06 de maio de 2017 – Terça-feira, 9ª semana

Leitura: Tb 2,9-14

A leitura de hoje continua a de ontem: Tobit é um israelita fiel na diáspora (fora da Palestina) e acabou de fazer mais uma obra de misericórdia. Mesmo sob ameaça do rei em Nínive, fez o sepultamento de um cadáver, encontrado na festa de Pentecostes, estrangulado na praça (vv. 3-8; cf. 1,17-20).

(Eu, Tobias, na noite de Pentecostes, depois de ter sepultado um morto), tomei banho, entrei no pátio de minha casa e deitei-me, junto à parede do pátio, deixando o rosto descoberto por causa do calor. Não sabia que, na parede, por cima de mim, havia pardais aninhados. Seu excremento quente caiu nos meus olhos e provocou manchas brancas. Fui procurar os médicos para me tratarem. Quanto mais remédios me aplicavam, mais meus olhos se obscureciam com as manchas, até que fiquei completamente cego. Durante quatro anos estive privado da vista (vv. 9-10b).

Para não profanar a festa (cf. Lv 23,21), o enterrou “na noite de Pentecostes” (vv. 1.7), isto é, já no outro dia (para os judeus, o dia começa com o brilho da primeira estrela na véspera). Após o contato com o cadáver, fez o ritual de purificação (vv. 5.9).

Ele narra na primeira pessoa (até 3,6): “Tomei banho, entrei no pátio de minha casa e deitei-me junto à parede, deixando o rosto descoberto por causa do calor. Não sabia que, na parede, por cima de mim, havia pardais aninhados. Seu excremento quente nos meus olhos e provocou manchas” (vv. 9-10). São manchas brancas sobre a córnea transparente do olho que podem acarretar cegueira. “Eu fui procurar os médicos para me tratarem. Quanto mais remédios me aplicavam, mais os meus olhos se obscureciam com as manhas, até que fiquei completamente cego. Durante quatro anos estive privado da vista” (v. 10; cf. o insucesso dos médicos em Mc 5,26). A tradição latina de S. Jerônimo (Vulgata) acrescenta aqui: “O Senhor permitiu que esta provação lhe sobreviesse, a fim de que a sua paciência fosse dada como exemplo à posteridade como a do santo Jó”.

Todos os meus irmãos se afligiram por minha causa. Aicar cuidou do meu sustento, durante dois anos, até que partiu para Elimaida. Naquela ocasião, Ana, minha mulher, dedicou-se a trabalhos femininos, tecendo lã. Entregava o produto aos patrões e estes lhe pagavam o salário (10c-12a).

Como Tobit era muito caridoso, estando numa situação assim tão terrível, “todos os meus irmãos se afligiram”. Aicar, seu sobrinho que tinha um alto cargo na corte do rei em Nínive, ajudou economicamente “durante dois anos até que partiu para Elmaida” (v. 10). Este personagem Aicar (cf. 1,22-22; 11,19; 14,10) é tomado de um antigo romance oriental (Sabedoria de Aicar), era ministro semi-lendário dos reis da Assíria. Fazendo deste herói assírio popular o sobrinho de Tobit, o autor se apropria de uma corrente sapiencial profana.

Além de viver em ambiente pagão, primeira grande provação, agora a doença lhe tira a capacidade de prover o próprio sustento e o da família. Se antes era humilhado pelos vizinhos, agora deverá também ouvir humilhações de sua própria mulher, Ana (cf. Jó 2,9). Depois de Aicar partir, ela assume as despesas de casa, com diversos tipos de trabalho. Fiar e tecer eram “trabalhos femininos” (v. 11) úteis e produtivos (segundo Pr 31,19.22.24). Mas viver a custa da mulher é humilhante (segundo a regra do Eclo 25,22).

No sétimo dia do mês de Distros, ela separou a peça de tecido que estava pronta, e mandou-a aos patrões. Estes pagaram-lhe todo o salário e ainda lhe deram um cabrito para a mesa. Quando entrou em minha casa, o cabrito começou a balar. Chamei minha mulher e perguntei-lhe: “De onde vem este cabrito? Não terá sido roubado? Devolve-o a seus donos, pois não temos o direito de comer coisa alguma roubada”. Ela respondeu-me: “É um presente que me foi dado além do salário”. Mas não acreditei nela e insisti que o devolvesse aos patrões, ficando bastante contrariado por causa disso. Ela então replicou: “Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas obras de justiça? Vê-se bem em ti o que elas são!” (vv. 12b-14).

No sétimo dia do mês de Distros (designação grega do mês de Nisan, então perto da festa da Páscoa, cf. Ex 12,1-5), os patrões satisfeitos com o trabalho da mulher pagaram “todo salário e ainda deram-lhe um cabrito para a mesa” (v. 12). Mas Tobit manda devolvê-lo, pensando que tenha sido roubado (v. 1; sobre objetos ou animais roubados legisla Ex 21,37-22,12). A reação de Tobit é a de um homem desconfiado, e sua insistência é irritante. Ainda que a cegueira o desculpe, não é exemplar a honradez própria que pensa mal dos outros. A reação de Ana é explicável e justificada. Por outro lado, o contra-ataque dela, desafiando o princípio da retribuição, a coloca ao lado da mulher de Jó que considera seu marido um réprobo a quem não adianta mais perseverar na piedade (Jó 2,9): “Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas obras de justiça? Vê-se bem em ti o que elas são!” (v. 14). Tobit era zeloso em fazer o bem, mas duvidando da bondade dos outros e achando que só ele era bom e justo, encontra-se agora não só na escuridão da cegueira, mas também da solidão. Que mais lhe resta? Rezar (cf. a súplica 3,1-6 no evangelho de amanhã).

Evangelho: Mc 12,13-17

Continuamos nas controvérsias de Jesus em Jerusalém, o lugar continua o templo, onde Jesus circulava (até 13,1).

(As autoridades) mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra. Quando chegaram, disseram a Jesus: “Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e não dás preferência a ninguém. Com efeito, tu não olhas para as aparências do homem, mas ensinas, com verdade, o caminho de Deus. Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” (vv. 13-14).

Depois da primeira derrota (11,27-12,12) dos representantes do sinédrio (“autoridades”, acrescenta o texto litúrgico), os adversários fazem outra tentativa. Os sumos sacerdotes não entram em ação no momento, mas “os fariseus e os herodianos”. Estes já conspiraram contra Jesus na Galileia (3,6), agora alguns deles são enviados pelas autoridades (sinédrio) “para apanharem Jesus em alguma palavra”. Elogiam com hipocrisia a veracidade e a imparcialidade do mestre (cf. Pr 29,5; 28,23; 26,23) e fazem uma pergunta: “É lícito ou não pagar o imposto a César?” (v. 14)

A pergunta é uma armadilha para desacreditar Jesus como colaboracionista dos romanos ou acusá-lo como revoltoso. Os fariseus aceitavam resignados o império romano e seus tributos como castigo divino que cessaria por ação do Messias. Os partidários de Herodes aceitavam e tiravam até proveito da situação atual. Fariseus e herodianos não costumam concordar entre si. Só se unem contra o inimigo comum (3,6). O partidarismo se condena e cega no julgamento (Pr 24,23; Jó 13,8.10; 32,21).

O tributo de César significava no campo econômico a submissão política ao imperador. Se Jesus responde “sim”, os fariseus o desacreditarão diante do povo: não seria um profeta; se ele diz “não”, os partidários de Herodes poderão acusá-lo de subversão.

Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: “Por que me tentais? Trazei-me uma moeda para que eu a veja.” Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?” Eles responderam: “É de César.” Então Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” E eles ficaram admirados com Jesus (vv. 15-17).

Jesus “percebe a hipocrisia deles” e antes de responder exige que lhe mostrem uma moeda. Os adversários levam uma moeda, fato que prova que eles mesmos fazem uso da moeda imperial, pior se acontece dentro da área sagrada do templo (11,27; 12,41; 13,1; 14,49), onde imagens de César não deveriam entrar. A moeda para pagar o imposto era o denário (moeda de prata que corresponde uma diária, cf. Mt 20,2). A imagem de César na moeda cunhada multiplicava sua presença e circulava na vida econômica cotidiana do país. Além disso, a moeda ostentava símbolos do culto imperial. Desde a época do rei persa Dario, as moedas eram um meio excelente de propaganda. Alexandre Magno começou a cunhar não só símbolos, mas um retrato idealizado do seu próprio rosto (os primeiros “santinhos” da política).

O retrato de César Tibério trazia uma inscrição que o identificava como “divi Augusti filius” (filho do divino Augusto). Para os judeus, a imagem de Deus era terminantemente proibida e a imagem de reis judeus tradicionais nunca foi usada em moeda (foi usada pelos Asmoneus e pela família de Herodes). A única imagem de Deus é o homem (cf. Gn 1,26s).

“Jesus perguntou: ‘De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?’ Eles responderam: ‘De César.’ Então Jesus disse: ‘Pois devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.’” (vv. 16-17). Eles disseram “pagar” (v. 14), Jesus responde “devolver” (cf. a devolução do dízimo).

A frase de Jesus, por sua forma lapidar e amplidão indiferenciada, tornou-se proverbial e aplicável a múltiplas situações. Mas Jesus não discute a questão do imposto. Ele se preocupa é com o povo: a moeda é “de César”, mas o povo é “de Deus”. O imposto só é justo quando se reverte em benefício do bem comum. Jesus não é revolucionário igual aos zelotas que faziam ataques terroristas contra o império romano, nem quer justificar qualquer submissão ao sistema vigente.

Jesus aceita o imposto e o imperador, mas ao mesmo tempo os coloca dentro dos limites. Deus é mais do que o imperador, se houver concorrência ou conflito entre os poderes político e divino, há de decidir em favor de Deus (At 4,19; 5,29; cf. o livro do Ap que apresenta o imperador como besta-fera porque persegue os cristãos).

A frase de Jesus incentiva a cidadania e permite uma secularização sadia, ou seja, certa independência de assuntos políticos, econômicos, culturais… (cf. Concílio Vaticano a chama “justa autonomia das realidades terrestres”, GS 36).  A “separação de estado e igreja” não pode ser total, porque os fiéis da igreja também são cidadãos. Mas a falta desta separação se pode lamentar nos estados islâmicos onde não há tolerância. No Brasil atual se pode aplicar a frase de Jesus assim: O estado é laico, mas o povo é religioso.

O site da CNBB comenta: Dois pontos nos são sugeridos pelo Evangelho de hoje. O primeiro é: por que nos aproximamos de Jesus? Condenamos as autoridades porque mandaram pessoas até Jesus para o apanharem em alguma palavra, mas muitas vezes nos aproximamos de Jesus para a satisfação de nossos interesses pessoais e não para o encontro pessoal com aquele que é nosso Deus e que nos ama com amor eterno. O segundo é: dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, o que significa que César deve dar a Deus o que é de Deus, de modo que Jesus nos mostra também as responsabilidades dos dirigentes das nações em relação a Deus e nós devemos cobrar isso deles.

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