04 de outubro de 2016 – 23º Domingo Ano C

1ª Leitura: Sb 9,13-18

A 1ª leitura reflete sobre a sabedoria como dom de Deus e os cálculos dos homens (cf. evangelho). Este livro de Sb é o mais novo do AT e não faz parte da Bíblia hebraica (nem da protestante), foi escrito em grego em Alexandria do Egito entre 50 e 30 a.C. Para dar maior credibilidade, o autor o atribui ao rei Salomão (caps. 7-9). O livro se dirige a três destinatários: aos governantes, para que ajam dom justiça, aos sábios gregos, para conhecerem a sabedoria tradição de Israel, e também aos jovens judeus para que se mantenham fiéis na fé do seu povo no meio do ambiente pagão.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 844) comenta o trecho maior de 8,17-9,18: Sob forte influência da filosofia platônica do dualismo corpo-alma, o autor amplia aqui a oração de Salomão em 1Rs 3,6-9, apresentando-o como rei que fez a grande descoberta: só a união com a Sabedoria conduz a alma para a imortalidade (8,17). Sem a Sabedoria, que é concedida pelo santo espirito de Deus (9,17), o ser humano, em sua fragilidade (vv. 5-6.14-15), não consegue atingir a imortalidade. A oração se resume no pedido insistente do rei para obter a sabedoria.

Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões incertas: porque o corpo corruptível torna pesada a alma e, tenda de argila, oprime a mente que pensa (vv. 13-15).

O livro de Sb é o único livro do AT que apresenta o dualismo de alma e corpo frequente na filosofia grega (cf. Platão, Fédon 66B-67B; a associação dos principais termos relembra também Platão, Fédon 81B-C, Fedro 247B; no NT, cf. Rm 7,24; Jo 6,63), mas fala também da ressurreição do corpo (3,7; 5,15s; cf. Dn 12,2s; 2Mc 7,9).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1219) comenta: No AT, a imagem da “tenda” evoca a precariedade da existência humana (Jó 4,21; Is 33,20; 38,12); o epíteto “de argila” (lit.: “de terra”) pode remeter a Jó 4,19 ou Gn 2,7. No NT pode-se aproximar de 2Cor 4,7; 5,1-4; 2 Pd 1,13-14 e também da oposição assinalada por Gl 5,17; Rm 7,14-15.

A Bíblia do Peregrino (p. 1546) comenta: Por sua condição imaterial, a mente é capaz de pensar e compreender; mas ligada ao elemento material do corpo, encontra-se limitada, não necessariamente pervertida. A sabedoria é chamada a deter esse peso material, esse “lastro” da alma, levantando-a e mantendo-a em sua própria esfera … Em terminologia mais moderna, falaríamos de vida instintiva, de forças irracionais que turvem a mente, de impulsos obscuros do subconsciente não esclarecidos ou mau racionalizados etc.

Mal podemos conhecer o que há na terra, e com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos; quem, portanto, investigará o que há nos céus? (v. 16).

Outra vez destaca a distância entre homem e Deus (v. 13; cf. Is 55,8s): “Mal podemos conhecer”, ou lit. adivinhamos (cf. 8,8), “o que há na terra”; o reino do homem é terrestre (Sl 115,16/24). “Investigar o que há nos céus?” Insondável, incalculável é a inteligência de Deus, sua grandeza (cf. Is 40,28; Sl 145,3); o reino de Deus é um mistério (cf. Mc 4,11).

Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu santo espírito? (v. 17).

Esta oração (cap. 9) compreende três seções (vv. 1-6; 7-12; 13-18), com correspondências mutuas e a tríplice menção (vv. 4.10.17) do envio da Sabedoria. Depois de várias menções de sabedoria, o “santo espirito” é identificado com ela (cf. 1,5.7; 7,22). A sabedoria é um carisma (primeiro dom do espírito em Is 11,2).

Só assim se tornaram retos os caminhos dos que estão na terra, e os homens aprenderam o que te agrada, e pela Sabedoria foram salvos (v. 18).

“Pela Sabedoria foram salvos” dos perigos temporais e espirituais. O autor conclui com uma síntese de história, com a qual prepara o capítulo seguinte (a história de Adão a Moisés). O olhar ao passado se harmoniza também com o começo do capítulo, que evoca a história patriarcal: “Deus dos Pais, Senhor da misericórdia” (9,1). A oração de Salomão termina com uma nota convincente, pois fala de fatos repetidos e exemplares, nos quais a sabedoria triunfou sobre a fraqueza do homem.

Numerosos manuscritos latinos acrescentam aqui: “todos aqueles, Senhor, que te agradam desde a origem”.

2ª Leitura: Fm 9b-10.12-17

Ouvimos hoje o trecho central da carta mais breve e pessoal de Paulo. É a única escrita inteiramente de próprio punho (v. 19), com apenas um capítulo sobre um assunto de maior gravidade: O direito de todas as pessoas à sua plena liberdade, o sistema escravista no Império romano e as relações fraternas na comunidade cristã. O apóstolo escreve na prisão, talvez em Éfeso, Cesareia ou Roma, acompanhado das mesmas pessoas (vv. 1.23s; cf. Fl 1,1; 2,19.25; Cl 4,7-13; 2Tm 4,11s).

A carta é um bilhete de recomendação em favor de Onésimo, um escravo que fugiu do seu patrão Filêmon, provavelmente após ter cometido algum furto (v. 18). Onésimo procurou o apoio de Paulo, que estava na prisão (vv. 1.9.10.13), e acabou convertendo-se ao cristianismo (v. 10). A lei romana prevê penas severas para o delito de fuga de escravo, mas Paulo não a leva em conta e manda-o de volta a Filêmon, pedindo a este que o trate como irmão (v. 16).

O argumento central é que o ser humano não seja como escravo, e sim como irmão, tanto da lei, quanto na realidade nova do cristianismo. Uma vez que alguém se torna irmão, não pode mais ser tratado como escravo. Enfim, o evangelho derruba as diferenças e esvazia o estatuto da escravidão (1Cor 12,13; Gl 2,28; Cl 3,11).

O destinatário Filêmon parece ser membro importante da igreja (de Colossas? cf. os nomes nos vv. 2.9 com Cl 4,9.17), ao ponto de reunir uma igreja (assembleia) em sua casa (vv. 1-2). O fato de Onésimo voltar com Tíquico para Colossas (Cl 4,7-9) faz supor que esta carta a Filêmon foi escrita na mesma data que a carta aos Colossenses. Muitos biblistas, porém, consideram a carta aos Colossenses deuteropaulina, ou seja, escrita por um discípulo de Paulo na segunda geração cristã (citando nomes conhecidos das cartas antigas de Paulo). Fm, porém, é uma das sete cartas consideradas autênticas de Paulo (Rm; 1-2Cor; Gl; Fl; 1Ts e Fm). O estilo é afetuoso e persuasivo, juntando vários argumentos para convencer aos poucos sem dar ordens autoritárias.

A Bíblia Pastoral (p. 1472) comenta: Embora a carta interesse particularmente a Filêmon, é dirigida a toda a comunidade que se reúne na casa dele. Poderíamos suspeitar de que Paulo tem intenção de fazer uma catequese para a comunidade, a partir de um caso particular: a atitude do líder da comunidade para com o escravo fugitivo teria sérias consequências para o testemunho cristão.

(Caríssimo) Eu, Paulo, velho como estou e agora também prisioneiro de Cristo Jesus (vv. 8-9).

No início da carta, Filêmon foi chamado de “nosso caríssimo (lit. muito amado) colaborador” (v. 1), depois é chamado de “irmão” (v. 7) como os companheiros de Paulo, Timóteo (v. 1; 2Cor 1; Cl 1,1; cf. Sóstenes em 1Cor 1,1), e como outra destinatária em v. 2, a “irmã Ápia” (esposa de Filêmon?).

Paulo está consciente da sua “plena autoridade” apostólica para impor uma ação concreta, especialmente a um convertido seu (v. 19). Mas sabe renunciar a seus direitos em favor de outros (cf. 1Cor 9) e considera mais eficaz o caminho do amor que o da imposição (“obrigação”). “Velho que estou”; lit. presbítero – “ancião” que se refere aqui à idade, a partir dos cinquenta anos. O apóstolo “prisioneiro” é semelhante ao escravo, pois lhe falta a liberdade; mas, sendo por Cristo, o preso deve sentir-se livre.

Faço-te um pedido em favor do meu filho que fiz nascer para Cristo na prisão, Onésimo. Eu o estou mandando de volta para ti. Ele é como se fosse o meu próprio coração (vv. 10-12).

“Meu filho que fiz nascer para Cristo” (cf. 1Cor 4,15; Gl 4,19). Paulo considera Onésimo como filho, porque foi graças a ele que Onésimo se converteu. “Antes, ele era inútil para ti; agora, ele é valioso para ti e para mim“ (v. 11 omitido pela nossa liturgia). Paulo faz um jogo de palavras com o nome de “Onésimo” que significa “útil” (cf. Fl 4,3).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2337) comenta as circunstâncias: Tal situação, porém, ao prolongar-se corria o risco de se tornar-se melindrosa: Filêmon podia tomar-se de ressentimentos pela indiscrição de Paulo que, sem ter recebido consentimento seu, nem sequer avisado, tomara a seu serviço um escravo fugitivo. Ademais, consoante o direto em vigor, Paulo, ao conservar consigo um fugitivo, tornava-se cúmplice de grave infração do direito privado. Finalmente, o próprio Onésimo arriscava-se a ser procurado e posto na cadeia antes de, à força, o devolverem a seu dono, que podia infligir-lhe um grave castigo. Compreende-se por isso que Paulo tenha resolvido devolver Onésimo a seu dono.

O escravo fugitivo foi acolhido por Paulo, pela conversão é “filho” seu, deve ser livre (cf. Rm 8,15) e tem o carinho paterno. Mas Paulo renuncia ao segundo direito e devolve o fugitivo, embora com ele vão as “entranhas” do apóstolo: sua caridade não é fria nem distante. “Ele é como se fosse o meu próprio coração”, a tradução latina (Vulgata) tem: “mas tu recebe-o como meu próprio coração” (cf. v. 17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1467) comenta: Com diversos argumentos, a carta convence que o amor cristão supera as diferenças entre escravos e livres. O apóstolo apela para sua condição de velho prisioneiro, de pai espiritual de Onésimo, e para a utilidade que o escravo poderia representar para ele. De fato, Onésimo quer dizer “útil”. Daí o jogo entre o antigo escravo inútil, e agora liberto e útil (v. 11).

Gostaria de tê-lo comigo, a fim de que fosse teu representante para cuidar de mim nesta prisão, que eu devo ao evangelho (v. 13).

“Nesta prisão, que eu devo ao evangelho”, lit. nos vínculos do Evangelho. Paulo não está preso por acaso, faz parte da sua missão apostólica; e uma participação nos sofrimentos de Cristo (Cl 1,24)

Mas, eu não quis fazer nada sem o teu parecer, para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea. Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor (vv. 14-16).

Paulo não visa à abolição da escravatura, que está fora do alcance do pequeno grupo cristão. Mas introduz um novo sistema de relação cristã, capaz de mudar a relação humana. Ao vínculo de posse sobrepõe-se o de fraternidade, que é definitivo.

”Se ele te foi retirado”, retirado por Deus, que permitiu a fuga de Onésimo, para o bem final de todos. Em termos econômicos, Filêmon saia perdendo (“por algum tempo”); mas ao final pode sair ganhando (“para sempre”). Sabe-se hoje, que um trabalhador bem tratado e motivado produz mais e melhor.

“Tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor”, lit. segundo a carne e segundo o Senhor. Paulo pede a Filêmon que considere Onésimo como um irmão, não só na fé, mas renunciando a castigá-lo, como autorizava o direito. Assim, implicitamente, o Evangelho põe em questão o próprio estatuto da escravatura. A Bíblia de Jerusalém (p. 2240) comenta: Aos laços naturais “na carne” (sentido literal do grego…) entre o escravo e seu senhor, foram acrescentados os laços “no Senhor”. Sem deixar de ser escravo (cf. 1Cor 7,20-24), embora Paulo sugira a Filêmon que o liberte (vv. 14-16.21), Onésimo doravante será um irmão para Filêmon. Diante do único Senhor dos céus (Ef 6,9) não há mais Senhor nem escravo (1Cor 12,13; Cl 3,22-25).

Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo (v. 17).

Paulo vai mais longe ao sugerir receber Onésimo não apenas como irmão, mas “como se fosse a mim mesmo” (cf. a identificação de Cristo com os discípulos e com os necessitados em Mt 10,40-42p; 25,31-46; Jo 13,20).

A escravidão era comum na época, os filósofos gregos consideravam-na “natural” (Aristóteles). Mas na Bíblia, Deus ouve o clamor dos escravos e decide libertá-los (Ex 3,7-9). Houve uma insurreição de escravos no império romano: o gladiador Espártaco conseguiu juntar quase 100 mil escravos num exército rebelde, mas foi derrotado e crucificado com milhares de companheiros em 71 a.C.. Paulo não podia exigir uma abolição da escravatura, mas com tato e coração introduz a fraternidade cristã (junto com a liberdade e igualdade) num caso concreto e como norma para transformar as estruturas do pecado.

A Bíblia Pastoral (p. 1472) comenta: Paulo não pensava certamente em criticar o estatuto da escravidão, comum em seu tempo, provocando assim uma revolução social. Os cristãos ainda não tinham força para exigir transformações estruturais da sociedade. Mas o Apóstolo implicitamente declara que a estrutura vigente não é legítima. De fato, mostrando que as relações dentro da comunidade cristã devem ser fraternas, Paulo esvazia completamente o estatuto da escravidão e a desigualdade entre as classes. Em Cristo todos são irmãos, com os mesmos direitos e deveres. E só Cristo é o Senhor.

Evangelho: Lc 14,25-33

Depois das parábolas sobre convites a banquetes (cf. vv. 1-24), Lc escreve sobre a renúncia no chamado, sobre umas exigências da vocação que se podem juntar com as três frases de 9,57-62. Jesus caminha para Jerusalém a fim de padecer e morrer na cruz. Nesse contexto soam as condições radicais para o seguimento.

Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo (v. 26).

Depois do banquete na casa do fariseu, “grandes multidões acompanhavam” de novo Jesus. Jesus dirige-se a elas, ou seja, a todos os discípulos, presentes e futuros. Muitos querem fazer parte do banquete do reino, mas as exigências do seguimento não são pequenas (cf. 13,22-24). O acesso ao banquete do Reino de Deus, do qual se falava antes (vv. 15-24, evangelho de ontem), está condicionado ao seguimento de Jesus. Ele não é só fim/finalidade da lei judaica (Rm 10,4), mas questiona também os laços naturais da família.

“Desapegar”, lit. “odiar” seu pai e sua mãe, é um exagero do estilo hebraico (cf. 9,60; Mt 5,29s). Como a língua do AT não tem comparativo, este verbo significa aqui “amar menos” (cf. Gn 29,30s.33; Dt 21,15s; Jz 14,16; Is 60,15; Ml 1,3; Lc 16,13). Jesus não exige ódio, mas “desapego” completo e imediato (cf. 9,57-62).

A Bíblia do Peregrino (p. 2506) comenta: Os vínculos puramente humanos de família e o interesse pessoal interferem muitas vezes e contrastam com o chamado de Jesus. Por isso os seguidores ou discípulos de Jesus têm que rejeitar, “odiar” esses impedimentos (cf. Dt 33,9). Se não está disposto a isso, não reúne as condições para rematar o projeto.

Na bênção a Levi, Moisés declarou: “Disse a seus pais: Não faço caso de vós; a seus irmãos: Não vos reconheço; a seus filhos: Não vos conheço”, porque antepuseram o mandamento de Deus (Dt 33,9, referindo-se aos idólatras do bezerro de ouro em Ex 32,26-29).

Diferentemente de Mt 10,37, Lc menciona aqui o amor da “mulher” que também deve ceder a prioridade ao amor do Cristo; assim o evangelista exprime sua tendência ascética (cf. v. 20; 18,29; cf. 20,35s; 1Cor 7).

Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo (v. 27).

Este desapego à família significa renúncia e sacrifício; faz parte do sofrimento “por causa de mim” e de carregar a cruz “cada dia” (9,23-24p). O discípulo deve estar disposto a seguir Jesus até a morte em Jerusalém. Esta renúncia do discípulo inclui também os bens materiais (v. 33). O apego à família é emocional, sentimental, para superá-lo precisa usar a razão como mostram as duas parábolas da torre e da guerra, ambas próprias de Lc.

Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai lançar o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a caçoar, dizendo: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!’ (vv. 28-30).

Os inícios interrogativos “qual de vós” são frequentes nas parábolas de Lc (cf. 11,5; 14,28.31; 15,4.8; 17,7; cf. 11,11; 12,25s; 14,5). Aqui pode se tratar de uma dessas torres que se construíam nos pomares para vigiar ou como abrigo contra o mau tempo (Is 5,2), mais sólidas e cômodas que uma cabana (Is 1,8). O seguimento de Jesus não é coisa fácil, é preciso pensar, se pode ou não assumi-lo; é preciso refletir e planejar bem para não fracassar e tornar-se ridículo depois.

Ou ainda: Qual rei que, ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições de paz (vv. 31-32).

Em 2Sm 8,9s, temos um caso concreto de um rei prudente que procura negociar a paz.

A Bíblia do Peregrino (p. 2507) comenta: As duas parábolas insistem no conhecimento das condições e na plena consciência com que se deve tomar a decisão de seguir Jesus. Diferente parece o caso dos pescadores e de Levi, a quem uma palavra soberana de Jesus ilumina e move (5,1-11.27-28); ou o caso de Paulo, cegado e iluminado (At 9). Talvez se inspirem nas normas de prudência que a sabedoria ordena: “Com sensatez constrói-se uma casa… Com estratagemas ganha-se a guerra” (Pr 24,3.6).

Lc gosta de pares de parábolas (cf. 5,36-38; 13,18-21; 14,28-32; 15,4-10; cf. 13,1-5; talvez 11,5-8 estava junto com 18,2-5). Aqui, as duas são um exemplo de refletir antes de um empreendimento importante, sem dúvida o de engajar-se no seguimento de Jesus. Representam uma parte dos destinatários greco-romanos de Lc: empresários, funcionários públicos, soldados (cf. as categorias em 3,10-14; 8,3; 19,1-10 etc.).

Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (v. 33)

Lc não parece estabelecer distinção entre os discípulos: “qualquer um de vós”. A advertência vale para todos.

Este v. retoma a conclusão dos vv. 26-27 e dá uma aplicação nova às duas parábolas precedentes. Faz delas um apelo a “renunciar” a todos os bens próprios. É um ensinamento predileto de Lc (12,13-34; 16,1-13; 18,24-30; cf. 5,11.28; 18,22).

Esta conclusão contém um paradoxo na aplicação: Para construir ou fazer guerra é preciso contar com meios, mas, para seguir Jesus, o essencial é não possuí-los. Os discípulos não precisam de meios materiais, mas de espirituais (cf. a missão deles em 9,1-3; 10,4). O rei “mais forte” é Deus ou Jesus que vem ao nosso encontro (parusia); é preciso “reconciliar-se” com ele (cf. 3,16s; 2Cor 5,19-20). Sem Deus, o nosso projeto humano não haverá êxito (cf. a torre de Babel em Gn 11).

O que vale como moral das parábolas vale também para o seguimento de Jesus e para a formação vocacional nos seminários. É preciso discernir a própria vocação e usar a razão para a maior glória de Deus.

O site da CNBB comenta: O nome de cristão é motivo de orgulho para muita gente e muitos usam esse nome e fazem propaganda do fato de serem cristãos. Mas muitos são cristãos de apenas de nome e de conversa, porque quando surgem as exigências da vivência coerente com o evangelho, são os primeiros a recuarem e a ficarem teorizando formas de religião que justifiquem a sua incoerência evangélica e outros valores nada cristãos que marcam as suas vidas. A exigência de Jesus é clara: renunciar a todos os valores que são contrários ao evangelho e fazer do seu seguimento o centro da própria vida. O resto é conversa fiada de quem quer usar do discurso para legitimar os próprios erros.

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