03 de Dezembro de 2018, Segunda-feira: Jesus respondeu: “Vou curá-lo.” O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado (vv. 7-8).

“Advento” significa “vinda, chegada” (do Senhor), ou seja, o tempo litúrgico de preparar a vinda do Senhor (Natal). Durante as primeiras duas semanas de Advento, nossa liturgia nos apresenta textos do profeta Isaías, selecionados porque falam da expectativa e alegria por um futuro melhor com Deus conosco (“Emanuel”, cf. Is 7,14). Nestas primeiras duas semanas, as leituras não foram escolhidas em vista do evangelho (como nos domingos), mas os diversos evangelhos foram escolhidos em vista das leituras do profeta Isaías que pode ser chamado o “profeta do Advento”.

 

Leitura (Ano B e C): Is 2,1-5; (Ano A: Is 4,2-6)

Esta leitura antecipa vários elementos de Natal: uma romaria dos povos pagãos ao templo de Jerusalém para ouvir a palavra de Deus (cf. os reis magos procurando Jesus, que é o novo templo e a palavra de Deus encarnada, Mt 2,1-12 e Jo 1,14; 2,20s), uma paz universal (cf. Lc 2,14.29-32) e a luz do Senhor como guia (cf. a estrela dos magos Mt 2,2.9s; cf. Lc 2,9.32).

O profeta Isaías atuava entre 740 e 700 a.C. em Jerusalém (capital do reino do sul, Judá). Na sua primeira fase criticou a prática de um culto religioso sem justiça social (cap. 2-5), depois acompanhou a política durante a guerra siro-efraimita e as insurreições contra a dominação do Império Assíria. Is anunciou o nascimento de um menino salvador na casa de Davi (7,14; 9,1-5; 11,1-6) e um futuro messiânico e escatológico (“nos últimos tempos”, v. 2). A leitura de hoje contém a visão escatológica do Antigo Testamento (AT); os povos estrangeiros convertidos para Javé, a peregrinação ao Templo de Jerusalém, centro do universo; a paz entre as nações (cf. 56,6-8; 60,11-14; Zc 8,1-23; 9,10; Sl 46,9s; 76,4).

O texto de hoje parece fora do contexto, deve ser uma inserção posterior no tempo pós-exílio (cf. a romaria dos povos em cap. 60 e as promessas de Zc 8 para reconstrução do templo). Os vv. 2-4 se reencontram (com algumas variantes e um acréscimo) em Mq 4,1-3, o que indica uma fonte comum, na qual se teriam inspirado os redatores (posteriores) dos dois livros.

Visão de Isaías, Filho de Amós, sobre Judá e Jerusalém (v. 1)

Um novo título introduz a pequena coleção de oráculos dos caps. 2-5 ou o conjunto formado pelos caps. 2-12 (cf. 1,1; 6,1; 13,1). O nome Isaías (hebraico Yeshaiáhu) significa “o Senhor (Yhwh-Javé) salva” ou “salvação do Senhor”. Ele é “filho de Amós”, ou de um Amós desconhecido ou no sentido metafórico, entende-se como discípulo e herdeiro da profecia de Amós no reino do Norte (Samaria) por volta de 750 a.C.; a crítica social de Is é parecida à do vaqueiro Amós (Am 7,14), mas seu estilo é mais litúrgico (cf. Is 6) e messiânico.

Acontecerá, nos últimos tempos, que o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas (v. 2a)

O monte onde foi construído o templo e a cidade de Jerusalém é o “monte de Sião” (cf. v. 3b). Não é tão alto, sua altura é de 743m acima do nível do mar (o monte das oliveiras já tem 827m); na verdade, o monte “mais alto” da terra é o monte Everest com 8848m (na divisa do Nepal com a China). Mas é a presença do Senhor que faz com que o monte Sião seja culminante e torne-se o centro do mundo.

“A ele acorrerão todas as nações, para lá irão numerosos povos e dirão: “Vamos subir ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos” (vv. 3a-4).

O profeta tem em vista a peregrinação ou subidas regulares por ocasião das grandes festas em Jerusalém (cf. Dt 16,16; Sl 122,4). No futuro, todas as nações participarão delas (Is 60,3; 66,20; Zc 8,20-22; 14,16-17). Muitas vezes na história, as “nações”, ou seja, os povos pagãos, vinham para atravessar, guerrear ou saquear o pequeno país de Israel/Judá. Nesta visão de Is, virão para fins pacíficos, para aprender e adorar (cf. 45,14).

A expressão “Deus de Jacó” não se encontra em outro lugar em Is, mas é frequente nos salmos (Sl 46,8; 75,10; 76,7; 84,9). Jacó era o neto de Abraão e recebeu o apelido de “Israel” (Gn 32,29; 35,10); teve doze filhos de quem descendem as doze tribos de Israel. “Deus de Jacó”, portanto, equivale a “Deus de Israel”.

Porque de Sião provém a lei e de Jerusalém, a palavra do Senhor. Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos (vv. 3b-4a)

Observa-se o paralelismo: “de Sião… a lei” e “de Jerusalém, a palavra”. A palavra de Deus é denominada “lei” (lit. instrução; hebraico: torá); como em 1,10; 5,24; 8,16; 25,4; 30,9; 42,4, uma diretriz que não basta conhecer, mas que é preciso viver no concreto da existência. Na origem, esta palavra se aplicava a cada uma das instruções dadas no santuário, ao mesmo tempo doutrina e decisão, ensinamento e preceito, em conformidade com o decálogo (dez mandamentos) e ligadas aos oráculos no culto. Para o judaísmo, a Torá designa a “Lei de Moisés”, denominada em grego Pentateuco (cinco rolos, ou seja, os primeiros cinco livros da Bíblia)

A função judicial de Deus será também a do rei messiânico (11,3s; 16,5). Aqui, ela ultrapassa de longe os limites do reino de Israel. Lógico que haverá de julgar segundo a lei e não arbitrariamente.

Estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não travarão combate (v. 4b)

Como a lei aplicada (julgamento) traz justiça e “o fruto da justiça será a paz” (32,17), os instrumentos de guerra transformam-se em ferramentas de progresso pacífico. A palavra (instrução, lei) substitui a guerra, a educação diminui a violência (cf. 11,2-9; leitura de amanhã). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 602) comenta: O fim das guerras faz parte da maioria das representações escatológicas, onde é o próprio Senhor quem quebra as armas de guerra: Os 2,20; Zc 9,10; Sl 46,10; aqui, as nações se encarregam disso, de comum acordo depois de receberem a instrução divina. Em Jl 4,10, a profecia de Is e de Mq é convertida no seu contrário. Esta visão da paz… está provavelmente em relação com o próprio nome de Jerusalém, “cidade de paz”.

Vinde todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor (v. 5)

A “casa de Jacó” é o povo de Israel (cf. v. 3). O monte é como um farol luminoso, que ilumina e orienta o mundo todo, como Jerusalém para a romaria dos povos em 60,1-3 (cf. a romaria dos magos seguindo a estrela em Mt 2,1-12). A “luz” é símbolo de salvação, sobretudo quando é a de Deus (cf. 10,17; 60,1). A instrução (lei) é igualmente comparada à luz em Sl 119,105; Pr 6,23.

A Bíblia do Peregrino (p. 1691) comenta o monte Sião e a peregrinação, lembrando o contrário em Gn 11 (torre de Babel): Um movimento de peregrinação festiva (Dt 16; Sl 122), se transforma em visão profética do futuro. O espaço projeta-se no tempo, a distância se torna futuro remoto. O monte torna-se centro de duplo movimento: centrífugo de irradiação, de lei e palavra, centrípeto de afluência universal. O monte faz com que o acesso seja subida, e se fundem convergência, progresso e ascensão em movimento único e universal, encabeçado pela “casa de Jacó”. Todo o episódio de Babel fica anulado: Diante da torre soberba, está o monte da presença de Deus, diante da confusão de línguas, está uma “palavra” que todos compreendem; diante da dispersão, a reunião. A profecia se cumpre em Pentecostes.

Esta visão bem no início de Is dá o tom para muitas outras: perto do final do livro, em cap. 60, ouvimos de uma luz que resplandece sobre a cidade e atrai os povos e Jerusalém torna-se uma casa de oração pra todos os povos (56,7). No meio do livro temos uma visão de um banquete para todos os povos e do fim das lagrimas e da morte (25,6-8). Em 19,23-25 ouvimos de uma estrada que reconcilia os antigos inimigos Egito e Assíria com Israel e todos os três serão abençoados por Deus. Em 9,1-6 se fala de uma luz, que desponta sobre guerras e trevas, e de um menino que será o príncipe da paz sem fim.

Também para a Igreja, a visão inicial continua um desafio e um convite. A Igreja é “católica”, ou seja, é para todos os povos, deve atrair todas as pessoas para a palavra e presença de Deus e ser uma comunidade acolhedora e oficina de paz.

 

Evangelho: Mt 8,5-11

Nos dias da semana até o dia 17 de dezembro, as leituras do AT não foram escolhidas em vista do evangelho (como nos domingos), mas os diversos evangelhos foram escolhidos em vista das leituras do profeta Isaías.

No evangelho de hoje, um centurião pagão demonstra grande confiança e expectativa em Jesus: “uma palavra basta” para curar e dar futuro a um doente paralisado. Jesus, por sua vez, apresenta uma bela imagem do futuro da humanidade: “muitos virão do oriente e do ocidente” para sentar-se na mesa do Reino de Deus.

Esta cura à distância é o segundo milagre de Jesus em Mt. Como em Lc 7,1-10, é contada logo depois do sermão sobre a ética (o sermão da montanha em Mt 5,1-7,27; em Lc 6,17-49 é proferido numa planície). Mt só inseriu nosso texto antes da cura do leproso (vv. 1-4) que Lc já tinha contado antes, seguindo o roteiro de Mc. Isso leva a conclusão que a cura já estava numa fonte comum que Mt e Lc usavam, numa antiga coleção catequética de palavras de Jesus (chamada Q), ou numa segunda e ampliada edição de Mc (chamada Deutero-marcos). Obviamente a função desta cura à distância na fonte era mostrar a eficiência da Palavra de Jesus logo após o sermão, além de abrir a salvação aos pagãos que conhecerão Jesus apenas através da palavra (dos apóstolos).

Quando Jesus entrou em Cafarnaum, um oficial romano aproximou-se dele, suplicando: “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia” (vv. 5-6).

Jesus volta a Cafarnaum, uma cidade de fronteira, que Jesus tinha escolhido para morar (4,13; cf. Mc 2,1). Lá encontra um “oficial romano”, lit. centurião (oficial que comanda cem soldados, cf. 27,54p; At 10,1; 21,32; 22,25); é um pagão, mas não necessariamente um romano. Herodes Antipas, administrador da Galileia, recrutava suas tropas em todas as regiões circunvizinhas; em Jo 4,46-53, Jesus cura o “filho” de um oficial de Herodes à distância.

Também em nosso evangelho de hoje, o centurião pede a cura do seu “filho” e não do seu “empregado” (como nossa liturgia traduz; cf. Lc 7,2), porque o termo grego païs (raiz de pedagogia) que Mt usa significa “menino” (cf. 2,16; 17,15.18; duplo sentido em Is 42,1; Mt 12,18; At 3,13.26; 4,25,27). Mt usa outro termo para designar “servo, escravo” em v. 9! O centurião reconhece Jesus como “Senhor” (vv. 6.8; cf. v. 2; 7,21-22 etc.; At 2,36; Fl 2,11), expressando sua fé, e também respeita os costumes e as leis do país.

Jesus respondeu: “Vou curá-lo.” O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado (vv. 7-8).

Às palavras de Jesus: “Vou curá-lo?” (v. 7 pode ser uma pergunta), o oficial confessa que não é digno como pagão, não se atreve a hospedar Jesus, porque sabe que os judeus não entram nas casas dos pagãos para não se tornarem impuros (cf. Jo 18,28; At 11,3). Jesus, como judeu, tornar-se-ia impuro se entrasse na casa dele.

Na sua humildade pede que baste uma palavra de Jesus para curar o filho paralisado. Seu pedido é um exemplo de fé e humildade e como tal entrou na liturgia da missa: Antes de receber o Corpo de Cristo confessamos: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada (o corpo como morada da alma), mas dizei uma palavra, e serei salvo” (cf. Jr 30,31: “Quem ousaria aproximar-se de mim?”).

“Pois eu também sou subordinado e tenho soldados debaixo de minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo ao meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz” (v. 9).

O centurião crê que Jesus é capaz de curar, mesmo sem estar presente fisicamente, basta dar uma ordem para que aconteça a cura. Sua experiência militar é imagem para expressar esse poder. Provavelmente quer dizer: “Se eu como homem subalterno posso dar ordens, quanto mais o Senhor!” (João Crisóstomos comenta: “Tú és Deus-Senhor, eu sou só um homem”). Um modo de fazer, próprio de soberanos e autoridades, é por meio da palavra, ou seja, dando ordens é fazer. Dessa condição são as ordens criadoras de Deus (a palavra de Deus é ação, cf. Gn 1: Deus falou e assim se fez; cf. Sl 33); assim a palavra de Jesus se mostra eficaz.

Quando ouviu isso, Jesus ficou admirado, e disse aos que o seguiam: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé. Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó” (vv. 10-11).

Jesus se dirige às multidões (que o seguem desde o sermão da montanha (cf. v. 1) e apresenta este pagão como exemplo de fé porque acreditou como Abraão (cf. Gn 15,6) numa confiança incondicional no poder do Senhor (cf. Hb 11,1: “A fé é um modo de possuir desde agora o que se espera, um meio de conhecer realidades que não se veem”).

Inspirado em Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27 etc., o judaísmo apresentava a era messiânica muitas vezes sob a imagem de um festim (cf. Mt 22,2-14; 26,29p; Lc 14,15; Ap 3,20; 19,9). A leitura de hoje termina com o anúncio do banquete messiânico (junto com Abraão, cf. Lc 16,22) para o qual muitos virão de terras distantes, “enquanto os herdeiros (lit. filhos) do reino serão jogados para fora nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (v. 12; cf. Lc 13,28s). Para ficar na parte positiva (advento), a liturgia de hoje omitiu este v. 12, porque nele Jesus já vislumbra a sua paixão, a rejeição do messias e do evangelho pelo seu próprio povo (cf. 27,25), enquanto os pagãos demonstram mais abertura, ou seja, fé nele. Eles vão tomar o lugar daqueles judeus, herdeiros naturais das promessas (cf. 21,43; Rm 9,3-5), que não acreditam no Cristo e, portanto, ficarão “fora nas trevas” (22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30).

A liturgia de hoje também omitiu a ordem de Jesus e seu êxito. Ele atende à fé do oficial: “Vai! E seja feita como tu creste” (v. 13a, “seja feita” lembra o pedido do Pai-Nosso). Brevemente consta-se a cura “naquela mesma hora” (v. 13b). Atendendo ao pedido de um pagão, Jesus mostra que as fronteiras do Reino vão muito além do mundo estreito da pertença à uma origem privilegiada. A fronteira agora é a fé na palavra libertadora de Jesus. Mesmo pertencendo ao grupo dos que se consideram salvos, se não houver essa fé, também não haverá possibilidade de entrar no Reino de Deus.

Em Mt 2, os reis magos já representam a vinda dos povos pagãos e distantes (“vindos do oriente”, cf. 2,1-12), enquanto “Herodes e toda Jerusalém ficaram perturbados” (2,3). Para a comunidade de Mt, o centurião torna-se figura de identificação (como já era o centurião em Mc 15,39; cf. o centurião Cornélio em At 10), homem de fé e humildade que respeita a lei e a preferência de Israel (cf. Mt 15,21-28) e ao mesmo tempo símbolo da comunidade “católica”, ou seja, de “todos os povos” que confiam na palavra de Jesus mesmo sem sua presença física (cf. 28,20).

O site da CNBB comenta: A presença de Jesus no meio dos homens significa a chegada dos tempos messiânicos e o pleno cumprimento de todas as profecias do Antigo Testamento. Os sinais que Jesus realiza atestam este fato. Mas para que as pessoas participem do Reino de Deus de modo a usufruir dos dons que lhes são oferecidos nestes tempos messiânicos, faz-se necessária a aceitação plena de Jesus e de sua palavra, assim como a adesão à causa do Reino de Deus. Não basta ser católico para participar das coisas do alto, é necessário assumir a fé e ter uma vida coerente com ela.

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