o verbo está no perfeito (grego), de ação permanente; e como predicado os três títulos.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2068) comenta: Jesus recebe do Pai o poder de fazer os que creem nele terem acesso à vida plena e, portanto, também à ressurreição escatológica (5,26-29; 6,39-40.44.54). No v. 25, o verbo morrer significava falecimento, o fim da existência terrena do homem; aqui, alude à vida fora da fé, sem contato com Deus, a morte verdadeira: cf. 5,25 nota. Aos olhos de Jo, a ressurreição de Lázaro evidencia que é bem Jesus que nos faz passar da morte à vida. Confessando a qualidade messiânica e a filiação divina de Jesus, Marta reconhece que Jesus é a fonte de toda a ressurreição. “Aquele que vem ao mundo”: cf. 6,14; 1,9; Mt 11,3; Lc 7,19).

Em Jo, temos duas eschatologias (doutrina das últimas coisas, morte, julgamento, vida eterna) contrastantes: uma presente, outra futura. O evangelista se posiciona contra o tradicional conceito da eschatologia futura, cf. “Vem a hora – e é agora – em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que ouvirem, viverão” (5,25); “Quem nele crê, não é julgado, quem não crê, já está julgado” (3,18). A ressurreição e o julgamento acontecem “desde já” através Jesus. Mas depois se apresenta também a tradicional conceito que essas coisas acontecerão só no futuro: “Vem a hora em que os que repousam nos sepulcros, ouvirão a sua voz e sairão, os que tiverem feito o bem para uma ressurreição da vida, os que tiverem praticado o mal para uma ressurreição de julgamento” (5,28s); provavelmente uma correção da redação final/eclesial para evitar o mal-entendido de que “a ressurreição já aconteceu” (2Tm 2,18).

Devemos entender este contraste assim: Em Jesus chegou a luz (que separa as trevas), os parâmetros estão sendo colocados. Assim antecipa-se o julgamento final já nas palavras de Jesus aqui na terra (porque ele será o juiz), e sua glorificação na cruz (seguida pela ressurreição). A estas palavras de Jesus segue-se a ressurreição de Lázaro como sinal, um gesto concreto (no presente) de que Jesus fará como os falecidos (no futuro, independentemente se jazem nos túmulos por 4 dias ou 40000 anos). Jesus é ressurreição e vida plena, “desde já” e “ainda não”, da mesma maneira “o reino de Deus está próximo, está no meio de vós” (cf. Mc 1,15p; Lc 17,20s; etc.), chegou “já” (na pessoa de Jesus, o rei), mas “ainda não” em plenitude (vida e felicidade eterna par os fiéis quando Jesus voltar na parusia), ou a vida nova (espiritual desde já) no batismo como sinal de morte e ressurreição (do corpo no futuro, cf. Rm 6,3-11).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1310) comenta: Marta acredita na ressurreição, mas a entende como algo que diz respeito apenas a um momento após a morte. Mas a obra de Jesus consiste em proporcionar vida plena, e desde já. A comunidade das pessoas que acreditam que em Jesus é oferecido o dom da vida assumirá o compromisso de enfrentar todas as situações da morte.

Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com ele. Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. Indo para o lugar onde estava Jesus, quando o viu, caiu de joelhos diante dele e disse-lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido” (vv. 28-32).

Maria atende ao chamado pessoal do Mestre, “levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus”, indo aonde estava sua irmã. Maria repete a primeira frase de Marta, não a segunda, na esperança de intercessão. Não se chega a iniciar o diálogo (já sabemos a resposta de Jesus). Maria fica na esfera do pranto e da impotência humana (cf. Eclo 38,16-20)? É característica dela atuar mais com gestos (prostrando-se, “caiu de joelhos diante dele”) e falar menos do que sua irmã Marta (já em Lc 10,38-41).

Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor.” E Jesus chorou. Então os judeus disseram: “Vede como ele o amava!” Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” De novo, Jesus ficou interiormente comovido (vv. 33-38a).

“Estremeceu interiormente”; lit. em espírito; a expressão é comum em relatos da época, antes de realizar o milagre, o homem de Deus se enche de energia emocional (cf. Mc 1,41: compaixão, em outros manuscritos: ira), aqui evoca uma profunda cólera diante dessas lamentações que são, na realidade, expressão da impotência e da falta de esperança diante da morte (cf. 1Ts 4,13), “e ficou profundamente comovido”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2587s) comenta: Discute-se o significado do verbo grego aqui e no v. 38. As expressões que acompanham são “agitação e pranto”, com os quais o narrador quer mostrar a compaixão humana de Jesus, que é o que mobiliza seu poder (Sl 35,14). Em outras passagens costuma expressar indignação, repreensão ou zanga. Mantendo esse significado, alguns o interpretam como a indignação de Jesus diante do poder da morte e de Satanás; outros o consideram reação ante a falta de fé. Talvez seja simplesmente expressão externa e chamativa de um sentimento intenso.

A dupla reação dos presentes é significativa. Há quem aprecia compaixão e amizade como valores autênticos; há quem se queixa por não se traduzir em remédio imediato. Estes não contam com a hipótese de uma ressurreição, e sim com a da cura de um doente in extremis (Sl 30,4).

Os sentimentos de luto (vv. o choro nos vv. 33.35.38) contrastam com a aparente indiferença de Jesus que demorou quatro dias para chegar (vv. 6s.14s). Pode ser que uma redação posterior (eclesial) tenha inserido a menção dos sentimentos humanos de Jesus contra heresias gnósticas que dividiam a comunidade de João (1Jo 2,18s; 4,1-3) sustentando que Jesus como Filho do Deus eterno não podia sofrer, porque Deus é eterno e nunca muda; todo sofrimento é mudança de um estado melhor para o pior. Então Jesus não teria sofrido de fato, apenas na aparência, semelhante a um ator que vive um papel trágico, mas não sofre de verdade (cf. a soberania de Jesus na sua paixão em Jo, p. ex. 19,28). Mas “a palavra se fez carne” com todos os seus sentimentos e sofrimentos (Jo 1,14; cf. GS 1). Obs.: Talvez o profeta do islã, Maomé, tenha sido influenciado por uma seita gnóstica, porque os muçulmanos acreditam que Jesus não foi crucificado, sim alguém “parecido com ele” (segundo o Al-Corão).

Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. Disse Jesus: “Tirai a pedra”! Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias.” Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (vv. 38b-40).

Como muitos túmulo da época, o de Lázaro era uma pequena caverna, cavada no flanco de uma parede rochosa; e na entrada se colocava uma pedra redonda para abrir ou fechar (cf. 20,1)

No gênero literário de relatos de curas milagrosas é comum inserir uma dificuldade antes da realização do milagre. Aqui Marta faz uma objeção óbvia, porém diz mais. O “mau cheiro” é sinal de corrupção: “o mau cheiro se desprende dos cadáveres” (Is 19,6; 34,3; Jl 2,20; 2Mc 9,12), enquanto o aroma bom é sinal de vida e imortalidade, cf. no próximo cap. a unção de Jesus por Maria em Betânia, “e a casa inteira ficou cheia de perfume de bálsamo” (12,3) e os 32 quilogramas de aromas que Nicodemos traz para a sepultura de Jesus (19,39s).

Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste. Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste” (vv. 41-42).

Depois da abertura do túmulo (e sair o mau cheiro), Jesus ainda reza (as orações dos santos são como incenso, cf. Ap 5,8). Esta oração de Jesus é de ação de graças, embora suponha o pedido precedente. Ao falar em voz alta, Jesus quer atribuir a glória ao Pai e fazer que creiam em sua missão (cf. Elias no Carmelo em 1Rs 18,37).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2068) comenta: Os judeus se voltaram de preferência para o Templo de Jerusalém; o fato de erguer os olhos para o céu será bastante típico na tradição litúrgica cristã (17,1; Mc 6,41; Lc 18,13; At 7,55). Sendo constante a comunhão do Pai com o Filho, Jesus é, a todo momento, ouvido e atendido pelo Pai; nele se realiza o que é anunciado aos seus como uma possibilidade escatológica (cf. 14,3; 15,7.16; 16,23-24; 1Jo 3,21-22; 5,14-15). Esta prece mostra que a ressurreição de Lázaro permite entrever a relação filial de Jesus para com Deus.

Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar!” (vv. 43-44).

A Bíblia do Peregrino (p. 2588) comenta: O grito de Jesus é soberano. Como uma vocação pessoal, como chamado à vida, quase como palavra criadora: “que dá vida aos mortos e chama a existência o que não existe” (Rm 4,17). Chamando para “sair” do reino opressor: “Saí da Babilônia” (Sl 48,15), comparado com “Eu vou abrir vossos sepulcros, vou tirar-vos de vossos túmulos” (Ez 37,17). “Desatá-lo” e como que romper as amarras da morte (cf. At 2,42; Sl 116,3).

A “voz forte” expressa o poder extraordinário de Jesus frente a um morto que já não ouve mais. Em 5,25, Jesus anunciou: “Os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que ouvirem, viverão”. Conforme o costume judaico, os mortos eram envolvidos em panos mortuários e colocados nos túmulos sem caixão. Mãos e pés ficaram atados para facilitar o transporte num leito até o túmulo. No túmulo vazio de Jesus, “os lençóis mortuários” e “pano que cobria o rosto”, indicam que o morto voltou a viver e não foi transportado a outro lugar (cf. 20,1-8).

“Desatai-o e deixai-o caminhar”, às vezes, é interpretado como libertação dos pecados. Pelo mau uso da liberdade, o homem é dominado pelo pecado e se faz escravo, e o salário do pecado é a morte (cf. Rm 6,12-23). O perdão de Jesus (no sacramento da confissão) restaura nossa vida e liberdade (de ir e vir, cf. a cura do paralítico em 5,8.14; Mc 1,5-12p).

Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele… (v. 45).

A reação dos judeus após a ressurreição de Lázaro é dividida. O sétimo e último sinal (milagre) em Jo divide as opiniões novamente (cf. 7,43; 9,16; 10,19): “Muitos dos judeus” (aqui judeus no sentido amplo do povo) “creram nele”, mas a frase continua: “Alguns, porém, foram ter com os fariseus e contaram o que Jesus tinha feito” (v. 46, omitida pela liturgia de hoje).

Em seguida reúne-se o sinédrio (Suprema Tribunal dos judeus, composto pelos sacerdotes, fariseus e anciãos) e decide, pelo conselho dos sumo sacerdote Caifás, matar a Jesus (para não provocar os romanos através de um messias que congrega o povo, cf. vv. 47-52). Porque Jesus dá vida, sua morte será exigida. Termina o livro dos “sinais” (sete milagres de Jesus em Jo) e começa a relato da paixão.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1310s) comenta: Na ressurreição de Lázaro se manifestam a glória de Deus e o sentido mais profundo da obra que Jesus veio realizando: passar da morte à vida (cf. 5,24). Aquilo que ocorreu a Lázaro se torna convite a todos, para que ouçam as palavras de Jesus e apostem na vida e na liberdade, dons de Deus que chegam à humanidade por seu intermédio.

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