07 de setembro de 2017 – Quinta-feira, 22ª semana 5ª feira

Leitura: Cl 1,9-14

Na leitura de hoje, o autor da carta, Paulo ou um discípulo dele (talvez Epafras, cf. v. 7 e introdução da carta no comentário de ontem) reza pelo que é mais necessário para a situação em que os colossenses estão vivendo. Uma comunidade, rica de fé, de esperança e de caridade (vv. 4s), pode conhecer o mistério de Deus que em Cristo que esconde tesouros de inteligência e sabedoria.

Desde que recebemos essas notícias, não deixamos de rezar insistentemente por vós, para que chegueis a conhecer plenamente a vontade de Deus, com toda a sabedoria e com o discernimento da luz do Espírito. Pois deveis levar uma vida digna do Senhor, para lhe serdes agradáveis em tudo (vv. 9-10a).

“Desde que recebemos essas notícias”; em vv. 7s, Epafras tem informado Paulo sobre a comunidade e Paulo continua interceder por ela.

O vocabulário e sapiencial: A ”vontade de Deus” se manifestou na vida e ação de Jesus Cristo, e o “conhecimento dessa vontade” é a “sabedoria” que leva os cristãos a viver com “discernimento da luz do Espírito”, crítico diante das situações, para “frutificar” em boas obras e “agradar” (cf. Ef 1,15-19; 2,10; Is 11,2; Br 4,4; Lc 12,27; Is 5,1-7; Jo 15,16). Os três termos hebraicos correspondentes por “conhecimento, discernimento, sabedoria” encontram-se frequentemente na literatura da seite de Qumran, onde estão relacionados com a revelação de mistérios.

Deveis produzir frutos em toda boa obra e crescer no conhecimento de Deus, animados de muita força, pelo poder de sua glória, de muita paciência e constância (vv. 10a-11).

Esse discernimento capacita os fiéis, fortalecendo-os (“de muita força, … de muita paciência e constância”) para resistir ativamente ao que é possível enfrentar e, passivamente, ao que é inevitável suportar.

Com alegria dai graças ao Pai, que vos tornou capazes de participar da luz, que é a herança dos santos. Ele nos libertou do poder das trevas e nos recebeu no reino de seu Filho amado, por quem temos a redenção, o perdão dos pecados (vv. 12-14).

O esquema básico do êxodo, repetido inúmeras vezes no AT, se articula em duas fases: tirar de, levar ou introduzir em. Do Egito a Canaã, da Babilônia à pátria etc.. Cristo nos “libertou” (tirou, arrancou) “do poder das trevas”, i. é. “a redenção, o perdão dos pecados” (esta expressão não ocorre nas cartas indiscutivelmente paulinas, cf. Mt 26,28; Ef 1,7; Hb 9,22; 10,18).

“Trevas” para o judeu não é simples ignorância, escuridão mental, mas significa a morte, inclusive o não ser (cf. Jó 3). Seu oposto, a “luz”, é a vida; ver a luz é viver (Jo 3,21). O reino de Cristo é reino de Luz. Ao esquema binário básico acrescentam-se dois elementos tradicionais: o resgate de escravos (Ex 6,6; 15,13) e a partilha da terra. O resgate é agora o “perdão”, e partilhar a terra é “partilhar a sorte” (terminologia do livro de Josué).

A visão é inteiramente comunitária, não individualista. Os vv. 12-14 têm um paralelo notável em At 26,18: o poder das trevas, a transferência de um reino para outro, a herança, o perdão dos pecados, a entrada na sociedade dos santos. A “herança dos santos” é a salvação antes reservada a Israel (Ex 19,6; Dn 7,18), para a qual são agora chamados os gentios (Ef 1,11-13.18; 1Pd 2,5.9; Rm 1,7). Os “santos” designam ou os cristãos chamados desde este mundo a viver na luz da salvação (Rm 6,19; 13,11-12; cf. At 9,13), ou os anjos que vivem com Deus na luz escatológica (Jó 5,1; Mc 8,38p; Jd 14; Ap 14,10).

A expressão “Filho amado (filho do seu amor)” lembra o batismo e a transfiguração de Jesus (Mc 1,11; 9,5; cf. 12,6); é o título no hino de Ef 1,6.

A mudança de “vós” (v. 12) para “nos” (v. 13s) sinaliza o uso de material litúrgico e prepara o hino que se segue (vv. 15-20; leitura de amanhã).

Evangelho: Lc 5,1-11

No Evangelho de Lucas, Jesus agiu sozinho até agora, no território da Galileia. Daí para frente vai alargar seu campo de ação e rodear-se de colaboradores. Nesta vocação de Pedro, Lc não se contenta em contar sucintamente chamada e resposta (como no relato mais antigo que serve como fonte: Mc 1,16-20), mas narra de modo que apareça como projeção antecipada do que será a missão apostólica da Igreja.

Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.  Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões (vv. 1-3).

No texto original está escrito “um certo dia”, que a liturgia substituiu pelo costumeiro “naquele tempo”. Cafarnaum é uma cidade na beira do “lago de Genesaré”, chamado também mar da Galileia ou mar de Tiberíades (Mc 1,20 etc.; Jo 6,1; 21,1). O primeiro chamado tem como cenário as multidões; no entanto, Jesus se afasta para expor-lhes “a palavra de Deus”, fórmula que a liturgia popularizou e que designa a mensagem evangélica. Conforme o costume dos mestres da época, Jesus ensina sentado (cf. Mt 5,1s). O pescador oferece sua barca como plataforma ou tribuna para o mestre (Mc 4,1p). O ofício empírico de pescador será o objeto do prodígio e a imagem do novo ofício, “pescador de homens” (v. 10; em outro sentido Jr 16,16 e Hab 1,14).

Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem (vv. 4-7).

Pedro experimenta seu fracasso humano e seu êxito ao obedecer a Jesus; suas palavras, entre reticentes e confiantes, expressam estima e respeito: “em atenção à tua palavra (já que o dizes)”. Efetivamente, a ordem de Jesus compensa fadigas e transborda em expectativas.

Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. (vv. 8-10a).

Em quase todas as vocações há uma objeção. Aqui Pedro tem de descobrir sua condição pecadora revelada pela presença e atuação de Jesus, o Santo (cf. 1,35; 4,34p; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7), e como pano de fundo do chamado, de modo semelhante a Isaías, “eu, homem de lábios impuros” (Is 6,5) e como o salmista confessa: “Puseste nossas culpas diante de ti, nossos segredos à luz do teu olhar” (Sl 90,8).

Como pecador, sente que Jesus deve afastar-se do seu contato; mas o chamado pede mais, como que uma reconciliação (cf. depois da ressurreição em Jo 21). Simão “cai aos pés” de Jesus (v. 8), e Lc já escreve o nome oficial de “Simão Pedro”! Este apelido será imposto só em 6,14 (cf. Mc 3,16; Mt 16,18; Jo 1,42; 1Cor 15,5).

Ao final da cena se acrescentam os sócios do outro barco (v. 7), os dois irmãos Thiago e João (6,14; 9,54; Mc 1,19s; 3,17; 10,35-41; At 1,13; 12,2) que formarão o trio dos apóstolos mais íntimos (cf. 6,14; 8,51p; 9,28; Mc 13,3; 14,33; Gl 2,9; cf. Pedro e João em 22,8; At 3,1ss; 4,13ss; 8,14). O irmão de Pedro, André, não é nomeado, porque está no barco de Simão (cf. os plurais em vv. 5.6.7).

Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens.” Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus (vv. 10b-11).

“Não tenhas medo”, esta frase faz parte de muitas vocações e encontros com o divino (cf. Gn 15,1; 21,17; 26,24; 46,3; Jz 6,23; Jr 1,8.17; Mc 6,50p; 16,6p; Mt 1,20; Lc 1,13.30; 2,10; 5,10 etc.).

Pescar é imagem de apostolado, como será depois o pastoreio; o pescador vive em mais contato com a natureza, está mais exposto ao acaso dos elementos e à sorte do trabalho. A abundância da pesca pode simbolizar para a comunidade a expansão da Igreja (para todo tipo de peixes, ou seja, para todos os povos; cf. Jo 21,11; Mt 28,19). Simão é o primeiro apóstolo (cf. 6,14p; At 1,13 etc.), chamado a ser “pescador de homens” (em outro sentido Jr 16,16 e Hab 1,14). Pedro e seus sócios respondem ao chamado com o seguimento imediato e incondicional (18,28; cf. 5,28; 9,57-61). Hoje, somos nós os chamados a lançar as redes em águas mais profundas e fazer nossa experiência com Jesus juntos com outros companheiros no dia a dia.

O site da CNBB comenta: Um dos elementos mais importantes do cristianismo é a vida comunitária. Para quem é cristão, não existe lugar para o individualismo. Jesus nos mostra isso quando não realiza sozinho a sua missão, mas chama os apóstolos para participarem ativamente dela. Para o apostolado, Jesus não chama os melhores do ponto de vista da economia, da sociedade ou mesmo os mais santos; Jesus chama a todos, sem fazer qualquer tipo de distinção entre as pessoas. Assim, nos mostra que na atuação pastoral, devemos nos preocupar não simplesmente em fazer o trabalho, mas sim em envolver todas as pessoas, para que a atuação pastoral seja comunitária e revele este importante valor do Evangelho.

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