05 de Agosto de 2018, Domingo: Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão“. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede (vv. 34-35).

1ª Leitura: Ex 16,2-4.12-15

O livro de Êxodo (grego: “saída”) narra a saída do Egito e a caminhada pelo deserto do Sinai. Ouvimos hoje sobre o maná, alimento milagroso com que o Senhor assegurou a vida do povo no deserto. Deus quer a liberdade e a vida do seu povo, por isso o libertou da escravidão e não o deixa morrer de fome no deserto.

O relato sacerdotal, que baseia em Ex 16 a lei do repouso sabático sobre o dom do maná, deve ter recebido acréscimos de tipo litúrgico e integrado alguns elementos mais antigos (vv. 4-5; 13b-15; 21b; 27-30; 35b) que veem no maná uma “prova” (v. 4), anunciada em 15,25 e ligada a lei do sábado (cf. v. 30). Uma narrativa paralela encontra-se em Nm 11,4-9 que pode ser mais antiga por não ser relacionada ao sábado.

O povo dos hebreus (“a comunidade dos filhos de Israel”) saiu do Egito há exatamente um mês (v. 1; cf. 12,6) e está caminhando pelo deserto. Os alimentos trazidos do Egito devem ter acabado (cf. 12,39). A questão da água já provocou o primeiro murmurar do povo contra Moisés em 15,22-27.

A comunidade dos filhos de Israel pôs-se a murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto, dizendo: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos juntos às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?” (vv. 2-3).

A “murmuração” mostra que o povo ainda não assumiu a condição de povo livre, prefere voltar à dependência da escravidão a passar fome no deserto. Na reflexão religiosa de Israel, o deserto aparece como lugar privilegiado da prova e das murmurações (14,11; 15,24; 16,3.7-8; 17,1-7; 32; Nm 11,1-4; 12,1; 14,1-4; 16,3.14; 20,2-5; 21,5), de onde se pode sair vitorioso somente pela fé e pela esperança (cf. Sl 78; Hb 3,7-19).

Na linha de Oseias (Os 2,16-17) e de Jeremias (Jr 2,2), o cântico de Dt 32 pensa, ao contrário, que uma civilização de abundancias é uma provação mais perigosa para a fé do povo de Deus; (cf. também a passagem de Jesus pelo deserto, Mt 4,1-11p). Com suas murmurações (cf. 15,24), Israel rejeita a difícil aventura da saída do Egito, o projeto de libertação, e lhe distorce o sentido, dizendo: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito!”

O protesto pertence a um esquema que se repete com variações. O primeiro elemento é um juízo comparativo: Era melhor a escravidão no Egito, inclusive com a morte repentina. O segundo elemento é uma acusação que deforma, inverte o sentido de saída, afirmando que é para morrer.

O Senhor disse a Moisés: “Eu farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à prova, para ver se anda ou não na minha lei (v. 4).

O termo “pão”, porém, pode designar toda espécie de alimento. Supõe-se uma súplica precedente de Moisés, a qual o oráculo do Senhor responde. O oráculo tem algo de resumo programático: o fato em seu aspecto transcendente “chove do céu”, a sua função como “provação do povo”, a modalidade relacionada com o sábado. Ainda não menciona as codornizes (aves migratórias; cf. v. 12; Nm 11).

Nossa liturgia cortou os vv. 5-11 e a parte do cap. 16 que narra depois a colheita nos dias da semana e o dobro na sexta-feira, porque não haverá maná no sábado. A colheita do maná deve obedecer a distribuição igualitária: todos têm o mesmo direito aos bens, de modo que não faltem e não sobrem para ninguém (v. 18). É proibido acumular qualquer excedente (v. 19), que produziria o senso de posse e desigualdade. O sábado marca a passagem de uma vida escrava (trabalho forçado de segunda a segunda) para uma vida livre: todos têm o direito ao descanso. O sétimo dia é o dia em que o homem se refaz dentro do projeto de liberdade e vida (cf. os dez mandamentos em Ex 20,8-11; Dt 5,12-15)

Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel. Dize-lhes, pois: ‘Ao anoitecer, comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus.’” Com efeito, à tarde, veio um bando de codornizes e cobriu o acampamento; e, pela manhã, formou-se uma camada de orvalho ao redor do acampamento (vv. 11-13).

O relato sacerdotal mesclou numa só narração a passagem das codornizes e o dom do maná. Uma tradição mais antiga anotou a chegada das codornizes em Nm 11. O Maná e as codornizes reunidos na mesma narrativa colocam um problema. O maná é devido a secreção de insetos que vivem em certas tamareiras, mas somente na região central do Sinai: ele é colhido em maio-junho. As codornizes, cansadas pela travessia do mar mediterrâneo na volta da sua migração para a Europa, morrem em setembro em grande quantidade sobre a costa, ao norte da península, levadas pelo vento do oeste (cf. Nm 11,31). Esta narrativa pode combinar a lembrança de dois grupos que deixaram separadamente o Egito e cujos itinerários naturais servem para ilustrar a providência especial de Deus pelo seu povo.

Quando se evaporou o orvalho que caíra, apareceu na superfície do deserto uma coisa miúda, em forma de grãos, fina como a geada sobre a terra (v. 14).

Ou então “arredondada” ou “coagulada”; a geada era considerada orvalho congelado que caia do céu (cf. Sl 147,16; Eclo 43,19).  

Vendo aquilo, os filhos de Israel disseram entre si: “Que é isto?” Porque não sabiam o que era. Moisés respondeu-lhes: “Isto é o pão que o Senhor vos deu como alimento” (v. 15).

É um trocadilho para explicar o nome Maná. Em hebraico, “Que é isso” = man hû, etimologia popular do termo maná, cuja significação exata é desconhecida. A seiva de um arbusto do deserto que ressuda e se solidifica, pode servir de alimento complementar. A reflexão de Israel interpretou esse fato de várias maneiras. Para Nm 11,4-6; 21,5, o maná é apenas um alimento desprezível, uma simples guloseima para enganar a fome. Para textos mais tardios (Sl 105,40; 78,24s; Ne 9,15.20; Sb 16,20-21), o maná aparece como um alimento maravilhoso, sinal da solicitude de Deus. Para Ex 16 (como para Dt 8,3), é “pão do céu”, provém de Deus, mas como uma “prova”; é na verdade, uma comida misteriosa e frágil (vv. 15 e 21) através da qual se passa a exigir a obediência à lei do sábado (vv. 27-30).

Quando terminar o tempo do deserto, tempo de prova, o maná dará lugar aos produtos da terra prometida (v. 35; cf. Js 5,12). Celebrado nos Salmos e na Sabedoria, o alimento do maná torna-se para a tradição cristã (cf. Jo 6,26-58), a figura da eucaristia, alimento espiritual da Igreja, o verdadeiro Israel, durante seu êxodo terreno (sobre o maná no NT, cf. Jo 6,32; 1Cor 10,3; Mc 6,30-44p).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 92) comenta: Narrativas como aves migratórias esgotadas que são levadas pelo vento ao deserto (Nm 11,31-35), e sobre a palavra “maná” associada ao hebraico man-hu (“o que é isso?”; cf. vv. 15-31; Nm 11,7-8): são dois artifícios para apoiar a construção pós-exílica da história de Israel como povo numeroso que sai do Egito e, após 40 anos no deserto, entra em Canaã. Emoldurado pelo ensino sobre o sábado (vv. 1-4 e 21-30), há no núcleo uma ética contra o acúmulo (vv. 16-20), que pode ter orientado a partilha dos alimentos nas vilas camponesas. Ética semelhante aparece em Mc 6,30-44; 8,1-9; Jo 6; At 2,44-45; 4,32-35.

 

2ª Leitura: Ef 4,17.20-24

Continuamos a leitura da carta aos Efésios, escrita por um discípulo de Paulo (em nome de Paulo). Hoje ouvimos uma exortação muito representativa da catequese moral da comunidade primitiva. Estas recomendações podem ser encontradas também no AT (Sl 4,5; Zc 8,16; cf. vv. 25-26), no judaísmo tardio (Qumran) e na cultura grega. O específico cristão está na motivação e no modelo. A ideia clássica da oposição dos dois caminhos, dos dois espíritos, é trasposta e vira contraste entre a existência antiga e a existência nova (cf. ainda 5,8).

Eis pois o que eu digo e atesto no Senhor: não continueis a viver como vivem os pagãos, cuja inteligência os leva para o nada (v. 17).

O primeiro passo da conversão é uma ruptura com o passado pagão (Rm 2,21). Várias palavras soam como termos de filósofos gregos: nous (“Inteligência, mentalidade”, vv. 17.23), dianóia (v. 18), ágnoia (v. 18), epithymia (“paixões”, v. 22). “Leva para o nada”, lit. “vaidade”, que é no AT a idolatria (Jr 2,5; 8,19; 10,3.8) ou a fragilidade da existência humana (Ecl).

Nos vv. 18-19 (omitidos pela nossa liturgia), por afã de contraste, o autor carrega as tintas ao traçar o perfil do paganismo, resumindo Rm 1,18-32 sobre a conduta dos pagãos (cf. a descrição truculenta de Sb 14,22-30 sobre as consequências da idolatria). Os qualificativos são duros e cortantes: obscuridade, ignorância, dureza, impureza, engano.

Quanto a vós, não é assim que aprendestes Cristo, se ao menos foi bem ele que ouvistes falar, e se é ele que vos foi ensinado, em conformidade com a verdade que está em Jesus (vv. 20-21).

Refere-se à aprendizagem cristã, a catequese que tem por objeto “Cristo”, a “verdade” de Jesus, sua pessoa, seu título messiânico (Cristo), sua vida exemplar, sua morte e ressurreição (cf. v. 24). É o único exemplo da expressão “em Jesus” sem outra qualificação. A fórmula poderia visar a contraditores para os quais o salvador (espiritual) dos homens não se identificaria com a pessoa (carne) de Jesus (tendência da gnose/gnosticismo, cf. 1Jo). Como em Cl 2,6, o verdadeiro Cristo é o Jesus histórico, que morreu e ressuscitou para em si nos recriar.

Alude ao catecumenato, ou seja, a catequese de preparação ao batismo, porque o que se segue é marcado pela terminologia batismal como em Cl 3 (despojar-se do homem velho para se revestir do novo).

Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (vv. 22-24).

O autor opõe a velha e a nova humanidade, com a imagem do despojamento e revestimento (Gl 6,8). A velha deixa-se levar pela concupiscência e acaba na corrupção. A nova é criação “à imagem de Deus” (Gn 1,27; Eclo 17,3; cf. Sb 2,23). Cada batizado deve revestir-se do “homem novo” (Ef 2,15), para ser recriado nele (cf. Gl 3,27; Rm 13,14). Noutro lugar, Paulo fala neste sentido em “nova criatura” (2Cor 5,17).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2199) comenta: Esse “homem novo” é protótipo da nova humanidade que Deus recriou (cf. 2Cor 5,17) na pessoa do Cristo ressuscitado, como num “segundo Adão” (1Cor 15,45; Rm 5,12-20; cf. Jo 19,5.34; 20,15), depois de nele ter aniquilado, sobre a cruz, a raça do primeiro Adão, corrompida pelo pecado (cf. Rm 5,12s; 8,3; 1Cor 15,21). Criado “na justiça e santidade de verdade” (4,24), ele é “único”, pois nele desaparecem todas as divisões entre os homens (Cl 3,10s; Gl 3,27s).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2297) comenta: A expressão “homem novo” (cf. Ef 2,15; 4,24) traduz a transformação radical da existência, significada pelo batismo. O AT (Antigo Testamento) anuncia a renovação do homem sob a influência do Espírito, que lhe dá um ”coração novo”, capaz de conhecer a Deus (Ez 36,26-27; cf. Sl 51,12). Por meio de uma nova criação realizada em Cristo, “o segundo Adão” (1Cor 15,45) e “imagem de Deus” (Gn 1,27; Cl 1,15), o homem é conduzido à sua humanidade verdadeira: ele é “criado segundo Deus na justiça na santidade” (Ef 4,24) e se encaminha, pela obediência, ao verdadeiro conhecimento (Cl 3,10; cf. Gn 2,17).

“Em verdadeira justiça e santidade” A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2272) traduz: “na justiça e na santidade que vem da verdade”, e comenta: Na esteira da corrente sapiencial e apocalíptica (cf. Qumran), Ef dá várias vezes à palavra “verdade” uma plenitude de sentido que evoca o uso joânico: trata-se da revelação, cujo foco é Jesus e que suscita o pleno acordo do homem com a ação de Deus (cf. sobretudo Ef 1,13; 4,15.21.24; 6,14). 

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1430) comenta nossa leitura e os vv. seguintes: A proposta da catequese primitiva se baseia na passagem de um caminho para outro, neste caso, acentua a realidade da mudança da antiga criatura para a pessoa renovada em Cristo. O batismo leva a pessoa a revestir-se do “homem novo”, como quem troca de vestimenta (Rm 6,4). Alguns exemplos concretos ilustram a realidade dessa passagem, da mentira para a verdade, do roubo para o trabalho manual, da palavra prejudicial à palavra edificante, do comportamento egoísta para a generosidade recíproca (Cl 3,8-10).

 

Evangelho: Jo 6,24-35

O texto de hoje é continuação do evangelho do domingo passado (vv. 1-15), mas saltou o caminho de Jesus andando sobre as águas do mar (vv. 16-21) que todos os evangelistas relatam após a multiplicação dos pães (ambos os milagres lembram as maravilhas do êxodo: o maná no deserto e o caminho pelo mar que demonstra o poder divino; cf. Ex 14 e 16). Até aqui, Jo seguiu as mesmas tradições dos outros evangelistas. Mas agora prepara sua reflexão sobre o “pão da vida”.

Inicia-se um discurso/diálogo proferido no outro lado do lago, de volta em Israel, na sinagoga de Cafarnaum (cf. v. 59), em três turnos: pão que perece / pão que dura (cf. Ex 16,20; Am 8,11), obras / fé (cf. Is 30,15; Hb 2,4; Rm 1,20-22 etc.); o maná de Moisés / o maná de Jesus (vv. 31-35).

Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum (v. 24).

O narrador tem dificuldade ao descrever o transporte do povo para outro lado do lago (quantos barcos para 5000 homens?). Mais importa a conexão teológica, a referência ao milagre em termos de eucaristia (v. 23: “comido o pão depois de o Senhor ter dado graças”) é o fato de que o povo estava “à sua procura em Cafarnaum”.

Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?” Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo“ (vv. 25-27).

Quando o encontraram (“na sinagoga”, como se acrescenta em v. 59), perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”. Jesus respondeu revelando as intenções e os pensamentos do povo (cf. 2,24s). As pessoas querem somente os resultados do pão material, não uma relação pessoal com Jesus, um milagre sem a relação, sem o compromisso e a mudança de vida (conversão, cf. a atitude diferente de Pedro em Lc 5,8). As multidões buscam pão (alimento, satisfação) somente para o corpo, mas Jesus quer oferecer um horizonte mais amplo. Saciaram-se de pão, viram-no como prodígio, mas não como “sinal” que revela Jesus; acorrem ao milagreiro, não ao enviado de Deus. O mesmo mal-entendido já se encontra na samaritana no cap. 4, sonhar com água ou pão que poupasse trabalho e solucionasse problemas indefinidamente.

O quarto evangelista caracteriza os milagres de Jesus como “sinais” (cf. 2,11.23; 3,2; 4,48-54; 6,2.26.29s; 7,31; 9,16; 11,47; 12,37; cf. o sinais e prodígios de Moisés e o sinais dos profetas, Is 7,11; 66,19), ou “obras” (5,36; 7,3; 10,25.37). Entender o milagre como sinal é remontar ao assinalado, ou seja, o pão que prolonga a vida cotidianamente aponta para o dom de um pão que instaura uma vida nova, “vida eterna que o Filho do homem vos dará. Pois é este que o Pai marcou com seu selo” (v. 27); é o selo do Espírito recebido pelo batismo, a forca divina de realizar milagres, os “sinais” (cf. Mc 1,10p; At 10,38; Mt 12,28; Ef 1,13; 2Cor 1,22).

Então perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” Jesus respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou” (vv. 28-29).

A pergunta deles (v. 28) retoma a palavra “trabalhar” do versículo anterior (no texto litúrgico “esforçai-vos”, v. 27): para ganhar o pão precisa fazer as tarefas (“obras”) designada pelo patrão. Na antiga aliança precisavam fazer as obras das 613 leis no AT (cf. Lc 10,25; Mc 10,17), na nova aliança precisam acreditar em Jesus, “que acrediteis naquele que ele enviou” (v. 29). A nossa fé em Jesus é “obra de Deus” (cf. v. 44; 15,16; Mt 16,17). Como nas cartas de Paulo, é a fé que salva, não as obras da lei (cf. Rm 1,16s; 3,21-26; Gl 2,16 etc.; diferente: Tg 2,14-26; Mt 7,21-23; 25,31-46).

A obra de Deus é acreditarmos que Jesus é o Senhor e Salvador. Adesão à pessoa de Jesus abre espaços interiores de vida e liberdade. Jesus quer imprimir o “selo” da vida divina para criar um mundo novo.

A multidão perguntou a Jesus: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’“ (vv. 30-31).

A multidão ainda não entendeu o sinal dos pães e pergunta: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes?” (v. 30). Paulo escreveu: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,22-23; cf. Jo 3,14; Mc 15,32; Mt 16,1-4; Lc 11,29-32). Os judeus lembram: “Nosso pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’” (v. 31; cf. Ex 16,4; Nm 11,7-9; Sl 78,24-25; 105,40; Sb 16,20-21). Moisés podia apresentar o prodígio celeste do maná, como orvalho nutritivo toda manhã. A multidão quer um sinal do céu ou quer que Jesus repita a multiplicação dos pães todo dia?  Mas o povo não está mais no deserto árido (cf. v. 10 “relva”). A Bíblia registra o fim do maná em Js 5,12 quando o povo chegou à sua terra prometida.

Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo“ (vv. 32-33).

Jesus corrige: O maná não era verdadeiramente celeste, o doador não era Moisés, mas Deus que agora envia seu Filho do céu para dar verdadeira vida que não perece (cf. 1,14; 3,13-17.31.36). A mediação de Moisés fica superada. Jesus é mediador da nova aliança, não só para Israel, mas para o mundo inteiro: “Pois o pão do céu é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (v. 33; cf. v. 51). Jesus é o salvador do mundo (4,42), não só o messias de Israel (1,41.49); sua missão na terra e sua morte são para “todos”, não só para “muitos” (3,16s; em hebraico, “muitos” pode significar todos; cf. Is 53,12; Mt 26,28p; cf. Oração Eucarística). Jesus convida a todos e não exclui ninguém, é o ser humano que se exclui quando não crê.

Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão“. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede (vv. 34-35).

Mas os judeus não entendem, pedem: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!” Parece-se com o pedido da samaritana (4,15). Na oração do Pai-nosso pedimos “o pão nosso de cada dia dai nos hoje”, mas a expressão grega epiousion (“de cada dia”) pode significar também algo sobrenatural (S. Jerônimo traduziu em latim: supersubstantialem, Mt 6,11).

O pedido do povo serve para introduzir a nova seção sobre o “pão da vida”, que é em primeiro plano o ensinamento, em segundo a eucaristia. O uso figurativo do pão ou do alimento é conhecido no AT (Antigo Testamento): Os profetas o aplicam à Palavra de Deus (Is 55; Am 8,11); os sábios aplicam à sabedoria. Como Jesus (vv. 35.37.48-58), a Sabedoria convida os homens para refeição (Pr 9,1-6; Eclo 24,21). A sabedoria é pré-existente como Jesus (Pr 8,22; Sb 7,22). Os autores do NT (Novo Testamento) começam identificar Jesus com esta sabedoria (Jo 1,1; 3,11-13; Mt 11,19.25-27p; 4,4p; cf. Dt 8,3).

Com as palavras “Sou eu” (lit. “Eu sou”), Jesus identificou-se caminhando sobre o mar à noite (v. 20), lembrando o nome de Deus Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14, na tradução grega: “Eu sou o que sou”; cf. Jo 8,24.28.58; 13,9; 18,5.8). Agora identifica-se com o verdadeiro pão que dá vida e vem de Deus: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (v. 35; cf. vv. 41.48.51; 4,13-14; 8,12; 10,25; 14,6; 15,1). Vir a Jesus equivale crer (nele). Comer e beber são necessidades vitais. Comemos e bebemos para não morrer, temos ânsia de uma vida sem fim. Somente Jesus satisfaz esta ânsia.

Como os judeus naquela época, também nós somos tentados a não reconhecer as graças que Deus está constantemente dando a cada um de nós, porque nos concentramos somente nos aspectos negativos do tempo presente (ainda multiplicados pelas mídias). Atentos às coisas negativas não vemos quanta coisa boa está ao nosso redor, quantos dons de Deus estão nos circundando. Jesus diz a nós hoje que o seu Pai continua dando-nos o pão do céu, o alimento que dá vida e vida em plenitude (cf. 10,10).

Podemos estar tentados também por um outro mal-entendido. Pelos vv. 51-58 estamos acostumados de interpretar todo discurso orientado apenas para Eucaristia. Se, porém, entendemos a Eucaristia, o sacramento, só como coisa sagrada, não alcançamos todo seu sentido, porque o dom da vida é uma pessoa e não uma coisa! O “pão da vida” em João é Jesus, é seu ensinamento (Palavra) e a Eucaristia.

O site da CNBB comenta:

Um dos caminhos que temos para conhecer melhor a pessoa de Jesus é o sacramento da eucaristia. Porém, esse caminho exige de todos nós uma postura de fé diante dele e uma abertura para as realidades que estão além da materialidade. As pessoas que só buscam a saciedade material e procuram Jesus apenas para a satisfação desse tipo de necessidade são incapazes de buscar o alimento que não se perde e que nos leva a reconhecer que Jesus é aquele que o Pai marcou com o seu selo. Essas pessoas não são capazes de ver que Jesus é o enviado do Pai e, por isso, não acreditam nele.

Quem vai até Jesus não terá mais fome e quem crer nele não terá mais sede. Jesus coloca à nossa disposição não os bens transitórios desse mundo, mas os verdadeiros bens, aqueles que são perenes, que são eternos. Por isso, é muito importante que as pessoas conheçam Jesus. Somente a partir do conhecimento da sua pessoa e do seu reconhecimento como Filho de Deus é que as pessoas poderão desfrutar dos dons do alto que o Pai nos concede por meio de Jesus e podem ter a verdadeira vida, pois ele é o Pão da Vida, o Pão da verdadeira saciedade, que sempre se dá a todos nós em alimento para a vida eterna.

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