05 de Fevereiro de 2019, terça-feira: Jesus atravessou de novo, numa barca, para a outra margem. Uma numerosa multidão se reuniu junto dele, e Jesus ficou na praia (v. 21).

Leitura: Hb 12,1-4

O autor anônimo de Hb apresentou uma longa lista dos personagens do Antigo Testamento (AT) no capítulo anterior (11), como testemunhas da fé para motivar a comunidade desanimada.

Rodeados como estamos por tamanha multidão de testemunhas, deixemos de lado o que nos pesa e o pecado que nos envolve. Empenhemo-nos com perseverança no combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé (vv. 1-2a).

“Rodeados como estamos por tamanha multidão (lit. nuvem) de testemunhas”. Infelizmente nossa tradução litúrgica substituiu a expressão poética “nuvem” por “tamanho multidão”, mas hoje se fala até da “nuvem” da internet (informações guardadas no ar, como acima da cidade de Londres no tempo das últimas olimpíadas). Nosso saudoso bispo D. Ricardo (falecido em 2010) se lembrou desta expressão quando foi visitado por inúmeras pessoas antes de partir. A nuvem é símbolo da presença do Deus invisível no AT (Ex 13,21s; 14,24; 19,9; 24,15s; 33,9s; 34,5; 40,34-38; 1Rs 8,10-12; Ez 1,4; 10,4; Dn 7,13 etc. cf. Mc 9,7p; 13,Lc 1,35; At 1,9).

É melhor deixar-se levar por esta nuvem (ou onda se quiser) da fé e deixar “de lado o que nos pesa e o pecado que nos envolve” A comunidade estava sofrendo perseguições (10,32-34) e havia desistência (10,23-25; cf. 6,4-8; 10,26-31). A nuvem das testemunhas da fé deve envolver mais do que o pecado e as dificuldades.

“Empenhemos (lit.: corramos) com perseverança no combate que nos é proposto” (v. 1). Nossa tradução litúrgica também não transmitiu esta comparação poética com um atleta, A persistência na corrida, combate ou provação é uma imagem comum na cultura greco-romana e no NT (cf. 10,32; 1Cor 9,24-27; Fl 3,12; 1Tm 6,12; 2Tm 2,5).

Na competição de uma corrida não se deve relaxar ou desviar a atenção, mas perseverar “com os olhos fixos” na meta (cf. Lc 4,20), “em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé” (v. 2a). Outros traduzem: “o autor e realizador da fé” (cf. 2,10; Is 41,1; 4,6; Ap 1,8.17; 2,8; 21,6; 22,13). Nossa fé é dom de Deus, resposta à sua iniciativa; Jesus também completará o que falta, levando-a perfeição através da sua mediação como sumo sacerdote. Com sua obediência ao Pai e doação da própria vida, Jesus é exemplo máximo da fé, perseverança e superação (cf. 4,7-10)

Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia, e assentou-se à direita do trono de Deus (v. 2b).

Em meio versículo, o autor apresenta a paixão e a ressurreição (à semelhança do hino de Paulo em Fl 2,6-11): “Em vista (ou: em vez) da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz…” (cf. 2 Cor 8,9). Não é claramente definida, se se trata da beatitude anterior à sua vinda à terra (cf. Fl 2,6: Jo 1) ou do êxito messiânico que poderia ter conseguido (ser rei; cf. Jo 6,15; Mc 8, 29-32; 10,45; 11,9-10). “Não se importando com a infâmia” (cf. 13,13) “sentou-se à direita do trono de Deus” (cf. 1,3; 8,1; 10,12; Mc 14,62p cita Sl 110,1; cf. At 2,33).

Pensai pois naquele que enfrentou uma tal oposição por parte dos pecadores, para que não vos deixeis abater pelo desânimo. Vós ainda não resististes até ao sangue na vossa luta contra o pecado (vv. 3-4).

Parece que o autor da carta queria preparar a comunidade para uma tribulação ou perseguição maior que poderia abalar a sua fé (cf. Ap 3,10). “Pensai, pois naquele que enfrentou tal oposição” (lit. “contradição”, cf. Lc 2,34), “para que não vos deixeis abater pelo desânimo. Vós ainda não resistis até o sangue na vossa luta contra o pecado” (vv. 3-4). Pode ser uma alusão ao martírio, pior que as coisas que a comunidade já enfrentou (cf. 10,32-34). O contrário da fé é o pecado e o medo. Quem é cristã(o), deve lutar contra o pecado e o medo e perseverar na fé, seguir Jesus e carregar a cruz se for necessário.

Evangelho: Mc 5,21-43

O evangelho de hoje apresenta duas curas, uma encaixada na outra. Esta técnica narrativa de inserir uma cena no meio de outra, os exegetas (peritos da Bíblia) chamam de “sanduiche”. Mc a usa também em 3,20-35; 6,7-33; 11,11-21; 14,1-14. Aqui a cura da hemorragia no meio do caminho atrasa outra cura da menina moribunda que acaba de falecer, mas assim o milagre se torna ainda maior (cf. o atraso em Jo 11): Jesus tem o poder de ressuscitar os mortos. No mesmo gênero literário podemos ler como Elias e Eliseu ressuscitaram mortos (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,25-37), também Pedro e Paulo o fizeram (At 9,36-43; 20,7-12).

Jesus atravessou de novo, numa barca, para a outra margem. Uma numerosa multidão se reuniu junto dele, e Jesus ficou na praia (v. 21).

Da Decápole (região de dez cidades gregas, cf. v. 20), Jesus voltou ao território nativo e a multidão conhecida se juntou dele na praia (cf. 2,13; 3,7; 4,1).

Aproximou-se, então, um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Quando viu Jesus, caiu a seus pés, e pediu com insistência: “Minha filhinha está nas últimas. Vem e põe as mãos sobre ela, para que ela sare e viva!” Jesus então o acompanhou (vv. 22-24a).

“Um dos chefes da sinagoga chamado Jairo”, pode ser o responsável pelo culto ou outro membro eminente desta comunidade judaica (em Cafarnaum? Cf. 1,21-29; 3,1-6; 6,2; Lc 4,14-30; Jo 6,59; At 9,19; 13,14-43 etc.). “Quando viu Jesus, caiu a seus pés”; este gesto de prostração expressa um extraordinário respeito. Sua “filhinha está nas últimas” e ele pede para Jesus impor “as mãos sobre ela”. O pai supõe que as mãos de Jesus transmitam força vital de cura (cf. 1,31.41; 7,32; 8,23.25), até para uma moribunda, “para que ela sare (lit. se salve) e viva”.

Uma numerosa multidão o seguia e o comprimia. Ora, achava-se ali uma mulher que, há doze anos, estava com uma hemorragia; tinha sofrido nas mãos de muitos médicos, gastou tudo o que possuía, e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. Tendo ouvido falar de Jesus, aproximou-se dele por detrás, no meio da multidão, e tocou na sua roupa. Ela pensava: “Se eu ao menos tocar na roupa dele, ficarei curada”. A hemorragia parou imediatamente, e a mulher sentiu dentro de si que estava curada da doença (vv. 24b-29).

No caminho à casa de Jairo, no meio da multidão, encontra-se outra doente: “uma mulher que, há doze anos, estava com hemorragia” (v. 25). O fracasso dos médicos (v. 26; cf. Tb 2,10; Eclo 38,1-15) serve para exaltar por contraste o poder de Jesus, verdadeiro médico por força divina. A doença exclui da mulher, porque o sangue da menstruação e da hemorragia a torna impura (Lv 15,25-30). Embora soubesse que seu contato contaminava, a mulher considerando Jesus como carregado de um fluido terapêutico descarregado e transmitido por contato, mesmo que seja mediato, “aproximou-se dele por detrás” (cf. Lc 7,38) “e tocou na roupa” (v. 27; cf. 1,41; 3,10; 6,56; 8,22; At 19,12). “A hemorragia parou imediatamente” (v. 29), lit.: a fonte do seu sangue secou.

Jesus logo percebeu que uma força tinha saído dele. E, voltando-se no meio da multidão, perguntou: “Quem tocou na minha roupa?” Os discípulos disseram: “Estás vendo a multidão que te comprime e ainda perguntas: “Quem me tocou”?” Ele, porém, olhava ao redor para ver quem havia feito aquilo. A mulher, cheia de medo e tremendo, percebendo o que lhe havia acontecido, veio e caiu aos pés de Jesus, e contou-lhe toda a verdade. Ele lhe disse: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença” (vv. 30-34).

Jesus sentiu a diferença do contato da multidão que o comprimia (cf. v. 31), “percebeu que uma força tinha saído dele” (v. 30; cf. Lc 6,9), e perguntou quem era que tocou. “A mulher cheia de medo e tremendo” (v. 33), porque tinha violado as leis da pureza, ainda na presença de um chefe da sinagoga que deve zelar pela pureza ritual, “caiu aos pés de Jesus”, como antes Jairo. Prostrada e humilde, confessa (confirmando o provérbio de 4,21: “não há nada de oculto, que não se descubra, nada encoberto que não se divulgue”). Jesus não a condena, sim encoraja chamando-a carinhosamente. “Filha, a tua fé te curou (salvou)”. Como Paulo dizia: A fé em Jesus salva, não a lei judaica (cf. Gl 2,15-21; Rm 3,21-26). A fórmula usual de despedida “vai em paz” (v. 34) ganhou novo sentido.

Ele estava ainda falando, quando chegaram alguns da casa do chefe da sinagoga, e disseram a Jairo: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodar o mestre?” Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da sinagoga: “Não tenhas medo. Basta ter fé!” E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e seu irmão João (vv. 35-37).

Entretanto a menina morreu e trazem a notícia a Jairo. Não há nada de fazer, a doença podia ser curada, mas para a morte não há remédio. Pensavam que o poder de Jesus se deteria ante a fronteira da morte (cf. Jo 11,21.32). Daí o apelo de Jesus a fé: “Não tenha medo, basta ter fé” (v. 36; cf. Jo 11,26). A continuação vai acontecer em segredo; Jesus só leva os três discípulos mais íntimos consigo (cf. vv. 37.40; 9,2; 13,3; 14,33).

Quando chegaram à casa do chefe da sinagoga, Jesus viu a confusão e como estavam chorando e gritando. Então, ele entrou e disse: “Por que essa confusão e esse choro? A criança não morreu, mas está dormindo”. Começaram então a caçoar dele. Mas, ele mandou que todos saíssem, menos o pai e a mãe da menina, e os três discípulos que o acompanhavam (vv. 38-40b).

Enquanto isso, o tradicional pranto fúnebre começou (cf. Jr 9,16-17), e as pessoas caçoam da frase de Jesus: “A menina não morreu, mas está dormindo” (v. 39). Muitas vezes, na linguagem bíblica e em outras culturas, a morte é designada pela imagem do sono (cf. Jr 51,39,57; Jo 14,12; Sl 13,4; Mt 27,52; Jo 11,11-12; 1Cor 11,30; 15,6; 1Ts 4,13-15).

 Depois entraram no quarto onde estava a criança. Jesus pegou na mão da menina e disse: “Talitá cum” – que quer dizer: “Menina, levanta-te!” Ela levantou-se imediatamente e começou a andar, pois tinha doze anos. E todos ficaram admirados. Ele recomendou com insistência que ninguém ficasse sabendo daquilo. E mandou dar de comer à menina (vv. 40c-43).

No quarto, só na presença dos três discípulos e dos pais (v. 40), Jesus devolve a vida da menina pelo gesto do contato (“pegou a mão”, cf. 1,31) e pela palavra aramaica “Talita cum” que o evangelista traduz em “Menina, levanta-te”. Era comum nos relatos da época, um curandeiro usando palavras em língua estrangeira (mágica). Mc já escreve em grego, mas conserva algumas palavras em aramaico, no entanto as traduz para não parecerem pura magia (7,34; 11,9; 14,36; 15,34).

A cura é demonstrada (levantar-se, comer), mas Jesus recomendou “com insistência que ninguém ficasse sabendo disso” (v. 43). Com este segredo messiânico, muito difícil de guardar em tais circunstâncias (cf. v. 38), Mc quer dizer que a narrativa só pode ser verdadeiramente compreendida depois da ressurreição de Jesus (cf. 9,9) como antecipação do poder de Jesus sobre a morte (cf. 1Cor 15,55.57).

O detalhe de que a menina tinha doze anos, igual período que a mulher adulta sofria de hemorragia, pode inspirar uma reflexão sobre a situação psicológica em que a menina se encontrava: o susto da primeira menstruação e o peso da lei de pureza (Lv 15,19-33) que impedia qualquer contato social porque ela “contaminava” tudo nesta situação por sete dias. Este medo poderia ser causa psicossomática da sua doença e morte. Hoje é a ditadura da moda (a lei da beleza) que pode levar meninas a beira da morte, a ponto de não querem mais comer (anorexia, bulimia). Jesus, porém, supera a lei do puro e impuro (cf. Mc 7,21-23) e devolve vida e fecundidade doando sua própria vida, seu próprio sangue como remédio contra a morte (cf. 14,24; Jo 19,34).

O site da CNBB comenta: A pessoa de fé é aquela que acolhe a revelação divina e responde de forma positiva aos seus apelos. Quando a pessoa acolhe Jesus como sendo o Filho de Deus e procura responder de forma positiva a esta presença de Deus em sua vida, ela é constantemente movida ao encontro de Deus e passa a se beneficiar de suas graças e bênçãos. Mas quem não acolhe a revelação, não reconhece Jesus como o verdadeiro Deus presente no meio de nós, não vai ao seu encontro, não participa da sua vida e do seu projeto de amor e, consequentemente, não se beneficia de tudo aquilo que ele nos concede.

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