08 de fevereiro de 2017 – Quarta-feira, 5ª semana

 

Leitura: Gn 2,4b-9.15-17

Ouvimos hoje o início de outra narrativa da criação (num estilo bem diferente da anterior do cap. 1 que era da fonte sacerdotal, cf. leituras de 2ª e 3ª feira). O homem é modelado do pó da terra; ele é a primeira obra e participa da criação, cultivando, cuidando do jardim Éden. Depois (cf. leitura da amanhã) Deus cria os animais, aos quais o homem dá nomes, e a mulher é modelada só no final, de modo todo especial, completando o jardim. O relato não fala nem de dias nem do sábado, menciona plantas e animais, mas é uma narrativa sobre a “origem dos seres humanos”. Javé Deus age como oleiro, modelando os seres vivos a partir do solo (vv. 7.19; cf. Is 29,16; 45,9; 64,7; Jr 18,1-9; Rm 9,20-21), e como agricultor, plantando um jardim (v. 8; cf. Sl 80,9-16; Is 5,2-7; Jr 2,21).

Desde o início do séc. 20 era comum atribuir esta narração à uma fonte chamada “javista”, porque usa o nome de Deus Yhwh (cf. Ex 3,14), em português “Javé” (Bíblia Pastoral) ou “Iahweh” (Bíblia de Jerusalém), ou traduzido por “o Senhor” (já na versão grega da LXX e na maioria das edições como também em nossa liturgia”. O javista teria reunido tradições orais da sabedoria popular durante o reinado de Davi ou Salomão, mas escavações arqueológicas mostraram que no tempo de Davi (séc. 10 a.C.) Jerusalém ainda era um povoado pequeno e nem se conhecia a palavra “escriba”. Hoje não se supõe mais uma própria redação javista, porque as narrações atribuídas a ela não apresentam uma sequência coerente e paralela igual à redação sacerdotal durante todo o Pentateuco.

A Bíblia de Jerusalém (p. 33s) comenta a seção 2,4b-3,24: Não é, como se diz frequentemente, uma “segunda narrativa da criação”, seguida de uma “narrativa da queda”; são duas narrativas combinadas que utilizam tradições diversas: uma narrativa da criação do homem, distinta da criação do mundo e que só completa com a criação da mulher e com o aparecimento do primeiro casal humano (2,4b-8.18-24), e uma narrativa do paraíso perdido, da queda e do castigo, a qual começa em 2,9-17 e continua em 3,1-24.

A Bíblia do Peregrino (p. 18) comenta: O estilo difere totalmente do procedente. O autor consegue sintetizar a impressão de um mundo fantástico, primigênio, com notável grandeza psicológica. É obra literária madura, provavelmente tardia (anteriormente, se costuma atribuir ao Javista e situar no século X). Vejam-se alguns dos motivos mitológicos em Ez 28,1-19.

Outros exegetas consideram Gn 2 anterior a Gn 1, porque apresenta Javé Deus de forma mais rústica: Ele cria não apenas através da palavra (como rei ou intelectual em Gn 1), mas como agricultor, plantando um jardim (v. 8), com mãos de artesão (oleiro) modela Adão e os animais (vv. 7.19), e com mãos de anestesista e cirurgião forma a Eva (vv. 21-22); ainda atua como alfaiate depois da queda da casal (3,21). Não se fala de dias nem do sábado como na redação sacerdotal de Gn 1.

Também a sequência da criação é diferente: em Gn 1, primeiro as plantas, depois os animais, ao final o casal humano; em Gn 2, primeiro o homem, depois as plantas (jardim), os animais e ao final só a mulher. Estas diferenças entre os dois relatos mostram que a Bíblia não pretende dar explicações científicas. Se fosse ciência, precisaria unificar os dois relatos numa única teoria com coerência lógica. Mas o relato bíblico é mais poesia, menos lógico, mais psicológico (sonho, mito).

O autor não se baseia em observação científica, mas na associação da língua hebraica: Adão (adam em hebraico significa simplesmente homem, ser humano) foi criado a partir da argila (adamáh é a terra vermelha, cultivável).

No dia em que o Senhor fez a terra e o céu, ainda não havia nenhum arbusto do campo sobre a terra, e ainda nenhuma erva do campo tinha brotado, porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, e nem existia homem para cultivar o solo. Mas uma fonte brotava da terra, e lhe regava toda a superfície (vv. 4b-6).

Enquanto o primeiro relato da criação (1,1-2,4ª) pertence à tradição “sacerdotal” que escreveu durante o exílio babilônico (586-538 a.C.; usando apenas o termo hebraico Elohim – “Deus”), o segundo relato (2,4b-25) era atribuído à tradição “javista” porque empregou o nome Yhwh – “Javé”, traduzido comumente por “Senhor”. Este nome encerra os verbos ser, existir, viver (Ex 3,14), e convoca aqui para estabelecer relações que garantam a vida para todas as pessoas e para todos os seres vivos e ecossistemas da natureza. O nome falta totalmente na tradição sacerdotal de Gn 1, porque o nome Javé já tinha se tornado tal sagrado, que não se pronunciava mais (cf. Ex 20,7; só uma vez por ano, no dia da expiação, o sumo sacerdote pronunciava este nome no templo; cf. Eclo 50,20; Lv 16; Hb 9,7), mas foi substituído (na fala) por Adonai= “Senhor” (“Jeová” é uma mistura atrapalhada desses dois termos, das consoantes de Javé e das vogais de Adonai).

A obra começa na terra seca. O “arbusto do campo” é a planta isolada, sinal de vida num solo ainda não-cultivado. Apesar de ter elementos da mitologia de povos vizinhos (árvores; jardim; rios), esta narrativa deve ter sido elaborada na região semidesértica de Israel.

A fertilidade da terra vem da chuva ou de poços (ou de canais de irrigação, cf. os quatro rios nos vv. 10-14, omitidos na leitura de hoje). Em Dt 11,10-12, compara-se as terras do Egito e de Israel. Ainda não havia chuva (só no dilúvio começa), mas uma “fonte” (fluxo) que brotava e regava

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 26) comenta: Há duas maneiras de imaginar este fluxo que brotava e regava: ou ele evoca o oceano primordial das cosmogonias antigas, donde emerge uma terra barrenta, ainda indistinta, ou ele aparece como um primeiro dom de Deus, que prepara uma terra seca e árida para formar o homem e fazer germinar a vida.

Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente (v. 7).

O autor se inspira na própria língua hebraica: O homem (‘adam, com o artigo que o hebr. antepõe aos nomes comuns) é tirado do solo (‘adamah), do qual depende a vida dele (cf. 3,19). Este nome coletivo vai se tornar o nome próprio do primeiro ser humano, Adão (cf. 4,25; 5,1.3).

Javé Deus trabalha à maneira de oleiro, não com a mera palavra (vv. 7.19; Is 29,16; 45,9; 64,7; Sl 33,15; 94,9; Tb 8,6; Jr 18,1-9; Rm 9,20-21). No Egito, conhecia-se o gesto do deus oleiro Hnum, que modelava segundo os seus contornos. Javé Deus “formou o homem do pó da terra” (para onde este voltará depois da queda cf. 3,19; Jó 10,8-11).

Seu alento é princípio de vida (Is 42,5; Zc 12,2b); não produz apenas uma imagem (cf. o fabricador de ídolos em Sb 15-7-11), mas transforma a estátua de argila em ser vivo. “Ser vivente” traduz aqui o vocábulo nefesh, que designa o ser animado por um sopro vital (manifestado também pelo “espírito”, ruah: 6,17; Is 11,2; cf. Sl 6,5). “O sopro da vida” (neshama) anima a vida carnal do homem (cf. Pr 20,27; Jó 27,3; 34,14…); outros textos falam da nefesh (alma?), princípio vital que está na garganta (respiração) ou no sangue (9,4-5; Lv 17,11), ou ainda do “sopro” ou “atmosfera” (ruah, o ar em movimento), externo ao homem, embora seja necessário à vida e o homem possa assimilá-lo (cf. 6,3; Jó 27,3; 34,14; Sl 104,29-30).

Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e ali pôs o homem que havia formado (v. 8).

Começa com o movimento clássico de libertação, “tirar de… introduzir em…” (vv. 21-22). O primeiro homem é tirado da terra (v. 7) e levado para ser introduzido no parque expressamente plantado para ele (v. 8). Aqui Javé Deus age como agricultor, plantando um “jardim” (cf. Sl 80,9-16; Is 5,2-7; Jr 2,21).

O “Éden” é a estepe, mas evoca uma palavra hebraica que significa “prazer, delícia”: é um parque de recreação. A Bíblia de Jerusalém (p. 33) comenta: “Jardim” é traduzido por “paraíso”, na versão grega, e depois em toda a tradição. “Éden” é um nome geográfico que foge de qualquer localização, e inicialmente pode ter tido o significado de “estepe”. Mas os israelitas interpretam a palavra segundo o hebraico “delícias”, raiz ‘dn. A distinção entre Éden e o jardim, expressa aqui e no v. 10, se esfuma em seguida: fala-se do “jardim de Éden” (v. 15; 3,23.24). Em Ez 28,13 e 31,9, Éden é o “jardim de Deus”, e em Is 51,3, Éden, o “Jardim de Iahweh”, é o oposto ao deserto e à estepe.

Segundo 2,7 e 4,16, Éden é situado “a oriente” da Mesopotâmia, por onde passam os rios Eufrates e Tigre (v. 14) tornando a terra fértil, num “jardim de Éden” (v. 15). Uns pesquisadores o situam no sul da Arábia (hoje Iêmen), por onde deviam passado os primeiros seres humanos para fora da África.

E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar, a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal (v. 9).

A “árvore da vida” (Pr 3,18; 11,30; 13,12; 15,4) tornou-se símbolo da imortalidade (cf. 3,22).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 26) comenta: Este texto recebeu numerosas interpretações. A “árvore da vida” (ou planta da vida) era conhecida no Antigo Oriente que dava este nome à vegetação de que se alimentavam animais e homens, e até os deuses nos seus santuários; como os deuses não morriam, podia-se ver nela um alimento de imortalidade. O livro dos Provérbios (3,18) associa a árvore da vida à aquisição da sabedoria divina.

“Conhecimento do que seja bom ou mau”, isto é, o saber que permite ser feliz ou infeliz, melhor que a tradução comum, “a árvore de conhecimento do bem e do mal”, que dá a esta árvore um significado excessivamente moral ou intelectual. O conhecimento era entre os israelitas mais experimental que teórico. A ciência da felicidade e da infelicidade (Dt 1,39; 1Rs 3,9; Is 7,15) é um discernimento (2Sm 19,36) de caráter universal (Gn 24,50; 31,24) que permite julgar tudo (2Sm 14,17), para a felicidade e a infelicidade própria dos outros. O Antigo Oriente, que conhecia “árvores da verdade”, ao que parece, não menciona tal árvore antes da Bíblia. 

O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim de Éden, para o cultivar e guardar (v. 15).

Depois de omitir a menção dos quatro rios (vv. 10-14), o texto da nossa liturgia apresenta a síntese, antes de introduzir o tema do mandamento de v. 16s. A finalidade de “cultivar e guardar” representa um complemento importante ao “submeter” a terra e ao “dominar” os animais em 1,28. O ser humano não tem autoridade de destruir o meio ambiente (nosso jardim), mas deve guardar e preservá-lo.

A Bíblia do Peregrino (p. 18s) comenta: Dois verbos resumem o dom: “tomar” e “colocar”; outros dois resumem a tarefa: “guardar” e “cultivar”. Os primeiros são usados em contextos de restauração: do exílio ou da diáspora para a terra prometida, p. ex. Ez 36,24; 37,21; os outros dois são típicos da exortação sobre a lei, com o significado de “cumprir e servir”.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 24) comenta: No centro, a árvore da vida e a do conhecimento indicam a lógica do jardim: nele tudo está orientado para a vida e em função da vida (Pr 3,18; 11,30). Esta ordem deve ser cultivada e guardada, pois a perversão dela, o uso do conhecimento para dominar e acumular, leva para a morte. São aspectos que refletem a vida nas casas camponesas de Israel.

“Para o cultivar”; melhor seria traduzir: “para cultivar o solo”, em vez de “o” jardim. Pois o pronome (feminino) remete a “solo” (feminino em hebr.) do v. 9, antes que ao “jardim de Éden” (masculino em hebr.).

E o Senhor Deus deu ao homem uma ordem, dizendo: “Podes comer de todas as árvores do jardim, mas não comas da árvore do conhecimento do bem e do mal; porque, no dia em que fizeres, sem dúvida morrerás” (vv. 16-17).

“Bem e mal” significa a totalidade na esfera dos valores. A Bíblia de Jerusalém (p. 33) comenta: Este conhecimento é um privilégio que Deus se reserva e que o homem usurpará pelo pecado (3,5.22). Não se trata, pois, nem da onisciência, que o homem decaído não possui, nem do discernimento moral, que o homem inocente já tinha e que Deus não pode recusar à sua criatura racional. É a faculdade de decidir por si mesmo o que é bem e o que é mal, e de agir consequentemente: reivindicação de autonomia moral pela qual o homem nega seu estado de criatura (cf. Is 5,20). O primeiro pecado foi um atentado à soberania de Deus, um pecado de orgulho. Esta revolta exprimiu-se concretamente pela transgressão de um preceito estabelecido por Deus e representado sob a imagem do fruto proibido.

A fórmula do mandamento: “podes …, não podes …”, e a lei com cláusula penal, “serás réu de morte”, procedem dos códigos israelitas (cf. Ex 20,9s; 21,12-17). “Sem dúvida, hás de morrer (lit. “de morte hás de morrer”), isto é, morrerás com certeza. O homem tirado do pó da terra (solo) está sujeito à morte como toda criatura terrestre, mas teria podido escapar a ela pela fidelidade a Deus. Ao negligenciar a advertência divina, o homem se expõe fatalmente à morte (cf. 3,19).  

A Bíblia de Jerusalém (p. 33) comenta: A mesma expressão é empregada nas leis e nas sentenças que preveem uma pena de morte. Comer o fruto não provoca uma morte instantânea: Adão e Eva sobrevivem, e a condenação de 3,16-19 não fala da morte, senão como termo de uma vida miserável. O pecado, simbolizado pelo fato de comer o fruto, merece a morte: o texto não diz mais que isso (cf. 3,3).

  • Reconhecer estes relatos bíblicos como mitos simbólicos quer dizer que não são mais verdadeiros quando confrontados com a ciência? Mas o simbolismo da Bíblia revela verdades mais profundas do que o mero fato científico (da mesma maneira, a psicanálise analisa os símbolos dos sonhos, que são mitos pessoais, e descobre coisas importantes para a vida da pessoa). Assim o simbolismo da Bíblia nos diz muito sobre a posição do homem na criação e a convivência ideal de homem e mulher (Adão e Eva somos todos nós), constitui valores enquanto a ciência só observa.
  • É desta maneira simbólica que se deve interpretar o relato da criação do ser humano, não ao pé da letra. “O literalismo propugnado pela leitura fundamentalista constitui uma traição…, evita a íntima ligação do divino e do humano nas relações com Deus.” (Verbum Dómini n.º 44)
  • A Igreja Católica não é “criacionista” (fundamentalismo que entende Gn ao pé da letra, contrariando as evidências da ciência, p. ex. a teoria de Darwin sobre a “evolução das espécies”), mas acreditamos em Deus que criou tudo, porque “de nada, nada se faz”: O “Big Bang” (explosão surgida há 13 bilhões de anos como início do universo seguindo a ciência) não pode surgir do nada, nem a inteligência e o amor dos seres vivos surgir do “mero acaso” sem finalidade. O que para nós (e para a ciência) parece ser acaso, é a liberdade de Deus que nunca pode ser compreendido totalmente ou determinado por outros seres.
  • A ciência trouxe descobertas grandiosas que aumentam nosso louvor ao Deus Criador (p. ex. Deus criou uma imensidão de espaço sideral e fez o ser humano com os mesmos átomos que vieram da explosão de supernovas (somos de fato “pó de estrelas”) numa evolução impressionante (DNA, cérebro, etc.). Cf, o louvor a Deus criador em Sl 8; 19; 104 (103); Eclo 42-43; Dn 3,52-90.

Evangelho: Mc 7,14-23

Depois de responder bem à crítica dos fariseus sobre comer os pães sem lavar as mãos (cf. vv. 1-13; evangelho de ontem), Jesus se dirige à multidão (v. 14-16) e depois, em casa, aos discípulos (vv. 20-23).

Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (vv. 14-16).

Já não se trata de uma tradição, de interpretação e observância, mas da própria lei, ou seja, dos tabus alimentares rituais (Lv 11; Dt 14). Na torá (a “lei” de Moisés, em grego o Pentateuco, os primeiros cinco livros do AT), Deus diz: “Separai o puro do impuro” (Lv 10,10) e: “Separai também vós os animais puros dos impuros… e não vos contamineis com animais, aves ou répteis que eu separei como impuros. Sede santos para mim, porque eu, o Senhor, sou santo…” (20,25-26). O que Jesus diz equivale à abolição formal dessa lei (vv. 19-20; At 10,9-15).

O apelo ao ouvido (v. 16; cf. 4,9.23) falta na maioria dos manuscritos.

Quando Jesus entrou em casa, longe da multidão, os discípulos lhe perguntaram sobre essa parábola. Jesus lhes disse: “Será que nem vós compreendeis? Não entendeis que nada do que vem de fora e entra numa pessoa, pode torná-la impura, porque não entra em seu coração, mas em seu estômago e vai para a fossa?” Assim Jesus declarava que todos os alimentos eram puros (vv. 17-19).

No evangelho de Mc, Jesus só fala em parábolas à multidão de fora, mas explica-as aos seus discípulos que estão com ele num segundo momento, num círculo mais reservado (cf. 4,10-13.33s). “Parábola” traduz a palavra hebraica mashal, que pode apenas ser uma sentença lapidar e enigmática, em Mc concernente à obra para a qual Jesus foi enviado (cf. 3,23-27; 4,11). “Compreender” isso é difícil para os discípulos e também para os chefes da igreja primitiva (cf. At 10-11).  “Declarava puros”, lit.: “purificando todos os alimentos”; parte de frase obscura (talvez glosa) e interpretada de diferentes maneiras. A ab-rogação das proibições alimentares (v. 19) explica-se pela chegada do Reino de Deus e a vitória sobre satanás (cf. a questão do jejum em 2,18-22), e deve eliminar qualquer obstáculo à comunidade de mesa entre cristãos de origem judaica e cristãos de origem pagã (cf. At 10,1-11,18; Gl 2,12). Em seguida, Mc falará da comunhão dos pães com os pagãos (cf. os evangelhos dos próximos dias, da siro-fenícia e da multiplicação dos pães para 4000 pessoas, cf. vv. 24-30; 8,1-10).

Ele disse: “O que sai do homem, isso é que o torna impuro. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (vv. 20-23).

O que se segue é, para os discípulos, um comentário ao novo princípio. A expressão “o que sai do homem” pode soar com um duplo sentido (excremento, cf. Dt 23,13-15, o que induz à explicação do v. 19). Sem negar a existência do diabo, o evangelho não joga a culpa num ser fora do homem, mas insiste na responsabilidade do próprio ser humano, “de dentro do coração saem as más intenções… Todas estas coisas más saem de dentro” (vv. 20-23). Seu coração, sua consciência livre, é a fonte da vida moral. A lista de doze pecados, embora seletiva, quer abranger os principais campos ou os mais frequentes; alguns pertencem ao decálogo (dez mandamentos, cf. Ex 20; Dt 5).

O site da CNBB comenta: Todos nós somos capazes de ver a influência que a sociedade exerce sobre o comportamento das pessoas e muitas vezes ouvimos pessoas que querem responsabilizar outras pessoas ou a sociedade pelos seus próprios atos. Jesus, no Evangelho de hoje, nos mostra que, na verdade, a responsabilidade do ato compete à própria pessoa, pois a pessoa age de acordo com os valores ou desvios que estão presentes no seu coração. É claro que existe a influência do meio, mas ela só determina a vida da pessoa se encontra eco no seu coração, caso contrário, a pessoa rejeita essa influência.

 

 

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