06 de Janeiro de 2021, Quarta-feira – Natal – Semana da Epifania: Jesus foi até eles andando sobre as águas, e queria passar na frente deles (v. 48b).

Natal  – Semana da Epifania 4ª feira

Leitura: 1Jo 4,11-18

Na leitura de hoje, continuamos com o tema e as palavras preferidas de “amar” (dez vezes) e “permanecer” (seis vezes).

Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros (v. 11).

O comportamento de Deus para conosco (amor, perdão) é modelo das nossas relações recíprocas. Como Deus nos tratou (com amor, compaixão, perdão), nós devemos tratar uns aos outros (cf. Jo 13,34; 15,12; Mt 5,43-48; 18,33; Lc 6,36; Cl 3,12-14).

Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor é plenamente realizado entre nós. A prova de que permanecemos com ele, e ele conosco, é que ele nos deu o seu Espírito (vv. 12-13). 

A palavra “permanecer” está ligada à importância do amor e da união numa comunidade em crise (cf. 2,19-28; Jo 15). “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1,18; 6,46; cf. Ex 33,20 com Ex 24,10s; 33,11; Nm 12,8), expressão polêmica contra os adversários “espirituais” que se gabavam de conhecer a Deus por uma intuição direta (cf. Jo 3,13; 5,37; 6,46; 1Tm 6,16). A comunhão (1,3) e a visão (3,2) de Deus estão unidas à caridade (amor). Para os homens, a visão face a face está reservada à felicidade do céu (Mt 5,8; 1Cor 13,12). No amor mútuo, permanecemos em Deus e “ele permanece em nós através do Espírito que ele nos deu” (3,24).

E nós vimos, e damos testemunho, que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo.  Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus.  E nós conhecemos o amor que Deus tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor, permanece com Deus, e Deus permanece com ele (vv. 14-16).

Este dom do Espírito (v. 13), anunciado para os últimos tempos (Ez 36,27; 37,14; Jl 3,1-5; At 2,17-21.35) foi infundido nos corações (cf. Rm 5,5; 1Ts 4,8) e aí faz brotar a certeza íntima daquilo que os apóstolos (“testemunho” ocular: “nós vimos”, cf. 1,1-3) anunciam exteriormente (5,6s; cf. At 5,32). Trata se aqui do estado do ser “Filho de Deus” (Rm 8,15s; Gl 4,6).

Como sempre na carta de João, o dom do Espírito está ligado à fé (3,23s; 4,2s; 5,5-10): O Espírito inspira o “testemunho” (v. 14; 5,5; cf. Jo 4,42), a confissão de fé no seio da comunidade (v. 15; cf. Rm 10,9) e o conhecimento do amor de Deus (v. 16). “Nós conhecemos… e acreditamos nele” (v. 16): Fé e conhecimento não são idênticos, a fé desabrocha no conhecer (cf. Jo 6,69; 8,31-32; 10,38). Graças à sua fé, os cristãos conhecem doravante (3,16) o amor de Deus que se manifestou.

O autor apresenta mais uma vez a definição e identificação, “Deus é amor” (vv. 8.16; cf. o comentário da leitura de ontem), que resume toda Bíblia. Verdadeiro amor quer eternidade, portanto quer “permanecer”.

Nisto se realiza plenamente o seu amor para conosco: em nós termos plena confiança no dia do julgamento, porque, tal como Jesus, nós somos neste mundo. No amor não há temor. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, pois o temor implica castigo, e aquele que teme não chegou à perfeição do amor (vv. 17-18).

Pelo fato de que ama e permanece no amor (v. 16), o crente se assemelha a Jesus (que o transforma em sua imagem, cf. Gn 1,27), em que se manifestou o amor de Deus: “Tal como Jesus, nós somos neste mundo.” Esta semelhança lhe permite enfrentar o julgamento com toda a confiança (vv. 17-18; 3,18-21). O amor assume o elemento filial do temor religioso (Dt 6,2; Pr 1,7), mas exclui o temor servil, o medo de ser condenado por Deus (3,20) porque este deu em seu Filho tão grandes provas de amor (cf. Rm 8,14-17.31-39). A respeito da “perfeição do amor”, cf. 1Cor 12,31-13.13; Cl 3,14; Mt 5,48p; 22,34-40p).

Evangelho: Mc 6,45-52

O evangelho de hoje é a continuação do de ontem e narra outra epifania (manifestação do divino) depois da multiplicação dos pães.

Jesus obrigou os discípulos a entrarem na barca e irem na frente para Betsaida, na outra margem, enquanto ele despedia a multidão. Logo depois de se despedir deles, subiu ao monte para rezar (vv. 45-46).

Depois da multiplicação dos pães (cf. comentário de ontem), Jesus queria estar sozinho para rezar (cf. Jo 6,15), “obrigou os discípulos a entrarem na barca e irem … para outra margem” (v. 45; cf. 4,35). Coloca-os no meio do mar e aí os deixa sós enquanto ele “subiu ao monte para rezar” (v. 46; cf. 1,35; 3,13; 9,2). Moisés e Elias no monte Sinai assistiram uma teofania (Ex 19; 24; 33-34; 1Rs 19), Jesus fará sua manifestação (epifania, cristofania) em ação e palavra.

Ao anoitecer, a barca estava no meio do mar e Jesus sozinho em terra. Ele viu os discípulos cansados de remar, porque o vento era contrário (vv. 47-48a).

Em 4,35-41, Jesus estava com os discípulos no barco durante a tempestade e acalmou o mar e o vento. Mais uma vez agora, os discípulos têm que experimentar a oposição dos elementos, água e vento, e mais ainda a ausência do Senhor (cf. 1Rs 19,11).

Então, pelas três da madrugada, Jesus foi até eles andando sobre as águas, e queria passar na frente deles (v. 48b).

Quando se aproxima a aurora, hora do auxílio divino (cf. Ex 14,24.27; 2Rs 19,35; Sl. 90,14) por volta da quarta vigília da noite, entre 03 e 06h da manhã (cf. 13,35), Jesus foi até eles “andando sobre as águas”(v. 48). É próprio de Deus caminhar sobre as alturas do mar (Jó 9,8; cf. Sl 77,20; Eclo 24,55) e dominá-lo (cf. 4,41; Sl 65,8; 77,17; 89,10; 107,29). Jesus queria “passar na frente deles” (v. 48; cf. Lc 24,28), oferecendo as costas ao olhar (cf. a ”passagem” da glória de Deus diante de Moises e Elias em Ex 33,18-23; 34,6; 1Rs 19,11).

Quando os discípulos o viram andando sobre o mar, pensaram que era um fantasma e começaram a gritar. Com efeito, todos o tinham visto e ficaram assustados. Mas Jesus logo falou: “Coragem, sou eu! Não tenhais medo!” (vv. 49-50).

Os discípulos não são capazes ainda de reconhecê-lo (cf. Lc 24,16.31; Jo 20,15). Então Jesus se identifica: “Sou eu”; é a clássica frase da auto-apresentação de Deus “Javé” (Ex 3,14 em grego: “Eu sou aquele que sou”; Dt 32,39; Is 41,4; 43,10.13). Jesus aplica a si mesmo em Jo 8,24.28.58 (cf. Jo 18,5s). Sem ser tão explícito, Mc compreende esta narrativa como manifestação do ser secreto de Jesus, Filho de Deus (cf. 1,10; 9,2-7), daí a costumeira recomendação dos relatos de revelação sobrenatural: “Não tenhais medo” (v. 50; cf. 16,6; Mt 1,20; 17,7; 28,10; Lc 1,13.30; 2,10; Gn 15,1; 21,17; etc.).

Então subiu com eles na barca. E o vento cessou. Mas os discípulos ficaram ainda mais espantados, porque não tinham compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles estava endurecido (vv. 51-52).

Jesus “subiu com eles na barca e o vento cessou” (v. 51, cf. 4,39). Apesar dessa manifestação e da procedente dos pães, os discípulos continuam sem entender (v. 52, cf. 8,17-21).

Mc assimila a epifania dos pães à do mar porque em Jesus manifesta-se o poder libertador de Deus, que já no êxodo saciou seu povo no deserto (Ex 16) e dominou o vento e o mar (Ex 14) através de Moisés.

A barca simboliza a Igreja, a comunidade (em Mt 14,22-33, Jesus convida Pedro a caminhar também sobre as águas). Apesar de dificuldades, ventos e ondas contrários e da aparente ausência do Senhor, como ressuscitado, ele continua no meio de nós e nos salva (Jesus é Emanuel, cf. Mt 28,20).

O site da CNBB resume: Jesus, ao caminhar sobre as águas, revela aos seus discípulos que é Deus, isso porque, segundo as Escrituras, somente Deus pode caminhar sobre o mar. Podemos ver isso no livro de Jó: “Sozinho ele estende os céus e caminha sobre as alturas dos mares” (Jó 9, 8) e no livro dos Salmos: “No mar abriste o teu caminho, tua passagem nas águas profundas, e ninguém conseguiu conhecer os teus rastros” (Sl 76, 20). A revelação da divindade de Jesus continua na mesma passagem quando ele fala aos discípulos: “Coragem, sou eu! Não tenhais medo!”, atribuindo para si o mesmo nome que Deus atribuiu a si na passagem da sarça ardente, quando revela o seu nome a Moisés.

Voltar