06 de dezembro de 2016 – Terça-feira, Advento 2ª semana

 

Leitura: Is 40,1-11

Iniciamos hoje a leitura da segunda parte do livro de Isaías (Is 40-55), chamado Deutero-Isaías (Segundo Isaías). É obra de um autor anônimo que escreve durante o exílio dos judeus na Babilônia cerca de 550 a.C., portanto 200 anos depois do Primeiro Isaías (cuja vocação se data em 740 a.C; cf. 6,1). Deutero-Isaías retoma a mensagem de esperança e consolação e anuncia a volta do exílio como novo “êxodo”(esta palavra grega significa “saída” e aplica se à libertação dos hebreus da escravidão no Egito e sua caminhada pelo deserto sob a liderança de Moisés por volta de 1250 a.C.). Como no primeiro êxodo, Javé Deus será o condutor e a garantia dessa nova libertação. O tema, que percorre todo o livro, será retomado na conclusão (55,12-13).

A Bíblia do Peregrino (p. 1775) comenta: O primeiro oráculo tem algo de abertura, com vários temas principais: consolo de Jerusalém em figura feminina (1-2); o novo êxodo (3-5); a palavra se cumprirá (6-8); o Senhor chega como pastor (9-10). Soam vozes não identificadas, criando a impressão de algo misterioso e repentino.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 666) comenta: Os onze primeiros vv. do cap. 40 constituem um prólogo de várias vozes: voz do profeta a seus irmãos (vv. 1-2), voz de um arauto (vv. 3-5), voz de outros mensageiros (vv. 6-8), voz de Jerusalém que recebe a mensagem deles e a transmite às cidades do interior (vv. 9-11).

Consolai o meu povo, consolai-o!- diz o vosso Deus.Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta vozque sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida;ela recebeu das mãos do Senhor o dobro por todos os seus pecados (vv. 1-2).

Deus manda dizer uma mensagem de consolação e falar ao coração de Jerusalém (dos judeus exilados) de modo persuasivo ou cortejando (cf.Gn 34,2; 50,21; Jz 19,3; Rt 2,13; Os 2,16), como para responder aos gemidos das Lm1,2.9.16-21; 2,13.

O termo “consolar” voltará 16 vezes (9 vezes em Deutero-Isaías, caps. 40-55; 7 vezes em Trito-Isaías, caps. 56-66) e rendeu a esta segunda parte do livro de Is é “Livro da consolação”. A “consolação” (lit. permitir soltar um profundo suspiro de alívio) é, com efeito, o principal tema desta parte destes capítulos, contrastando com os oráculos muitas vezes ameaçadores dos caps. 1-39.“Falar ao coração” (8 vezes no AT, duas com o verbo consolar/confortar: Gn 50,21; Rt 2,13; cf. Os 2,16). Este apelo se dirige às faculdades interiores como razão e vontade, não apenas aos sentimentos (na Bíblia, o coração é o centro de pensamentos e decisões).

A “servidão”foi um trabalho forçado, consequências de um crime que agora está pago, inclusive com juros, porque o carrasco se excedeu. Jerusalém esteve a serviço de um mercenário ou de um escravo (os profetas vêem Deus dirigindo a história: os babilônios estavam a serviço do castigo de Deus).

“A expiação de suas culpas foi cumprida, ou: “seu castigo está saldado”; o termo hebraico designa o ato perverso e a pena que resulta dele (cf. Lv26,41.43). Jerusalém pagou sua falta em “dobro”, como um ladrão (cf. Ex22,3.6.8).

Grita uma voz:“Preparai no deserto o caminho do Senhor,aplainai na solidão a estrada de nosso Deus.Nivelem-se todos os vales,rebaixem-se todos os montes e colinas;endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas:a glória do Senhor então se manifestará,e todos os homens verão juntamente o que a boca do Senhor falou”(vv. 3-5).

De propósito, o profeta deixa anônima e misteriosa “uma voz”, que obedece à ordem do v. 2 “dizei em alta voz”),lit.: “Uma voz grita: ‘No deserto preparai…’”. A seita dos essênios leu aqui uma ordem de retirada para o deserto, onde construiu Qumran (perto do mar Morto). Os evangelistas do NT, citando esse texto na tradução grega (LXX), “voz do que clama no deserto”, aplicaram-no a João Batista, que foi ao deserto para anunciar a chegada próxima do Messias (cf. Mt 3,3p; Jo 1,23; cf. Ml 3,1.23s).

O caminho de volta será como um estrada ou avenida, não terá obstáculos nem tropeços, porque a terra se dobra com docilidade cósmica.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1421) comenta; Na cidade de Babilônia havia avenidas largas para procissões. Textos babilônicos falam em termos análogos de caminhos processionais ou triunfais preparados para um deus ou para o rei vitorioso. Trata-se aqui do caminho pelo qual Javé conduzirá seu povo pelo deserto, num novo êxodo. Já Is 10,25-27 evocara os prodígios do êxodo como penhor da proteção divina.Os profetas do exílio desenvolvem o tema. Como outrora, Deus virá salvar o seu povo (Jr 16,14-15; 31,2; Is 46,3-4 e 63,9 – que retomam Ex 19,4). O primeiro êxodo, com seus prodígios (Mq 7,14-15), a passagem do mar Vermelho (Is 11,15-16; 43,16-21; 51,10; 63,11-13), a água miraculosa (48,21), a nuvem luminosa (52,12; cf. 4,5s) e a marcha pelo deserto (vv. 3s; cf. Br 5,7-9), torna-se, ao mesmo tempo, o tipo e penhor do novo êxodo, da Babilônia para Jerusalém. – Sobre o tema do Êxodo, ver ainda Os 2,16.

A “glória do Senhor” se manifestou no êxodo (cf. Ex 14,17; 16,10; 24,16 etc.). A palavra traduzida por “glória” significa originalmente “peso” (43,4; 47,6); aqui Deus vai fazer sentir o peso da sua intervenção libertando Israel do exílio.

“Todos os homens verão juntamente” (lit.: “toda carne sem exceção”, advérbio que Deutero-Isaias repete 19 vezes para evocar movimentos maciços ou ações simultâneas), “o que a boca do Senhor” falou. Esta boca é o profeta (cf. 1,20; 30,2 Jr 9,11; Mq 4,4 etc.).Lc 3,6 cita a versão grega (LXX): “Toda carne verá a salvação de Deus” para salientar a salvação universal.

Dizia uma voz: “Grita!”E respondi: “O que devo gritar?”A criatura humana é feno,toda a sua glória é como flor do campo;seca o feno, murcha a florao soprar o Senhor sobre eles.Sim, o povo é feno.Seca o feno, murcha a flor,mas a palavra de nosso Deus fica para sempre(vv. 6-8).

Esta voz celeste (vv. 3.6) substitui as teofanias das vocações proféticas (Is 6,8-13; Jr 1,4-10; Ez 1-2), quiçá índice de um sentimento mais agudo da transcendência divina. Neste, como nos demais casos, o profeta pergunta, pede e obtém esclarecimento acerca da missão que lhe é confiada.

A voz protagonista proclama sua mensagem numa imagem simples. O homem (lit. “toda carne”, cf. v. 5) é comparado ao vegetal mais efêmero (Sl 90,6). Deus age com o sopro que vivifica (Gn 2,7; Jo 20,22) ou abrasa (2,12s) e com a palavra que se cumpre. 1Pd 2,24 cita esta frase: “A palavra do Senhor permanece para sempre”,e com esta citação, o papa Bento XVI começou sua exortação apostólica com o título Verbum Domini (2010).

Sobe a um alto monte,tu, que trazes a boa nova a Sião;levanta com força a tua voz,tu, que trazes a boa nova a Jerusalém,ergue a voz, não temas;dize às cidades de Judá:“Eis o vosso Deus,eis que o Senhor Deus vem com poder,seu braço tudo domina:eis, com ele, sua conquista,eis à sua frente a vitória.Como um pastor, ele apascenta o rebanho,reúne, com a força dos braços, os cordeirose carrega-os ao colo;ele mesmo tange as ovelhas-mães”(vv. 9-11).

O arauto deve anunciar uma “boa nova” a Sião (o morro de Jerusalém), ou Sião é convidada a ser “alegre mensageira” as suas cidades vizinhas de Judá. Em grego, o termo é traduzido por “evangelista”, ou seja, portador da boa notícia por excelência (cf. 41,27; 52,7; 60,6; 61,1).

O arauto vem pelo deserto anunciando a vinda próxima do Senhor (“eis que o Senhor vem com poder”), que ostenta o título da aliança (“vosso Deus”). O salário do patriarca Jacó ao regressar da Mesopotâmia (onde fica Babilônia) eram enormes rebanhos (Gn 31-32; 33,12-14). A imagem do pastor pode recordar Davi (Sl 78,71s), é o tema do bom pastor, enunciado por Jr 23,1-6, desenvolvido por Ez 34 e retomado por Jesus (evangelho de hoje: Mt 18,12-14p; cf. Jo 10,11-18).

 

Evangelho: Mt 18,12-14

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. Ouvimos na leitura sobre a alegria da volta (do exílio) em Is 40,11: “Como um pastor, ele apascenta o rebanho, reúne, com a força dos braços, os cordeiros e carrega-os ao colo.” Portanto, o evangelho nos apresenta Jesus falando do bom pastor na parábola da ovelha desgarrada.

O que vocês acham? Se um homem tem cem ovelhas, e uma delas se perde, será que ele não vai deixar as noventa e nove nas montanhas, para procurar aquela que se perdeu? Eu garanto a vocês: quando ele a encontra, fica muito mais feliz com ela, do que com as noventa e nove que não se perderam(vv. 12-13).

Mt encontrou esta parábola na fonte de palavras Q (cf. Lc 15,3-7). Por que alguém se extravia, isto é, se distancia da comunidade? Certamente por causa do escândalo (vv. 6-9), ou do desprezo daqueles que buscam poder e prestígio. Se por qualquer causa um membro se extraviou, a comunidade deve esforçar-se por recuperá-lo. A comparação da ovelha pode ser inspirada em Is 40,11; 53,6 e Ez 34,4.11-12.16; pode haver uma lembrança de Davi pastor (1Sm 17,34). Deus como bom pastor é motivo frequente (cf. Ez 34,11s; 20,34; Sl 23; 79,13; 95,7; 199,3; Is 40,11; cf. Mt 9,36; 15,24; 26,31; Jo 10). Aqui, Mt vê a comunidade como bom pastor. A comunidade inteira deve preocupar-se e procurar aquele que se extraviou. Ela se alegra quando ele volta para o seu meio, porque a vontade do Pai foi cumprida.

Enquanto Mt aplica esta parábola à responsabilidade dos chefes da Igreja em relação aos pequenos das suas comunidades, o paralelo de Lc 15,3-7 mostra Deus procurando o pecador e descreve uma alegria maior,“leva a ovelha nos ombros” (como em Is 40,11). Ela é apenas 1% da sua propriedade (do rebanho), mas o pastor alegra-se com uma alegria incontida e comunicativa, como se tivesse uma relação pessoal e não simplesmente econômica (cf. a parábola de Natã em 1Sm 12,1-4).

Do mesmo modo, o Pai que está no céu não quer que nenhum desses pequeninos se perca(v. 14).

O princípio de Ez 18,32 (“Eu não tenho prazer na morte de quem quer que seja,… Convertei-vos e vivereis”) se aplica de modo especial aos pequenos. Em seguida,Mtdiscursará sobre o trato com os pecadores: correção fraterna e oração em comum (vv. 18,15-20) e a questão do perdão sem limites (vv. 21-35).

O Papa Francisco nos convida para não ficarmos acomodados com os justos dentro da igreja, mas sairmos à procura de ovelhas nas periferias geográficas e existenciais, assim seremos “pastores com cheiro de ovelhas” (EG 24).

O site da CNBB comenta:Os tempos messiânicos são os tempos de misericórdia de Deus, de restauração da união entre o céu e a terra, tempos em que todos os que não estão participando ativamente do Reino de Deus são convidados a voltar e a viver a vida de amizade e intimidade com Deus. A vinda de Jesus ao mundo é a grande manifestação do Deus que ama todas as pessoas e vem ao seu encontro. Se a partir do pecado nos afastamos de Deus e do seu amor, a misericórdia de Deus vem ao nosso encontro de modo que, restaurados pela graça, não nos percamos, mas participemos da plenitude da vida divina.

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