05 de abril de 2018 – Quinta-feira, Páscoa 1ª semana

Leitura: At 3,11-26

Continuamos ouvir dos Atos dos Apóstolos, hoje a segunda pregação de Pedro na ocasião da sua cura de um paralítico de nascença (cf. vv. 1-10).

Como o paralítico não deixava mais Pedro e João, todo o povo, assombrado, foi correndo para junto deles, no chamado “Pórtico de Salomão” (v. 11).

O paralitico não deixava mais Pedro e João e segui-os até outra porta do templo, chamada “Pôrtico de Salomão” (cf. Jo 10,23) que limitava o átrio dos pagãos e dava acesso somente para judeus. A reação do povo depois da cura do paralítico foi ficar olhando para os dois apóstolos, Pedro e João, como se eles tivessem realizado o milagre.

Ao ver isso, Pedro dirigiu-se ao povo: “Israelitas, por que vos espantais com o que aconteceu? Por que ficais olhando para nós, como se tivéssemos feito este homem andar com nosso próprio poder ou piedade? O Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, o Deus de nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus. Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vós rejeitastes o Santo e o Justo, e pedistes a libertação para um assassino. Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas (vv. 12-15),

Pedro aproveita o povo judeu reunido e assombrado para pronunciar outra pregação. Como no primeiro discurso no dia de Pentecostes (2,14-36; cf. leitura da segunda feira passada), o centro do kerigma (anúncio apostólico primitivo) é a morte e ressurreição de Jesus: “Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou” (v. 15; 2,23-24).

Antes Pedro esclarece que não foi seu próprio poder ou piedade que realizou a cura (v. 12); fala depois do “Deus de Abraão, Isaac e Jacó” (Ex 3,6.15…), “que glorificou o seu servo Jesus” (v. 13; cf. v. 26; 4,27.30). Os cristãos reconhecem em Jesus o misterioso servo sofredor de Javé em Is 52,13-53,12 (citado por At 8,32-33; cf. Lc 22,27.37), o ”santo e justo” (em oposição ao assassino Barrabás; v. 14; 7,52; 22,14; cf. Is 53,11; Sb 11,1; Mt 27,19; Lc 23,47; 1Pd 3,18; 1Jo 2,1) é o “autor da vida”, que mataram (v. 15; cf. 5,31; Hb 2,10; 12,2), mas Deus o ressuscitou, disso os apóstolos são “testemunhas” (v.15; 1,8.22; 2,32; 10,41; 13,31).

Graças à fé no nome de Jesus, este Nome acaba de fortalecer este homem que vêdes e reconheceis. A fé que vem por meio de Jesus lhe deu perfeita saúde na presença de todos vós (v. 16).

A própria fé que curou o homem (cf. Lc 8,48 etc.) “vem por meio de Jesus” (v. 16b), a fé do aleijado, talvez implícita em sua expectativa (v. 5) e a fé necessária a Pedro para realizar seu primeiro milagre (Lc 17,6; cf. 1Cor 2,9; 13,2). A fé é dom de Deus (cf. Mt 16,17).

E agora, meus irmãos, eu sei que vós agistes por ignorância, assim como vossos chefes. Deus, porém, cumpriu desse modo o que havia anunciado pela boca de todos os profetas: que o seu Cristo haveria de sofrer. Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que vossos pecados sejam perdoados (vv. 17-19).

Como Jesus na cruz, Pedro leva em conta a ignorância como atenuante e desculpa (v. 17; Lc 23,34: “não sabem o que fazem”), mas só pode se livrar dela através da conversão: “Arrependei-vos, portanto e convertei-vos, para que vossos pecados sejam perdoados” (v. 19; cf. 2,38).

Assim podereis alcançar o tempo do repouso que vem do Senhor. E ele enviará Jesus, o Cristo, que vos foi destinado. No entanto, é necessário que o céu o receba, até que se cumpra o tempo da restauração de todas as coisas, conforme disse Deus, nos tempos passados, pela boca de seus santos profetas (vv. 20-21).

Aos judeus, Pedro fala muito em termos do Antigo Testamento (AT): “alcançar o tempo de repouso que vem do Senhor” (v. 20; cf. Dt 12,9; Sl 95,11); como Elias foi arrebatado (2Rs 2) e voltará para restaurar tudo, assim Jesus foi levado ao céu e voltará para restauração profetizada (Ml 3,23-24; Eclo 48,9-10; Jr 31, Ez 36; Is 65-66; Jl 4,9-17; Am 9,11-15; Zc 14).

Com efeito, Moisés afirmou: “O Senhor Deus fará surgir, entre vossos irmãos, um profeta como eu. Escutai tudo o que ele vos disser. Quem não der ouvidos a esse profeta, será eliminado do meio do povo”. E todos os profetas que falaram, desde Samuel e seus sucessores, também eles anunciaram estes dias (vv. 22-24).

Pedro cita ainda Moises: “O Senhor Deus fará surgir, entre vossos irmãos, um profeta como eu. (Dt 18,15-19) e menciona Samuel encabeçando uma serie de profetas (1Sm 3; Natã 1Sm 7). O profeta prometido, no final da série, é Jesus (cf. Lc 7,16). Quem não escutar este profeta anunciado por Moisés, “será eliminado do meio do povo” (v. 23).

Vós sois filhos dos profetas e da aliança, que Deus fez com vossos pais, quando disse a Abraão: “Através da tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra”. Após ter ressuscitado o seu servo, Deus o enviou em primeiro lugar a vós, para vos abençoar, na medida em que cada um se converta de suas maldades.” (vv. 25-26).

Os ouvintes “israelitas” (v. 12) são “filhos dos profetas e da aliança” (v. 25; cf. Rm 9,4) contraída com Abraão (Gn 12,3; 18,18; 22,18). Mas através da ressurreição do seu servo (cf. v. 13; 4,27.30; Is 53,11s), Deus enviou Jesus para realizar e transmitir a benção prometida a Abraão, “em primeiro lugar a vós” (v. 26), mas cada um dos judeus deve-se converter (v. 26). Por causa da resistência e blasfêmia dos judeus em Corinto, Paulo vai dirigir-se depois aos pagãos (At 18,6). Pela ressurreição de Cristo, a benção de Abraão atingirá todas as nações (cf. Lc 24,47; Mt 28,19)

Os judeus são chamados à conversão. A ação de Deus através de Jesus estava no conjunto da fé de Israel. Deus cumpriu todas as suas promessas.

 

Evangelho: Lc 24,35-48

Continuamos ouvir das aparições do ressuscitado no evangelho de Lc. A primeira aconteceu no caminho à roça de Emaús diante de dois discípulos (cf. vv. 13-34; evangelho de ontem).

Os dois discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” (vv. 35-36).

Como primeira aparição, Lc narra como Jesus apareceu a dois discípulos a caminho à roça de Emaús (cf. vv. 13-33). Retornando de Emaús a Jerusalém, os dois discípulos encontraram a comunidade e contaram a aventura do encontro com Jesus.

“Ainda estavam falando”, quando Jesus vem pessoalmente encontrar-se com os seus apóstolos. Uma outra aparição a Simão Pedro foi apenas mencionada em v. 34: “O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”; cf. 1Cor 15,5: “apareceu a Céfas (=Pedro) e depois aos doze”. Lc mescla as tradições de Paulo e de Marcos (Galileia, roça), como já fez na instituição da Eucaristia (cf. 22,29s).

O próprio Jesus interrompendo a fala deles, “apareceu no meio deles e disse: A paz esteja convosco” (v. 36). É a saudação comum dos judeus, shalom aléhem, mas ganha um sentido mais profundo na boca do ressuscitado que venceu os inimigos mais profundos (pecado, morte, diabo; cf. 2,29; 19,42; At 10,36; Jo 14,27; 20,19-21.26).

Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma (v. 37).

Jesus chega de modo tão inesperado que eles pensam que é um “fantasma”. É a mesma reação, quando Jesus caminhava sobre as águas (símbolo do caos e da ameaça mortal) em Mc 6,49s (omitido por Lc no contexto).

Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e porque tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés. Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles (vv. 38-43).

Jesus mostra-lhes os sinais reais da paixão: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo”. O corpo que foi traspassado, pregado na cruz, sepultado, agora está vivo. É o corpo da mesma pessoa, mas agora transformado pelo poder de Deus. Ainda assim os discípulos “não podiam acreditar” (cf. Mt 28,17). É preciso de uma prova mais forte, mais material (também em Jo 20,19-29 há duas demonstrações: os discípulos veem as mãos do ressuscitado e Tomé ainda pode tocar nas marcas dos cravos; o peixe assado reencontramos em Jo 21,9-14).

Os leitores gregos e romanos da comunidade de Lucas (também autor dos Atos) estavam acostumados com a ideia de um hades (um reino de sombras onde continuam as almas após a morte). Mas acreditar numa ressurreição de corpo (carne) era difícil para eles aceitarem (cf. a reação dos filósofos em Atenas em At 17,32). A ressurreição por agora nem estava no horizonte da fé judaica porque a esperava apenas no fim dos tempos (cf. Jo 11,24) como uma transformação completa da vida (cf. Dn 12,1-4).

Por isso, Lc quer “provar” que Jesus ressuscitado não é só uma alma, um fantasma, mas tem corpo, comendo “um pedaço de peixe assado” (v. 42). A ressurreição não é um mito nem um fantasma, nem um delírio dos apóstolos ou das mulheres (cf. v. 11). É um fato histórico e transcendental ao mesmo tempo, um evento real que mudou a vida de Cristo, transformou a vida dos primeiros apóstolos e ainda hoje repercute positivamente para a salvação do mundo. “O evento da ressurreição introduz uma nova dimensão de vida, uma abertura deste nosso mundo para a vida eterna” (Bento XVI).

Depois disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos”. Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, e lhes disse: “Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso” (vv. 44-48).

Em seguida, Jesus explica a novidade de sua situação. Sua morte na cruz não era um acidente na história humana, mas corresponde ao plano de Deus expresso nas escrituras: “Era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos profetas e nos salmos” (v. 44; cf. v. 26). Temos aqui a divisão judaica das três partes do Antigo Testamento (AT): a “lei de Moisés” (Torá ou em grego Pentateuco: Gn a Dt), os “profetas (Js; Jz; 1-2Sm; 1-2Rs e os livros proféticos) e “salmos” (como exemplo dos livros sapiências). A Bíblia hebraica é chamado de TNQ (Torá – lei, Nebiim- profetas, Quetibum – escritos). A divisão da Bíblia cristã separa dos profetas e escritos sapienciais os “livros históricos” (Js; Jz; 1-2Sm; 1-2Rs; 1-2Cr; Esd, Ne), e incluiu mais sete livros da tradição grega que eram conhecidos e usados pelos evangelistas (cf. Mt 1,23; estes sete livros, porém, não estão na Bíblia protestante).

O evangelista Lc resume como nos vv. 25-27, mas não cita quais os textos da Bíblia Hebraica falam que “o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia” (vv. 26.44; 9,22; 17,25). Só podemos pensar numa síntese de Dt 18,15.18 (cf. At 3,22); Is 42,1-4; 49,4.6; 50,4-9; 52,13-53,12 (citado em At 8,32-33); Dn 12,2s; Os 6,2; Zc 12,10; 13,7; Sl 22,30; 73,17.24s (cf. LXX: Sb 2; 2Mc 7).

A Bíblia do Peregrino (p. 2542) comenta: Explica outra vez a Escritura, desta vez acrescentando à morte e ressurreição um dado: a pregação. Ou seja: a paixão e a ressurreição desembocam na pregação apostólica, universal, a partir de Jerusalém… Como um dia os enviou numa primeira expedição limitada (9,1-6), agora os chama de “testemunhas” (Is 43,10.12; 44,8). E nós falamos de “testemunho apostólico”.

Os discípulos que compreenderam as Escrituras (cf. v. 27) são agora constituídos “testemunhas” do Ressuscitado (v. 48). Em Jesus, todas as pessoas poderão ser refeitas. No “nome” de Jesus “serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso” (vv. 47-48; Lc já pensa no roteiro do seu segundo volume, os Atos dos Apóstolos, cf. At 1,8).

No Credo, afirmamos que a Igreja é “católica” (= para todos, não só para judeus, mas para “todas as nações”, classes, idades, categorias etc.) e “apostólica” (nossa fé baseia-se no testemunho dos apóstolos) e transmite a “remissão dos pecados” (no batismo, cf. At 2,28; Jo 20,23).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2035) comenta: Os vv. 46-48 apresentam todos os temas da pregação apostólica tal qual aparece no livro dos Atos: o emprego das escrituras (At 2,23-32; 4,10-11; 13,28-29.33-37; 26,22-23), a pregação da conversa e do perdão (2,38; 3,19; 5,31; 10,43; 13,38-39; 26,18), o papel de testemunhas conferido aos Doze (1,8; 2,32; 3,15; 5,32; 10,41; 13,31) … “Jerusalém” tem sido em Lc o ponto de partida da mensagem da salvação (1,5-25), a meta da missão de Jesus (9,51). Ela será o centro de irradiação da missa apostólica (At 1,8).

O site da CNBB comenta: Quando a comunidade está reunida, realiza-se a experiência pascal, a experiência da presença do Ressuscitado. Esta presença é a manifestação do Deus da Paz, o Deus real, o Deus vivo e verdadeiro, do Deus que é solidário com os homens e está sempre participando de suas vidas, mesmo que eles não sejam capazes de perceber isso. Não é a manifestação de um fantasma qualquer. Esta experiência comunitária da presença do Ressuscitado faz com que a comunidade se torne evangelizadora, testemunha de todos os valores pelos quais Jesus morreu e ressuscitou, se torne testemunha de que de fato Jesus é o Filho do Deus vivo, que cumpriu plenamente a vontade do Pai.

Voltar