06 de setembro de 2017 – Quarta-feira, 22ª semana

Leitura: Cl 1,1-8

Hoje ouvimos o início da carta aos Colossenses. As cartas Fl, Fm, Ef e Cl são chamadas “cartas do cativeiro” porque foram escritas na prisão (4,4.10.18), em Éfeso (56-57) ou em Roma (60-64). Embora o autor da carta de Cl afirme ser Paulo (1,1; 4,18), muitos biblistas atribuem a autoria da carta a um discípulo dele, talvez Epafras (v. 7).

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossos: graça e paz da parte de Deus nosso Pai (vv. 1-2).

No esquema comum da época, as cartas começam assim: o remetente se apresenta, saúda os destinatários e deseja paz.

Conforme seu costume, Paulo se apresenta como “apóstolo” (“por vontade de Deus”, cf. v. 9) e junto com seu companheiro Timóteo (At 16,1-3), chamado de “irmão” (2Cor 1,1a; diferente em 1Ts 1,1; 2,7).

Faz-se a saudação grega e hebraica combinada: “Graça” (grega) e “Paz” (hebraica), só com o acréscimo cristão: “da parte de Deus nosso Pai”.

Os destinatários são caracterizados como “santos e fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossas”. Em outras cartas, “santos” é um substantivo (Rm 1,7; 1Cor 1,2; 2Cor 1,1; Fl 1,1; Ef 1,1). No AT, Israel é um povo “santo” (Ex 19,6), mas “os santos” pode ser uma referência à assembleia celestial (Sl 89,6: Zc 14,5). Os membros da comunidade de Qumran se designavam como “os santos”. A expressão “em Cristo” expressa a união do fiel com Cristo em muitos níveis, é um tema importante em Cl (1,4.14.16.1.7.19.28; 2,3.6.7.9.10.11.12; 3,18.20; 4,7).

O clima da vida cristã na comunidade deve ser o de uma família, onde todos são “irmãos” junto com Cristo, tendo Deus como Pai (Rm 8,14-16; Gl 3,25; cf. Mc 3,35p; Mt 23,8s etc.). É claro que com isso Paulo se dirige também às irmãs (cf. 3,18).

Damos graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, sempre rezando por vós, pois ouvimos acerca da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que mostrais para com todos os santos, animados pela esperança na posse do céu (vv. 3-5a).

Em várias cartas Paulo segue dando graças pelas três virtudes teologais desenvolvidas na comunidade: fé, caridade/amor e esperança (vv. 3-5; 1Ts 1,2-3; 5,8; cf. Rm 5,1-5; 1Cor 13,13; Gl 5,5s; Fm 4-5).

A vida cristã nasce do compromisso da “fé em Cristo” (cf. 2,5.7), que significa aceitar a vida e ação de Jesus e continuá-la entre os homens. Em 1,23, a fé é condição para ser apresentado santo e irrepreensível diante de Cristo, e em 2,12 é um meio pelo qual os fieis foram ressuscitados com Cristo.

O “amor” (agape) é a realização prática desse testemunho, através da partilha dos bens e da fraternidade, que concretizam o Reino de Deus no dia-a-dia da história e mantém o Corpo de Cristo unido (1,4.8.; 2,2; 3,14)

A “esperança” é o dinamismo que nasce do amor, alimentando a vida cristã, voltada para o futuro do Reino de Deus, isto é, para a realização plena da vida “na posse do céu” (cf. vv. 23.27; Rm 8,24).

Disso já ouvistes falar no Evangelho, cuja palavra de verdade chegou até vós. E como no mundo inteiro, assim também entre vós ela está produzindo frutos e se desenvolve desde o dia em que ouvistes a graça divina e conhecestes verdadeiramente. Assim aprendestes de Epafras, nosso estimado companheiro, que é junto de vós um autêntico mensageiro de Cristo. Foi ele quem nos deu notícia sobre o amor que o Espírito suscitou em vós vv. 5b-8).

Pelo que diz a carta, a comunidade de Colossas, a 200 km a leste de Éfeso na Ásia menor (atual Turquia) não foi fundada nem visitada por Paulo (cf. 1,4.9; 2,1), mas a “o evangelho, cuja palavra da verdade” chegou lá através de Epafras, um discípulo de Paulo (1,7; 4,12) que estava preso com ele (Fm 23), provavelmente em Éfeso (cf. At 19-20). O ministério de Epafras é subordinado e legitimado pelo apóstolo, assim ele está incluído numa linha de sucessão apostólica, questão de crescente preocupação no fim do séc. I e durante todo o séc. II.

Embora o autor da carta afirme ser Paulo (1,1; 4,18), muitos biblistas consideram as duas cartas Cl e Ef (Ef depende de Cl e a amplia) seriam “deuteropaulinas”, ou seja, teriam sido escritos mais tarde, na segunda geração cristã por discípulos de Paulo, por volta de 80 a 90 d.C. Este costume de época chama-se pseudepigrafia, ou seja, discípulos escrevendo em nome do seu mestre (já em Isaías vemos três etapas/autores diferentes: Is 1-39; 40-55; 56-66), não para falsificar, mas para homenagear e dar continuidade espiritual.

A opinião de Cl ser uma carta deuteropaulina baseia-se nas observações seguintes: Em Cl, o estilo e vocabulário são diferentes das sete cartas autênticas de Paulo (Rm, 1-2Cor; Gl; Fl; 1Ts; Fm). Também a descrição de uma igreja mais universal e estruturada em que o Evangelho produz fruto já “no mundo inteiro” (v. 6) indica um período posterior ao pioneiro Paulo. Portanto, a carta aos Colossenses poderia ser escrita pelo próprio Epafras (ou alguém do seu grupo) para demonstrar a “autenticidade” (cf. v. 7) da doutrina apostólica, com a qual se pretende refutar doutrinas alheias que estavam ameaçando a fé da comunidade.

 

Evangelho: Lc 4,38-44

Seguindo o evangelho mais velho, Marcos (Mc 1,21-39), Lucas narra as curas de Jesus num dia de sábado na cidade de Cafarnaum: primeiro um homem no espaço público (o exorcismo na sinagoga, cf. evangelho de ontem), depois uma mulher em casa (a sogra de Pedro) e ainda atende os demais doentes.

Jesus saiu da sinagoga e entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava sofrendo com febre alta, e pediram a Jesus em favor dela. Inclinando-se sobre ela, Jesus ameaçou a febre, e a febre a deixou. Imediatamente, ela se levantou e começou a servi-los (vv. 38-39).

O evangelho de hoje começa com a cura da sogra de Pedro, “na casa de Simão”. “Simão” aparece aqui pela primeira vez em Lc, porque ainda não foi chamado para seguir Jesus. Lc contará a vocação de Pedro em seguida (5,1-11; evangelho de amanhã). Pela menção da sogra podemos concluir que Simão Pedro era casado. Mas nenhum dos evangelhos falam da esposa dele. A tradição vê nele um viúvo (padroeiro dos viúvos). Paulo menciona em 1Cor 9,5 uma “irmã mulher” na companhia de Cefas (nome hebraico que significa Pedro). Trata-se de uma esposa (Lc 18,28s) ou uma das mulheres que davam assistência (cf. Lc 8,2s)?

O milagre da cura da sogra de Pedro é tão pequeno que corre o risco de passar despercebido. Para o início do ministério público do messias, esperava-se algo mais espetacular. Lc, porém, tem apreço pelos idosos (cf. Lc 1-2: Zacarias e Isabel, Simeão e Ana). Em Lc, a doença é mais grave, porque a febre é “alta” (cf. Mc 1,30).

Aqui em Lc, Jesus, “inclinando-se sobre ela”, cura pela palavra (cf. 7,1-10p) em vez de tomar ou tocar pela mão (v. 40; Mt 8,15; Mc 1,31). Lc acrescentou ao relato de Mc que Jesus “ameaçou” a febre (v. 39; cf. vv. 35.41). Isto mostra mais uma vez que a medicina antiga considerava espíritos maus/demônios como causas de muitas doenças. A pequenez do milagre, contudo, nos obriga a refletir sobre o seu significado. E o significado está na última palavra da breve narração: “começou a servi-los” (v. 39). É a chave de interpretação de todos os milagres. Somos libertados do mal para servir, fazendo o bem.

Os relatos de cura na época seguiam certo roteiro: aproximação, sintomas, gesto e/ou palavra do taumaturgo (aquele que faz milagres), demonstração da saúde recuperada, aclamação do povo. Aqui a aclamação do povo é substituída pela reação seguinte: trazer mais doentes (v. 40).

Ao pôr do sol, todos os que tinham doentes atingidos por diversos males, os levaram a Jesus. Jesus colocava as mãos em cada um deles e os curava (v. 40).

Jesus ainda atende os demais doentes depois do “pôr do sol”, isto é, depois do sábado (para os judeus, o dia seguinte já começa na véspera, com o brilho da primeira estrela; cf. Mc 16,1). Então, passado o sábado (feriado prescrito), é permitido retomar o trabalho (carregar os doentes, curar). Desta vez, Jesus cura colocando as mãos em cada enfermo (cf. Mc 1,32).

De muitas pessoas também saíam demônios, gritando: “Tu és o Filho de Deus.” Jesus os ameaçava, e não os deixava falar, porque sabiam que ele era o Messias (v. 41).

Ao contrário de Mc, Lc classifica os possessos entre os enfermos (cf. v. 39; 11,14; 13,11; At 10,38; 19,12). Mas seguindo Mc, apresenta aqui o segredo do messias (a ordem de Jesus de não divulgar seus milagres e sua identidade de messias antes da ressurreição, cf. Mc 9,9) que Mc tem empregado tantas vezes para evitar o mal-entendido de um messias nacionalista e guerreiro. Os espíritos, bons ou ruins, sabem mais do que os homens, sabem desde já que Jesus é o “Filho de Deus” (cf. vv. 3.9.34p; 8,28 e 1,32.35; 3,22), o “Messias” (cf. 1,32s; 2,11.26; 9,20. Nestes gritos dos demônios, Lc mesclou Mc 1,34 e Mc 3,11.

Ao raiar do dia, Jesus saiu, e foi para um lugar deserto. As multidões o procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo que os deixasse. Mas Jesus disse: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado.” E pregava nas sinagogas da Judéia (vv. 42-44).

Jesus se retira da multidão para estar com o Pai na oração de madrugada. A missão de Jesus não é ser um médico de sucesso, mas ele foi “enviado para anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades”. A “Boa Nova do Reino de Deus” (cf. Mc 1,14s; evangelho = boa notícia) é o amor de Deus que provoca a transformação radical das estruturas que escravizam os homens. Para anunciá-la, Jesus vai ao encontro daqueles que ainda não a conhecem.

Jesus pregava não só na Galileia (Mc 1,39), mas na “Judeia” (v. 44) que era na língua dos gregos todo território dos judeus no séc. I. Neste sentido, Lc usa o termo também em 1,5; 6,17; 23,5; At 10,37. Os próprios judeus, porém, designavam por Judeia somente a parte sul da Palestina, em oposição à parte norte, a Galileia (assim Lc em 3,1; 5,17; At 9,31).

O site da CNBB comenta: Por que as pessoas procuram a religião? A maioria das pessoas que procuram a religião o faz por motivos egoístas, procuram a Deus para fazer dele seu servidor, querem proteção, saúde, sucesso econômico, profissional, social ou afetivo, ou fogem do medo do desconhecido, do sobrenatural ou da própria morte. Devemos procurar na religião um relacionamento pessoal e amoroso com o próprio Deus, para que possamos servi-lo amando os nossos irmãos e irmãs. Para isso, precisamos conhecer o Evangelho, no qual Jesus anuncia a boa nova do Reino de Deus. A partir do conhecimento do Evangelho, vamos nos sentir apelados por Deus para a vivência concreta do amor e, a partir de uma resposta positiva a esse apelo, teremos um relacionamento maduro e amoroso com Deus.

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